RAZÕES PARA AGIR - DEREK PARFIT (RESUMO)


O que se segue é um resumo da Parte 1 do livro On What Matters de Derek Parfit, intitulada Razões. Essa parte é composta por 7 capítulos, sendo eles: 1. Conceitos Normativos; 2. Teorias Objetivas; 3. Teorias Subjetivas; 4. Outros Argumentos; 5. Racionalidade; 6. Moralidade e 7. Conceitos Morais. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.

 

1. CONCEITOS NORMATIVOS

 

Nós somos animais que entendem e respondem a razões. Podemos ter razões tanto para acreditar em algo como para agir de um determinado modo. Fatos podem nos dar razões, por exemplo, nós sempre temos uma razão para evitar estar em agonia. Chamamos de razões decisivas, aquelas razões para agir de um determinado modo que são razões mais fortes do que nossas razões para agir de qualquer outra forma e agir de acordo com essas razões é o que temos maior razão para agir. Quando uma razão desse tipo é mais forte do que razões conflitantes, dizemos que elas são razões fortemente decisivas. Chamamos de sentido implicado de razão decisiva, a razão no sentido do que devemos fazer em acordo com aquilo que temos a maior razão para fazer. Há também o que podemos chamar de dever racional, que consiste naquilo que devemos racionalmente fazer. Agir racionalmente significa agir de modo que nossa ação é digna de elogio e aprovação e agir irracionalmente significa agir de modo que nossa ação é digna de crítica e desaprovação.

 Os fatos que nos dão razões para agir de uma determinada forma são denominados fatos doadores de razão. Chamamos de crenças cuja verdade é doadora de razão aquelas crenças sobre fatos relevantes e sobre nosso dever que, se forem verdadeiras, nos dão razões para agir de um determinado modo. Podemos classificar nossos atos em:

(1) atos racionais: ocorre quando, se nós temos crenças sobre os fatos relevantes, a verdade dessas crenças nos daria razão suficiente para adotar esse modo de agir.

(2) atos conforme nosso dever racional: consiste naquilo que devemos racionalmente fazer se nossas razões forem decisivas.

(3) atos não completamente racionais: ocorre quando nós temos crenças cuja verdade nos daria claras e decisivas razões para não agir desse determinado modo.

(4) atos irracionais: são aqueles atos cujas razões para não agir de tal modo são fortemente decisivas.

Chamamos de razões aparentes aquelas que são dadas por crenças cuja verdade nos daria razões para agir de um determinado modo. Se essas crenças são de fato verdadeiras essas razões são razões reais. O que torna uma ação racional são as razões aparentes, independente de elas serem reais ou não. No geral, nós agimos racionalmente quando nós agimos de determinado modo porque nós temos crenças sobre os fatos relevantes cuja verdade nos daria razões suficientes para agir desse modo. Por sua vez, no geral, nós agimos irracionalmente quando nós agimos de um determinado modo apesar de termos crenças cuja verdade nos daria claras e fortes razões para não agir assim.

No entanto, quando estamos decidindo o que nós ou outros devemos fazer, o que importa são os fatos doadores de razões. Podemos, no entanto, também falar de dever no sentido de dever relativo às evidências, aquilo que, quando conhecemos todos os fatos relevantes, devemos fazer baseado nas evidências disponíveis. No entanto, para evitar confusões, o melhor é empregar o termo “dever” no sentido daquilo que temos razões decisivas para fazer.

Nós dizemos que uma coisa é boa no sentido implicado de razão quando existem certos tipos de fatos sobre a natureza ou propriedades de tal coisa que, em certas situações, dariam a nós ou a outros razões para responder a essa coisa em sentido positivo, tais como desejando-a, escolhendo-a, produzindo-a ou preservando-a. Dizemos que uma coisa é boa para nós, quando essa coisa está de acordo com os nossos interesses, nos beneficia ou contribui para o nosso próprio bem-estar. Algo é intrinsecamente bom para nós, quando tal coisa é, em si mesma, um dos elementos de nossa vida na qual nosso bem-estar consiste. Por outro lado, algo é instrumentalmente bom para nós, se tal coisa produz efeitos que são intrinsecamente bons para nós.

De acordo com teorias hedonistas, nosso bem-estar consiste, grosso modo, no prazer e na felicidade, e na evitação da dor e do sofrimento. De acordo com teoria dos bens substantivos, nosso bem-estar consiste, ao menos parcialmente, em certos estados e atividades, tais como amar e ser amado, ser moralmente bom, entre outros tipos de realizações. De acordo com teorias baseadas no desejo, nosso bem-estar consiste na realização de alguns de nossos desejos, tais como nossos desejos bem-informados sobre nossa própria vida.

Nós temos razões autointeressadas de nos importarmos com nosso próprio bem-estar e razões altruístas de nos importarmos com o bem-estar de outras pessoas. Chamamos de razões altruístas parciais aquelas razões que temos para nos importarmos de maneira especial com o bem-estar de pessoas que são de algum modo relacionadas a nós, como familiares e amigos. Chamamos de razões altruístas imparciais, as razões que temos de nos importarmos com o bem-estar de qualquer pessoa.

Dizemos que um entre dois eventos é bom para alguém no sentido implicado de razão quando há certos fatos que dão a essa pessoa razões autointeressadas para querer que esse evento ocorra e que dá a outras pessoas razões altruístas para querer, para o bem dessa própria pessoa, que esse evento ocorra. Por outro lado, dizemos que um entre dois eventos é melhor no sentido implicado de razão quando todo mundo tem, de um ponto de vista imparcial, razões mais fortes para querer que esse evento ocorra.

 

2. TEORIAS OBJETIVAS

 

Há dois tipos de teorias: objetivistas e subjetivistas. De acordo as teorias objetivistas, todas as razões práticas são objetivas. Segundo os objetivistas, há certos fatos que nos dão razões tanto para ter certos desejos e objetivos quanto para buscar alcançar esses objetivos. Essas razões podem ser chamadas de razões dadas pelo objeto. As razões práticas objetivas são fornecidas por coisas que tem valor em si mesmas, de modo que se pode falar das teorias objetivistas como teorias baseadas no valor. Já para as teorias subjetivistas, todas as razões práticas são subjetivas. Segundo os subjetivistas, nossas razões para agir de um determinado modo são fornecidas por ou depende de nossos desejos e objetivos presentes. Alguns subjetivistas apelam para nossos desejos reais enquanto outros para os desejos que teríamos caso tivéssemos considerado cuidadosamente os fatos relevantes. As razões práticas subjetivas são dadas pelos nossos desejos, algo é considerado de valor porque desejamos e valorizamos tal coisa, por isso pode-se falar das teorias subjetivistas como teorias baseadas no desejo.

Chamamos de desejos teleológicos ou télicos, aqueles desejemos que temos quando queremos algo como um fim por si mesmo. Por sua vez, chamamos de desejos instrumentais, aqueles desejos que temos quando queremos algo como um meio. Nossos desejos instrumentais formam cadeias que têm como base desejos teleológicos. De acordo com o hedonismo psicológico, todos os desejos teleológicos que estão na base das cadeias de desejos instrumentais são desejos por prazer ou por evitar a dor. Essa teoria é falsa, já que nem sempre queremos como fim o prazer e mesmo o prazer nem sempre é buscado como um fim.

Chamamos de razões práticas, as razões que temos tanto para querer que algo aconteça quanto para fazer algo acontecer de um determinado modo. Chamamos de razões epistêmicas, as razões que temos para ter uma determinada crença. Nossas razões para ter algum desejo são fornecidas pelos fatos sobre o objeto desse desejo. Tais razões são, pois, razões dadas pelo objeto. Algumas pessoas, no entanto, defendem que existem razões dadas por estados, essas razões seriam fornecidas, não pelos fatos sobre o objeto desejado, mas por fatos sobre nosso estado de ter determinado desejo. Dentro dessa perspectiva poderíamos ter quatro tipos de razões:

(1) Razões intrínsecas dadas pelo objeto: ocorre quando o evento que desejamos é em si mesmo bom ou digno de ser buscado.

(2) Razões instrumentais dadas pelo objeto: ocorre quando o evento que desejamos produziria bons efeitos.

(3) Razões intrínsecas dadas pelo estado: ocorre quando nosso estado de desejar determinado evento é em si mesmo bom.

(4) Razões instrumentais dadas pelo estado: ocorre quando nosso estado de desejar determinado evento produz bons efeitos.

Caso tenhamos, no entanto, razões dadas por estados, elas são irrelevantes, pois se seria melhor estarmos em determinado estado, nós também teríamos razões dadas pelo objeto para querer isso.

Nosssas razões dadas pelo objeto para querer um determinado evento são todas fornecidas por fatos sobre esse evento. Tais razões são razões télicas quando elas são fornecidas pelos fatos que fazem determinado evento bom como um fim. Tais razões são razões instrumentais quando elas são fornecidas pelo fato de que determinado evento teria bons efeitos por ser um meio para um fim bom. Chamamos de razões télicas intrínsecas, aquelas razões que são fornecidas por fatos sobre as propriedades intrínsecas de determinado evento ou sobre propriedades que esse evento envolve em si mesmo. Chamamos de razões télicas extrínsecas aquelas que são fornecidas por fatos sobre a relação desse evento com outros eventos. Esses eventos são extrinsicamente bons por fazer uma sequência maior de eventos ser intrinsicamente boa.

Diferentes teorias objetivistas discordam parcialmente entre si sobre quais fatos nos dão razões télicas intrínsecas. De acordo com o Egoísmo Racional, cada um de nós tem razões para nos preocuparmos e promovermos somente o nosso próprio bem-estar. De acordo com o Imparcialismo Racional, nós sempre temos maior razão para nos preocuparmos igualmente com o bem-estar de qualquer um. Ambas essas teorias são problemáticas.

É importante, ainda, distinguir agrados/desagrados hedonistas, que se referem aos nossos estados de se agradar ou desagradar de determinada sensação presente; de desejos meta-hedonistas, que se referem aos nossos desejos de querer estar ou não estar em um estado que nos agrada ou nos desagrada. O que nos agrada ou desagrada é a sensação, o que desejamos ou não desejamos é não estar tendo ou estar tendo essa sensação que nos agrada ou desagrada. Por fim, há uma preferência irracional que denominamos viés sobre o que está próximo, que ocorre quando preferimos uma agonia maior em um futuro distante do que uma agonia menor em um futuro próximo.

 

3. TEORIAS SUBJETIVAS

 

Teorias subjetivas apelam para fatos sobre nossos desejos, objetivos ou escolhas presentes. De acordo com a Teoria baseada no desejo, nós temos razões para fazer o que quer que satisfaça qualquer um de nossos desejos presentes. Essa teoria, no entanto, possui reformulações. De acordo com a Teoria do desejo télico, nós temos maior razão para fazer o que quer que satisfaça ou realize melhor nossos desejos ou objetivos télicos presentes. De acordo com a Teoria do desejo livre de erro, nós temos maior razão para fazer o que quer que melhor satisfaça ou realize nossos desejos ou objetivos télicos que são livres de erros, no sentido de que esses desejos não dependem de crenças falsas. De acordo com, a Teoria do desejo bem-informado, nós temos maior razão para querer o que quer que satisfaça nossos desejos ou objetivos télicos que nós teríamos caso nós conhecêssemos todos os fatos relevantes.

De acordo com a Teoria Deliberativa, nós temos maior razão para querer o que quer que, após uma deliberação completamente bem informada e racional, nós escolheríamos fazer. Denominamos como racionalidade procedural, o processo deliberativo no qual nós tentamos imaginar os efeitos importantes de diferentes atos possíveis, buscando acessar corretamente as probabilidades e buscando seguir certas regras procedurais. Subjetivistas apelam apenas para a racionalidade procedural, já objetivistas também apelam para a racionalidade substantiva, que consiste em nosso dever de responder com certos desejos e objetivos a determinadas razões dadas por objetos.

Para o subjetivismo sobre razões, aquilo que nós temos maior razão de fazer e aquilo que devemos fazer em sentido que implica uma razão decisiva é aquilo que irá melhor satisfazer nossos desejos ou objetivos télicos bem informados ou que seria aquilo que escolheríamos após deliberação ideal. Denomina-se deliberação ideal o processo pelo qual fazemos escolhas em conformidade com deliberação racional em sentido procedural e bem informada.

É possível demonstrar que o subjetivismo é falso usando o argumento da agonia. Suponha o caso de alguém que mesmo após uma análise racional e bem informada decidisse que quer passar por um período futuro de agonia sem propósito. Para que o argumento funcione basta que esse caso seja viável em termos imaginários, já que uma boa teoria ética precisa dar conta de casos imaginários. Todavia, temos casos reais, como de pessoas em depressão profunda ou sadomasoquistas, que realmente desejam estar em um estado futuro de agonia. Tal pessoa, para o subjetivismo, não teria qualquer razão para não estar em um estado futuro de agonia. Considere também que tal pessoa ainda deseja estar em agonia mesmo após conhecer todos os fatos relevantes sobre essa agonia.

De acordo com as teorias subjetivistas, é somente fatos sobre nossos próprios desejos e objetivos presentes que nos fornecem razões.  Logo, todas as teorias subjetivistas implicam que não temos razões para querer evitar estar em agonia. Essa conclusão, no entanto, é absurda. A própria natureza da agonia nos dá razões para evitá-la. Assim, todos nós temos razões para evitar uma agonia futura. O subjetivismo implica que não temos essas razões. Logo, o subjetivismo é falso.

 

4. OUTROS ARGUMENTOS

 

4.1 Argumento Tudo ou Nada

O argumento tudo ou nada contra o subjetivismo é o seguinte:

1.  Se nós temos razões baseadas em desejos para agir, tudo que importaria é se determinado ato iria satisfazer os desejos télicos que temos agora após deliberação ideal. Seria irrelevante o que nós queremos ou estamos tentando alcançar.

2. Ou todos os nossos desejos nos dão razões ou nenhum deles nos dá.

3. Se todos os nossos desejos nos dão razões, nossos desejos poderiam nos dar razões para fazer com que nós mesmos estejamos em agonia por si mesma, para desperdiçar nossa vida e para tentar alcançar várias coisas ruins.

4. Nós não podemos ter essas razões.

5. Logo, nenhum desses desejos nos dá qualquer razão. Nós não temos qualquer razão baseada em desejos para ter qualquer desejo ou para agir de determinada fora.

 

4.2 Argumento da Incoerência

 

Muitos subjetivistas advogam ao mesmo tempo que:

(1) O que nós temos maior razão para fazer é o que quer que melhor satisfaria, não nossos desejos ou objetivos télicos reais, mas os nossos desejos ou objetivos télicos que nós teríamos, ou que nós quereríamos que nós mesmos tivéssemos, se nós conhecêssemos e tivéssemos considerado todos os fatos relevantes.

(2) Quando nós estamos tomando decisões importantes, nós devemos, se nós podemos, tentar aprender mais sobre os diferentes resultados de nossos atos a fim de que possamos ter desejos e objetivos télicos mais bem informados

Os subjetivistas não podem, no entanto, manter essas duas afirmações coerentemente. Isso ocorre porque os fatos relevantes que alguém deveria considerar, para os subjetivistas, não podem, por suas próprias propriedades, nos fornecer quaisquer razões. Além disso, não haveria qualquer razão objetiva para considerar que esses desejos bem informados são melhores.

 

5. RACIONALIDADE

 

Quando nós estamos conscientes de fatos que nos dão certas razões, nós temos o dever de racionalmente responder a essas razões. Enquanto razões são dadas por fatos, aquilo que nós podemos racionalmente querer ou fazer depende de nossas crenças. Como considerado, essas crenças são crenças cuja verdade nos daria razões. Essas crenças nos dão razões aparentes. Quando essas crenças são verdadeiras, essas razões aparentes também são razões reais. Visto que um desejo poder ser uma resposta racional sobre algo que acreditamos, esse desejo não só seria causado por essa crença, mas também justificado por ela.

A racionalidade de alguns de nossos desejos depende somente de seus objetos intencionais, que são os possíveis eventos que nós queremos, com as características que nós acreditamos que esses eventos teriam. A racionalidade de nossos atos depende daquilo que nós estamos intencionalmente fazendo e pode também depender de nossas crenças sobre o que estamos fazendo. Desse ponto de vista, nossos desejos e atos são racionais quando eles dependem causalmente de modo certo das crenças cuja verdade nos daria razões suficientes para ter esses desejos e agir desse modo. Para ser plenamente racionais, nós também precisamos atender a certos requerimentos racionais, tais como não ter intenções contraditórias e intentar fazer o que nós acreditamos que devemos fazer.

Uma crença é racionalmente derivada de outras crenças se, caso essas outras crenças forem verdadeiras, isso me daria razões para acreditar nela. O fato de uma crença ser racional depende em parte em se essa crença é racionalmente derivada de alguma de outras crenças nossas e em parte se essas outras crenças são racionais. A racionalidade de algumas de nossas crenças depende em parte de outras coisas, como as suas relações com nossas experiências perceptuais.

Um desejo ou ato é racionalmente apoiado por uma crença, quando a verdade dessa crença nos dá razões suficientes para ter esse desejo ou para agir desse modo. O fato de um desejo ou ato ser racional depende em parte em se esse desejo ou ato é racionalmente apoiado por alguma de nossas crenças e em parte se essas crenças são racionais.

 

6. MORALIDADE

De acordo com o Egoísmo Racional, nós sempre temos maior razão para fazer o que quer que seja melhor para nós mesmos. Já de acordo com o Imparcialismo Racional, nós sempre temos maior razão para fazer o que é imparcialmente melhor. De acordo com o que Sdgwick chama de Dualismo da Razão Prática, nós sempre temos maior razão para fazer o que quer seria imparcialmente melhor, a menos que algum outro ato seria melhor para nós mesmos. Nesse caso, nós teríamos razões suficientes para agir de qualquer um dos dois modos. Se nós conhecêssemos os fatos relevantes, qualquer um dos atos seria racional.

De acordo com o Dualismo de Sidgwick as razões imparciais e de autointeresse são completamente incomparáveis. Nenhuma razão imparcial pode ser mais forte ou mais fraca do que qualquer razão de autointeresse.  Sidgwick entende que a separação entre as pessoas é um fato ético fundamental, ela significa que a perda de felicidade de uma pessoa não pode ser compensada pelo ganho de felicidade de outra. Além disso, o Dualismo de Sidgwick se baseia no que Nagel denomina como dualidade dos pontos de vistas, que se refere ao fato de que do nosso próprio ponto de vista, razões de autointeresse são supremas enquanto do ponto de vista imparcial, razões imparciais são supremas. De acordo com o Argumento dos Pontos de Vistas proposto por Sidgwick, para comparar esses dois pontos de vistas, seria necessário um terceiro ponto de vista neutro, mas não há esse terceiro ponto de vista, logo qualquer uma das duas ações seriam racionais.

Esse argumento, no entanto, pode ser rejeitado e revisado. Para ser capaz de comparar razões parciais e imparciais, não precisamos de um terceiro ponto de vista neutro. Nós podemos comparar essas razões de nosso próprio ponto de vista real. Nossas razões parciais e imparciais são apenas muito imprecisamente comparáveis. De acordo com a visão objetiva ampla baseada em valor: quando um de dois atos possíveis nossos fariam as coisas irem de algum modo imparcialmente melhor, mas o outro ato faria as coisas irem melhor quer para nós mesmos quer para aqueles que possuem laços próximos conosco, nós geralmente temos razões suficientes para agir de qualquer um dos dois modos.

Esse “geralmente” admite várias exceções. Considerando essas exceções, podemos considerar uma visão revisada da posição de Sidgwick. De acordo com o Dualismo ampliado, quando nós estamos escolhendo entre dois atos moralmente permissíveis, em que um seria melhor para nós mesmos e o outro seria melhor para um ou mais estranhos, nós podemos racionalmente dar maior peso ao nosso próprio bem-estar ou dar, grosso modo, igual peso para o bem-estar de qualquer um.

De acordo com o Racionalismo Moral, nós sempre temos maior razão para fazer o que é nosso dever. Não pode ser racional agir de qualquer modo que acreditamos ser errado. Já para o Egoísmo Racional, nós sempre temos maior razão para fazer o que for melhor para nós mesmos. Não pode ser racional agir de qualquer forma que nós acreditamos que seja contra nossos próprios interesses. Algumas pessoas aceitam essas duas visões, crendo que dever e autointeresse nunca entram em conflito.

Para Sidgwick, no entanto, dever e autointeresse em alguns casos podem entrar em conflito. De acordo com o Dualismo entre Dever e Autointeresse, se dever e autointeresse entrarem em conflito, nós sempre temos maior razão tanto para cumprir nosso dever quanto para fazer o que é melhor para nós mesmos. Mas se nós temos que escolher entre dois atos, entre os quais um é nosso dever e o outro é o que é melhor para nós mesmos, as razões não teriam mais como nos fornecer um guia. Esse é o Problema Profundo da Moral, que se autointeresse e dever podem entrar em conflito, não há mais uma conduta racional ideal.

Nesses casos, poderíamos ter razões suficientes para agir errado. O problema do moralista consiste em se podemos evitar essa conclusão. Pode ser que em alguns desses casos haja algo que tenhamos maior razão para fazer. O problema do racionalista consiste em se isso é verdadeiro. Há, no entanto, uma terceira possibilidade. De acordo com o Racionalismo moral fraco, nós sempre temos razões suficientes para cumprir o nosso dever e evitar agir errado.

Para lidar com esse problema, precisamos distinguir dois tipos de normatividade. Há a normatividade de razões, que diz respeito às razões suficientes para agir de um determinado modo. Há, por outro lado, a normatividade de regras, que diz respeito às normas sobre o que é certo e errado. Nós podemos algumas vezes ter razões suficientes ou decisivas para agir errado.

 

7. CONCEITOS MORAIS

 

O termo errado pode ter diferentes sentidos. De acordo com o sentido factual de errado, um ato é errado apenas quando esse ato seria errado em sentido moral se nós conhecêssemos todos os fatos morais relevantes. De acordo com o sentido de errado relativo à crença, um ato é errado apenas quando esse ato seria errado em sentido moral se nossas crenças sobre esses fatos forem verdadeiras. De acordo com o sentido evidencial de errado, um ato é errado apenas quando esse ato seria errado em sentido moral se nós acreditássemos que as evidências disponíveis nos dão razões decisivas para acreditar que essas crenças são verdadeiras. Atos são nesse sentido corretos ou pelo menos moralmente permissíveis, quando eles não são errados, e eles são o que nós devermos moralmente fazer quando todas as outras alternativas seriam erradas nesses sentidos.

De acordo com a visão kantiana, a culpabilidade de um ato não pode depender de sorte. Por sua vez, de acordo com a visão semi-kantiana, a culpabilidade de um ato não pode depender inteiramente na sorte. Mas quando dois atos são dignos de culpa em algum sentido que não depende de sorte, um desses atos pode ser mais digno de culpa em algum sentido que depende de sorte. De acordo com alguns semi-kantianos, quando atos são dignos de culpa porque eles são errados no sentido de errado relativo à crença, esses atos são mais dignos de culpa do que se eles fossem errados no sentido factual. Alguns semi-kantianos também defendem que quando atos são dignos de culpa porque eles são errados no sentido relativo à crença, esses atos são mais dignos de culpa do que se eles fossem errados no sentido evidencial.

Há, ainda um quarto sentido de errado. Algo é errado em sentido de crença moral, apenas quando o agente acredita que esse ato seja errado em sentido moral. De acordo com a visão tomista, quando uma pessoa acredita que ela está agindo de modo errado, isso é suficiente para tornar esse ato errado, mesmo que esse ato não fosse errado em outro sentido. No entanto, para tomistas, quando alguém acredita que algum ato é correto isso não é suficiente para tornar esse ato correto. Mesmo que rejeitássemos tal visão, parece claro que na maioria dos casos, quando alguém age de alguma forma que essa pessoa acredita ser errada, isso faz tal ato digno de culpa.

De acordo com o Expectabilismo, quando o caráter de ser certo de um ato depende na bondade dos efeitos possíveis desse ato, nós devemos agir ou tentar agir de modo que os resultados sejam expectativamente melhores. Um ato está de acordo com o dever prático em sentido factual, quando ele é o que nós devemos praticamente fazer apenas quando e porque esse ato é o que temos razões decisivas para fazer. Um ato está de acordo com o dever prático em sentido evidencial, quando ele é o que devemos praticamente fazer apenas quando esse ato seria o que nós temos razões decisivas para fazer se nós acreditássemos que as evidências disponíveis nos dão razões decisivas para acreditar que essas crenças são verdadeiras. Um ato está de acordo com o dever prático no sentido relativo à crença quando ele é o que devemos praticamente fazer apenas quando esse ato seria o que temos razões decisivas para fazer se nossas crenças sobre os fatos forem verdadeiras. Por fim, um ato está de acordo com nosso dever prático no sentido normativo, quando esse ato é o que devemos praticamente fazer apenas quando esse ato é o que acreditamos que devemos praticamente fazer ou o que acreditamos que temos razões decisivas para fazer.

Há outros sentidos de errado. Podemos dizer que um ato é certo ou moralmente permissível, quando esse ato não seria errado. Um ato é nosso dever moral ou moralmente requerido quando seria errado para nós não agir dessa forma. Algo pode também ser errado no sentido de ser digno de culpa. Algo também pode ser errado no sentido reativo, nesse sentido errado significa um ato de um tipo que dá ao seu agente razões para sentir remorso e culpa, e dá a outros razões para sentir indignação e ressentimento. Algo também pode ser errado em sentido justifiabilista, nesse sentido errado significa aquilo que não pode ser justificado para os outros. Algo também pode ser errado em sentido de razão decisiva, nesse sentido errado significa o que nós temos razões decisivas para não fazer. Algo também pode ser errado no sentido de razões morais decisivas, nesse sentido errado significa o que nós temos razões morais decisivas para não fazer.  Algo também pode ser errado no sentido de razão moralmente decisiva, nesse sentido errado significa o que nós temos razões moralmente decisivas para não fazer.

De acordo com o sentido da razão imparcial, um ato é errado quando nós temos razões imparciais mais fortes para fazer outra coisa. De acordo com o Consequencialismo de Atos, nós sempre temos o dever de fazer o que quer que faria as coisas serem melhores. Assim, para a razão imparcial do Consequencialismo de Atos, o que nós temos as razões imparciais mais fortes para fazer é o que quer que faria as coisas irem melhores no sentido em que todos nós temos razões imparciais mais fortes para querer que as coisas sejam. De acordo com o Utilitarismo Hedonista, o que nós devemos fazer no sentido imparcial é o que quer que produziria a maior soma de felicidade e a menor de sofrimento.

 


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