RAZÕES PARA AGIR - DEREK PARFIT (RESUMO)
O que se segue é um resumo da Parte 1 do livro On What Matters de Derek Parfit, intitulada Razões. Essa parte é composta por 7 capítulos, sendo eles: 1. Conceitos Normativos; 2. Teorias Objetivas; 3. Teorias Subjetivas; 4. Outros Argumentos; 5. Racionalidade; 6. Moralidade e 7. Conceitos Morais.É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação das teses do texto original de forma compactada, não uma resenha crítica. A ideia é de que o texto permaneça do autor original no sentido de apresentar de modo resumido suas principais teses no livro. Entretanto, este resumo não substitui a leitura do livro original, nem é uma reprodução dele, trata-se apenas de um roteiro para estudo com propósito educacional sem fins lucrativos. A obra usada como referência para este resumo foi: PARFIT, Derek. On What Matters. Oxford: Oxford University Press, 2011.
1. CONCEITOS NORMATIVOS
Nós somos animais que entendem e
respondem a razões. Podemos ter razões tanto para acreditar em algo como para
agir de um determinado modo. Fatos podem nos dar razões, por exemplo, nós
sempre temos uma razão para evitar estar em agonia. Chamamos de razões
decisivas, aquelas razões para agir de um determinado modo que são razões
mais fortes do que nossas razões para agir de qualquer outra forma e agir de
acordo com essas razões é o que temos maior razão para agir. Quando uma
razão desse tipo é mais forte do que razões conflitantes, dizemos que elas são razões
fortemente decisivas. Chamamos de sentido implicado de razão decisiva, a
razão no sentido do que devemos fazer em acordo com aquilo que temos a maior
razão para fazer. Há também o que podemos chamar de dever racional, que
consiste naquilo que devemos racionalmente fazer. Agir racionalmente
significa agir de modo que nossa ação é digna de elogio e aprovação e agir
irracionalmente significa agir de modo que nossa ação é digna de crítica e
desaprovação.
Os fatos que nos dão razões para agir de uma
determinada forma são denominados fatos doadores de razão. Chamamos de crenças
cuja verdade é doadora de razão aquelas crenças sobre fatos relevantes e
sobre nosso dever que, se forem verdadeiras, nos dão razões para agir de um
determinado modo. Podemos classificar nossos atos em:
(1) atos
racionais:
ocorre quando, se nós temos crenças sobre os fatos relevantes, a verdade dessas
crenças nos daria razão suficiente para adotar esse modo de agir.
(2) atos
conforme nosso dever racional: consiste naquilo que devemos racionalmente fazer se nossas
razões forem decisivas.
(3) atos não
completamente racionais: ocorre quando nós temos crenças cuja verdade nos daria
claras e decisivas razões para não agir desse determinado modo.
(4) atos
irracionais:
são aqueles atos cujas razões para não agir de tal modo são fortemente
decisivas.
Chamamos de razões aparentes
aquelas que são dadas por crenças cuja verdade nos daria razões para agir de um
determinado modo. Se essas crenças são de fato verdadeiras essas razões são
razões reais. O que torna uma ação racional são as razões aparentes,
independente de elas serem reais ou não. No geral, nós agimos racionalmente quando
nós agimos de determinado modo porque nós temos crenças sobre os fatos
relevantes cuja verdade nos daria razões suficientes para agir desse modo. Por
sua vez, no geral, nós agimos irracionalmente quando nós agimos de um
determinado modo apesar de termos crenças cuja verdade nos daria claras e
fortes razões para não agir assim.
No entanto, quando estamos decidindo
o que nós ou outros devemos fazer, o que importa são os fatos doadores de
razões. Podemos, no entanto, também falar de dever no sentido de dever
relativo às evidências, aquilo que, quando conhecemos todos os fatos
relevantes, devemos fazer baseado nas evidências disponíveis. No entanto, para
evitar confusões, o melhor é empregar o termo “dever” no sentido daquilo que
temos razões decisivas para fazer.
Nós dizemos que uma coisa é boa
no sentido implicado de razão quando existem certos tipos de fatos sobre a
natureza ou propriedades de tal coisa que, em certas situações, dariam a nós ou
a outros razões para responder a essa coisa em sentido positivo, tais como
desejando-a, escolhendo-a, produzindo-a ou preservando-a. Dizemos que uma coisa
é boa para nós, quando essa coisa está de acordo com os nossos
interesses, nos beneficia ou contribui para o nosso próprio bem-estar. Algo é intrinsecamente
bom para nós, quando tal coisa é, em si mesma, um dos elementos de nossa
vida na qual nosso bem-estar consiste. Por outro lado, algo é instrumentalmente
bom para nós, se tal coisa produz efeitos que são intrinsecamente bons para
nós.
De acordo com teorias hedonistas,
nosso bem-estar consiste, grosso modo, no prazer e na felicidade, e na evitação
da dor e do sofrimento. De acordo com teoria dos bens substantivos,
nosso bem-estar consiste, ao menos parcialmente, em certos estados e
atividades, tais como amar e ser amado, ser moralmente bom, entre outros tipos
de realizações. De acordo com teorias baseadas no desejo, nosso
bem-estar consiste na realização de alguns de nossos desejos, tais como nossos
desejos bem-informados sobre nossa própria vida.
Nós temos razões autointeressadas
de nos importarmos com nosso próprio bem-estar e razões altruístas de
nos importarmos com o bem-estar de outras pessoas. Chamamos de razões
altruístas parciais aquelas razões que temos para nos importarmos de
maneira especial com o bem-estar de pessoas que são de algum modo relacionadas
a nós, como familiares e amigos. Chamamos de razões altruístas imparciais,
as razões que temos de nos importarmos com o bem-estar de qualquer pessoa.
Dizemos que um entre dois eventos é bom
para alguém no sentido implicado de razão quando há certos fatos que dão a
essa pessoa razões autointeressadas para querer que esse evento ocorra e que dá
a outras pessoas razões altruístas para querer, para o bem dessa própria
pessoa, que esse evento ocorra. Por outro lado, dizemos que um entre dois
eventos é melhor no sentido implicado de razão quando todo mundo tem, de
um ponto de vista imparcial, razões mais fortes para querer que esse evento
ocorra.
2. TEORIAS OBJETIVAS
Há dois tipos de teorias:
objetivistas e subjetivistas. De acordo as teorias objetivistas, todas
as razões práticas são objetivas. Segundo os objetivistas, há certos fatos que
nos dão razões tanto para ter certos desejos e objetivos quanto para buscar
alcançar esses objetivos. Essas razões podem ser chamadas de razões dadas
pelo objeto. As razões práticas objetivas são fornecidas por coisas que tem
valor em si mesmas, de modo que se pode falar das teorias objetivistas como teorias
baseadas no valor. Já para as teorias subjetivistas, todas as razões
práticas são subjetivas. Segundo os subjetivistas, nossas razões para agir de
um determinado modo são fornecidas por ou depende de nossos desejos e objetivos
presentes. Alguns subjetivistas apelam para nossos desejos reais enquanto
outros para os desejos que teríamos caso tivéssemos considerado cuidadosamente
os fatos relevantes. As razões práticas subjetivas são dadas pelos nossos
desejos, algo é considerado de valor porque desejamos e valorizamos tal coisa,
por isso pode-se falar das teorias subjetivistas como teorias baseadas no
desejo.
Chamamos de desejos teleológicos
ou télicos, aqueles desejemos que temos quando queremos algo como um fim
por si mesmo. Por sua vez, chamamos de desejos instrumentais, aqueles
desejos que temos quando queremos algo como um meio. Nossos desejos
instrumentais formam cadeias que têm como base desejos teleológicos. De acordo
com o hedonismo psicológico, todos os desejos teleológicos que estão na
base das cadeias de desejos instrumentais são desejos por prazer ou por evitar
a dor. Essa teoria é falsa, já que nem sempre queremos como fim o prazer e
mesmo o prazer nem sempre é buscado como um fim.
Chamamos de razões práticas,
as razões que temos tanto para querer que algo aconteça quanto para fazer algo
acontecer de um determinado modo. Chamamos de razões epistêmicas, as
razões que temos para ter uma determinada crença. Nossas razões para ter algum
desejo são fornecidas pelos fatos sobre o objeto desse desejo. Tais razões são,
pois, razões dadas pelo objeto. Algumas pessoas, no entanto, defendem
que existem razões dadas por estados, essas razões seriam fornecidas,
não pelos fatos sobre o objeto desejado, mas por fatos sobre nosso estado de
ter determinado desejo. Dentro dessa perspectiva poderíamos ter quatro tipos de
razões:
(1) Razões
intrínsecas dadas pelo objeto: ocorre quando o evento que desejamos é em si mesmo bom ou
digno de ser buscado.
(2) Razões
instrumentais dadas pelo objeto: ocorre quando o evento que desejamos produziria bons efeitos.
(3) Razões
intrínsecas dadas pelo estado: ocorre quando nosso estado de desejar determinado evento é
em si mesmo bom.
(4) Razões
instrumentais dadas pelo estado: ocorre quando nosso estado de desejar determinado evento
produz bons efeitos.
Caso tenhamos, no entanto, razões
dadas por estados, elas são irrelevantes, pois se seria melhor estarmos em
determinado estado, nós também teríamos razões dadas pelo objeto para querer
isso.
Nosssas razões dadas pelo objeto
para querer um determinado evento são todas fornecidas por fatos sobre esse
evento. Tais razões são razões télicas quando elas são fornecidas pelos
fatos que fazem determinado evento bom como um fim. Tais razões são razões
instrumentais quando elas são fornecidas pelo fato de que determinado evento
teria bons efeitos por ser um meio para um fim bom. Chamamos de razões
télicas intrínsecas, aquelas razões que são fornecidas por fatos sobre as
propriedades intrínsecas de determinado evento ou sobre propriedades que esse
evento envolve em si mesmo. Chamamos de razões télicas extrínsecas
aquelas que são fornecidas por fatos sobre a relação desse evento com outros
eventos. Esses eventos são extrinsicamente bons por fazer uma sequência
maior de eventos ser intrinsicamente boa.
Diferentes teorias objetivistas
discordam parcialmente entre si sobre quais fatos nos dão razões télicas
intrínsecas. De acordo com o Egoísmo Racional, cada um de nós tem razões
para nos preocuparmos e promovermos somente o nosso próprio bem-estar. De
acordo com o Imparcialismo Racional, nós sempre temos maior razão para
nos preocuparmos igualmente com o bem-estar de qualquer um. Ambas essas teorias
são problemáticas.
É importante, ainda, distinguir agrados/desagrados
hedonistas, que se referem aos nossos estados de se agradar ou desagradar
de determinada sensação presente; de desejos meta-hedonistas, que se
referem aos nossos desejos de querer estar ou não estar em um estado que nos
agrada ou nos desagrada. O que nos agrada ou desagrada é a sensação, o que
desejamos ou não desejamos é não estar tendo ou estar tendo essa sensação que
nos agrada ou desagrada. Por fim, há uma preferência irracional que denominamos
viés sobre o que está próximo, que ocorre quando preferimos uma agonia
maior em um futuro distante do que uma agonia menor em um futuro próximo.
3. TEORIAS SUBJETIVAS
Teorias subjetivas apelam para fatos
sobre nossos desejos, objetivos ou escolhas presentes. De acordo com a Teoria
baseada no desejo, nós temos razões para fazer o que quer que satisfaça
qualquer um de nossos desejos presentes. Essa teoria, no entanto, possui
reformulações. De acordo com a Teoria do desejo télico, nós temos maior
razão para fazer o que quer que satisfaça ou realize melhor nossos desejos ou
objetivos télicos presentes. De acordo com a Teoria do desejo livre de erro,
nós temos maior razão para fazer o que quer que melhor satisfaça ou realize nossos
desejos ou objetivos télicos que são livres de erros, no sentido de que esses
desejos não dependem de crenças falsas. De acordo com, a Teoria do desejo
bem-informado, nós temos maior razão para querer o que quer que satisfaça
nossos desejos ou objetivos télicos que nós teríamos caso nós conhecêssemos
todos os fatos relevantes.
De acordo com a Teoria
Deliberativa, nós temos maior razão para querer o que quer que, após uma
deliberação completamente bem informada e racional, nós escolheríamos fazer.
Denominamos como racionalidade procedural, o processo deliberativo no
qual nós tentamos imaginar os efeitos importantes de diferentes atos possíveis,
buscando acessar corretamente as probabilidades e buscando seguir certas regras
procedurais. Subjetivistas apelam apenas para a racionalidade procedural, já
objetivistas também apelam para a racionalidade substantiva, que
consiste em nosso dever de responder com certos desejos e objetivos a
determinadas razões dadas por objetos.
Para o subjetivismo sobre razões,
aquilo que nós temos maior razão de fazer e aquilo que devemos fazer em sentido
que implica uma razão decisiva é aquilo que irá melhor satisfazer nossos
desejos ou objetivos télicos bem informados ou que seria aquilo que
escolheríamos após deliberação ideal. Denomina-se deliberação ideal o
processo pelo qual fazemos escolhas em conformidade com deliberação racional em
sentido procedural e bem informada.
É possível demonstrar que o
subjetivismo é falso usando o argumento da agonia. Suponha o caso de
alguém que mesmo após uma análise racional e bem informada decidisse que quer
passar por um período futuro de agonia sem propósito. Para que o argumento
funcione basta que esse caso seja viável em termos imaginários, já que uma boa
teoria ética precisa dar conta de casos imaginários. Todavia, temos casos
reais, como de pessoas em depressão profunda ou sadomasoquistas, que realmente
desejam estar em um estado futuro de agonia. Tal pessoa, para o subjetivismo,
não teria qualquer razão para não estar em um estado futuro de agonia.
Considere também que tal pessoa ainda deseja estar em agonia mesmo após
conhecer todos os fatos relevantes sobre essa agonia.
De acordo com as teorias
subjetivistas, é somente fatos sobre nossos próprios desejos e objetivos
presentes que nos fornecem razões. Logo,
todas as teorias subjetivistas implicam que não temos razões para querer evitar
estar em agonia. Essa conclusão, no entanto, é absurda. A própria natureza da
agonia nos dá razões para evitá-la. Assim, todos nós temos razões para evitar
uma agonia futura. O subjetivismo implica que não temos essas razões. Logo, o
subjetivismo é falso.
4. OUTROS ARGUMENTOS
4.1 Argumento Tudo ou Nada
O argumento tudo ou nada contra o
subjetivismo é o seguinte:
1.
Se nós temos razões baseadas em desejos para agir, tudo que importaria é
se determinado ato iria satisfazer os desejos télicos que temos agora após
deliberação ideal. Seria irrelevante o que nós queremos ou estamos
tentando alcançar.
2. Ou todos os nossos desejos nos
dão razões ou nenhum deles nos dá.
3. Se todos os nossos desejos nos
dão razões, nossos desejos poderiam nos dar razões para fazer com que nós
mesmos estejamos em agonia por si mesma, para desperdiçar nossa vida e para
tentar alcançar várias coisas ruins.
4. Nós não podemos ter essas razões.
5. Logo, nenhum desses desejos nos
dá qualquer razão. Nós não temos qualquer razão baseada em desejos para ter
qualquer desejo ou para agir de determinada fora.
4.2 Argumento da Incoerência
Muitos subjetivistas advogam ao
mesmo tempo que:
(1) O que nós temos maior razão para
fazer é o que quer que melhor satisfaria, não nossos desejos ou objetivos
télicos reais, mas os nossos desejos ou objetivos télicos que nós teríamos, ou
que nós quereríamos que nós mesmos tivéssemos, se nós conhecêssemos e
tivéssemos considerado todos os fatos relevantes.
(2) Quando nós estamos tomando
decisões importantes, nós devemos, se nós podemos,
tentar aprender mais sobre os diferentes resultados de nossos atos a fim de
que possamos ter desejos e objetivos télicos mais bem informados
Os subjetivistas não podem, no
entanto, manter essas duas afirmações coerentemente. Isso ocorre porque os
fatos relevantes que alguém deveria considerar, para os subjetivistas, não
podem, por suas próprias propriedades, nos fornecer quaisquer razões. Além
disso, não haveria qualquer razão objetiva para considerar que esses desejos
bem informados são melhores.
5. RACIONALIDADE
Quando nós estamos conscientes de
fatos que nos dão certas razões, nós temos o dever de racionalmente responder
a essas razões. Enquanto razões são dadas por fatos, aquilo que nós podemos
racionalmente querer ou fazer depende de nossas crenças. Como considerado,
essas crenças são crenças cuja verdade nos daria razões. Essas crenças
nos dão razões aparentes. Quando essas crenças são verdadeiras, essas
razões aparentes também são razões reais. Visto que um desejo poder ser
uma resposta racional sobre algo que acreditamos, esse desejo não só seria
causado por essa crença, mas também justificado por ela.
A racionalidade de alguns de nossos
desejos depende somente de seus objetos intencionais, que são os
possíveis eventos que nós queremos, com as características que nós acreditamos
que esses eventos teriam. A racionalidade de nossos atos depende daquilo que
nós estamos intencionalmente fazendo e pode também depender de nossas crenças
sobre o que estamos fazendo. Desse ponto de vista, nossos desejos e atos são
racionais quando eles dependem causalmente de modo certo das crenças cuja
verdade nos daria razões suficientes para ter esses desejos e agir desse modo.
Para ser plenamente racionais, nós também precisamos atender a certos
requerimentos racionais, tais como não ter intenções contraditórias e intentar
fazer o que nós acreditamos que devemos fazer.
Uma crença é racionalmente derivada
de outras crenças se, caso essas outras crenças forem verdadeiras, isso me
daria razões para acreditar nela. O fato de uma crença ser racional depende em
parte em se essa crença é racionalmente derivada de alguma de outras crenças
nossas e em parte se essas outras crenças são racionais. A racionalidade de
algumas de nossas crenças depende em parte de outras coisas, como as suas
relações com nossas experiências perceptuais.
Um desejo ou ato é racionalmente
apoiado por uma crença, quando a verdade dessa crença nos dá razões
suficientes para ter esse desejo ou para agir desse modo. O fato de um desejo
ou ato ser racional depende em parte em se esse desejo ou ato é racionalmente
apoiado por alguma de nossas crenças e em parte se essas crenças são racionais.
6. MORALIDADE
De acordo com o Egoísmo Racional,
nós sempre temos maior razão para fazer o que quer que seja melhor para nós
mesmos. Já de acordo com o Imparcialismo Racional, nós sempre temos
maior razão para fazer o que é imparcialmente melhor. De acordo com o que Sdgwick
chama de Dualismo da Razão Prática, nós sempre temos maior razão
para fazer o que quer seria imparcialmente melhor, a menos que algum outro ato
seria melhor para nós mesmos. Nesse caso, nós teríamos razões suficientes para
agir de qualquer um dos dois modos. Se nós conhecêssemos os fatos relevantes,
qualquer um dos atos seria racional.
De acordo com o Dualismo de Sidgwick
as razões imparciais e de autointeresse são completamente
incomparáveis. Nenhuma razão imparcial pode ser mais forte ou mais fraca do que
qualquer razão de autointeresse.
Sidgwick entende que a separação entre as pessoas é um fato ético
fundamental, ela significa que a perda de felicidade de uma pessoa não pode ser
compensada pelo ganho de felicidade de outra. Além disso, o Dualismo de
Sidgwick se baseia no que Nagel denomina como dualidade dos pontos de
vistas, que se refere ao fato de que do nosso próprio ponto de vista,
razões de autointeresse são supremas enquanto do ponto de vista imparcial,
razões imparciais são supremas. De acordo com o Argumento dos Pontos de
Vistas proposto por Sidgwick, para comparar esses dois pontos de vistas,
seria necessário um terceiro ponto de vista neutro, mas não há esse terceiro
ponto de vista, logo qualquer uma das duas ações seriam racionais.
Esse argumento, no entanto, pode ser
rejeitado e revisado. Para ser capaz de comparar razões parciais e imparciais,
não precisamos de um terceiro ponto de vista neutro. Nós podemos comparar essas
razões de nosso próprio ponto de vista real. Nossas razões parciais e
imparciais são apenas muito imprecisamente comparáveis. De acordo com a visão
objetiva ampla baseada em valor: quando um de dois atos possíveis nossos
fariam as coisas irem de algum modo imparcialmente melhor, mas o outro ato
faria as coisas irem melhor quer para nós mesmos quer para aqueles que possuem
laços próximos conosco, nós geralmente temos razões suficientes para
agir de qualquer um dos dois modos.
Esse “geralmente” admite várias
exceções. Considerando essas exceções, podemos considerar uma visão revisada da
posição de Sidgwick. De acordo com o Dualismo ampliado, quando nós
estamos escolhendo entre dois atos moralmente permissíveis, em que um seria
melhor para nós mesmos e o outro seria melhor para um ou mais estranhos, nós
podemos racionalmente dar maior peso ao nosso próprio bem-estar ou dar, grosso
modo, igual peso para o bem-estar de qualquer um.
De acordo com o Racionalismo
Moral, nós sempre temos maior razão para fazer o que é nosso dever. Não
pode ser racional agir de qualquer modo que acreditamos ser errado. Já para o Egoísmo
Racional, nós sempre temos maior razão para fazer o que for melhor para nós
mesmos. Não pode ser racional agir de qualquer forma que nós acreditamos que
seja contra nossos próprios interesses. Algumas pessoas aceitam essas duas
visões, crendo que dever e autointeresse nunca entram em conflito.
Para Sidgwick, no entanto, dever e
autointeresse em alguns casos podem entrar em conflito. De acordo com o Dualismo
entre Dever e Autointeresse, se dever e autointeresse entrarem em conflito,
nós sempre temos maior razão tanto para cumprir nosso dever quanto para fazer o
que é melhor para nós mesmos. Mas se nós temos que escolher entre dois atos,
entre os quais um é nosso dever e o outro é o que é melhor para nós mesmos, as
razões não teriam mais como nos fornecer um guia. Esse é o Problema Profundo
da Moral, que se autointeresse e dever podem entrar em conflito, não há
mais uma conduta racional ideal.
Nesses casos, poderíamos ter razões
suficientes para agir errado. O problema do moralista consiste em se
podemos evitar essa conclusão. Pode ser que em alguns desses casos haja algo
que tenhamos maior razão para fazer. O problema do racionalista consiste
em se isso é verdadeiro. Há, no entanto, uma terceira possibilidade. De acordo
com o Racionalismo moral fraco, nós sempre temos razões suficientes para
cumprir o nosso dever e evitar agir errado.
Para lidar com esse problema,
precisamos distinguir dois tipos de normatividade. Há a normatividade de razões,
que diz respeito às razões suficientes para agir de um determinado modo. Há,
por outro lado, a normatividade de regras, que diz respeito às normas
sobre o que é certo e errado. Nós podemos algumas vezes ter razões suficientes
ou decisivas para agir errado.
7. CONCEITOS MORAIS
O termo errado pode ter
diferentes sentidos. De acordo com o sentido factual de errado, um ato é
errado apenas quando esse ato seria errado em sentido moral se nós
conhecêssemos todos os fatos morais relevantes. De acordo com o sentido de
errado relativo à crença, um ato é errado apenas quando esse ato seria
errado em sentido moral se nossas crenças sobre esses fatos forem verdadeiras.
De acordo com o sentido evidencial de errado, um ato é errado apenas
quando esse ato seria errado em sentido moral se nós acreditássemos que as
evidências disponíveis nos dão razões decisivas para acreditar que essas
crenças são verdadeiras. Atos são nesse sentido corretos ou pelo menos moralmente
permissíveis, quando eles não são errados, e eles são o que nós devermos
moralmente fazer quando todas as outras alternativas seriam erradas nesses
sentidos.
De acordo com a visão kantiana,
a culpabilidade de um ato não pode depender de sorte. Por sua vez, de acordo
com a visão semi-kantiana, a culpabilidade de um ato não pode depender inteiramente
na sorte. Mas quando dois atos são dignos de culpa em algum sentido que não
depende de sorte, um desses atos pode ser mais digno de culpa em algum sentido
que depende de sorte. De acordo com alguns semi-kantianos, quando atos são
dignos de culpa porque eles são errados no sentido de errado relativo à crença,
esses atos são mais dignos de culpa do que se eles fossem errados no sentido
factual. Alguns semi-kantianos também defendem que quando atos são dignos de
culpa porque eles são errados no sentido relativo à crença, esses atos são mais
dignos de culpa do que se eles fossem errados no sentido evidencial.
Há, ainda um quarto sentido de
errado. Algo é errado em sentido de crença moral, apenas quando o agente
acredita que esse ato seja errado em sentido moral. De acordo com a visão
tomista, quando uma pessoa acredita que ela está agindo de modo errado,
isso é suficiente para tornar esse ato errado, mesmo que esse ato não fosse
errado em outro sentido. No entanto, para tomistas, quando alguém acredita que
algum ato é correto isso não é suficiente para tornar esse ato correto. Mesmo
que rejeitássemos tal visão, parece claro que na maioria dos casos, quando
alguém age de alguma forma que essa pessoa acredita ser errada, isso faz tal
ato digno de culpa.
De acordo com o Expectabilismo,
quando o caráter de ser certo de um ato depende na bondade dos efeitos
possíveis desse ato, nós devemos agir ou tentar agir de modo que os resultados
sejam expectativamente melhores. Um ato está de acordo com o dever prático
em sentido factual, quando ele é o que nós devemos praticamente fazer
apenas quando e porque esse ato é o que temos razões decisivas para fazer. Um
ato está de acordo com o dever prático em sentido evidencial, quando ele
é o que devemos praticamente fazer apenas quando esse ato seria o que nós temos
razões decisivas para fazer se nós acreditássemos que as evidências disponíveis
nos dão razões decisivas para acreditar que essas crenças são verdadeiras. Um
ato está de acordo com o dever prático no sentido relativo à crença quando
ele é o que devemos praticamente fazer apenas quando esse ato seria o que temos
razões decisivas para fazer se nossas crenças sobre os fatos forem verdadeiras.
Por fim, um ato está de acordo com nosso dever prático no sentido normativo,
quando esse ato é o que devemos praticamente fazer apenas quando esse ato é o
que acreditamos que devemos praticamente fazer ou o que acreditamos que temos
razões decisivas para fazer.
Há outros sentidos de errado.
Podemos dizer que um ato é certo ou moralmente permissível,
quando esse ato não seria errado. Um ato é nosso dever moral ou moralmente
requerido quando seria errado para nós não agir dessa forma. Algo pode
também ser errado no sentido de ser digno de culpa. Algo também pode ser
errado no sentido reativo, nesse sentido errado significa um ato de um
tipo que dá ao seu agente razões para sentir remorso e culpa, e dá a outros
razões para sentir indignação e ressentimento. Algo também pode ser errado em sentido
justifiabilista, nesse sentido errado significa aquilo que não pode ser
justificado para os outros. Algo também pode ser errado em sentido de razão
decisiva, nesse sentido errado significa o que nós temos razões decisivas
para não fazer. Algo também pode ser errado no sentido de razões morais
decisivas, nesse sentido errado significa o que nós temos razões morais
decisivas para não fazer. Algo também
pode ser errado no sentido de razão moralmente decisiva, nesse sentido
errado significa o que nós temos razões moralmente decisivas para não fazer.
De acordo com o sentido da razão
imparcial, um ato é errado quando nós temos razões imparciais mais fortes
para fazer outra coisa. De acordo com o Consequencialismo de Atos, nós
sempre temos o dever de fazer o que quer que faria as coisas serem melhores.
Assim, para a razão imparcial do Consequencialismo de Atos, o que nós
temos as razões imparciais mais fortes para fazer é o que quer que faria as
coisas irem melhores no sentido em que todos nós temos razões imparciais mais
fortes para querer que as coisas sejam. De acordo com o Utilitarismo
Hedonista, o que nós devemos fazer no sentido imparcial é o que quer que
produziria a maior soma de felicidade e a menor de sofrimento.
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