SOBRE O CONHECIMENTO INTELECTUAL HUMANO - TOMÁS DE AQUINO


O que se segue é um resumo das questões 84 a 89 da primeira parte da Suma Teológica de Tomás de Aquino. Nestas Questões, Aquino discorre Sobre o Conhecimento Intelectual Humano. Nestas questões, se discute o modo como a alma humana intelige, o que lhe é possível conhecer e como se dá o conhecimento e intelecção da alma após a morte quando separada do corpo. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. 

 

QUESTÃO 84: POR MEIO DO QUE A ALMA, UNIDA AO CORPO, INTELIGE AS COISAS CORPÓREAS 

 

(1) A alma conhece os corpos pelo intelecto. O intelecto recebe, ao seu modo, imaterial e imovelmente, as espécies móveis e materiais dos corpos. Logo, deve-se concluir que a alma, pelo intelecto, conhece os corpos por um conhecimento imaterial, universal e necessário. (2) A alma não pode, pela sua própria essência, conhecer as coisas. O único que pode conhecer pois isso só seria possível a um ser cuja essência contivesse em si, imaterialmente, todas as coisas. É próprio somente de Deus ter a essência imaterialmente compreensiva de todas as coisas, enquanto que os efeitos preexistem virtualmente na causa. Portanto, só Deus intelige, pela sua essência, todas as coisas; não a alma humana nem o anjo. 

(3) O intelecto não possui nenhum conhecimento inato, ele é, a princípio, como uma tábua rasa na qual nada está escrito. O intelecto, pelo qual a alma intelige, não tem nenhumas espécies que lhe sejam naturalmente naturais, mas é, no princípio, potencial em relação a todas essas espécies. (4) As espécies inteligíveis, pelas quais a nossa alma intelige, não efluem de formas separadas existentes por si como “ideias”, pois se fosse assim não precisaríamos dos sentidos. (5) A alma intelectiva conhece todas as coisas verdadeiras, nas razões eternas, pois as ideias não existem independentes em si mesmas, elas existem na mente de Deus. Assim, a alma humana conhece tudo nas razões eternas, por cuja participação conhecemos todas as coisas. Pois, o mesmo lume intelectual existente em nós não é senão uma semelhança participada do lume incriado, no qual estão contidas as razões eternas.  

(6) Todo nosso conhecimento começa com os sentidos. Primeiro, as operações da parte sensitiva são causadas pela impressão dos sensíveis no sentido, em seguida, o intelecto agente torna os fantasmas, recebidos dos sentidos, em inteligíveis atuais, por meio da abstração. (7) Assim, a alma nada pode inteligir sem os fantasmas. (8) Desse modo, caso haja uma privação dos sentidos, o intelecto fica impedido. 

 

QUESTÃO 85: DO MODO E DA ORDEM DE INTELIGIR 

 

(1) As coisas materiais são inteligidas enquanto abstraídas, tanto da matéria, como das semelhanças materiais, que são os fantasmas. (2) A espécie inteligível é, para o intelecto, o meio pelo qual ele intelige. Assim, a espécie inteligível não é o que é inteligido, mas sim o meio pelo qual o intelecto intelige. (3) Em nosso conhecimento intelectual, aquilo que tem prioridade é o universal. Duas coisas devem-se considerar no conhecimento do nosso intelecto. A primeira é que o conhecimento intelectivo tem o seu princípio, de certo modo, no sensitivo. E como o sentido conhece o singular e o intelecto, o universal, forçoso é que o conhecimento do singular seja, quanto a nós, anterior ao do universal. No entanto, em um segundo sentido, nosso conhecimento parte do mais geral para o mais particular. Primeiro temos, por exemplo, uma ideia geral do que é um animal para depois conhecer de maneira mais distinta o que é um leão ou um ser humano. Logo, nesse segundo sentido, o conhecimento mais comum é anterior ao menos comum. 

(4) Podemos inteligir só uma coisa de cada vez, pois só Deus pode ver tudo simultaneamente. (5) O intelecto humano intelige compondo e dividindo, isto é, o intelecto humano não adquire, imediatamente, pela primeira apreensão, conhecimento completo da coisa; mas, primeiro, aprende-lhe algo, por exemplo, a quididade, que é o objeto primeiro e próprio do intelecto; e em seguida, intelige as propriedades, os acidentes, e as relações circunstantes à essência da coisa. (6) O intelecto é sempre verdadeiro, assim como os sentidos, o intelecto não se engana a respeito de seu objeto próprio. o objeto próprio da inteligência é a quididade da coisa, e, por isso, o intelecto não pode enganar-se no tocante a essa quididade, em si mesma considerada. 

(7) A experiência mostra que uns inteligem mais profundamente que outros. Os indivíduos de corpo melhor disposto terão alma de melhor virtude para inteligir. Assim, os que são melhor dispostos quanto às virtudes imaginativa, cogitativa e memorativa, são-no também melhor para inteligir. (8) Na ordem da intelecção, o indivisível é inteligido antes do divisível, pois antes que o intelecto componha e divida, o indivisível precisa ser inteligido primeiro. 

 

QUESTÃO 86: DO QUE NOSSO INTELECTO CONHECE NAS COISAS MATERIAIS 

 

(1) O universal é conhecido pela razão e o singular, pelo sentido. Assim, o nosso intelecto não pode conhecer o singular, nas coisas materiais, direta e primariamente. E isso porque o princípio da singularidade delas é a matéria individual. Nosso intelecto intelige abstraindo a espécie inteligível de modo que aquilo que ele abstrai é universal. (2) Nosso intelecto não pode conhecer o infinito, pois o infinito é aquilo de que se pode apreender uma quantidade, restando sempre alguma coisa mais a apreender. (3) O nosso intelecto pode conhecer aquilo que é contingente, isto é, aquilo que pode ser e não ser. Os contingentes, corno tais, são conhecidos diretamente pelos sentidos e, indiretamente, pelo intelecto; porém as noções universais e necessárias dos contingentes são conhecidas pelo intelecto. (4) No entanto, nosso intelecto não pode conhecer o futuro, pois só o olhar eterno de Deus, que domina, simultaneamente, todo o decurso do tempo, pode conhecer as coisas futuras em si mesmas. 

 

QUESTÃO 87: COMO A ALMA INTELECTIVA SE CONHECE À SI MESMA E ÀQUILO QUE NELA EXISTE 

 

(1) A alma não pode inteligir a si mesma pela sua essência, pois só a essência de Deus, que é ato puro e perfeito, é, em si e perfeitamente, por si mesma inteligível. Ao passo que o intelecto humano se comporta, no gênero das coisas inteligíveis, somente como ser potencial. Por onde, tem, de si mesmo, virtude para inteligir, não, porém, para ser inteligido, senão quando se atualiza. (2) O intelecto também não pode conhecer os hábitos da alma pela essência deles. O hábito, de certo modo, é o meio entre a potência pura e o ato puro, mas só o atual pode ser conhecido de modo que os hábitos como as potências só podem ser conhecidos pelos atos. (3) Assim, só se conhece aquilo que é atual. Ora, a perfeição última do intelecto é a sua operação. O que é primariamente conhecido pelo intelecto humano é um objeto tal; secundariamente, é conhecido o ato mesmo pelo qual é conhecido o objeto; e, pelo ato, é conhecido o intelecto, em si, cuja perfeição é o inteligir. (4)  O intelecto também intelige o ato da vontade. O ato da vontade não é senão uma certa inclinação consequente à forma inteligida de modo que a inclinição inteligível, que é ato da vontade, está inteligivelmente, no ser que intelige. 

 

QUESTÃO 88: COMO A ALMA HUMANA CONHECE AS COISAS QUE LHE SÃO SUPERIORES 

 

(1) A alma humana, no estado da vida presente, não pode inteligir as substâncias imateriais em si mesmas, pois o nosso intelecto, no estado da vida presente, tem relação natural com as naturezas das coisas materiais; e, por isso, nada intelige senão voltando-se para os fantasmas. E, assim, é manifesto que não podemos inteligir as substâncias imateriais, que não caem primariamente e por si sob a alçada dos sentidos e da imaginação conforme o modo dos conhecimentos que experimentamos. (2) No entanto, nem mesmo pelas substâncias materiais podemos perfeitamente inteligir as substâncias imateriais, pois suposto que as substâncias imateriais sejam de essência totalmente diversa das quididades das coisas materiais, por mais que o nosso intelecto abstraia, da matéria, a quididade da coisa imaterial, nunca chegará a algo de semelhante à substância imaterial. (3) Como o intelecto humano ao estado da vida presente, não pode inteligir as substâncias imateriais criadas. não pode, com maior razão, inteligir a essência da substância incriada. Por onde, deve-se dizer, simplesmente, que Deus não é o que primariamente é conhecido por nós; mas, antes, pelas criaturas é que chegamos ao conhecimento de Deus.  

 

QUESTÃO 89: DO CONHECIMENTO DA ALMA SEPARADA 

 

(1) A alma, enquanto está unida ao corpo, não pode inteligir nada sem se voltar para os fantasmas. Porém, separada do corpo, ser-lhe-á próprio o modo de inteligir consistente em voltar-se para o que é absolutamente inteligível. (2) A alma separada do corpo obtém, por si mesma, o conhecimento das coisas incorpóreas. (3) Separada do corpo, a alma intelige pelas espécies que recebe por influência do divino lume, no entanto, a alma separada não alcança, por meio de tais espécies, um conhecimento perfeito das coisas, mas um conhecimento como em comum e confuso. Por onde, as almas separadas do corpo têm conhecimento de todas as coisas naturais, não certo e próprio, mas comum e confuso. (4) A alma separada do corpo conhece certas coisas singulares, mas não todas. Pela influência das espécies, por parte de Deus; o intelecto separado do corpo pode conhecer as coisas singulares. 

(5) Aquilo que a alma aprende na Terra, ela não esquece no céu, pois o conhecimento está no intelecto que é o lugar das espécies, é manifesto que o conhecimento existente no intelecto humano não pode corromper-se pela corrupção do sujeito, porque o intelecto é incorruptível. (6) Desse modo, o ato de conhecimento adquirido nesta vida não permanece na alma separada do corpo. (7) A alma separada do corpo intelige os singulares pelo influxo das espécies, proveniente do lume divino, cujo lume se comporta do mesmo modo, tanto com o que está próximo como com o que está distante. Por onde, a distância local de nenhum modo impede o conhecimento da alma separada. (8) As almas dos mortos não conhecem, por conhecimento natural, as coisas que se passam neste mundo. As almas dos mortos, por ordem divina e pelo modo de ser delas, estão segregadas da conversação dos vivos, e em sociedade com as substâncias espirituais separadas do corpo. E, por isso, ignoram o que se passa entre nós. No entanto, é provável que as almas dos santos bem-aventurados, que vêm a Deus, conhecem todas as causas presentes que neste mundo se passam. 

 

Comentários

Postagens mais visitadas