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EXEGESE EM ROMANOS 13.1-5 = DOS DEVERES DO ESTADO



      O objetivo deste texto é fazer uma exegese de Romanos 13 a fim de pensar qual é a visão paulina de política. Segundo a visão reformada, é dever do cristão a defesa dos deveres e direitos políticos. Abraham Kuyper escreveu:


"Vocês não podem privar da liberdade de pensamento, de expressão e de imprensa àquele cuja consciência difere da sua, mais ainda, vocês não podem nem mesmo pensar nisto. É inevitável que eles, a partir de seu ponto de vista, derrubem tudo quanto em sua opinião é santo. Em vez de buscar auxilio para sua consciência científica em queixas deprimidas, ou em sentimentos místicos, ou em trabalho não confessional, a energia e o cuidado de nossos antagonistas deve ser sentida por todo erudito cristão como um claro incentivo a si mesmo para também voltar-se para seus próprios princípios em sua reflexão, para renovar toda investigação científica sobre as linhas desses princípios e para saturar a imprensa com a carga de seus estudos convincentes." - Abraham Kuyper. Calvinismo,p.145

        Segundo a Bíblia de Estudo Esquematizada, Romanos foi escrito pelo apóstolo Paulo por volta de 57 d.C. tendo como público a igreja de Roma à qual tinha desejo de visitar. Ele mostra que a humanidade caiu em Adão (Romanos 1.1 – 3.20) e que Deus pela santificação está salvando uma nova humanidade dentro dessa humanidade caída (Romanos 3.21 – 8.39), mas por meio de sua soberania ele também governa este mundo de homens caídos e por isso Ele é soberano para salvar quem quiser e colocar as esferas da sociedade ao seu serviço (Romanos 9.1 – 16.27):

“Deus delega a autoridade aos governantes humanos, obrigando os cristãos a serem submissos. Agora nossa obediência às autoridades é condicional. Nós devemos obedecer a estas leis, as quais completam o papel que Deus atribuiu às autoridades, a saber, aplicar a justiça e encorajar as pessoas a fazer coisas boas. Mas quando as leis dos homens conflitam diretamente com os mandamentos de Deus, podemos desobedecer às leis deste mundo.”

1 Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas.
Πᾶσα ψυχὴ ἐξουσίαις ὑπερεχούσαις ὑποτασσέσθω. οὐ γὰρ ἔστιν ἐξουσία εἰ μὴ ὑπὸ Θεοῦ, αἱ δὲ οὖσαι ὑπὸ Θεοῦ τεταγμέναι εἰσίν.

Todo homem Πᾶσα ψυχὴ : O uso do adjetivo “todo” pode ter o sentido de “todos, sem distinção” ou “todos, sem exceção”. No primeiro caso, o termo poderia estar enfatizando que o que se segue aplica-se a pessoas de todas as classes ou destacando que estão inclusos crentes e descrentes. No segundo caso, o termo destacaria que a declaração é universal e aplica-se a cada indivíduo, um por um. O substantivo “homem”, evidentemente, inclui não só pessoas do sexo masculino, mas tanto homens como mulheres.
esteja sujeito ὑπερεχούσαις ὑποτασσέσθω : O verbo “ὑπερέχω” está no particípio presente: “A present tense partciple matches the tense of the main verb, that is, the participle is occurring at the same time as the main verb.” (WC). O verbo principal “ὑποτασσέσθω”, por sua vez, está no imperativo na voz passiva indicando uma ordenança ou mandamento.
às autoridades superiores ἐξουσίαις: O substantivo “autoridades” é usado no plural, o que poderia sugerir uma referência, ou aos indivíduos que possuem autoridade ou as diferentes esferas de autoridade instituídas por Deus. Quais seriam essas autoridades? Seria uma referência ao magistrado civil? Esta última alternativa parece ser indicada como a correta pelo contexto (“magistrados” – v.3). Se isso é assim, outra questão que se coloca é se o texto refere-se ao magistrado civil ideal ou tal qual existe.
porque não há autoridade que não proceda de Deus οὐ γὰρ ἔστιν ἐξουσία εἰ μὴ ὑπὸ Θεοῦ: A conjunção explicativa “porque” (γάρ) mostra o motivo pelo qual todo homem deve se sujeitar à autoridade: toda autoridade vem de Deus. Tanto o verbo “εἰμί” é usado no presente do indicativo apontando para o fato de que Deus instituiu as autoridades que hoje existem. O verbo “proceder” não ocorre no grego, mas é subtendido na preposição “ὑπό”.
 e as autoridades que existem foram por ele instituídas αἱ δὲ οὖσαι ὑπὸ Θεοῦ τεταγμέναι εἰσίν: O verbo “εἰμί” está na voz ativa do particípio presente, que como já foi dito, indica uma ação simultânea a do verbo principal. Já o verbo “τάσσω” está no particípio perfeito, o que indica que uma primeira ação foi concluída antes do início da segunda (ET). Ou seja, as autoridades presentes tiveram primeiro que ser instituídas para poderem então existir. A questão é se devemos entender isso como significando que Deus escolhe os homens que governam ou como significando que Deus estabeleceu o magistrado civil enquanto esfera de autoridade.

2 De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação.
ὥστε ὁ ἀντιτασσόμενος τῇ ἐξουσίᾳ τῇ τοῦ Θεοῦ διαταγῇ ἀνθέστηκεν· οἱ δὲ ἀνθεστηκότες ἑαυτοῖς κρίμα λήμψονται.

De modo que ὥστε : Esta conjunção sugere uma continuidade no raciocínio. Isto é, considerando que as autoridades foram divinamente instituídas, resisti-las, é resistir a Deus.
aquele que se opõe à autoridade ὁ ἀντιτασσόμενος τῇ ἐξουσίᾳ: O verbo  “ἀντιτάσσομαι” é usado no particípio presente, o que identifica “opor-se” e “resistir” como ações simultâneas. Ou seja, aquele que se opõe à autoridade resiste ao mesmo tempo ao próprio Deus.  Isso parece dar a entender que desobedecer a autoridade é desobedecer a Deus, e se esse for o caso, o que estaria incluído em “opor-se” à autoridade – estariam inclusas revoluções e críticas ao magistrado? Haveria casos nos quais seria legítima a desobediência civil? Se sim, em quais?
resiste à ordenação de Deus τῇ τοῦ Θεοῦ διαταγῇ ἀνθέστηκεν: O verbo “ἀνθίστημι” está no perfeito do indicativo, denota algo que ocorreu no passado, mas cujos efeitos continuam no presente. Isso pode insinuar que a condenação é uma consequência natural da resistência à ordenação divina.
e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação οἱ δὲ ἀνθεστηκότες ἑαυτοῖς κρίμα λήμψονται: Agora, o verbo “ἀνθίστημι” está no particípio perfeito indicando que a resistência à ordenação divina evidentemente precede à condenação, isto está de acordo com o uso do verbo “λαμβάνω” no futuro. Uma questão na ser colocada é se por “condenação” tem se mente um juízo parcial divino direto, o juízo final ou a punição exercida pelo magistrado civil.

3 Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela,
οἱ γὰρ ἄρχοντες οὐκ εἰσὶν φόβος τῷ ἀγαθῷ ἔργῳ ἀλλὰ τῷ κακῷ. θέλεις δὲ μὴ φοβεῖσθαι τὴν ἐξουσίαν; τὸ ἀγαθὸν ποίει, καὶ ἕξεις ἔπαινον ἐξ αὐτῆς· 

Porque γὰρ: A conjunção conecta este verso às declarações do verso anterior. Isso poderia indicar que por “condenação”, se está considerando à punição exercida pelo magistrado civil. Ou melhor, ao juízo que Deus executa por meio do magistrado contra os desobedientes.
os magistrados não são para temor οἱ ἄρχοντες οὐκ εἰσὶν φόβος: O verbo “εἰμί” está no presente, isto é, o verso discorre sobre ou a condição atual ou ao presente ideal do magistrado civil.
quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal τῷ ἀγαθῷ ἔργῳ ἀλλὰ τῷ κακῷ: O verbo “fazer” não aparece no texto grego. A questão é: o que se deve entender por “fazer o bem” e por “fazer o mal”? Qual o padrão valorativo para determinar isso? As leis do Estado, a Lei Moral de Deus, a Lei civil do Antigo Testamento, a opinião social?
Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela θέλεις δὲ μὴ φοβεῖσθαι τὴν ἐξουσίαν; τὸ ἀγαθὸν ποίει, καὶ ἕξεις ἔπαινον ἐξ αὐτῆς: A questão a ser colocada é o que se deve entender por “louvor” dado pela autoridade, seria uma referência a algum tipo de recompensa positiva ou apenas à ausência de punição por parte do magistrado.

4 visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.
Θεοῦ γὰρ διάκονός ἐστιν σοὶ εἰς τὸ ἀγαθόν. ἐὰν δὲ τὸ κακὸν ποιῇς, φοβοῦ· οὐ γὰρ εἰκῇ τὴν μάχαιραν φορεῖ· Θεοῦ γὰρ διάκονός ἐστιν, ἔκδικος εἰς ὀργὴν τῷ τὸ κακὸν πράσσοντι
Visto que γὰρ: Novamente o verso segue com o emprego de uma conjução que concatena o raciocínio. Aquele que faz o bem receberá o louvor da autoridade porque é justamente para o bem dos bons que ela existe.
a autoridade é ministro de Deus para teu bem Θεοῦ διάκονός ἐστιν σοὶ εἰς τὸ ἀγαθόν: O que se deve entender pela expressão “ministro de Deus”?
Entretanto, se fizeres o mal, teme ἐὰν δὲ τὸ κακὸν ποιῇς, φοβοῦ: A conjunção adversativa contrasta os que fazem o bem com aqueles que fazem o mal. Enquanto os primeiros recebem o louvor e o bem das autoridades, os últimos, devem temê-la.
porque não é sem motivo que ela traz a espada οὐ γὰρ εἰκῇ τὴν μάχαιραν φορεῖ: A conjunção explicativa “porque” novamente é usada na concatenação do raciocínio, é justamente por causa dos maus que o Estado tem o poder de punir. Não haveria Estado se não existisse pecado, mas como ocorreu a Queda, a instituição do magistrado civil fez-se necessária. O verbo “φορέω” está no presente, o que revela que o Estado porta o poder da espada mesmo na presente dispensação. Enquanto a Igreja tem o poder das chaves do Reino, o Estado tem o poder da espada. Suas esferas de autoridade são distintas! Mas precisamos nos perguntar: em que consistiria esse poder da espada? Seria uma referência à pena de morte, às punições civis em geral ou à guerra?
pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal Θεοῦ γὰρ διάκονός ἐστιν, ἔκδικος εἰς ὀργὴν τῷ τὸ κακὸν πράσσοντι: A conjunção “γὰρ” continua sendo usada na concatenação do raciocínio. É possível que aqui se faça alusão aos vingadores de sangue do Antigo Testamento. A preposição “εἰς” acentua o propósito ou objetivo do magistrado civil: ele existe para punir os maus. O verbo “castigar” não aparece no grego, mas está subtendido no substantivo “ὀργή”.

       Aqui temos de reconhecer que o Estado tem a autoridade da morte, diferente da família e da igreja, o Estado pode determinar que alguém deve morrer. Matar não é pecado em legítima defesa, guerras justas ou pena de morte legítima: “Os pecados proibidos no sexto mandamento são: o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto no caso de justiça pública, guerra legítima, ou defesa necessária” – Catecismo Maior de Westminster, resposta 136.


5 É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência.
διὸ ἀνάγκη ὑποτάσσεσθαι, οὐ μόνον διὰ τὴν ὀργὴν ἀλλὰ καὶ διὰ τὴν συνείδησιν.
É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição διὸ ἀνάγκη ὑποτάσσεσθαι, οὐ μόνον διὰ τὴν ὀργὴν: O verso começa com a conjunção “διὸ” mostrando que o que é dito aqui é uma conclusão lógica do raciocínio trabalho nesta porção. O apóstolo reafirma a necessidade de sujeição às autoridades, mas prossegue para mostrar que tal necessidade se baseia em algo além do que a questão da punição já discutida até aqui.
mas também por dever de consciência ἀλλὰ καὶ διὰ τὴν συνείδησιν: O que deve ser entendido por “dever de consciência”? Aplica-se isso a todos ou somente aos crentes.

       Até aqui foram levantadas diversas questões. Um ponto de vista defendido por Franklin Ferreira no livro a Idolatria do Estado sobre o texto é o de que o apóstolo Paulo está dizendo como o Estado deve ser, não como o Estado é, ele fala do Estado ideal ou do ideal de Estado. Toda a humanidade caída deve se submeter ao Estado, cuja função seria refrear o pecado.
       O Estado é o meio que Deus usa para refrear o pecado quando este ganha dimensões sociais:

“A Bíblia diz que Deus estabeleceu o Estado depois da Queda para refrear os pecados públicos graves. Assim, o Estado bíblico deve se limitar a isso. Os seis últimos mandamentos do Decálogo são a base que a Bíblia fornece para a Lei Moral de um Estado bíblico. O Estado deve punir quando forem públicos e graves, seguindo a segunda tábua do decálogo que é a parte dos ‘mandamentos sociais’, devem ser punidos quando públicos e graves – (1) Desrespeito as autoridades (Quinto mandamento); (2) Agressão a vida (Sexto Mandamento); (3) Perversões sexuais (Sétimo Mandamento); (4) Furto (Oitavo Mandamento); (5) Falso Testemunho (Nono Mandamento) e (6) Cobiça (Décimo Mandamento).”

       Vou finalizar a exegese com citações de outros cristãos que corroboram essa interpretação de Romanos 13 sobre o Estado:

"Em todas essas quatro esferas [social, corporativa, doméstica e da autonomia pública] o governo do Estado não pode impor suas leis...Limitado por seu próprio mandato, portanto, o governo não pode nem ignorar, nem modificar, nem romper a[o] mandato divino sob o qual estas esferas sociais estão. Pela graça de Deus a soberania do governo está aqui guardada e limitada, por causa de Deus, por uma outra soberania que é igualmente divina na origem. Nem a vida da ciência, nem da arte, nem da agricultura, nem da indústria, nem do comércio, nem da navegação, nem da família, nem do relacionamento humano pode ser constrangida a adequar-se ao favor do governo . O Estado nunca pode tornar-se um octópode que asfixia a totalidade da vida. Ele deve ocupar seu próprio lugar, em sua própria raiz, entre todas as outras árvores da floresta, e assim deve honrar e manter cada forma de vida que cresce independentemente em sua própria autonomia sagrada." - Abraham Kuyper. Calvinismo, p.103
“As condições para o êxito desse plano, em nenhuma grande escala, não podem ser encontrados na terra. Sugere algo próximo à perfeição em todos os que embarquem em tal operação. Sugere que as pessoas trabalharão assiduamente sem o estímulo do desejo de melhorar sua condição e assegurar com isso o bem estar de sua família. Sugere o absoluto desinteresse por parte dos membros mais ricos, mais fortes ou mais capazes da comunidade. Eles devem dispor-se a abandonar todas as vantagens pessoais com base em seus dotes superiores. Sugere perfeita integridade por parte dos distribuidores do fundo comum, e espírito de moderação e contentamento por parte de cada membro da comunidade, para que fiquem satisfeitos com que outros, e não eles mesmos, considerem ser sua parte equitativa... O intento de produzir uma comunhão de bens no atual estado do mundo, em vez de elevar os pobres, reduziria toda a base da sociedade a um nível comum de barbárie e pobreza.” – Charles Hodge. _TS, p.1340.

“Havendo comentado sobre a atitude própria do crente em relação a Deus, em relação aos irmãos na fé e em relação aos de fora (inclusive inimigos), Paulo agora descreve como os filhos de Deus devem relacionar-se com as autoridades governamentais . Declara que esses governantes foram designados por Deus, de modo que os que se lhes opõem estão resistindo à ordenação de Deus. Além do mais, os destinatários deveriam ter em mente que os magistrados foram designados por Deus com o fim de promover o interesse do povo sobre quem têm responsabilidade. Portanto, a fim de evitar a ira de Deus, e também por causa da consciência daqueles a quem a carta de Paulo foi escrita – os crentes de todas as épocas –, devem submeter-se às autoridades civis. Os que seguem o curso oposto, seria bom que se lembrassem de que estão se opondo ao próprio Deus; além disso, o magistrado não porta sua espada sem motivo.
Deve-se também pagar impostos, de todo e qualquer gênero, e os que judiciosa e fielmente os recolhem devem ser respeitados. Esta seção termina com as palavras: “Paguem a todos tudo quanto [lhes] é devido: imposto, a quem [devem] imposto; tributo, a quem tributo; respeito, a quem respeito; honra, a quem honra” (vv. 1-7).”
- Lições Práticas de Romanos 13 por William Hendriksen


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