VERDADES NORMATIVAS IRREDUTÍVEIS - DEREK PARFIT (RESUMO)
O que se segue é um resumo da Parte 7 do livro On What Matters de Derek Parfit, intitulada Irreducibly Normative Truths (Verdades Normativas Irredutíveis). Essa parte é composta por 8 capítulos, sendo eles: 1. Em que sentido as coisas podem importar; 2. Cognitivismo não-realista; 3. Verdades normativas e naturais; 4. A contribuição de Gibbard aos não-naturalistas; 5. A ideia de Railton do naturalismo fraco; 6. A solução de Railton às discordâncias com o não-naturalismo não-realista; 7. Verdades normativas não-empíricas de Jackson; 8. A tese reducionista de Schroeder. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.
I. EM QUE SENTIDOS AS COISAS PODEM
IMPORTAR
Existem pelo menos três sentidos em
que podemos dizer que alguma coisa importa: (i) sentido psicológico:
algo importa no sentido de ser importante para as pessoas; (ii) sentido
normativo: algo importa no sentido de que temos razões normativas
irredutíveis para nos importarmos com tal coisa; (iii) sentido
expressivista: algo importa no sentido de que dizemos para nós mesmos para
nos importarmos com isso. Quando discutimos a natureza de um juízo moral, é
importante distinguir duas questões. A primeira diz respeito a perguntar o que um
juízo moral significa, a outra consiste em perguntar em que é para um juízo
moral ser verdadeiro. Alguns expressivistas,
ao dizerem que juízos morais expressam nossas atitudes acabam
respondendo apenas à questão do significado, no entanto, outros expressivistas,
como Alan Gibbard, defendem que é possível dizer que é possível falar em
verdade mesmo no expressivismo,
Para Allan Gibbard, ao dizer que
algo importa, estamos dizendo às pessoas para que se importem com isso. Um
juízo moral seria, nesse sentido, um imperativo e, a princípio, parece que teríamos
que concluir que ele não pode ter valor de verdade. Contudo, Gibbard argumenta
que imperativos podem ser verdadeiros no sentido de serem acertados. Por
exemplo, quando um médico ordena que um paciente pare de fumar, ele está dando
uma ordem acertada. Mas o que significa dizer que uma ordem é acertada? Se
respondermos que uma ordem é acertada quando todos temos razões de nos
importarmos com o que ela ordena, então teríamos uma forma de Expressivismo
cognitivista. Nesse caso, algo
importaria no sentido expressivista justamente por importar no sentido
normativo.
Larry Temkin, por sua vez, embora concorde que
há coisas que importam em sentido normativo irredutível, argumenta que é um falso
dilema dizer que ou algo importa em sentido normativo ou nada importa. Ele
argumenta que esse é um tipo de pensamento tudo ou nada e que mesmo que nada
importasse em sentido normativo, ainda assim poderíamos dizer que as coisas
importam para as pessoas. Isto é, negar a normatividade ética não implicaria
necessariamente em niilismo. Contudo, é evidente que o niilismo não é a
tese de que nada importa em nenhum sentido, porque é algo óbvio e trivial que
as coisas importam em sentido psicológico. O niilismo é justamente a tese de
que nada importa em sentido normativo.
Outro tipo de falsa dicotomia
apontado por Temkin seria o dilema de que ou aceitamos uma forma de
externalismo ou nada importa. Temkin chama de internalismo, o que pode
ser melhor designado como subjetivismo, segundo o qual nossas razões
para agir são fornecidas por fatos relativos aos nossos estados psicológicos.
Contudo, é possível defender uma forma de subjetivismo externalista. De
acordo com o subjetivismo externalista, nós temos razões externas puramente
normativas somente quando e porque temos razões psicológicas internas. O objetivismo,
por sua vez, é a posição de que nossas razões para agir são fornecidas, não por
fatos sobre como podemos atingir nossos objetivos presentes, mas pelos fatos
que nos dão tanto razões para ter certos objetivos quanto para perseguir esses
objetivos. Esses são fatos que tornam os objetos de nossos objetivos dignos de
serem buscados. Essas razões podem ser denominadas como razões baseadas em
valores ou razões objetivas.
Tanto subjetivistas quanto
objetivistas podem dizer que aquilo que temos mais razão em fazer é o mesmo que
aquilo que escolheríamos fazer se estivermos completamente bem-informados e
pensando racionalmente. Enquanto subjetivistas entendem isso no sentido de que
decidiríamos o que fazer em termos proceduralmente racional, isto é,
relativo aos fatos que pensamos ser relevantes. Já objetivistas entenderiam a
noção de escolha racional e bem-informada em um sentido substantivamente
racional, isto é, como aquilo que temos razões normativas suficientemente
decisivas de fazer. Ao invés de acreditar que aquilo que devemos escolher
depende daquilo que temos razões em fazer, subjetivistas acreditam que as
razões que temos dependem daquilo que escolheríamos fazer após deliberação
proceduralmente racional e
bem-informada.
Assim, temos de fato apenas duas
alternativas principais: ou algumas coisas importam no sentido de razões
objetivas ou nada importa no sentido de que não temos razões objetivas. Há
diferentes formas de objetivismo. De acordo com o universalismo amplo,
nós temos razões para nos importarmos com o bem-estar de todos. Já conforme o
egoísmo estrito, cada pessoa tem razões para nos importarmos apenas com o
seu próprio bem-estar. Entre esses extremos, há aqueles que defendem que temos
razões pessoais de nos importarmos com o nosso próprio bem-estar e daqueles
que nos são próximos quanto razões imparciais de nos importarmos com o
bem-estar de todos. De qualquer modo, todas essas visões concordam em que temos
razões normativas de nos importarmos com certas coisas.
II. COGNITIVISMO NÃO-REALISTA
Visto que muitos não-cognitivistas
defendem que alguns juízos normativos são verdadeiros, eles poderiam ampliar
sua visão para adotar uma forma de cognitivismo. Caso, ao contrário,
acreditem que juízos normativos não podem ser verdadeiros, eles deveriam se
tornar niilistas ou adotar a Teoria do Erro, segundo a qual todos os
juízos morais são falsos. Entre os cognitivistas que acreditam que alguns
juízos morais são verdadeiros, há aqueles que são naturalistas normativos,
segundo os quais verdades morais são verdades sobre o mundo natural e podem ser
descobertas empiricamente. De acordo com naturalistas analíticos,
conceitos e juízos normativos podem ser definidos ou reelaborados em termos não-normativos.
O naturalismo, no entanto, não é uma
visão realmente normativa, porque o conceito de razão normativa não pode ser suficientemente
definido em termos não-normativos.
Dizemos que um fato nos dá uma razão quando esse fato conta em favor de
termos uma crença ou desejo, ou para agirmos de um determinado modo. Mas essa
definição é só uma forma de dizer que certos fatos nos dão razões. Além disso,
muitos conceitos morais não podem de modo plausível serem definidos em termos
não-normativos, como os conceitos de “moralmente correto” ou de “bem moral”.
Dado isso, alguns adotam uma forma de naturalismo não-analítico, segundo
o qual, alguns conceitos e juízos normativos são irredutivelmente normativos no
sentido de que eles não podem ser definidos ou reelaborados em termos
não-normativos. Por outro lado, esses naturalistas acreditam que, quando esses
juízos são verdadeiros, eles denotam fatos naturais.
Já de acordo com não-naturalistas,
juízos morais irredutivelmente normativos podem denotar verdades morais
irredutivelmente normativas. É importante, no entanto, distinguir dois sentidos
de normatividade. Algumas verdades são normativas no sentido de implicarem
regras, como é o caso das normas da gramática, de etiqueta ou os códigos
legais. Verdades normativas nesse sentido denotam fatos naturais. Por outro
lado, verdades normativas no sentido de razões suficientes para agir, é essa
normatividade que, segundo o não-naturalista, não pode denotar fatos naturais.
Uma complicação que precisa de esclarecimento, é o fato que de que certos
conceitos irredutivelmente normativos podem, em parte, denotar fatos naturais.
Contudo, juízos envolvendo esses conceitos não podem denotar fatos naturais.
Ao discutir essas questões, também é
importante fazer distinções sobre posições ontológicas, isto é, posições sobre
aquilo que existe ou é real. De acordo com o realismo aletético, todos
os juízos verdadeiros são verdadeiros porque descrevem corretamente ou
correspondem a como as coisas são em alguma parte da realidade. Segundo o naturalismo
metafísico, o mundo natural espaço-temporal é o todo da realidade. Já
conforme o naturalismo aletético, todas as verdades são sobre fatos
naturais. De acordo com o não-naturalismo metafísico, alguns juízos são
verdadeiros porque descrevem corretamente como as coisas são em alguma outra
parte da realidade distinta do mundo natural. Já de acordo com o não-naturalismo
não-metafísico ou cognitivismo não-realista, alguns juízos podem ser
verdadeiros sem que sejam feitos verdadeiros por descreverem ou corresponderem
a alguma parte da realidade.
Alguns cognitivistas não-realistas
apresentam as verdades lógicas, matemáticas e modais como exemplos de verdades
que não são verdadeiras por descreverem alguma parte da realidade. No caso
dessas verdades, ao invés de serem verdadeiras porque correspondem à realidade,
é a realidade que deve corresponder a essas verdades. Elas são de tal modo que
nem um Deus onipotente poderia mudar essas verdades. Na ética, enquanto não-naturalistas
metafísicos acreditam que verdades morais se referem a entidades ou propriedades
ontológicas não-naturais, cognitivistas não-realistas aceitam a
existência de verdades morais irredutíveis sem defender a existência dessas
entidades ou propriedades ontológicas. Para
essa visão, um juízo moral não é verdadeiro por descrever como as coisas são em
alguma parte da realidade.
Quando Alan Gibbard e Simon
Blackburn discutem questões normativas, eles defendem uma posição chamada
de Expressivismo quasi-realista. O Expressivismo quasi-realista é
derivado de visões não-cognitivistas, como o Emotivismo, segundo o qual
juízos morais são expressões de emoções. A diferença é que, diferente do
emotivismo puro, quasi-realistas acreditam que juízos morais podem ser, em
algum sentido, verdadeiros. Contudo,
Gibbard e Blackburn rejeitam tanto o naturalismo normativo quanto o
não-naturalismo metafísico. A crítica de expressivistas ao cognitivismo não-naturalista
geralmente envolvia uma confusão de achar que o cognitivismo não-naturalista
necessariamente implicava se comprometer com entidades ontológicas estranhas.
Contudo, como considerado, cognitivistas não-naturalistas não precisam ser
realistas. Além do mais, ao admitir a existência de verdades morais, o
expressivismo quasi-realista pode ser interpretado como uma forma de
cognitivismo não-realista.
III. VERDADES NORMATIVAS E NATURAIS
Em relação aos termos que utilizamos
para denotar verdades, algumas palavras são meramente nomes que se referem a
alguma pessoa ou coisa, enquanto outras são palavras ou frases que descrevem
alguma coisa. Quando duas palavras ou frases descritivas tem o mesmo
significado, dizemos que elas expressam o mesmo conceito. Alguns nomes são
parcialmente descritivos no sentido de que podemos facilmente descrever as
coisas às quais esses nomes se referem.
Palavras e frases podem se referir a
propriedades. O termo propriedade em sentido pleonástico pode ser usado
para se referir a qualquer declaração sobre alguma coisa que possa ser
reformulado como uma declaração sobre as propriedades dessa coisa. Por exemplo,
ao invés de dizer que o sol é brilhante, podemos dizer que o sol tem a
propriedade de ser brilhante. Essas propriedades pleonásticas também podem ser
chamadas de sentido descritivo ajustado, na acepção de que elas se ajustam
às palavras descritivas que se referem a elas. Palavras ou frases diferentes
podem se referir a uma mesma propriedade que elas descrevem acuradamente de
maneiras diferentes. Além do sentido descritivo ajustado, pode-se falar em propriedade
em sentido ontológico, na acepção de uma característica de objetos concretos
ou eventos que possuem eficiência causal. Enquanto ser luminoso é uma
propriedade em sentido ontológico, não se pode falar das propriedades de ser um
número primo, validade de um argumento ou ser uma razão normativa.
Há um terceiro sentido do termo
propriedade, que é o sentido coextensivo. A extensão de um conceito é
todas as coisas às quais esse conceito se aplica. Alguns conceitos
necessariamente se aplicam a alguma coisa no sentido de que esses conceitos não
poderiam deixar de se aplicar a essa coisa. Conceitos diferentes são
necessariamente coextensivos quando esses conceitos necessariamente se aplicam
à mesma coisa. Esses conceitos, portanto, referem-se à mesma propriedade em
sentido necessariamente coextensivo. Alguns conceitos se referem à uma coisa que
tem uma certa propriedade, como o conceito “o único número primo par” e outros
conceitos similares se referem ao invés disso à essa propriedade, como “ser o
único número primo”. Um exemplo de duas propriedades que são necessariamente
coextensivas é o caso das propriedades “ser o único número primo par” e “ser a
raiz quadrada de 4”. Essas propriedades são diferentes no sentido descritivo
ajustado, mas são a mesma no sentido coextensivo. O sentido descritivo ajustado é mais
informativo por fazer distinções que não estão presentes no sentido
coextensional.
Há pelo menos dois tipos de verdades
normativas. Algumas verdades são normativas no sentido de serem sobre regras e
normas amplamente aceitas, como as regras de etiqueta, da gramática e de
códigos de leis. Essas verdades normativas são também fatos naturais. Há, no
entanto, verdades normativas em um sentido mais forte, que é o que implica a
noção de razão. Essas verdades são irredutivelmente normativas no sentido de
que não podem ser reelaboradas em termos não-normativas e naturalísticos. Nesse
sentido, essas verdades normativas não-empíricas são semelhantes às
verdades da lógica, da matemática e as verdades modais.
Naturalistas normativos rejeitam
essa posição. Alguns naturalistas analíticos negam que haja conceitos e
juízos normativos irredutíveis. Mas essa visão é claramente falsa. Alguns
conceitos como “errado” e “razão decisiva” não podem ser corretamente
explicados em termos não-normativos e naturalísticos. Já de acordo com o
naturalismo não-analítico, embora alguns de nossos conceitos e juízos sejam
irredutivelmente normativos, esses conceitos se referem a propriedades naturais
e, estes juízos, quando são verdadeiros, denotam fatos naturais. Naturalistas
não-analíticos podem argumentar que conceitos normativos, embora irredutíveis,
são coextensivos com conceitos naturais. Embora sejam irredutivelmente
normativos, esses conceitos se referem a propriedades naturais e, estes juízos,
quando são verdadeiros, denotam fatos naturais. A isso denominamos como argumento
da coextensividade. O não-naturalista pode responder, no entanto, que
embora um conceito normativo e um conceito natural possam se referir a uma mesma
propriedade no sentido coextensivo, eles ainda se refeririam a diferentes
propriedades no sentido descritivo ajustado.
Há, no entanto, uma objeção mais
forte, simples e direta ao naturalismo normativo. De acordo com a objeção da
normatividade, juízos irredutivelmente normativos que implicam razões não
podem ser fatos normativos que também sejam fatos naturais. Isso ocorre porque
fatos naturais e fatos normativos pertencem a duas categorias diferentes que
não se sobrepõem. Um ato é correto se esse ato é o que devemos moralmente
fazer, porque qualquer outro curso de ação seria errado. O termo “errado” pode
ser usado em sentidos definíveis para expressar “digno de culpa” ou “injustificável
para os outros”. Esses conceitos não descrevem nenhuma propriedade natural. Nós
não podemos definir com sucesso, por exemplo, os conceitos de “razão
normativa”, “dever”, “certo”, “errado” ou “moralmente permissível”, pois esses
conceitos normativos são indefiníveis. Esse caráter de indefinibilidade de
alguns conceitos se aplica, não só a conceitos normativos básicos, mas a alguns
conceitos fundamentais como “espaço”, “tempo”, “necessidade” e “possibilidade”.
Muitos não-cognitivistas e
seguidores da Teoria do Erro acreditam que alguns juízos normativos se
encontram em uma categoria separada e distinta de modo que esses juízos não
denotam propriedades naturais. No entanto, alguns desses teóricos também
defendem que todos os fatos são naturais. Naturalistas não-analíticos,
por outro lado, defendem que conceitos e juízos normativos são distintos de
conceitos e juízos naturalísticos. Contudo, esses teóricos defendem que esses
conceitos normativos irredutíveis denotam fatos naturais. Para argumentar a
favor dessa tese, esses autores recorrem a analogias científicas como as
descobertas de que água denota o mesmo que H2O ou que calor denota o mesmo que energia
cinética molecular. Do mesmo modo que descobrimos que a substância incolor,
inodora e que mata nossa sede é o mesmo que H2O, podemos ter descoberto que
aquilo que chamamos, por exemplo, de “certo” é o mesmo que alguma propriedade
natural como “maximizar a felicidade” etc.
No entanto, se considerarmos melhor
as analogias científicas, veremos que elas não apoiam o naturalismo. Se tomarmos
os conceitos pré-científicos de água ou calor, constatamos que esses conceitos
tinham uma lacuna que ainda precisava ser preenchida. Há conceitos normativos
que podem ser análogos aos científicos, como o conceito daquilo que torna algo
certo. Uma propriedade natural pode ser tal que seja a propriedade que faz algo
ser correto. No entanto, isso só pode ser assim na medida em que essa
propriedade é aquela que faz algo ter uma segunda propriedade de ser o certo a
se fazer. Esse processo pelo qual uma propriedade faz com que um ato tenha uma
segunda propriedade ser o correto a se fazer não é um processo causal. O que
seria de fato análogo ao que acontece na ciência seria a propriedade que faz
algo ser certo, não a propriedade de ser certo. Assim como a agitação das
moléculas faz com que algo tenha a propriedade de ser quente, quando um ato tem
certa propriedade natural é possível que essa propriedade faça esse ato ter a
propriedade de ser correto.
Um argumento que mostra que juízos
normativos não podem denotar fatos naturais é a objeção da trivialidade. Segundo essa objeção, se juízos normativos
denotassem fatos naturais, esses juízos seriam triviais no sentido de que eles
não poderiam nos ajudar a tomar boas decisões ou agir corretamente. Por
exemplo, se dissermos que “ser certo” significa o mesmo que “maximizar a
felicidade”, então dizer “maximizar a felicidade é o certo a se fazer” só teria
o sentido trivial de “maximizar a felicidade é maximizar a felicidade”. Simplesmente saber como usar certa palavra não
pode nos ajudar a tomar boas decisões morais. Um juízo moral normativo só pode
ser informativo se nos informar que o fato de uma ação ter determinada
propriedade natural faz com que esse ato tenha uma segunda propriedade de ser a
coisa certa a se fazer.
IV. A CONTRIBUIÇÃO DE GIBBARD AOS
NÃO-NATURALISTAS
Alan Gibbard faz uma distinção entre aquilo que
é normativo e aquilo que é natural. Essa distinção, no entanto, aplica-se,
segundo ele, somente a conceitos e não a propriedades. De acordo com Gibbard
dizer que o conceito de ter uma propriedade natural, como maximizar a felicidade,
é o mesmo que o conceito de ter uma propriedade normativa, como ser a coisa
certa a se fazer, é o mesmo que dizer que esses dois conceitos se referem à
mesma propriedade no sentido necessariamente coextensivo. O ponto é que
não-naturalistas podem aceitar essa tese. Para o não-naturalismo, uma
propriedade normativa pode ser a mesma que uma propriedade natural em sentido
coextensivo desde que elas sejam diferentes no sentido descritivo
ajustado.
V.
A DEFESA DE RAILTON DO NATURALISMO FRACO
Peter
Railton sugere
algumas formas em que naturalistas normativos podem responder às objeções
contra o naturalismo fraco. De acordo com o naturalismo forte, visto que
todos os fatos são naturais, não precisamos fazer juízos normativos. Já,
segundo o naturalismo fraco, embora todos os fatos sejam naturais, nós
precisamos fazer juízos normativos. Uma objeção que Railton busca responder
sobre o naturalismo fraco é a objeção da trivialidade, segundo a qual,
se juízos normativos denotassem fatos naturais eles não poderiam ser
informativos no sentido de nos ajudarem a decidir o que fazer. No entanto, Railton
observa que dizer que algo ser certo denota uma propriedade natural é algo
informativo na medida em que isso nos dá informações de como essa propriedade
está relacionada com outras propriedades. Por exemplo, dizer algo como
“maximizar a felicidade é o certo” significaria algo como “os atos que
maximizam a felicidade preenchem o complexo papel associado com satisfazer o
conceito normativo de ser o certo a se fazer”.
Contudo, essa resposta à objeção da
trivialidade não funciona, porque dizer que uma propriedade natural preenche o
complexo papel associado ao conceito normativo de ser o certo a se fazer, não
implica que ser certo é uma propriedade natural. Na verdade, essa declaração só
pode fazer sentido se significar que a propriedade natural de maximizar a
felicidade está relacionada a uma segunda propriedade de ser a coisa certa a se
fazer.
Geralmente quando Railton fala de “propriedades”,
ele está se referindo a propriedades no sentido ontológico. No entanto, o termo
propriedade pode ser utilizado em um sentido mais amplo que não traz consigo
implicações ontológicas. Podemos falar de propriedade no sentido de qualquer
descrição de alguma coisa que pode ser reelaborada como uma declaração sobre
uma das propriedades dessa coisa. Esse é o sentido pleonástico ou sentido
descritivo ajustado de propriedade, que é chamado por Railton de sentido
nominal ou linguístico. Um não-naturalista não-realista, quando diz
que há propriedades normativas não-naturais, não quer dizer com isso que
existam propriedades ontológicas não-naturais, pois está usando o termo “propriedade”
em sentido descritivo ajustado apenas.
VI. SOLUÇÃO DE RAILTON ÀS DISCORDÂNCIAS
COM O NÃO-NATURALISMO NÃO-REALISTA
Railton acredita que o que de fato
separa seu naturalismo fraco de um não-naturalismo não-realista parece apenas
ser que o não-naturalista fala de propriedades normativas não-ontológicas
enquanto o naturalista fala de conceitos normativos não-ontológicos.
Contudo, essa diferença não parece significativa. Railton também concede que
ele não teria problema em aceitar que existam propriedades e verdades
normativas não-naturais desde que elas não tenham implicações ontológicas. Assim,
ao que parece, a discordância de Railton em relação ao não-naturalismo
não-realista não é tão grande assim.
VII. VERDADES NORMATIVAS
NÃO-EMPÍTICAS DE JACKSON
De acordo com Frank Jackson,
para defender o naturalismo normativo, é suficiente mostrar que todos os
conceitos normativos são necessariamente coextensivos com certos
conceitos naturalísticos não-normativos. Nesse sentido, seria possível defender
que ser o certo a se fazer é o mesmo que maximizar a felicidade no sentido
coextensivo. Contudo, isso não é suficiente para o naturalismo, visto que,
embora essas propriedades possam ser coextensivas, elas ainda seriam diferentes
no sentido descritivo ajustado. Seria mais correto dizer que quando um ato tem
a propriedade de maximizar a felicidade, essa propriedade faz com que esse ato
tenha uma propriedade descritivamente distinta de ser a coisa certa a se
fazer.
Como um cognitivista moral,
Jackson acredita que há verdades sobre quais atos são certos ou errados. Essas
verdades não são, segundo ele, sobre fatos que podem ser empiricamente
descobertos. Mas isso é justamente o que os não-naturalistas querem dizer
quando falam que juízos normativos não denotam fatos naturais. Isso significa
que na prática não há uma discordância real ou significativa entre a
existências de verdades normativas não-empíricas defendidas por Jackson
e aquilo que os não-naturalistas defendem ao dizer que conceitos e juízos
normativos não denotam fatos naturais.
VIII. A TESE REDUCIONISTA
CONSERVADORA DE SCHROEDER
De acordo com Mark Schroeder,
embora a objeção da trivialidade não possa ser respondida pelo naturalismo
fraco, ela não conta contra a forma de naturalismo por ele defendida. Segundo
Schroeder, quando algum fato explica por que algum ato promove um de nossos
desejos presentes, esse fato é uma razão normativa para agirmos dessa forma.
Nesse sentido, quando um ato explica por que um ato promove nossos desejos presentes,
isso é o mesmo que dizer que esse fato é uma razão normativa para agirmos dessa
forma. Se algum fato explica por que algum ato pode promover um desejo presente
desse tipo, podemos chamar esse fato de propriedade explanatória de Schroeder.
Contudo, de acordo com a objeção
da trivialidade, um juízo de que promover nossos desejos presentes é uma
razão normativa só pode ser informativo se significar que se um fato tem a propriedade
explanatória de Schroeder, então esse fato também tem uma segunda
propriedade normativa distinta. Assim, para Schroeder defender sua posição de
que sua propriedade explanatória pode nos dar uma informação normativa
substantiva, ele precisa sugerir que outra propriedade normativa esse fato pode
ter. A isso damos o nome de problema da propriedade perdida.
De acordo com o que podemos chamar
de bicondicional de Schroeder, um fato é uma razão normativa para
agirmos de uma dada maneira se e somente se esse fato tem a propriedade
explanatória de Schroeder. Segundo a tese reducionista de Schroeder,
quando um fato tem a propriedade explanatória de Schroeder, isso é o mesmo que
esse fato ser uma razão normativa para agir. No entanto, a tese reducionista poderia
ser reformulada para significar que a propriedade explanatória de Schroeder é a
mesma em sentido necessariamente coextensivo do que a propriedade de ser uma
razão normativa. Seria possível defender, contudo, que apesar de
necessariamente coextensivas, essas propriedades são distintas em sentido
descritivo ajustado.
Assim, a visão de Schroeder poderia
ser melhor formulada como dizendo que ter a capacidade explanatória de
Schroeder e ser uma razão normativa são a mesma propriedade em sentido
necessariamente coextensivo, mas são propriedades diferentes no sentido descritivo
ajustado. Essa formulação não está em conflito com as declarações principais de
Schroeder, visto que ele não usa o termo propriedade no sentido descritivo
ajustado. Nesse caso, sua posição poderia ser formulada como adotando a tese
reducionista necessariamente coextensiva. Nessa formulação, a propriedade
de Schroeder seria a propriedade que faz um ato ter a segunda propriedade de
ser a coisa certa a se fazer. Portanto, a tese reducionista de Schroeder não
necessariamente entra em conflito com a crença de que há algumas verdades
normativas irredutíveis e independentes.
Comentários