A DOMINAÇÃO MASCULINA (RESUMO)


       O que se segue é um resumo do livro A Dominação Masculina do sociólogo francês Pierre Bourdieu. A análise feita neste livro por Bourdieu é de grande relevância para o pensamento feminista e fornece elementos para um olhar crítico ante a relação de dominação dos homens sobre as mulheres e para a luta contra esta dominação. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.

I. UMA IMAGEM AMPLIADA 
        
       A constituição da sexualidade enquanto tal nos fez perder o senso da cosmologia sexualizada, que está enraizada numa topologia sexual do corpo socializado, cujos movimentos são revestidos de significações sociais, o movimento para o alto sendo, por exemplo, associado ao masculino como na ereção ou a posição superior no ato sexual. Uma sociologia política do ato sexual, nos faz ver que a relação sexual se mostra como uma relação social de dominação construída através do princípio de divisão fundamental entre o masculino ativo e o feminino passivo.  
        A divisão entre os sexos é tomada como natural e inevitável. Naquilo que Edmund Husserl chamou de atitude natural, isto é. a atitude na qual compreendemos o mundo a partir de concepções naturalizadas, nós apreendemos a divisão socialmente construída entre os sexos, como naturae evidente.  É o mundo social que constrói o corpo como realidade sexuada e que cria a diferença biológica entre os sexos. É o princípio de visão social que constrói a diferença atômica e é esta divisão socialmente construída que toma a diferença anatômica entre órgãos sexuais como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros. A definição social dos órgãos sexuais, longe de ser uma simples percepção de propriedades naturais, se dá através da acentuação de certas diferenças e do obscurecimento de certas semelhanças.  
       A força da ordem masculina se mostra no fato de que ela dispensa justificação, ela se impõe como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que busquem legitimá-la.  As diferenças visíveis entre o corpo feminino e o corpo masculino, percebidas e construídas segundo os esquemas práticos da visão androcêntricasão tomadas como penhor indiscutível de significações e valores que estejam de acordo com esta visão. A ordem masculina legitima uma relação de dominação inscrevendo-a em uma natureza biológica que é, ela própria, uma construção social naturalizada. A visão androcêntrica é continuamente legitimada pelas próprias práticas que ela determina, pelo fato de suas disposições resultarem na incorporação do preconceito desfavorável contra o feminino. Este preconceito, instituído na ordem das coisas, faz com que as mulheres não possam senão confirmar seguidamente tal preconceito. 
        A primazia universalmente concedida aos homens se afirma na objetividade de estruturas sociais e de atividades produtivas e reprodutivas, baseadas em uma divisão social do trabalho de produção e de reprodução biológica e social, que confere aos homens a melhor parte. A dominação masculina também se exerce na forma de uma violência simbólica, a força simbólica é uma forma de poder que se exerce sobre os corpos sem qualquer coação física. O fundamento da violência simbólica reside nas disposições (habitus) modeladas pelas estruturas de dominação que as produzem.  
       A divisão sexual, por um lado, está inscrita na divisão das atividades produtivas e na divisão do trabalho de manutenção do capital social e simbólico, que atribui aos homens o monopólio de todas as atividades oficiais públicas de representação e, por outro lado, ela está inscrita, nas disposições (habitusdos protagonistas da economia de bens simbólicos, as das mulheres, que esta economia reduz ao estado de objetos de troca, as dos homens, a quem toda a ordem social impõe adquirir a aptidão e a propensão de levar a sério todos os jogos assim constituídos como sérios. As mulheres são excluídas de todos os lugares públicos em que se realizam os jogos considerados sérios, que são os jogos da honra. 
       As mulheres, submetidas a um trabalho de socialização que tende a diminuí-las, aprendem as virtudes negativas da abnegação e do silêncio, no entanto, os homens também são vítimas da representação dominante. Ao homem é imposto o dever de afirmar, em toda e qualquer circunstância, sua virilidade, virilidade entendida, não só como capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também como aptidão ao exercício da violência 

II. ANAMNESE DAS CONSTANTES OCULTAS 

       A anamnese que se pretende realizar aqui se alicerça na filogênese e na ontogênese de um inconsciente ao mesmo tempo coletivo e individual, traço incorporado de uma história coletiva e de uma história individual, que impõe a todos os agentes, homens ou mulheres, seu sistema de pressupostos imperativos.  
        É no encontro com as expectativas objetivas que estão inscritas nas posições oferecidas pelas mulheres pela estrutura da divisão de trabalho, que as disposições ditas femininas inculcadas pela família e por toda a ordem social, podem se realizar. No contexto da divisão de trabalho, a masculinidade é tida como uma nobreza, a definição de excelência se encontra em todos os aspectos, carregada de implicações masculinas. 
        Tudo na gênese do habitus feminino e nas condições de sua realização, concorre para fazer da experiência feminina do corpo limite da experiência universal do corpo-para-o-outro incessantemente exposto à objetivação operada pelo olhar e pelo discurso dos outros. A dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, cujo ser é ser percebido, acaba colocando as mulheres em permanente estado de dependência simbólica, elas existem primeiro pelo, e para o olhar dos outros enquanto objetos receptivos, atraentes e disponíveis. 
       A estrutura impõe suas pressões não só sobre os dominados, mas também sobre os dominantes, pois os dominantes não podem deixar de aplicar a si mesmos os esquemas do inconsciente. A dominação masculina encontra um de seus melhores suportes no desconhecimento, que favorece a aplicação, ao dominante, de categorias de pensamento engendradas na própria relação de dominação e que pode conduzir ao amor do dominante que implica na renúncia de exercer em primeira pessoa o desejo de dominar.  

III. PERMANÊNCIA E MUDANÇA 

        O eterno, na história, não pode ser senão produto de um trabalho histórico de eternização. Para escapar do essencialismo, o importante não é negar as constantes e invariáveis da realidade histórica, antes é preciso reconstruir a história do trabalho histórico de des-historicisação, isto é, reconstruir a história da (re)criação continuada das estruturas objetivas e subjetivas de dominação masculina, que se realiza permanentemente desde que existem homens e mulheres, e através da qual a ordem masculina se vê continuamente reproduzida através dos tempos.  
         A reprodução da dominação masculina esteve garantida até época recente, por três instâncias principais: (i) a Família: nela se impõe a experiência precoce da divisão sexual do trabalho e da representação legítima dessa divisão, garantida pelo direito e inscrita na linguagem; (ii) a Igreja: marcada pelo antifeminismo, por valores patriarcais e pelo dogma da inata inferioridade das mulheres; (iii) a Escola: que veicula toda uma cultura acadêmica que transmite valores arcaicos e pressupostos da representação patriarcal.  
       Mudanças, no entanto, ocorreram em relação à reprodução da dominação masculina. A maior mudança está em que a dominação masculina não se impõe mais com a evidência de algo que é indiscutível. Além disso, houve mudanças que estão relacionadas à transformação decisiva da função da instituição escolar na reprodução da diferença entre gêneros, como o aumento do acesso das mulheres aos estudos. Ocorreram também modificações na posição das mulheres na divisão do trabalho como no aumento da representação feminina nas profissões intelectuais ou de liderança.  
        As mudanças visíveis de condições ocultam, de fato, a permanência nas posições relativas, como quando se considera que há uma desvalorização das posições que se feminilizam. A igualdade formal entre homens e mulheres tende a dissimular que, sendo as coisas em tudo iguais, as mulheres ocupam sempre as posições menos favorecidas. Ainda, as próprias mudanças da condição feminina obedecem sempre à lógica do modelo tradicional entre o feminino e o masculino, os homens continuam a dominar o espaço público e a área de poder enquanto as mulheres ficam destinadas ao espaço privado.  
        O motivo pelo qual as estruturas antigas da divisão sexual ainda permanecem determinar a direção e a forma das mudanças, é porque elas atuam através de três princípios básicos: (i) as funções que convêm às mulheres se situam no prolongamento das funções domésticas(ii) que uma mulher não pode ter autoridade sobre homens(iiideve ser conferido ao homem o monopólio da manutenção dos objetos técnicos e das máquinas. Mas um outro fator determinante da perpetuação das diferenças é de que a permanência que a economia dos bens simbólicos, do qual o casamento é uma peça central, deve à sua autonomia relativa, que permite a dominação masculina nela perpetuar-se, acima das transformações dos modos de produção econômica. 
          Assim, apesar das diferenças substanciais de condições, ligadas aos momentos históricos e às posições no espaço social, há uma constância trans-histórica da relação de dominação masculina. As mudanças visíveis que afetaram a condição feminina mascaram a permanência das estruturas invisíveis que só podem ser esclarecidas por um pensamento relacional que coloque em relação a economia doméstica, com a divisão de trabalho e de poderes que a caracteriza, e os diferentes setores de mercado de trabalho em que estão situados os homens e as mulheres. Assim, a estrutura de dominação masculina pode ser observada em diferentes formas históricas e modos em que se deu em espaços sociais diversos.      




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