A REPÚBLICA (RESUMO)



     O que se segue é um resumo da República de Platão. Esta importante obra traz diversas questões como a discussão sobre o conceito de justiça e a doutrina das ideias, no entanto, todos esses assuntos são discutidos tendo em vista um projeto político de uma cidade ideal. Embora o texto seja um diálogo socrático, este resumo segue a forma de um texto dissertativo. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.


INTRODUÇÃO
(II.1 – II.10; 357a – 369b)

       Podemos classificar os bens em três espécies: (i) bens que buscamos em si mesmos (alegria e prazeres inofensivos); (ii) bens que amamos por si mesmos e também por suas consequências (bom senso, visão e saúde) e; (iii) bens que buscamos não por eles mesmos, mas pelas recompensas e as outras vantagens que proporcionam (ginástica, a cura de uma doença, o exercício da arte médica ou de outra profissão lucrativa). A justiça pode ser classificada entre os bens que amamos por si mesmo e por suas consequências.
       A justiça é um atributo não apenas do indivíduo, mas também de toda a cidade de modo que a justiça é mais visível numa cidade. Desse modo, se queremos examinar a natureza da justiça é preciso considera-la no contexto da cidade para depois busca-la no indivíduo.

PARTE I
O MODELO DA CIDADE

I. ORIGEM DA CIDADE (1.II.11-II.16; 369b-376e)

       O que causa o nascimento a uma cidade é a impossibilidade que cada indivíduo tem de se bastar a si mesmo e a necessidade que sente de uma porção de coisas. Assim, a Cidade surge a partir das necessidades humanas, estas necessidades incluem a alimentação; a moradia e o vestuário. Para que tais necessidades sejam atendidas cada pessoa na cidade deve desempenhar a sua função. A natureza não fez todos os homens iguais, mas diferentes em aptidões e aptos para esta ou aquela função de modo que se produzem todas as coisas em maior número, melhor e mais facilmente, quando cada um, de acordo com as suas aptidões e no tempo adequado, se entrega a um único trabalho.
       Uma cidade, independentemente do local onde está fundada, não teria capacidade de atender em si mesma todas as suas necessidades, de modo que daí surge a necessidade de importação. Mas para que uma cidade possa importar algo de outras cidades, ela precisaria ter o que oferecer. Desse modo, seria necessário, então, que a cidade produza não apenas aquilo de que precisa, mas também aquilo que lhe é exigido pelos fornecedores.
       Para que as trocas ocorram no interior da cidade é necessário que haja mercado e moeda. Chamamos de mercadores àqueles cujo papel é ficar no mercado, comprar a dinheiro aos que vendem, e depois vender, também a dinheiro, aos que desejam comprar e chamamos de negociantes àqueles que viajam de cidade em cidade se dedicando à compra e venda.
       Para que a cidade se expanda a fim de que possa atender à necessidade de seus habitantes pode ser necessário recorrer à guerra. O ofício da guerra deve ser desempenhado por alguém devidamente preparado para tal. Portanto, para a função de guardião de Estado exige-se tempo livre, arte e aplicação. Aqueles que desempenham tal função devem ser os que são habilitados pela natureza a defenderem a cidade. Uma pessoa para que seja um bom guardião deve ser ágil e forte, ter um temperamento irascível contra os inimigos, ser manso com os amigos e ter também uma natureza filosófica no sentido de avidez para aprender.

II. EDUCAÇÃO DOS GUARDIÕES (2.II.7-III.18; 376e-412b)

       A educação dos guardiões pode ser realizada segundo a forma antiga que prescreve a ginástica para o corpo e a música para a alma. É conveniente iniciar a educação dos guardiões pela música, visto que as crianças podem aprender com a música antes de serem levadas ao ginásio. A música apresenta um discurso que pode ser verdadeiro ou falso, deve-se tomar cuidado, assim, com músicas que narram fábulas falsas 
       As histórias que relatam is deuses fazendo coisas condenáveis são abomináveis e não devem ser contadas na cidade. As histórias sobre o divino, devem relatar Deus como ele realmente é e Deus é essencialmente bom. Sendo bom, Deus não pode ser a causa do mal. Assim, Deus não é a causa de tudo; Ele é causa apenas de uma pequena parte do que acontece aos homens, e não o é da maior, já que os nossos bens são muito menos numerosos que os nossos males e só devem ser atribuídos a Ele, enquanto para os nossos males devemos procurar outra causa, mas não Deus.
       Além disso, Deus sendo perfeito é o menos sujeito a receber formas diferentes pois as coisas melhores são as menos alteradas, também, sendo Deus perfeito ele não pode mudar de modo a se tornar melhor ou pior. Deus é essencialmente simples. É verdadeiro, em atos e palavras. Deus não muda de forma e não engana os outros, nem por simulacros nem por discursos nem pelo envio de sinais, no estado de vigília ou nos sonhos. Assim, não se deve ensinar às crianças que os deuses assumam várias formas ou que eles usem do engano. Deve-se, ainda, evitar contar às crianças histórias assustadoras sobre a vida após a morte para que elas não fiquem enfraquecidos além da conta.
        É preciso que se tenha a verdade em grande consideração, no entanto, embora nenhum cidadão possa mentir, aos governantes da cidade, no interesse da própria cidade, em virtude dos inimigos ou dos cidadãos é permitido mentir. Assim é possível que os governantes se vejam obrigados a empregar largamente a mentira e o engano para o bem dos governados.
       Tendo considerado a questão dos discursos, é preciso tratar da questão dos estilos. Dos estilos pode-se falar da simples narrativa, da imitação ou de uma forma mista que combine as duas. Assim, existem na poesia e na prosa três gêneros de narrativas. Uma, inteiramente imitativa, que é adequada à tragédia e à comédia; outra, de narração pelo próprio poeta, encontrada principalmente nos ditirambos; e, finalmente, uma terceira, formada da combinação das duas precedentes, utilizada na epopeia e em muitos outros gêneros.
       Os guardiões, eximidos de quaisquer outros ofícios, devem se dedicar a defender a independência da cidade e desprezar o que estiver fora disso, é necessário que não façam nem imitem outras coisas. Se imitarem, que imitem as virtudes que lhes convém adquirir desde a infância: a coragem, a sensatez, a pureza, a liberalidade e as outras virtudes da mesma espécie. Porém, não devem imitar a baixeza nem ser capazes de imitá-la, igualmente a nenhum dos outros vícios, pelo perigo de que, a partir da imitação, usufruam o prazer da realidade. Aqueles que se preparam para ser guardiões não devem imitar as mulheres injuriosas, nem homens covardes, nem escravos, nem loucos. Não se deve admitir na cidade um homem perito na arte de tudo imitar.
       Tendo tratado, em relação à música, do discurso e dos estilos, cabe agora tratar do canto e da melodia. A melodia se compõe de três elementos: as palavras, a harmonia e o ritmo. Quanto às palavras devem obedecer ao que foi dito sobre o discurso e a harmonia e o ritmo devem corresponder às palavras. O bom e o mau ritmo seguem e imitam, um, o bom estilo, o outro, o mau, e o mesmo acontece com a boa e má harmonia, quando o ritmo e a harmonia se harmonizam com as palavras, e não as palavras com o ritmo e a harmonia.
       Quanto às harmonias, não devem existir queixas e lamentações nos discursos, de modo que é preciso suprimir as harmonias plangentes, que são a lídia mista, a aguda e outras semelhantes. Além disso, visto que a moleza não convém aos guardiões, deve-se suprimir também as harmonias lassas, que são a jânica e a lídia.  As harmonias que devem existir na cidade são a harmonia violenta, que imita os tons e as entonações de um valente empenhado em batalha ou em qualquer outra ação violenta e a harmonia voluntária, que imita o homem empenhado numa ação pacífica. Os instrumentos musicais úteis para a cidade são a lira e a citara e nos campos, o pífaro para os pastores.
       Depois da música, é pela ginástica que é preciso educar os jovens. Primeiro, é necessário proibir aos guerreiros a embriaguez porque a um defensor da cidade, mais do que a qualquer outro, não é possível, estando embriagado, exercer seu ofício. Quanto à alimentação, ela deve ser simples. Deve-se buscar na ginástica um corpo saudável.

III. CONSTITUIÇÃO DA CIDADE (3.III.19-IV.5; 412b-427c)

       Deve-se tratar agora de a quem deve ser atribuído na cidade a função de comandar. É evidente que compete aos velhos mandar e aos jovens obedecer. Os governantes devem ser aqueles que entre os guardiões se mostrem mais aptos a defender a cidade. Exige-se deles inteligência, autoridade e dedicação à coisa pública. Devem ser escolhidos, pois, entre os guardas os que, após um exame, mostrarem que poderão fazer, durante toda a sua vida e com toda a boa vontade, o que considerarem proveitoso à cidade, sem nunca consentirem em agir em detrimento do Estado. É necessário que haja um limite que os governantes podem dar ao desenvolvimento da cidade. Até o ponto em que, aumentada, conserva a sua unidade, a cidade pode estender-se, mas não para além disso. Assim, os guardas devem zelar para que a cidade não seja nem pequena nem grande, mas para que seja de proporções suficientes, conservando ao mesmo tempo a sua unidade.

IV. JUSTIÇA NA CIDADE (IV.6-IV.19; 427c-445e.)

       A cidade constituída conforme deve ser seria uma cidade perfeita. Para isso ela precisa ser uma cidade sábia, corajosa, temperante e justa. A sabedoria diz respeito à prudência, é graças à classe menos numerosas, isto é, à classe dos governantes, que a cidade se torna sábia em seu todo. Quanto à coragem, ela significa a força salvadora da opinião verdadeira e legítima a respeito do que é ou não é de temer. Em relação à temperança, ela se refere à harmonia entre as pessoas superiores e inferiores para decidir quem deve governar na cidade e nos indivíduos. Por fim, a justiça como uma harmonia e ordem das partes em função dos objetivos da comunidade, sendo a injustiça aquilo que destrói esse estado de ordem e harmonia.

PARTE II
IMPLEMENTAÇÃO DO MODELO DA CIDADE

I. UNIDADE DOS GUERREIROS E DOS GREGOS (V.1-V.16; 449a-471c)

       Como dito, uma diferença de natureza acarreta uma diferença de funções, e, sabemos que a natureza da mulher difere da do homem. No entanto, não há nenhuma atividade que concerne à administração da cidade que seja própria da mulher enquanto mulher ou do homem enquanto homem; ao contrário, as aptidões naturais estão igualmente distribuídas pelos dois sexos e é próprio da natureza que a mulher, assim como o homem, participe em todas as atividades, ainda que em todas seja mais fraca do que o homem. Consequentemente, as mulheres podem também ser guerreiras para defender a cidade pois são capazes disso e a mesma educação que se dá aos homens deve ser dada às mulheres.
       Os guerreiros e guerreiras devem fazer tudo em comum. Todas as mulheres dos guerreiros devem pertencer a todos: nenhuma delas deve habitar em particular com nenhum deles. Da mesma maneira, os filhos devem ser comuns e os pais não poderão conhecer os seus filhos nem estes os seus pais. Todos devem ter domicilio comum, tomando em comum as suas refeições e não possuindo nada de seu, estando sempre juntos; e, encontrando-se misturados nos exercícios do ginásio e em tudo o que concerne ao resto da educação, de modo a serem levados por uma necessidade natural a formar uniões. Dessa forma, os guerreiros não devem possuir nem casas, nem terras, nem qualquer outra propriedade, mas devem receber seu sustento dos outros cidadãos, vivendo vida comum.
       Quanto à escravidão, é aconselhável que os gregos não possuam escravos gregos e aconselhem os outros gregos a seguir o seu exemplo. Os gregos pertencem a uma mesma família e são parentes entre si e os bárbaros pertencem a uma família diferente e estranha. Portanto, quando os gregos lutam contra os bárbaros e os bárbaros contra os gregos, diremos que se guerreiam, que são inimigos naturais, e denominaremos guerra a sua inimizade; mas, se acontece algo parecido entre gregos, diremos que são amigos naturais, mas que num determinado momento a Grécia está doente, em estado de sedição, e denominaremos discórdia essa inimizade. Sendo gregos, os guerreiros não podem devastar a Grécia e não queimarão as moradias. Assim é necessária uma lei que proíba os guardas de devastar a terra e incendiar as casas.

II. GOVERNO DOS FILÓSOFOS (V.17-VI.14; 471c-502c)

       A não ser que os filósofos cheguem a governar a cidade ou que os governantes se ponham a filosofar seriamente, de modo a haver uma união entre o poder político e a Filosofia, não poderão cessar os males da cidade. Os verdadeiros filósofos são aqueles que se comprazem na contemplação da verdade. O filósofo é, assim, aquele que se compraz em conhecer a essência das coisas, diferindo dos meros amigos da opinião. O ser é o objeto do conhecimento enquanto o não-ser se relaciona com a ignorância. A opinião seria um meio termo entre o conhecimento e a ignorância.

III. A IDEIA DO BEM (VI.15-VII.5; 502c-521c)

       A ideia do bem constitui o mais alto conhecimento, aquela de que a justiça e as outras virtudes tiram a sua utilidade e as suas vantagens. Para compreender a Ideia do Bem podemos pensar numa ilustração que pode ser chamada de alegoria da caverna. Imaginas que alguns homens contemplam as sombras projetadas por um fogo na parede de uma caverna, enquanto se encontram presos sem poderem olhar para trás onde está o fogo e depois as coisas mesmas. Esses prisioneiros acabam tomando as sombras como sendo a realidade. Suponhamos que alguém desamarre um dos prisioneiros de sua corrente e o forçasse a olhar para a luz, certamente este homem acostumado com as sombras sentiria dor e desejaria voltar para as sombras. No entanto, pensemos que apesar da resistência do homem em olhar para a luz, ele fosse forçado a isso, ele é levado à força para fora da caverna. Com o tempo sua visão se adaptará gradualmente às coisas até que ele possa contemplar as coisas mesmas. Por fim, ele poderá olhar para o próprio Sol que é aquilo que possibilita a visão das coisas.
       Aqui, o Sol simboliza algo que se encontra "além do ser", mas também, ele é aquilo que no seu próprio estar além do ser, possibilita todo o ser. É o Sol torna visível todo ser. O Sol supera o ser em dignidade e poder, ele é o símbolo daquilo que podemos chamar de Ideia do Bem. As coisas reais representam os seres ou as ideias e as sombras as coisas sensíveis que são cópias das ideias.
       Voltando à alegoria, pensemos que o prisioneiro liberto retorne para a caverna, se ele tentasse convencer os demais prisioneiros de que as sombras não são a realidade, estes o tratariam como louco e poderiam até mata-lo. Este que saiu da caverna e agora retornou para tentar libertar os demais prisioneiros é o filósofo.

IV. EDUCAÇÃO DOS FILÓSOFOS (VII.6-VII.18; 521c-541b)

       Para a educação daqueles que devem governar a cidade, é necessário mais do que a formação na ginástica e na música, é necessário um conhecimento que se dirija, não para as coisas sensíveis, mas para as ideias. É aqui que se vê a necessidade do estudo da Matemática, pois as matemáticas levam a alma ao ser, pois ela conduz o olhar, não para as coisas sensíveis e palpáveis, mas para a região superior das ideias.
       Além da Matemática, outra ciência que nos conduz às ideias é a Dialética que, sem nenhuma ajuda dos sentidos externos e com o recurso exclusivo da razão, tenta chegar à essência das coisas, sem parar enquanto não apreende com o pensamento puro o bem em si mesmo.  Assim, a Matemática, incluindo a Geometria e a Aritmética, e os demais ramos que servem a propedêutica à Dialética terão de ser incluídas na educação das crianças.

PARTE III
FORMAS DEFEITUOSAS DE GOVERNO
(VIII.1 – IX.3; 543a – 576b)

      Sendo o modelo de governo proposto aqui o modelo de cidade perfeita, todas as outras formas de governo serão defeituosas. Podemos considerar quatro dessas formas defeituosas de governo que mantém uma ordem de sucessão:
(i) Timocracia: Nela, o governo é movido pela ambição, é exercido por homens que se acham capazes por terem sido bons soldados ou lutadores, mas que são gananciosos e usam o poder estatal para se enriquecer.
(ii) Oligarquia: Nela só tem acesso aos cargos públicos os que tem dinheiro e nela se impõem um tipo de governo pela intimidação.
(iii) Democracia: a democracia surge quando os pobres, tendo vencido os ricos, eliminam uns, expulsam outros e dividem por igual com os que ficam o governo e os cargos públicos, o problema dela é que há um excesso de liberdade, ela não reconhece ordem nem força do dever moral.
(iv) Tirania: Nela a liberdade extrema se transforma em escravidão quando chefes maus passam a assumir o governo. O povo, evitando a fumaça da submissão a homens livres, cai no fogo do despotismo dos escravos e, em troca de uma liberdade excessiva e inoportuna, veste a farda mais dura e mais amarga das servidões.

CONCLUSÃO
(IX.4-IX.13; 576b-592b)

       Quando toda a alma segue o elemento filosófico sem que nela se verifique nenhuma sedição, acontece que cada uma de suas partes não apenas cumpre sua obrigação e é justa, como goza dos prazeres mais puros e que lhe são próprios, e dos mais verdadeiros de que seja capaz. Quanto à questão inicial sobre a justiça podemos declara que ser justo é melhor que ser corrupto, tudo o que fizermos ou falarmos deverá ter em mira permitir que o homem interior domine quanto possível o homem inteiro.
      
      


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