LEIA TAMBÉM (CLIQUE NA IMAGEM)

A ANTROPOLOGIA CRISTÃ E O PROBLEMA MENTE - CORPO

      A relação entre o corpo e a alma tem sido tema de muitos debates teológicos. Historicamente na Teologia Cristã há três principais perspectivas principais sobre a relação alma-corpo: (i) Tricotomia: que vê o homem como constituído de três componentes. (ii) Dicotomia: que entende o homem como constituído de um componente material e outro espiritual e (iii) Holismo: entende o homem como tendo uma substância material (corpo) que é ativada por uma energia vital (espírito). Tais perspectivas buscam explicar quais os componentes que constituem a natureza humana.
      Os tricotomistas creem que o ser humano é formado de duas dimensões, uma física (corpo) e outra espiritual (alma e espírito). Para eles, o espírito e alma são distintos, sendo a natureza humana constituída de três componentes, a saber, espírito, alma e corpo. Para os tricotomistas, a alma é definida como os aspectos imateriais da mente, das emoções e da vontade resultantes da união entre o espírito e o corpo. Este último seria o componente mortal do homem, enquanto o espírito pode ser definido como componente imaterial do ser humano em que reside sua faculdade espiritual, inclusive a consciência. Para os tricotomistas, a alma é uma substância que está presente tanto no ser humano, quanto nos animais, estes últimos, porém, não possuem espírito. [1]
      Os dicotomistas, por sua vez, acreditam ser a natureza humana constituída de corpo e alma - espírito. Para eles, espírito, alma e mente são termos intercambiáveis, que não diferem em significado. Tanto o termo “espírito”, quanto o termo “alma” se referem a um mesmo elemento imaterial. Para os dicotomistas, a mente do homem é incorpórea, o que significa dizer que ela é de uma substância distinta do corpo. Alma ou espírito é a parte tanto emocional, quanto intelectual e espiritual do homem. Dessa forma, o “coração é intelectual”. Emoção e intelectualidade estão, para um dicotomista, ligadas de forma inextricável. [2]
       Por fim, temos a opinião holística sobre o ser – humano. Para os holistas, a alma é o homem enquanto ser vivo e, o espírito é a centelha da vida, a energia vital que vivifica o corpo, assim como a eletricidade acende uma lâmpada. Desse modo, há apenas uma substância ontológica no ser humano, e para que a vida (alma) exista, é necessário que a energia vital (espírito) esteja ativa no corpo humano. Do mesmo modo, alma e espírito não vivem sem um corpo, de modo que a morte é a cessação da existência. Esta posição é adotada por poucos cristãos, sendo mais comum nas seitas como nas Testemunhas de Jeová[3] e no Adventismo do Sétimo Dia[4].
      Há na Filosofia da Mente diferentes posições sobre a relação mente/corpo. Os materialistas reducionistas acreditam que mente e cérebro ou mente e corpo são idênticos: estados mentais são estados cerebrais. Para os dualistas de substância mente e corpo são duas substâncias distintas, já para o dualismo de propriedadeeles são duas propriedades de uma mesma substância. O funcionalismo entende que estados mentais são apenas um “modo de funcionamento” que não depende da estrutura na qual ocorre. Até mesmo máquinas podem pensar! O emergentismo entende que a mente emerge do cérebro assim como a solidez emerge do gelo. No entanto, no final das contas, tanto o materialismo reducionista, quanto o dualismo de propriedade, o funcionalismo e o emergentismo são antropologias materialistas, pois não admitem a presença de uma substância imaterial no homem.
       O mesmo pode ser dito em relação à antropologia holista. Ao considerar que o homem é apenas matéria (corpo) e energia (espírito), o holismo acaba caindo numa visão materialista da natureza humana. O materialismo, ao reduzir o homem a um amontoado químico e os pensamentos a um fluxo de elétrons, está em forte oposição à antropologia cristã que realça a dignidade humana e sua dimensão espiritual. Os cristãos entendem que o homem é mais do que um mero amontoado de células.
       Os materialistas assumem, por fé, uma série de pressuposições anticristãs. Presumem que a mente é material, que o fato de mente e cérebro funcionarem juntos significa que eles são a mesma coisa (ou que a alma é uma propriedade, funcionamento ou energia do cérebro) e supõem que duas substâncias de naturezas diferentes não podem interagir entre si. Quanto a este último ponto, na medida em que o material e o imaterial possuem coisas em comum (a existência, por exemplo), não há motivo para assumir uma postura materialista com base na suposição de que substâncias materiais e imateriais não podem se relacionar. [5]
       Enquanto o problema com o holismo é que ele desemboca em materialismo, o problema no tricotomismo está em fazer uma distinção entre a dimensão racional (mente – alma) e a dimensão espiritual. A implicação dessa distinção entre a alma e o espírito é a de que Deus não se relaciona com o homem através da mente racional, mas por meio de uma dimensão não-racional superior ao intelecto. Essa visão é inconsistente com a visão cristã de que a fé é racional. Os tricotomistas geralmente citam Hebreus 4.12 e 1 Tessalonicenses 5.23, mas o intuito desses textos é destacar aspectos do homem, não enumerar as substâncias que compõem a natureza humana.[6]
      Assim, a única visão coerente com uma perspectiva bíblica e cristã sobre o assunto, em oposição ao materialismo do holismo e à divisão fé/razão da tricotomia, é a de que o homem é composto por apenas duas partes, o corpo (a substância material) e a alma ou espírito (o elemento espiritual). Alma e espírito, na Bíblia, são termos que servem para designar o mesmo elemento espiritual sob dois pontos de vistas distintos. [7] 
      A dicotomia é o ponto de vista bíblico sobre o assunto. Lemos que a alma sobrevive à morte do corpo (Mateus 10.28), que o espírito se separa do corpo material na morte (Eclesiastes 12.7), que o homem possui corpo e espírito (1 Coríntios 5.5; 7.1, 34) e que sem o espírito o corpo está morto (Tiago 2.26). De igual modo assevera a Confissão de Fé de Westminster: “Os corpos dos homens, depois da morte, convertem-se em pó e vêm a corrupção; mas as suas almas (que nem morrem nem dormem), tendo uma substância imortal, voltam imediatamente para Deus que as deu.” (CFW 32.1)
        Além do mais, que somos corpo e alma, é uma verdade arraigada na nossa consciência. Esse é o senso comum dos homens [8]. Todo homem tem um “ego cogito” que transcende a matéria. Materialistas argumentam, no entanto, que a consciência universal do ego puro não passa de uma ilusão produzida pela constituição material do nosso cérebro. Esse argumento é autodestrutivo – se há ilusão logicamente tem de haver um “quem” (ego) a ser iludido. Independente da análise que façamos da matéria, sempre haverá um “ego” que transcende o objeto de análise. [9]
      Parece claro a partir deste esboço bíblico e filosófico que o homem é composto de alma e corpo, o que aproxima a antropologia cristã do “dualismo de substância” ou “dicotomia”. Foge ao escopo deste artigo afirmar mais do que isso, ou especular mais sobre essa natureza antropológica. Apesar da linguagem de “substância”, é necessário que purifiquemos esse conceito do hilemorfismo aristotélico e da ontologia essencialista grega. Embora se faça uso de tal terminologia filosófica, nossa compreensão da natureza humana pode e deve ser entendida com base na antropologia bíblica. Não é necessário retratar “mente” e “corpo” como duas entidades substancialistas que se interagem e é preciso asseverar que o homem é uma totalidade, uma unidade psicossomática. [10] Purificados tais conceitos das noções essencialistas da ontologia grega, suficiente será afirmar que o homem é corpo e alma conforme ensina a Escritura e a consciência comum dos homens.


FONTES:
[1] Stamps, D. Bíblia de Estudo Pentecostal. pp. 979-980.
[2] Cheung, V. Teologia Sistemática, pp.97-110. Disponível em:
[3] Testemunhas de Jeová. O que a Bíblia Realmente Ensina?Cesário Lange: Associação Torre de Vigia de Bíblia e Tratados,  2015. pp.208 – 211.
[4] White, E. O Grande Conflito, p.304.
[5] Geisler, N. Teologia Sistemática 1, pp. 680 - 681.
[6]  Ferreira, F. & Myatt. Teologia Sistemática, pp. 416 - 418.
[7] Berkhof, L. Manual de doutrina cristã, pp 93-94.
[8] Hodge, C. Teologia Sistemática, p. 526
[9] Geisler, N. Teologia Sistemática 2, p.45.

[10] Hoekema, A. A Pessoa Total, Tricotomia ou Dicotomia? Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/antropologia_biblica/tricotomia_hoekema.htm

Comentários

FAÇA UMA DOAÇÃO

Se você gostou dos textos, considere fazer uma doação de qualquer valor em agradecimento pelo material do blog. Você pode fazer isso via PIX!

Chave PIX: 34988210137 (celular)

Bruno dos Santos Queiroz

VEJA TAMBÉM

TEXTOS BÍBLICOS ABSURDOS

O MITO DA LIBERDADE - SKINNER (RESUMO)

AMOR LÍQUIDO - ZYGMUNT BAUMAN (RESUMO)

CULTURA E SOCIEDADE - ANTHONY GIDDENS

AMOR ERÓTICO EM CANTARES DE SALOMÃO

O SER E O NADA (RESUMO)

SER E TEMPO (RESUMO)

SOCIOLOGIA DO CORPO - ANTHONY GIDDENS (RESUMO)

20 MITOS DA FILOSOFIA