HISTÓRIA DO SUICÍDIO

No mundo grego existiam correntes que
defendiam que o indivíduo não devia se matar sem o consentimento prévio da
comunidade, pois isso seria um ataque a estrutura comunitária. No contexto
romano, como por exemplo, em Atenas, o suicídio era considerado legítimo para
níveis sociais mais altos (Gonçalves, Gonçalves, Junior, 2011). Por outro lado,
na Roma Antiga, aos escravos e soldados, provavelmente por razões econômicas,
era negado o ato suicida, mas não existia nenhum interdito legal contra homens
livres que os impedissem de tirar a própria vida. Desse modo, no mundo romano a
legitimidade do suicídio dependia da classe socioeconômica a qual o indivíduo
pertencia (Aragao, 2014).
As escolas filosóficas do mundo do Logos grego tinham diferentes teorias éticas sobre a moralidade ou imoralidade da morte voluntária. Os
seguidores de Pitágoras eram peremptoriamente contrários ao ato suicida,
dizendo que a morte voluntária quebrava a harmonia numérica que regia a alma. Os
epicuristas e estoicos, por outro lado, adotavam uma concepção mais benevolente
do suicídio, como um ato aconselhado pela sabedoria e que deveria ser executado
com doçura, apropriado para uma situação em que se percebe que a vida não nos
corre bem (Caeiro, 2011).
No
mundo Hebreu Antigo, é possível encontrar no Velho Testamento da Bíblia, alguns
relatos de suicídios:
-
Abimeleque: “Ora, Gaal, filho de Ebede, tinha saído e estava à porta da cidade
quando Abimeleque e seus homens saíram da sua emboscada.” - Juízes 9.35
-
Saul: “Então Saul ordenou ao seu escudeiro: ‘Tire sua espada e mate-me com ela,
senão sofrerei a vergonha de cair nas mãos desses incircuncisos’. Mas seu
escudeiro estava apavorado e não quis fazê-lo. Saul, então, pegou a própria
espada e jogou-se sobre ela.” - 1 Samuel 31.4
-
Escudeiro de Saul: “Quando o escudeiro viu que Saul estava morto, jogou-se
também sobre sua espada e morreu com ele.” – 1 Samuel 31.5
-
Aitofel: “Vendo Aitofel que o seu conselho não havia sido aceito, selou seu
jumento e foi para casa, para a sua cidade natal; pôs seus negócios em ordem, e
depois se enforcou. Ele foi sepultado no túmulo de seu pai.” - 2 Samuel 17.23
-
Zinri: “Quando Zinri viu que a cidade tinha sido tomada, entrou na cidadela do
palácio real e incendiou o palácio em torno de si, e morreu”- 1 Reis 16.18
Com o início da Era Cristã, já é
possível encontrar nos Evangelhos um caso famoso de suicídio – o de Judas
Iscariotes, conhecido por trair a Jesus: “Então Judas jogou o dinheiro dentro
do templo, saindo, foi e enforcou-se.” - Mateus 27:5
Na Idade Média, o suicídio passou a ser
condenado, não só pela Igreja, mas também pelo Estado (Gonçalves, Gonçalves,
Junior, 2011). Santo Agostino (354 – 430), em seu tratado “A Cidade de Deus”,
condena radicalmente o suicídio como uma transgressão do mandamento do Decálogo
“Não matarás”. São Tomás de
Aquino (1266 – 1273), em sua “Suma Teológica”, reafirma a proibição do suicídio
e defende a interdição da sepultura de suicidas em terras sagradas. Tomás de
Aquino via o homem como pertencente à sociedade, de modo que tirar a própria
vida prejudicava toda a comunidade (Mendes, 2011).
Na Idade Média, o suicídio era enxergado
como uma tentação do demônio ou um ato de loucura. Não obstante, havia maneiras
distintas de ver a morte voluntária dependendo da classe social a qual o
indivíduo pertencia. O suicídio era considerado um crime quando cometido por
camponeses, escravos, colonos e artesãos, sendo negado aos suicidas honras
fúnebres. Por outro lado, no que dizia respeito aos cavaleiros medievais, a
morte voluntária poderia ganhar o significado de um ato coragem, bravura e
patriotismo (Aragao, 2014). Na realidade, o suicídio era um ato praticado na
Idade Média por pessoas de todas as classes sociais e de ambos os sexos, sendo
sujeito a severa punição (Caeiro, 2011).
Segundo Durkheim (2005, p.358 citado por Medeiros, 2008):
Mal
as sociedades cristãs se constituíram, o suicídio foi formalmente proibido. Em
452, o concílio de Arles proclamou que o suicídio era um crime e que só podia
ser consequência de uma fúria demoníaca. (...), em 563, no concílio de Praga,
que essa prescrição recebeu uma sanção penal. Decidiu-se que os suicidas não
seriam ‘honrados com nenhuma comemoração do santo sacrifício da missa e que o
cântico dos salmos não acompanharia o seu corpo na descida ao túmulo’. A
legislação civil inspirou-se no direito canônico e acrescentou às penas
religiosas as penas materiais. Um capítulo das regras de São Luís regulamenta
especialmente essa matéria: fazia-se um processo ao cadáver do suicida diante
das autoridades que fossem competentes para o caso; os bens do falecido não
eram herdados pelos sucessores, como de hábito, e eram restituídos ao nobre. Um
grande número de costumes não se contentava com a confiscação e prescrevia
ainda outros suplícios
Nesse
sentido, o suicida deveria ser punido de modo a servir de exemplo negativo. Assim,
o suicida era condenado, punido e ultrajado mesmo depois de sua morte por ter
transgredido as regras de viver em sociedade (Medeiros, 2008).
Com o Renascimento, houve uma maior
valorização da subjetividade e da individualidade perante a reconfiguração
econômica de maior liberdade do comércio. Isso também produziu um contexto
caracterizado por mais individualismo. Desse modo, houve um aumento progressivo
da tendência ao isolamento, o que pode contribuir para gerar sentimentos de angústia,
solidão e inquietude. Tais sentimentos advindos do individualismo podem ter
colaborado para que pessoas tirassem a sua própria vida no período da
Renascença (Aragao, 2014).
O Renascimento, na medida em que fez
reviver a cultura, a arte e a literatura da Antiguidade Clássica, retomou os
modos de pensar dos homens do passado. Assim, de modo similar ao que ocorria na
Antiguidade, era possível encontrar entre os da Renascença, diferentes
abordagens sobre a questão do suicídio. Os humanistas passaram a valorizar mais
a subjetividade e a vida humana, diferente da dita “ortodoxia fria e árida” do
Escolasticismo, e entre eles apareceram tanto aqueles que apresentavam
argumentos favoráveis a morte voluntária, quanto os que se opunham a mesma
(Caeiro, 2011).
Com o Iluminismo, houve uma mudança da
base teórico-hermenêutica de construção de uma visão sobre o suicídio, com uma
diminuição da ênfase teológico-metafísica para a valorização do ato da ordem do
humano configurado dentro de um contexto social e psicológico. Não obstante, os
filósofos iluministas não possuíam uma posição determinada ou sistematizada
sobre o suicídio (Aragao, 2014).
Do
Renascimento às luzes, o suicídio abandona pouco a pouco o “guetho” dos tabus e
dos actos contra natura. Despenalizado, permanece como objecto de azedas
discussões, mas tais discussões contribuem para desmistificar, secularizar e
banalizar a morte voluntária. Depois do período revolucionário, as autoridades
morais, e mesmo políticas, dominadas pelo espírito de reacção e de restauração,
esforçam-se com vigor para voltar a colocar o suicídio entre o conjunto de
proibições contra-natura que, em sua opinião, nunca daí devia ter sido afastado.
(Minois, 1988 citado por Caeiro, 2011)
Assim, já no século XX, a condenação e
as contradições em torno do suicídio subsistem (Aragao, 2014). De acordo com Gonçalves,
Gonçalves & Junior (2011), atualmente, o suicídio é um fenômeno que
adquiriu um significado clandestino, ocupando o lugar do oculto e do secreto,
bem como do patológico. É interessante observar, hoje também, as mortes voluntárias
de homens em atentados terroristas. As leis em nosso país (Brasil) condenam a
indução ou o auxílio ao ato suicida. Não se fala muito, ao menos não tão abertamente,
de suicídio na cultura ocidental, de modo que esse ato acaba constituindo-se em
uma espécie de tabu.
REFERÊNCIAS
Aragao, S. R. (2014). Historia do suicídio:
Aspectos culturais, socioeconômicos e filosóficos. [On-line] Disponível em: <http://www.consultoriapsi.net/news/historia-do-suicidio-aspectos-culturais-socioeconomicos-e-filosoficos/>
Acesso em: 28 de maio de 2016.
Caeiro, V. S. R. (2011). Morte
Voluntária - Sui Caedes. Tese de
Mestrado em Medicina Legal. Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
ICBAS. Universidade do Porto.
Gonçalves, L. R. C.; Gonçalves, E.;
Júnior, L. B. O. (2011). Determinantes espaciais e socioeconômicos do suicídio
no Brasil: uma abordagem regional. Nova
Economia_Belo Horizonte_21 (2)_281-316.
Medeiros, M. M. (2008).
Concepções históricas sobre a morte e o morrer.
Outros Tempos. Volume 5, número 6, 152-172.
Mendes, I. (2011). O suicídio na Idade Média. [On-line]
Disponível em: http://www.ibamendes.com/2011/03/o-suicidio-na-idade-media.html
Acesso em: 28 de maio de 2016.
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