OBSERVAÇÕES SOBRE CIÊNCIA E CRISE - MAX HORKHEIMER (RESENHA)

O texto a seguir foi construído a partir de anotações de aulas da disciplina de Filosofia Social do Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia ministrada pelo professor doutor Rafael Cordeiro Silva em 2023. A partir disso, o texto a seguir consiste em uma resenha do texto "Observações sobre ciência e crise" (1932) do filósofo Max Horkheimer.      

Horkheimer na primeira observação deixa clara sua filiação teórica a Marx e a partir dessa filiação considera que ciência é força produtiva e meio de produção. É importante considerar que Horkheimer não separa ciência de tecnologia. Horkheimer apresenta outras concepções de ciência que ele critica. Uma delas é a Teoria Pragmática do Conhecimento, que foca na utilidade da ciência, isto é, em uma questão extrínseca do conhecimento (Para que serve a ciência?). Há também a Teoria Clássica do Conhecimento, que foca nas características descritivas intrínsecas da ciência, como é o caso das condições de verdade do juízo científico (Sob que condições o conhecimento científico é verdadeiro ou falso?).  Horkheimer não adota nem a teoria clássica nem a pragmática pois elas ignoram os interesses sociais da ciência. Ao invés disso, ele pensa a ciência a partir de sua importância vital, considerando a ciência dentro do processo histórico. 

A filosofia da ciência analítica se preocupou com qual seria o melhor método para a ciência que pudesse assegurar a verdade das proposições científicas, já Horkheimer se propôs a entender o que é a ciência a partir de sua inserção no processo histórico. Assim, na segunda observação, Horkheimer delimita o seu interesse, considerando que embora haja outras formas de abordar a ciência, ele a abordará analisando a ciência a partir da perspectiva histórica e dos interesses sociais que a subjazem. Para o autor, não faz sentido a separação do positivismo lógico entre teoria e prática, a ciência faz parte do processo histórico. Isso, no entanto, não significa cair no relativismo. O filósofo considera que o método científico não é puro, não há o método científico, a ciência atende certos interesses sociais e valores. O fazer científico está condicionado historicamente. O próprio positivismo filosófico é um fenômeno histórico que foi superado por volta da década de 1940. Horkheimer trabalha, pois, com a compreensão de que a ciência está inserida no processo histórico. 

Na terceira observação, Horkheimer considera a existência da crise econômica do capitalismo mundial com a quebra da bolsa de Nova York e ao fracasso econômico da República de Weimar. O autor considera que a ciência, embora produza riqueza social, não cumpre o seu destino, pois não beneficia igualmente aos homens. As tecnologias científicas levam ao aumento da riqueza social, mas essa riqueza não beneficia de forma justa todos os homens.  

A importância vital da ciência consiste em que ela existe para beneficiar os humanos, mas não é isso que ocorre na realidade. A sociedade não desfruta da riqueza produzida pela ciência. Há uma discrepância entre o alto desenvolvimento das descobertas e tecnologias científicas de um lado e o atendimento das necessidades humanas de outro. Horkheimer observa que em crises econômicas anteriores, como a Primeira Guerra Mundial (fortemente tecnológica com aviões, tanques etc.), a superação só veio com a perda de valores humanos imateriais, como a perda em larga escala de vidas humanas. Na terceira observação, portanto, Horkheimer considera que a ciência não cumpre seu destino, que é beneficiar os seres humanos. 

Na quarta observação, o autor discute correntes filosóficas para as quais a crise contemporânea da ciência é no fundo um resultado da crise da razão. Essas correntes renunciam à razão, criticando a racionalidade científica e a razão como um todo, por entenderem que ela é causadora da crise. Essas correntes buscam a saída em outra forma de conhecimento, no caso, na formação do psíquico, nas forças mais substanciais da alma. O problema é que ao desacreditar a razão como um todo, tais correntes desacreditam também a razão crítica. Essas correntes formam o que pode ser considerado como a metafísica moderna (contemporânea). A metafísica moderna está correta em diagnosticar uma crise das ciências e em criticar o cientificismo e o positivismo, mas erra no remédio proposto, isto é, a descrença na razão como um todo. 

Da quinta à oitava observação, Horkheimer critica a metafísica contemporânea observando que não há um excesso de razão, mas um estrangulamento e considera as verdadeiras causas internas e externas da crise das ciência. Horkheimer considera que a ciência moderna foi um avanço em relação à ciência medieval, especialmente com as contribuições de Bacon. A ciência na Idade Média se concentrou no debate lógico e retórico, Francis Bacon, por sua vez, lançou as bases da ciência moderna como voltado para a pesquisa empírica a partir do método indutivo para a busca de regularidades. Bacon, no entanto, desconsiderou a metafísica e a matemática como preconceitos que impedem o conhecimento verdadeiro sobre a natureza e causa das coisas. O que os medievais consideravam sem importância e como extrínseco à ciência, isto é, a investigação das regularidades da natureza, Bacon considerou importante. De modo similar, os positivistas filosóficos consideravam que os interesses sociais eram extrínsecos à ciência e, por isso, não eram relevantes. 

Quando Bacon propôs suas noções, sua ideia foi revolucionária em relação à concepção de ciência medieval e ele via sua proposta como algo que melhoraria a vida das pessoas, no entanto, já no século XIX, a visão do Bacon deixou de ser progressista, tornando-se reacionária. Constatar, classificar e generalizar identificando regularidades foi desvencilhado de seu interesse social; positivistas, por exemplo, reduziram a ciência a essa função de identificar regularidades divorciada de um comprometimento social. Horkheimer considera Bacon um iluminista cujos esforços tinham como objetivo melhorar a sociedade. Para o autor, o Iluminismo é usado em sentido amplo, indo de Bacon até Marx. 

A ciência fixando-se naquilo que permanece, que é generalizável e que se repete, ignorou o vir-a-ser. A ciência fechou-se, assim, ao processo social, reduzindo-se a uma discussão metodológica. Há, pois, uma fetichização do método em que se discute qual o melhor método para assegurar a verdade do conhecimento científico. Os problemas da ciência, Horkhiemer constata, não são exclusivas da ciência, mas têm a ver com condições sociais mais amplas. Pode-se falar ainda de uma crise interna da ciência relacionado à insuficiência do método de indução. A crise na ciência interna diz respeito à sua fixação no método fazendo com que ela perca de vista sua finalidade social.  A saída dessa crise não se dá pelo descrédito completo na razão, pois é justamente a razão crítica que possibilita compreender essa crítica e como combatê-la.  

Por metafísica moderna Horkheimer tem em mente, entre outras, a fenomenologia, a antropologia filosófica e outras tendências do pós-guerra. Ele considera que a fenomenologia não leva em conta a sociedade viva e real em seu processo histórico. Essa crítica revela a influência marxista, Horkheimer considera a importância de considerar a ciência a partir dos interesses de classe. A antropologia filosófica, por sua vez, hipostazia o indivíduo, tomando-o como entidade absoluta. Horkheimer considera, no entanto, que não só a metafísica é ideológica, mas a ciência também é. Primeiro, porque a ciência não esclarece as causas da crise, segundo porque ela não percebe que sua prática é indissociável da ideologia econômica que lhe dá sustentação. 

Os elementos ideológicos da ciência costumam ficar escondidos por causa da excessiva preocupação em discutir o método. Essa fixação no método em detrimento das questões sociais é, no entanto, por si só ideológico. A ciência tem um certo discurso esotérico em consequência da sua sofisticação, que acaba tendo uma linguagem técnica que só especialistas entendem. 

Além de uma causa interna, a crise da ciência também possui uma causa externa, que é a economia contraditória. A economia é caótica, mais rica do que nunca, mas incapaz de distribuir de modo justo essa riqueza, não podendo remediar a miséria. Há, pois, devido a essa causa externa, uma ambiguidade da ciência, de um lado ela não consegue definir sua tarefa e de outro ela não consegue definir sua relação com a sociedade. Horkheimer entende que a ciência deve ser determinada pelas necessidades sociais da vida. Há um desperdício de energia intelectual na ciência cuja solução passa pelo domínio da economia, uma economia planejada, a economia subordinada ao homem. O fato da economia ser caótica faz com que a ciência seja caótica, logo, a solução da causa externa da crise das ciências é o planejamento econômico, não a revolução. 

Na nona observação, Horkheimer pontua que sua proposta não é idealista (hegeliana), que vê a História como expressão de um Espírito Absoluto que é, ao mesmo tempo, independente da História. Horkheimer parte de uma concepção materialista como a melhor forma de compreender a crise da ciência como resultante da crise da economia e da crise interna enquanto perda de referência em relação ao social. Para o materialismo, o ideal depende da base econômica. 

 

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