CONCEITO DE CAUSA E CIÊNCIA DIVINA EM SUÁREZ

 


O texto a seguir, a partir de comentários trechos da Metafísica de Suárez, considera a relação da noção de causa com a ciência divina no filósofo. Assim, discute-se o conceito geral de causa, a ciência divina e sua relação com a causa exemplar. Este texto é resultado de anotações de aula da primeira parte da disciplina de Metafísica ministrada pelo professor Sertório de Amorim e Silva Neto na pós-graduação em filosofia na Universidade Federal de Uberlândia em 2023. 


METAFÍSICA I 

Seção 1: Causa do Ente em geral e seu campo próprio 

 

Uma abordagem muito frequente da questão das causas é a dos físicos, mas eles se dedicam à questão das causas de modo excessivamente concreto, buscando a razão de ser das causas na matéria física. O físico trata das causas de modo pouco abstrato e o que dá essa concretude é o fato de que o mundo físico está em constante mudança. Esse tratamento concreto é, no entanto, um tratamento imperfeito. 

Nada surge do nada, há sempre uma causa por trás dos fenômenos. É preciso considerar a razão (ratio: razão de ser, significado) da causa. (Ratio: sentido, método, relação de grandezas). Para Suárez, a razão de ser da causa é algo mais universal e abstrato e não depende nem da matéria sensível nem da matéria inteligível. A matéria sensível diz respeito àquilo que é físico e que é a matéria prima da inteligência que produz no intelecto o fantasma (imagem), que transformada em ideia é a matéria inteligível (espécies inteligíveis). Suárez parte da noção, criticada pelos modernos, que há uma relação de semelhança entre a ideia e a coisa.  

A forma de consideração própria da causa é metafísica. Pode-se perguntar, assim qual é a importância de estudar a causa? Suárez apresenta as seguintes razões: (i) a causa ou causalidade participa do ente: a causa explica o que o ente é, porque ele é e como ele é; (ii) para que o ente seja o que é, é necessário que ele tenha uma causa: é no conhecimento da causa que conhecemos a essência da coisa, conhecer o que algo é, é conhecê-la a partir da causa; (iii) é próprio da ciência considerar a causa de seus objetos:  pertence à ciência considerar a causa dos seus objetos. 

 A causalidade é uma propriedade do ente, com exceção de Deus, que não tem uma verdadeira e própria causa. Deus é o único ser que não tem causa, mas ainda é objeto da ciência. Todas as demais coisas fora de Deus têm causa, não só nas condições determinadas de um ente particular, mas do ente enquanto ente, para o próprio ente em geral. 

Ainda que Deus não tenha causa verdadeira e real, algumas razões de Deus são concebidas por nós como se fossem causas. A metafísica só pensa Deus como ente por analogia.  Porque Deus tem a bondade, Deus é perfeito e suas operações e falamos como se a bondade definisse o ser de Deus. Por esses motivos, pertence ao metafísico a consideração das causas.  

 

Seção 2: Do conceito de causa  

 

Aristóteles discutiu causas, mas não deu nenhum conceito geral de causa. Ele sempre tratou de causas em um sentido polissêmico: (causa formal: ato, configuração; causa material: do que a coisa é feita, potência; causa final: propósito, potência tornada atual; causa eficiente: ação e agência). Para entender que tudo que faz que tudo isso seja dito causa, pensando em um sentido comum e complementar, três coisas devem ser consideradas: (i) a coisa que causa; (ii) a causação; (iii) a relação que se segue (efeito).   Causa é aquilo de que algo depende essencialmente. Causa é um princípio que infunde (comunica, dá) essencialmente o ser em outro. O efeito é o que é em razão da causa.  

A causa formal é denominada como intrínseca enquanto a causa eficiente é uma causa extrínseca. Não há na relação de causa e efeito nada de semelhante do que ocorre nas relações de processão da Trindade, pois tudo ocorre no mesmo ser. Aquilo que depende de outro deve ter uma essência ao menos numericamente diversa daquele de quem depende. Há dependência na Trindade, mas ela é de tipo relacional, que se dá sem que os sujeitos da relação tenham essências diferentes. As pessoas divinas são correlativas, ainda que tenham a mesma essência. 

A causalidade é necessária para que haja o efeito, mas é preciso supor que o ser do efeito é diferente da causa que infunde. A ideia de que a razão de ser do efeito está na causa implica que a razão de ser do efeito deve ser buscada na causa. Pode-se, pois, definir causa como “princípio que infunde (dá, comunica) o ser em outro. Na medida em que o efeito é diferente da causa, quando conhecemos o ente a partir da causa conhecemos o ente a partir do que ele não é. Há uma dessemelhança entre a coisa conhecida e o conhecimento da coisa. O efeito depende da causa pois tem um ser distinto e ao mesmo tempo participado. O efeito não é nada sem a causa, mas a causa não depende em nada do efeito.  

 

Seção 3: Divisão da causa 

A causa atua sobretudo como um princípio essencial e extrínseco. A causa opera de fora da coisa. Em relação à divisão da causa (as quatro causas aristotélicas), Suárez faz uma análise de cada uma das causas e considera se todas essas quatro causas estão em conformidade com a noção e razão comum de ser da causa. Ele também discute a oposição e distinção entre as causas, se há divisões intermediárias e se essa divisão é unívoca ou análoga. 

Os quatro gêneros de causa são experimentados nas próprias coisas. Se algo novo se faz é necessária outra coisa que a faça, pois nada faz a si mesma, essa coisa que a faz é a causa eficiente. Ou a causa eficiente produz seu efeito do nada ou produz o efeito de alguma outra coisa. Essa que causa a partir do nada não se pode falar em geral da causa. O artífice faz a estátua da madeira ou do bronze, ou seja, ele parte de outro algo. O mesmo diz respeito a causalidade natural, o fogo esquenta somente quando se aproxima dele um corpo. Da mesma maneira, o fogo não se faz sem a madeira. Esse é o modo de obrar das coisas naturais. A causalidade natural nunca produz do nada, mas sempre pressupõe outra coisa. O pressuposto para a ação da causa eficiente é, em geral, a causa material. 

A causa eficiente opera, pois, a partir de um substrato. No entanto, para que aquilo que seja causado seja um ente novo é preciso que essa causa introduza algo nesse jeito. Isso que é introduzido é a forma, desse modo, além da causa eficiente e da causa material, há a causa formal. Como as causas não obram de modo fortuito ou ao acaso. A causa sempre introduz um fim em função do qual opera. Desse modo, é preciso falar ainda de causa final.  

Suárez questiona se a causa formal e material de fato cabem na definição de causa como infusão de ser, ao que ele responde que sim. A matéria é aquilo de que algo é feito e a forma é aquilo que consuma a matéria no ser. Os seres naturais são basicamente uma matéria sob uma determinada forma. A causa eficiente, melhor do que todas outras, é mais claramente um princípio entendido, sendo condição para que haja causa formal e material. Assim, a causa eficiente é por definição uma causa que infunde ser. 

Já a causa final é mais complexo de entender como cabendo na definição geral de causa como aquilo que infunde ser. A causa final supõe um agente livre e consciente, tendo mais a ver com a ideia de liberdade do que propriamente de causa. Sócrates e Platão eram aqueles que acreditavam que a verdadeira causa é o fim, porque falavam mais em sentido moral do que físico. No âmbito da moral, todas as outras causas, inclusive a eficiente, são subordinadas ao fim. Suárez discorda da primazia platônica dada a causa final, pois entende que a causa eficiente é que é a mais proeminente.  

Pode-se discutir se as causas são diferentes entre si realmente ou apenas formalmente, Suárez entende que a distinção entre as causas é apenas formal, uma forma de distinguir diferentes modos de infundir o ser. No entanto, na realidade elas existem todas no mesmo ente. As causas também podem ser distinguidas entre intrínseca e extrínseca. Matéria e forma infundem o ser de modo intrínseco, por composição interna, já as causas eficientes e formal tem um influxo extrínseco pois atuar de forma externa. Não há, pois, necessidade de uma distinção real porque não há repugnância entre essas causas. 

Há, no entanto, exceções, essas quatro causas nem sempre se reúnem. A causa material e formal, por exemplo, não podem ser atribuídas a Deus. Deus não tem nenhuma potência passiva, ele é Ato Puro. A matéria como causa é potência pura, não é possível atribuir causa material a Deus. Também não se pode atribuir causa formal a Deus, pois a forma é aquilo que atua sobre a matéria informe e imperfeita. 

Suárez abre, entretanto, uma exceção para introduzir nas discussões da causa algo a mais além das quatro. Ele concede, a partir de Platão, a possibilidade de falar de causa exemplar. Assim, pode-se fazer as divisões em maior número de causas (causas internas ao efeito - matéria e forma que conferem entidade numérica e composição ao efeito; causas externas: eficiente e final, que causam sem compor intrinsicamente ao efeito, mas causam de fora). A causa eficiente é a causa extrínseca por antonomásia. Pode-se distinguir causas reais de causas intencionais. A causa formal e eficiente têm uma existência enquanto a causa final é somente uma intenção, não tendo realidade. 

Alguns dos princípios defendidos por Suárez são: (i) uma premissa fundamental da discussão da causa: “uma coisa não pode fazer-se a si mesma”; “é necessária alguma coisa que a faça”; (ii) a finalidade (causa final) impede que a causa aja de modo fortuito, por acaso; (iii) as quatro causas se distinguem apenas formalmente e não realmente; (iv) há uma quinta causa: a causa exemplar; (v) é possível a partir dessas noções, promover outras divisões das causas, como a distinção entre causas intrínsecas (material e formal), ligadas à composição interna da coisa; e causas extrínseca (eficiente e final, que operam ad extra). É possível dividir as causas, ainda, em causas reais (material, formal e eficiente) e causa intencional, que é a causa final, que não é entitativa 

Suárez entende que Causa est Principium per se influens esse in aliud” (causa é princípio que influencia por si ser em outro). Uma definição em sentido aristotélico envolve uma espécie que é definida por seu gênero e diferença. A espécie é a causa, seu gênero é princípio e sua diferença é que influencia ser em outro. Esse princípio dá ser por si, não acidentalmente. Essa definição de causa implica uma distinção ontológica entre a causa e o efeito, que é um outro em relação à causa 

Tendo discutido a noção de causa, podemos trabalhar como Suárez pensa a ciência divina para, por fim, relacionar seu conceito de causa exemplar com sua compreensão do conhecimento de Deus. 

DISPUTA XXX  

CIÊNCIA DIVINA 

Seção XV: O que a razão pode conhecer sobre a ciência divina? 

 

A ciência, a potência e a vontade são atributos positivos de Deus, expressam perfeições formais, absoluta e necessária de Deus. Apesar disso, nós concebemos a ciência como faculdades ou operações de Deus, pois a pensamos por analogia com as coisas criadas. O que significa o nome ciência? Não entendemos ser: (i) uma qualidade ou hábito; (ii) um ato efetuado ou produzido por uma potência; (iii) um conhecimento adquirido/mediado por raciocínio.  

Nada disso pode ser ciência em Deus, porque em Deus a ciência é uma perfeição, e o conhecimento por hábito, potência ou raciocínio é uma perfeição. De tal maneira que caso se atribua a Deus tais características, isso significaria que Deus não tem propriamente ciência e tal atribuição da ciência a Deus se dá metaforicamente, Por ter pensado que a ciência inclui perfeição, por isso mesmo negaram que a ciência se aplique a Deus. A ciência divina, no entanto, é que é a verdadeira ciência. A razão formal da ciência como tal diz respeito à ciência em sua máxima abstração. Pouco importa se criada ou incriada, a ciência significa unicamente um claro, evidente e perfeito conhecimento ou percepção da verdade ou do objeto conhecido. Nesse sentido, a ciência não é conhecimento das verdades demonstráveis, Portanto, é evidente pela razão natural que Deus tem sim ciência. Pois Deus vive uma vida intelectual, atual e perfeita, e a ciência outra coisa não é.  

Segundo Suárez, em Deus o conhecimento não é o ato primeiro. O ato primeiro é aquele que precede o ato segundo. Um exemplo de ato primeiro é a noção de sonho para Aristóteles. O sonho tem um caráter representativo, mas ligado à faculdade da sensibilidade. Um ato primeiro é, portanto, uma representação que se dá na faculdade sensitiva. Deus conhece todas as coisas, criados e criáveis (criaturas possíveis), de si, a partir de si mesmo. Deus é uma causa que conhece necessariamente a si mesmo conhecendo assim todas as coisas, isto é, o ser dos efeitos. Deus conhece não só o que existe, mas tudo que poderia existir. O fato de não representar as coisas existentes, não quer dizer que lhes falta entidade ou realidade, mas só que lhe falte um estado (existência). A existência das coisas não é uma condição para a ciência de Deus. 

Em Deus só se dá ciência de modo atual por meio de uma clara percepção imediata da verdade. Portanto, não ato primeiro em Deus nem como potência passiva nem como princípio de intelecção. O princípio de intelecção no ser humano são três: (i) potência intelectiva; (ii) hábito facilitador; (iii) uma espécie inteligível que une o objeto à potência. 

Na intelecção divina há intelecção enquanto tal porque Deus é a própria substância inteligente. Deus possui a força de intuir o objeto inteligível bem como certa razão de conter as coisas inteligíveis de modo intencional e inteligível. Há em Deus razão suficiente para representar intencionalmente todos os objetos inteligíveis, prescindindo de que os represente atual e formalmente. Deus conhece as coisas como exemplares e pelo seu telos, mesmo que não existam na realidade. A ciência divina é ciência por essência e as demais são participações da ciência divina. 

Suárez distingue os objetos cognoscíveis em três classes: (i) Deus e as coisas nele mesmo; (ii) as criaturas possíveis; (iii) toda as coisas que existem e irão existir ao longo do tempo. Deus é o objeto mais adequado da ciência e sendo objeto primário de sua própria intelecção.  Deus sumamente intelige a si mesmo. Deus é infinitamente inteligente tendo poder de conhecer tudo que é inteligível, incluindo os entes possíveis. É impossível que Deus ignore uma realidade que pode criar, já que nada pode criar senão como agente intelectual. A Vontade divina não é uma Vontade vazia desassociada ao seu intelecto. A potência divina infinita não está determinada a produzir todos os efeitos, mas somente mediante o entendimento e a vontade. Deus não recebe das criaturas a ciência que tem delas, já que a ciência de Deus é incriada e ele tem a ideia das coisas como que quase as espécies inteligíveis em si mesmo. 

 A ciência de Deus só se ocupa de Deus mesmo de cujo conhecimento compreensivo brota todo o conhecimento de todas as coisas. Deus conhece todas as criaturas inteligindo a si mesmo, pelo conceito de Deus representativo das naturezas próprias de cada uma das criaturas. Deus conhece todos os elementos positivos, de modo que ele conhece também os defeitos. Deus conhece a totalidade das coisas. Deus não tem raciocínio, mas conhece tudo por meio de uma intuição simples. 

Suarez distingue o conhecimento prático, como aquele que dirige a ação, e o conhecimento especulativo, de natureza teórica e que se refere àquilo que existe de modo independente em relação ao conhecimento. Segundo Tomás de Aquino, o conhecimento científico é um conhecimento especulativo, pois o conhecimento precisa se adequar à coisa conhecida (verdade como adequação). Para Suárez, na ciência especulativa a ciência é medida pelo objeto enquanto na ciência prática o artefato é produto do conhecimento.  

Há um tipo de relação essencial entre o conhecimento e a coisa quando há uma relação de dependência entre a coisa e o entendimento bem como uma relação acidental que é aquela na qual o objeto independe do intelecto. A relação essencial entre o entendimento e a coisa é aquela que há entre os objetos da arte e o conhecimento prático. Essa relação essencial também vale para a relação que as coisas criadas têm com a Inteligência divina. Deus conhece as coisas assim como o artesão conhece o artefato que produz, logo, em Deus o conhecimento é a medida das coisas, não o contrário, pois as coisas não são independentes do conhecimento divino.  

Para Tomás, não há verdade no conhecimento prático, já que só há verdade em um conhecimento que se adeque às coisas. Já para Suárez, se a ideia do artífice é adequada ao artefato produzido, essa ideia é eminentemente verdadeira. Assim, a ciência que Deus tem das criaturas é dotada de uma verdade perfeitíssima ainda que em Deus, como no conhecimento prático, Seu conhecimento é a medida das coisas. Nesse caso, é como se a essência precedesse o particular. 

O conhecimento prático se relaciona ao seu objeto em dois sentidos: (i) enquanto conhecimento; (ii) enquanto causa exemplar. A ideia do artífice é causa exemplar do objeto que é o efeito, nesse sentido, essa ideia não se diz verdadeira, mas eficiente ou suficiente para produzir o efeito. No entanto, essa ideia também pode ser tomada no sentido de um conhecimento, que nesse sentido pode ser verdadeiro. Porque a representação intencional do objeto pensando pelo artífice se adequar ao objeto considerado em sua razão e essência. São as próprias propriedades essenciais que guiam o artesão. Pode-se concluir, assim, que considerada em si a coisa artificial não é construída de modo determinado porque a ciência assim a prescreve, na realidade o que a ciência prescreve se dá em relação ao que as propriedades essenciais da coisa postulam. São as perfeições das coisas que servem de medida para a ideia do artesão. O artesão obedece à essência das coisas ao fazê-la. 

A ciência prática é uma mesma ciência própria que ao mesmo tempo considera o objeto abstraindo da existência quanto considera o objeto enquanto existindo na medida em que é sua causa. A ciência divina é similar à ciência prática que é conhecimento e causa das coisas, desse modo são os objetos que se adequam às ideias divinas e são as ideias divinas que são a medida das coisas, não o inverso. Deus conhece todas as criaturas existentes e possíveis que são conhecidas pela intuição divina das ideias exemplares que ele tem em si. É como se o conhecimento já pressupusesse os objetos feitos, havendo, pois, uma intuição da existência das coisas, tomadas como já feitas. 

 

CAUSA EXEMPLAR E CIÊNCIA DIVINA 

 

A noção de causa exemplar é importante para a filosofia de Suárez. Discute-se se a noção de causa exemplar está ausente em Aristóteles ou era contada junto com a causa formal. Aristóteles tomava a causa formal como sendo intrínseca, no entanto, a causa exemplar é mais propriamente uma causa formal extrínseca. Suárez entende que o exemplar em grego é a ideia tal qual considerada por Platão, Cícero e Agostinho. Esses filósofos defendem a tese de que o exemplar é a ideia platônica. Já entre os latinos, o exemplar foi chamado de forma ou espécie, ou ainda, formas principais ou originais, pois dizem respeito principalmente às ideias divinas. 

São os exemplares como ideias divinas que mostram que Deus fez o mundo de modo inteligente. Agostinho, por exemplo, afirmou que a dimensão inteligível de Platão é a razão com a qual Deus fez o mundo. Aquele que nega a dimensão inteligível pela qual o mundo foi criado teria que concluir que Deus fez as coisas irracionalmente. Isso que é dito sobre Deus é facilmente demonstrado quando se fala dos agentes inteligentes em geral, como os artífices humano que concebem com a mente o que farão com sua arte e isso que concebem na mente é o exemplar. 

Pode-se distinguir, ainda, o exemplar externo, como quando o pintor imita a natureza a ele externa, e o exemplar interno, que está na mente ou no entendimento. Também Platão pela mesma causa chamou a dimensão inteligível de exemplar do mundo. O exemplar pode ser definido como forma que imita o efeito em virtude da intenção do agente que se determina a si mesmo um fim. Esse causa exemplar é uma forma concebida e extrínseca e por sua imitação por um ato intencional se faz o efeito. No entanto, há também uma causa intrínseca que informa e constitui a coisa, isto é, a causa formal em sentido clássico. 

Os exemplares de todas as coisas estão na mente divina, de modo que só Deus pode ser causa das coisas naturais e só ele mesmo pode conter os exemplares dessas coisas. As criaturas intelectuais ou racionais, no entanto, podem também conceber formas verdadeiras das coisas naturais, de modo a conhecê-las. Considerando que nós somos criaturas intelectuais, temos a capacidade de conceber formas intelectuais verdadeiras e representativas dos efeitos naturais, essas formas, porém, não tem virtude eficiente desses efeitos.  

Suárez se questiona sobre se o exemplar é um conceito objetivo ou não. Segundo ele, há duas maneiras de entender o exemplar como conceito objetivo. O primeiro é entender o exemplar como sendo a própria coisa feita, isto é, como sendo idêntico ao efeito. O segundo é pensar que o exemplar possui uma objetividade, mas é distinto de seu efeito. Nessa segunda acepção, o exemplar é um conceito que representa a coisa. O conceito objetivo nesse sentido se refere ao fato de que ele é capaz de apreender a coisa. Pertence essencial e formalmente à razão do exemplar estar objetivamente na mente. 

Como Deus não recebe o conhecimento das coisas exteriores, mas as contempla em sua própria essência, é a própria essência divina o exemplar das criaturas. Deus encontra os exemplares das coisas na sua própria natureza. O exemplar das criaturas é a essência divina imitada ou participada pelas próprias criaturas. Deus, conhecendo em sua essência as criaturas, forma as razões ou conceito delas mediante os quais as conhece diretamente, ainda que como objetos secundários de sua ciência, visto que o objeto primário de sua ciência é si mesmo. 


DIFERENÇAS ENTRE SUÁREZ E AQUINO



Vale pontuar algumas diferenças importantes entre Suárez e Aquino:

(1) Distinção ser/essência: para Aquino essa distinção é real, para Suárez ela é apenas de razão raciocinada porque só uma res (coisa) pode ser distinta realmente de outra res.

(2) Natureza da matéria: para Aquino, a matéria pode ser pensada em relação a uma potência pura, para Suárez a matéria já tem certa atualidade porque nada pode diferir do nada a não ser que já tenha algum grau de atualidade. Por isso, a matéria possui um ato entitativo imperfeito.

(3) Passagem ato/potência: para Aquino, toda passagem do ato e potência requer um atualizador, para Suárez certas coisas podem passar da potência para o ato sem um atualizador, como no caso da vontade humana que pode se determinae de modo antecedente sem se mover sem necessidade de ser movida pela premoção divina, a isso se chama ato virtual. Nesse caso, de acordo com Suárez, a vontade pode passar ao ato segundo sem um motor extrínseco.



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