A PRESENTE SITUAÇÃO DA FILOSOFIA SOCIAL E AS TAREFAS DE UM INSTITUTO DE PESQUISAS SOCIAIS - MAX HORKHEIMER (RESENHA)

 

O texto a seguir foi construído a partir de anotações de aulas da disciplina de Filosofia Social do Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia ministrada pelo professor doutor Rafael Cordeiro Silva em 2023. A partir disso, o texto a seguir consiste em uma resenha do discurso inaugural do filósofo Max Horkheimer.


O texto: “A presente situação da filosofia social e as tarefas de um Instituto de Pesquisas Sociais” (1931) inaugura a fase de juventude do pensamento de Horkheimer (1931 - 1937). Em um primeiro momento, Horkheimer não se utiliza do termo “Teoria Critica”, mas sim “Filosofia Social”. O principal interlocutor do jovem Horkheimer é Marx, no entanto, em relação ao primeiro texto ele discute mais especificamente a relação do universal e particular em Hegel. Essa fase do jovem Horkheimer é denominada por seus comentadores como “materialismo interdisciplinar”. Em seu texto de 1931, após passar em revista dois séculos de filosofia alemã, Horkheimer traz propostas e são essas propostas que seus comentadores denominam como materialismo interdisciplinar. 

O materialismo interdisciplinar busca ser uma alternativa a algumas das propostas de Gyorgy Lukács. Lukács considerava que as condições objetivas para a revolução estão dadas, sendo elas aquilo que percebemos objetivamente, como o empobrecimento da classe trabalhadora e a exploração efetuada pela burguesia (infraestrutura econômica). No entanto, segundo ele, as condições subjetivas não estão dadas, essas condições dizem respeito à consciência de classe que é construída dentre a classe trabalhadora de perceberem a si mesmos como classe explorada e como sujeitos da história a quem pertence a tarefa de realizar a revolução. Visto que as condições subjetivas não estavam dadas, elas precisariam ser trabalhadas por meio de instâncias operárias, como conselhos de fábrica, sindicatos e partidos de esquerda, que teriam o papel de serem formadoras da consciência de classe. Essa formação teria um papel pedagógico, que visa a compreensão da totalidade social. Nesse sentido, o momento pedagógico antecede o momento político propriamente dito, que é a ação revolucionária.  

Para Lukács, só o proletariado pode ter essa visão da totalidade social, visto que é ele o objeto da exploração capitalista. Os burgueses, por sua vez, dispõem das ciências burguesas, sendo incapazes de compreender a realidade social em sua totalidade, pois o pensamento burguês está fragmentado nas diversas ciências burguesas (sociologia, política, psicanálise, sociologia, economia). Não há, pois, na burguesia qualquer comprometimento com a mudança da totalidade social dada sua concepção fragmentada das ciências. 

Horkheimer discorda da visão de Lukács, pois entende que, embora as condições objetivas estejam dadas, as condições subjetivas não nascem do movimento operário. Horkheimer também discorda da desconfiança em relação às chamadas ciências burguesas. Para Horkheimer, o conhecimento da totalidade social deve pressupor o desenvolvimento das ciências humanas. Tendo surgido quase todas na segunda metade do século XIX, as ciências humanas fornecem um conhecimento mais apurado da realidade social, possibilitando o aprofundamento do conhecimento humano, cada uma a partir de seu recorte. Essas teorias poderiam fornecer a base para a prática revolucionária. A prática revolucionária desassistida de uma teoria que repense a realidade a partir do novo contexto econômico estaria fadada ao fracasso. Assim, seria importante apostar no trabalho intelectual. 

Horkheimer propõe a formação de uma comunidade de pesquisadores de diferentes áreas das ciências humanas, como sociólogos, psicólogos, psicanalistas, economistas entre outras, para pensar em conjunto de maneira interdisciplinar a sociedade. Para Horkheimer, as ciências humanas específicas estão no campo da particular, enquanto a filosofia está no campo do universal. Há, no entanto, uma tendência da filosofia, em sua pretensão de universalidade, de acabar se refugiando em uma metafísica deslocada da realidade. As ciências modernas, na medida em que foram se tornando autônomas, acabaram por se desligar da filosofia, constituindo um método próprio.  

Horkheimer vê uma via de mão dupla entre a filosofia e ciências humanas. As ciências humanas produzem conhecimentos empíricos, porém parciais da realidade. Por outro lado, a filosofia vale-se das humanidades, com o que ela deixa de ser discurso metafísico e se transforma em filosofia social. Além disso, a filosofia restaura o conhecimento cindido da realidade em teoria da realidade social.

Posteriormente, Horkheimer distingue teoria tradicional e teoria crítica. A teoria tradicional seria aquela advinda das ciências naturais e humanas enquanto ciências empíricas e a Teoria Crítica, que não seria mais uma teoria tradicional nem uma sobreposição das teorias tradicionais, mas uma atitude daqueles que colocam o conhecimento interdisciplinar a serviço da mudança social.   

Para Horkheimer, a verdade não está mais com o proletariado, antes ela migrou para pequenos grupos intelectuais. A função dos grupos é fazer o trabalho pedagógico de esclarecimento sobre a necessidade de mudança social e as condições políticas (tese dos pequenos grupos como agentes). Esses pequenos grupos seriam capazes de compreender a dinâmica social que a classe trabalhadora não compreende. Cabe ao intelectual colocar o seu saber à disposição daqueles que possam fazer uso político desse saber. Enquanto para Lukács, os atores sociais são as instâncias operárias, para Horkheimer, esses atores são os pequenos grupos intelectuais esclarecidos.  

A mudança social, para Horkheimer, não será operada pela classe trabalhadora, trata-se, ao contrário, de uma mudança geral. Horkheimer não é um pensador da revolução, não sendo um entusiasta de processos revolucionários, dado o fracasso de movimentos revolucionários na Alemanha. Outra razão para essa falta de entusiasmo diz respeito à crise de 1929 e a incapacidade da social-democracia alemã de contornar essa crise, que contribuiu para que a classe trabalhadora, insatisfeita com a república de Weimar, aderisse ao partido nazista. Ao invés de apostar em processos revolucionários, Horkheimer propõe como resposta a planificação da economia (tese da planificação econômica). Trata-se da necessidade dos humanos de tomar as rédeas economia ao invés de se sujeitarem a ela, algo próximo do que foi proposto por Keynes.

Acreditava-se que o planejamento econômico garantiria uma distribuição mais igualitária da riqueza produzida, algo salientado por Pollock. O próprio Hitler, depois, no entanto, adotou a planificação econômica nos seus primeiros anos de governo, o que permitiu a recuperação econômica da Alemanha. Todavia, esse planejamento econômico não produziu uma sociedade mais justa, o que fez com que Horkheimer depois não mais enfatizasse a proposta da planificação econômica como saída para uma sociedade mais justa, nem fizesse proposições concretas do que fazer. O planejamento econômico foi também adotado por outros países como saída da crise, produzindo um Capitalismo domesticado (Habermas) ou Capitalismo de Estado. O Estado se apresenta como gerenciador e investidor da economia, além de se propor o Estado de bem-estar social.   

Horkheimer inicia o texto "A presente situação da Filosofia Social e as Tarefas de um Instituto de Pesquisas Sociais", observando que há uma dificuldade de conceituar e demarcar o que vem a ser uma filosofia social bem como encontrar uma definição universalmente aceita. Isso também é agravado pela situação atual da ciência em que vários campos emergiram e isso trouxe como consequência saber os limites entre os campos de saber, por exemplo, como delimitar a fronteira entre filosofia social, sociologia, antropologia e outras áreas. A multiplicação das ciências torna, pois, ainda mais complicado demarcar as fronteiras do que vem a ser filosofia social. Apesar disso, Horkheimer traz uma proposta de definição de filosofia social: “interpretação filosófica do destino dos homens, não como indivíduos, mas membros de uma comunidade”. 

Essa compreensão da filosofia pode remontar à filosofia da História de Vico que abriu o campo para que Hegel desenvolvesse uma filosofia da História. Vico foi o pensador que pela primeira vez pode chegar à compreensão de que o entendimento do indivíduo passa pelas instituições sociais que ele participa. Vico se opõe ao mecanicismo de Hobbes e Maquiavel que tendem a conceber o homem a partir das ciências da natureza, já Vico compreende a importância de entender o indivíduo como parte de uma comunidade. Horkheimer prefere não citar Vico nominalmente, mas se refere diretamente a Hegel. Hegel foi o último pensador do Idealismo Alemão, que envolve também Fichte, Schelling, Kant. 

Após falar de Hegel, Horkheimer se volta para Kant, o primeiro pensador do Idealismo Alemão, observando que ele trabalha com uma filosofia da personalidade singular. Por personalidade singular, Horkheimer fala da noção kantiana de um sujeito autônomo. Assim, Kant aborda um indivíduo que é sobretudo um indivíduo enquanto conceito no sentido da unidade fechada do indivíduo racional (eu penso) e não de indivíduos particulares empíricos. Por exemplo, em Resposta à pergunta o que é o Esclarecimento, Kant destaca a ideia de autonomia do indivíduo como marca da maioridade. O indivíduo autônomo é aquele que atingiu a maioridade intelectual, isto é, aquele que é capaz de agir e responder racionalmente por seus atos sem a tutela de alguém e que se basta a si mesmo. Assenhorar-se de si significa agir racionalmente e dar as razões que justificam a sua ação.  

Kant não tem diante de si a situação real dos indivíduos, já que raros são aqueles que realmente agem de forma racional. Esse indivíduo que pensa reúne em si mesmo todos os elementos determinantes da cultura. Kant observa, por exemplo, que a moralidade, a exemplo do imperativo categórico, não surge de uma convenção social, mas sim do que a sua própria razão determina. Não há nenhuma referência em Kant à totalidade social porque o indivíduo basta a si mesmo e tem na própria razão todos os elementos determinantes para construção da cultura. 

Após falar de Kant, Horkheimer se volta para Fichte que, diferente de Kant, considerou o indivíduo empírico. Destaca-se em Fichte os conceitos de subjetividade e autorreflexão revelando que ele busca pensar o indivíduo, não mais meramente como “eu penso”, mas como sujeito empírico que é racional e pensante, sendo capaz de refletir sobre si mesmo. O indivíduo é subjetividade que, enquanto tal, reflete sobre si. Fichte faz uma filosofia da subjetividade, tendo presente que a realização do destino humano está condicionada à sua subjetividade e não meramente a uma determinação moral. Trata-se de uma forma de unir o racional e o empírico. Todavia, o pensamento de Fichte está, ainda, no domínio do singular, não havendo nele também a ideia de uma totalidade social. 

Hegel, por sua vez, foi para além dos seus predecessores, retirando a autorreflexão do âmbito do sujeito, remetendo-a à História. Ele entende que é na História que se dá a essência humana e que se forma o sujeito autônomo que cria a cultura. Não são os indivíduos que nas suas instituições sociais que fazem a História, é a História que faz os indivíduos em suas instituições sociais. O indivíduo é um trabalho da História. A subjetividade e a individualidade só surgem dentro da esfera de uma totalidade maior.  

É a História que trabalha em nós, não nós que fazemos História. Para Hegel, o Espírito Absoluto, a Razão, se objetiva na História segundo uma lógica dialética universal. A maneira como fazemos arte, fundamos a religião, o direito e a economia não decorrem necessariamente das relações entre os homens, pois são ordenadas segundo uma lógica universal que ultrapassa as relações entre as pessoas. Não há, pois, espaço para o livre-arbítrio determinar a História, pois o que determina o curso da História é a lógica dialética universal que determina o espírito dos povos dominantes. O particular só se realiza no universal. Hegel não nega a subjetividade e o livre-arbítrio, mas sim que eles tenham um papel determinante na construção da História. 

Em Hegel, no entanto, já aparece a noção de uma totalidade social, que diz respeito às instituições históricas nas quais interagimos, sendo realizações de uma universalidade que as transcendem. Não é a arte, nem a religião, nem o direito nem o Estado que nos determina, mas sim algo maior que determina essas instituições e esse algo maior segue uma lógica dialética universal. Hegel, para Horkheimer, tem a visão mais acabada da filosofia social porque ele chegou a uma noção de totalidade social, ausente em seus predecessores. No entanto, permanecer com Hegel seria ficar aquém do progresso realizado pelas diversas ciências humanas. É preciso, pois, ir além de Hegel, pois é preciso considerar o que as novas humanidades que surgiram pós-Hegel têm a contribuir. 

Para Hegel, a razão determina a História de modo que a História é determinada por algo que a transcende. O Espírito objetivo realiza a finalidade da razão na História. O Espírito objetivo atua na História dos povos independentemente do fato dos indivíduos o conhecerem.  O Espírito objetivo tem a sua própria lei. Há uma lei que determina a História e que transcende a própria História. Hegel reconhece as paixões, impulsos, interesses e afetos dos sujeitos como forças motrizes reais, mas a vontade que nos move é posta a serviço de algo que a transcende.  

Há um trabalho astuto da lei racional ao ponto de fazer com que as nossas vontades sejam colocadas em uma perspectiva de uma História universal. A razão age na História fazendo com que o nosso arbítrio seja colocado a serviço de um plano maior. É a razão e não as vontades individuais que fazem a História. O formigar do arbítrio molda as instituições, o que explica a história imediata, mas não explica a História, que só é explicada por uma lógica dialética universal dada pela razão. Essa determinação da razão só é percebida pelos filósofos, não pelos historiadores que se limitam a considerar como os homens fazem sua história por meio de suas ações. O historiador entende o particular, enquanto o filósofo considera o movimento universal da História.  

Hegel também fala da filosofia como tendo um papel de transfiguração. A Filosofia não tem como objetivo consolar, quem consola é a religião. O que a filosofia faz é mostrar que o sofrimento ou desespero pode ser racionalizado, transfigurando-o, fazendo da injustiça real um conceito. Para Hegel, a filosofia lida com a realidade dos conceitos fazendo parecer irrelevante a situação real do sujeito. O indivíduo particular se realiza no universal, de modo que sua situação real é irrelevante comparado com o universal. Não importa se o indivíduo está feliz ou sofre, isso se torna de pouca importância diante do todo no qual o indivíduo vive. O particular só encontra o seu sentido no todo. No fazer racional da História, a vida do particular perde importância. Na filosofia da História de Hegel o particular fica subsumido no universal, o universal define o particular e este não tem importância.  

Enquanto em Hegel, o universal domina e sacrifica o particular, em oposição a isso, Horkheimer propõe uma relação de mão dupla entre o particular e o universal em que o universal é visto como relacionada à filosofia e o particular estando relacionada às ciências humanas. O sistema hegeliano acabou entrando em decadência a partir da primeira metade do século XVIII na qual a história real, em contraposição ao hegelianismo, revelou uma grande importância dos interesses dos indivíduos singulares. Após o declínio do sistema de Hegel, o que prevaleceu foi uma sociedade individualista confiante no futuro e na crença de que os interesses individuais poderiam levar a uma harmonia. O progresso passou a ser concebido como dado pelo progresso tecnológico ao invés do movimento de um Espírito Absoluto. 

A metafísica abandonada no declínio do sistema hegeliano, entretanto, se vinga retornando no formigamento do arbítrio quando Schopenhauer fala da Vontade como sendo a coisa em si do Kant. A Vontade, o arbítrio, passa a ser entendido como o que dá sentido ao mundo, ao invés da razão. O que conhecemos são as formas em que a Vontade é representada. A filosofia de Schopenhauer não é uma filosofia da universalidade, nem do progresso, nem da razão. Schopenhauer pontuava que o progresso tecnológico que ele anteviu não significava o melhoramento da condição humana. 

Após discutir a filosofia de Schopenhauer, Horkheimer se volta ao positivismo sociológico que só lida com fatos e busca fazer de tudo dados quantificáveis, dando toda ênfase à estatística. O positivismo que tudo quantifica não tem lugar para o sofrimento, que é simplesmente transformado em estatística. Horkheimer pontua que a filosofia social se coloca contra a frieza positivista dos fatos, que não conferem sentido ao sofrimento. A filosofia social pretende e trabalha pela construção de uma sociedade em que o sofrimento seja mitigado. A filosofia social é uma estrutura de totalidade que é capaz de explicar o sofrimento e se propõe a dar uma teoria da totalidade social que possibilite uma sociedade emancipada que possa abolir o sofrimento humano. 

Em seguida, Horkheimer considera alguns sistemas filosóficos recentes alemães que não entraram para grande História da filosofia, sendo hoje pouco conhecidos. Trata-se de correntes neokantianas e neohegelianas que tentaram pensar estruturas transcendentes, isto é, que transcendem este mundo factual do positivismo. Tais correntes sustentam que existe uma esfera superior e autônoma em relação aos fatos, tratam-se, pois, de uma reação ao positivismo. Argumenta-se que a realidade não se reduz aos fatos.

Por fim, Horkheimer menciona Heidegger, em quem não se pode extrair nenhuma filosofia social, apenas uma filosofia da existência humana singular. A filosofia social para Horkheimer tem um compromisso ético de se posicionar em relação ao sofrimento. Ainda que Heidegger não faça uma filosofia social, ele tem um pensamento em que percebe uma unidade de sentido na noção de ser-para-morte. 

Em seguida, Horkheimer foca na questão do positivismo filosófico. A filosofia social tem uma relação polêmica com o positivismo. Toda Teoria Crítica e seus principais expoentes têm no positivismo os seus inimigos filosóficos, juntamente com as filosofias da existência. Com relação às filosofias da existência, a crítica a elas é feita de maneira mais refinada, cada um dos três teóricos dessa escola de pensamento é objeto de crítica dos teóricos críticos (Adorno x Heidegger; Marcuse x Sartre; Horkheimer x Husserl). Todos os teóricos são, no entanto, unânimes ao criticar ao positivismo filosófico (Círculo de Viena, Racionalismo Crítico (Popper); filosofia da linguagem (Wittgenstein) e o Pragmatismo (Pierce) ). A Teoria Crítica não aceita a ideia positivista de que podemos reduzir a realidade a factualidades, ao que é dado ou que é acessível aos órgãos dos sentidos.  

O positivismo filosófico (século XX) é distinto do positivismo sociológico (século XIX – Auguste Comte). O positivismo filosófico possui uma influência da filosofia da linguagem de Wittgenstein. Wittgenstein, no entanto, não reduz a realidade aos fatos, mas aos enunciados linguísticos sobre os fatos. Em relação a esses enunciados de observação, só há duas possibilidades: ou eles são falsos ou eles são verdadeiros.  

A filosofia social, por outro lado, não nega que existam factualidades, mas considera que existe muito mais do que factualidades. A realidade não é apenas o conjunto de factualidades enunciáveis. A filosofia social se opõe ao positivismo por entender que além das factualidades existem ideias, essencialidades, totalidades, esferas autônomas, unidades de sentido, isto é, pressupostos metafísicos. Portanto, a filosofia social se coloca contra o positivismo porque entende que há pressupostos metafísicos que transcendem a realidade dos meros fatos. 

Em seguida, Horkheimer menciona Pareto, um positivista moderado em sociologia, que trabalhou buscando relações causais fundadas cientificamente, mas ressaltando a dificuldade dessa tarefa, pois admite que no comportamento humano existem elementos subjetivos que comprometem a objetividade. Assim, Pareto postula que existem preferências subjetivas, como gostos. No entanto, Horkheimer se contrapõe a ideia de que questões de gostos sejam meramente questões de preferência pessoal, se opondo à noção de que gosto não se discute. 

Os positivistas entendem que sobre questões factuais só cabe dizer que ou são verdadeiras ou que são falsas, algo que pode ser verificado por meio da experiência. Outras questões relacionadas a valores seriam meras questões de fé, atos de fé. Baseado nessa concepção positivista de que decisões de caráter subjetivo são meras profissões de fé ou questões de preferências subjetivas, fica parecendo como se, por exemplo, a teoria sociológica que alguém adota fosse mera questão de gosto e que gosto não se discute. Dizer que tais coisas são meras questões de gosto, torna tais escolhas irracionais.  

Em seguida, Horkheimer distingue sociologia de filosofia social. A sociologia é uma disciplina particular que investiga os diversos modos concretos de associação, mas não tem nada a dizer sobre os valores e graus de realidade desses fenômenos, o que é o papel da filosofia social. A principal diferença, então, entre filosofia e sociologia é que a sociologia, que é uma ciência, possui um método próprio e analisa a realidade de maneira objetiva, sendo um campo de pesquisa empírico, pressupondo uma objetividade que é garantida pelo método. A filosofia social está relacionada, por outro lado, a questões valorativas e tomadas de posições últimas. Sob esse aspecto, a filosofia social se posiciona, tomando partido. A posição última da filosofia social é a favor de uma sociedade organizada racionalmente e que possa dominar a economia capitalista caótica e realizar uma sociedade com justiça retributiva. 

Horkheimer entende que a filosofia social precisa das ciências especializadas, porque se a filosofia social operasse em isolado, ela poderia até realizar sua tarefa, mas ela perderia sua fertilidade intelectual. A filosofia social para ter fertilidade intelectual precisa das ciências particulares, como a sociologia, economia, política etc. Sem esse diálogo interdisciplinar, restaria de um lado, a filosofia social que ignora os resultados das ciências humanas, e de outro as ciências humanas ignoram o esforço especulativo da filosofia social. 

Horkheimer propõe um materialismo interdisciplinar, entendendo que há uma contínua interpenetração e uma relação dialética entre a filosofia e as práticas das ciências particulares. Há uma vida de mão dupla: tanto a filosofia precisa das ciências particulares, a fim de que seu discurso não vire mera especulação metafisica quanto as ciências particulares precisam da filosofia social, porque elas não conseguem atingir uma compreensão da totalidade social visto serem recortes específicos da realidade. Há uma simbiose entre filosofia social e ciências particulares. 

Filosofia é uma intenção teórica dirigida ao universal, ao essencial enquanto a ciência é uma pesquisa particular. O materialismo interdisciplinar de Horkheimer instaura uma relação entre particular e universal assim como a filosofia do Hegel. No entanto, a filosofia da história de Hegel, o universal subsome o particular, na medida em que o particular só encontra sua determinação no universal, o universal sacrifica o particular. Já Horkheimer postula a relação entre universal e particular em outros termos, no contexto do método de conhecimento da realidade social, colocando uma relação entre a particularidade das ciências e a universalidade da filosofia em uma relação mútua na qual o universal não sacrifica o particular.  

As ciências particulares fornecem material a filosofia social e a filosofia social anima as pesquisas das ciências particulares. A filosofia social deve ser um discurso filosófico aberto, que se deixa influenciar e transformar pelo progresso das ciências particulares, não sendo um discurso metafísico fechado. Não se trata, pois, de uma profissão de fé, as posições valorativas da filosofia social possuem objetividade baseada no trabalho interdisciplinar de trabalhadores que reúne uma comunidade de pesquisadores de ciências empíricas, como sociólogos, historiadores, psicólogos, economistas etc.  

Trata-se de um trabalho em conjunto filosoficamente orientado mas que se vale da ajuda de métodos científicos refinados. Assim, os problemas filosóficos ganham objetividade. Ao invés da filosofia ficar presa em discussões metafísicas fechadas sobre o que é o ser, a filosofia se volta à discussão do que uma boa sociedade, algo que a filosofia sempre fez desde a República de Platão, Política de Aristóteles, Cidade de Deus de Agostinho... No entanto, a filosofia fez isso sem estar ancorada no progresso da ciência, algo que agora ela pode fazer. 

Por fim, Horkheimer faz elogio ao primeiro diretor a tomar posse no Instituto de Filosofia Social, Carl Grünberg, sob direção do qual o Instituto teve um papel de documentação da história do movimento operário. Com Horkheimer, no entanto, o Instituto se tornou um espaço de pesquisa interdisciplinar. Além disso, ao invés de uma ditadura do diretor, algo inspirado no marxismo ortodoxo que caracterizou a direção de Carl Grünberg, sobre as práticas no Instituto de Pesquisa Social, Horkheimer propôs uma ditadura do trabalho planejado, em que ele, não um colegiado, dirigia o trabalho, mas em colaboração com os pesquisadores. 

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