INTRODUÇÃO GERAL AO NOVO TESTAMENTO

 

        O objetivo deste texto consiste em apresentar uma introdução geral para a leitura do Novo Testamento. Parte-se de uma leitura histórico-crítica, na qual se lê os textos com o objetivo de compreender o seu sentido à luz do que eles significavam para a comunidade que os produziu e recebeu. Os livros do Novo Testamento não estão organizados de forma cronológica nas Bíblias em geral. Esta introdução, no entanto, seguirá, na medida do possível, a ordem cronológica dos eventos e dos livros. Assim, o leitor poderá compreender melhor quais textos vieram primeiro e quais são posteriores. Começaremos pela vida de Jesus e pelo movimento que o sucedeu a fim de contextualizar historicamente os textos, para depois abordar brevemente um pouco sobre o material que compõe o Novo Testamento.

            Este texto se divide nas seguintes partes:

I. A Vida de Jesus;

II. O Movimento de Jesus após sua morte;

III. O Apóstolo Paulo;

IV. As Cartas Paulinas;

V. Os Evangelhos Sinóticos;

VI. O Livro do Apocalipse;

VII. O Evangelho de João;

VIII. Outros Textos do Novo Testamento.

 

I. A VIDA DE JESUS

 

            Do ponto de vista histórico, Jesus nasceu na vila de Nazaré na região da Galileia em algum momento entre os anos 6 a.C. e 6 d.C. Ele foi o primeiro filho de um casal composto por Maria e José. Esse casal teve outros filhos e filhas, entre os quais se destaca Tiago, irmão de Jesus. Na sua juventude, Jesus acabou perdendo seu pai, tornando-se órfão. Seu pai, entretanto, ensinou Jesus sobre o trabalho como carpinteiro, que na verdade se assemelhava mais ao que hoje faz um pedreiro. Como era de família pobre, Jesus sempre trabalhou desde criança. Jesus conhecia a miséria desde cedo, convivia com a vida difícil do campo. Ele também foi instruído desde cedo nos ensinos orais da Bíblia hebraica e do judaísmo, aprendeu sobre um Deus libertador e se tornou fiel a essas tradições. Por isso, mesmo analfabeto, Jesus tinha um rico conhecimento de suas tradições.

            Jesus tornou-se cada vez mais consciente das causas da miséria entre seu povo. Sabia que a elite política e religiosa que vivia nas grandes cidades explorava o campo. Jesus foi um pobre camponês nascido na vila rural de Nazaré. Assim, desde a infância, Jesus passou todo seu tempo trabalhando e testemunhando a fome ao seu redor. Sabia que tudo isso era resultado da exploração de uma classe rica que vivia nas grandes cidades, da elite religiosa e do Império Romano. Até que um dia ele ouviu falar de um profeta chamado João Batista que pregava em uma região longe da sua, mas que anunciava que do céu viria um ser enviado por Deus para acabar com a miséria, derrubar os opressores e estabelecer um Reino eterno.

            Por volta dos 30 anos, Jesus então caminhou até a região do Jordão e foi batizado por João Batista, tornando-se seu discípulo. A partir de então, ele abandonou tudo, família, trabalho e bens para sair de vilarejo em vilarejo anunciando que o Reino de Deus estava próximo. Ele pregava que ainda em sua geração, o Filho do Homem, uma figura celestial, apareceria no céu com poder e grande glória para acabar com a opressão. Sua mensagem atraiu justamente os pobres e oprimidos, incluindo prostitutas, cobradores de impostos e trabalhadores rurais. Sua mãe e irmãos acharam que Jesus havia enlouquecido, tentaram persuadi-lo de voltar ao trabalho e rejeitaram sua mensagem.

            A mensagem de Jesus era simples, anunciava um Reino revolucionário que inverteria as posições entre opressores e oprimidos. Jesus, no entanto, nunca incitou uma revolta violenta, nunca pretendeu ser Deus, não esperava que fosse morrer e jamais foi sua intenção fundar uma nova religião. Jesus também aprendeu a arte de operar curas e milagres, se tornou conhecido de muitos como um mago. Pessoas com doenças de diversos tipos, como lepra, deficiências físicas, cegueira, febres e hemorragias o procuravam para ser curados. Muitos doentes que o procuravam criam ter saído curados de suas enfermidades.

            Após cerca de um ano de ministério na zona rural, esse pobre camponês, crendo que Deus interviria em breve, decidiu ir a Jerusalém, ao centro religioso e político e desafiar pessoalmente a elite opressora. Jesus também escolheu doze discípulos, pois cria que quando o Filho do Homem reestabelecesse o Reino de Deus na terra, cada discípulo iria governar uma das doze tribos de Israel. Enquanto sua mensagem era levada aos campos, ela não incomodou tanto os poderosos. Mas agora que ele estava na capital de sua terra, em um momento em que judeus de todas as partes se reuniam no mesmo lugar para celebrar a Páscoa, sua vida foi colocada em risco.

            Essa festa preocupava Roma, todo perigo de motim deveria ser evitado. A Páscoa celebra o mito judaico fundador de que Deus libertou os escravos hebreus do domínio opressivo do Egito. Em um contexto em que o Império Romano subjugava os judeus, a simbologia dessa festa era uma ameaça. Com Jesus entrando em Jerusalém, expulsando cambistas do Templo e declarando que Deus estava prestes a quebrar o domínio dos opressores, sua morte foi imediatamente ordenada.

             Foi o medo de uma insurreição que assinou a carta de morte de Jesus. Nenhum Filho do Homem surgiu do céu para intervir e impedir sua morte. As lideranças romanas que vigiavam a festa da Páscoa para evitar revoltas, ordenaram que Jesus fosse apreendido. Jesus foi preso e logo em seguida sua morte foi ordenada. Sem passar por nenhum julgamento, Jesus foi condenado à morte na cruz. Seu corpo morto não conheceu o sepultamento, tendo sido provavelmente devorado por aves e cães sem deixar vestígios.

 

II. O MOVIMENTO DE JESUS APÓS SUA MORTE

 

            A morte de Jesus foi certamente um momento de decepção. Alguns de seus seguidores o abandonaram, mas outros não podiam mais voltar para o caminho de onde vieram. Eles haviam experimentado uma verdadeira conversão, como poderiam agora perder a fé pela qual abriram mão de tudo? Certamente a morte de Jesus era para eles um mistério. Mas será que não haviam compreendido errado o que Jesus ensinou? Chegou o tempo de uma revisão, de olhar para o que ouviram de Jesus e se perguntar o que ele realmente queria dizer. Poderia haver algum sentido oculto nas parábolas e alegorias que Jesus sempre contava?

            Qual era o centro da mensagem de Jesus? Ele havia ensinado que o Filho do Homem viria do Céu estabelecer o Reino de Deus. Mas quem era esse Filho do Homem? Aqueles seguidores de Jesus se questionaram e pensaram: não poderia ser o Filho do Homem o próprio Jesus? Se sim, não estaria dizendo Jesus que ele voltaria mesmo depois de morto? Não significavam suas palavras que naquela geração ainda, Jesus, o Filho do Homem, viria para estabelecer o Reino de Deus? A vinda do Filho do Homem talvez significasse, então, que nem tudo estava acabado. O que Jesus quis dizer era que ele voltaria. Sim, o Filho do Homem precisaria ser morto para então retornar da morte para cumprir sua missão.

            Essa interpretação foi reforçada pela própria experiência desses primeiros seguidores de Jesus. Além de Filho do Homem, agora eles o viam como o Messias que viria estabelecer o Reino de Deus. Mais do que isso, muitos deles passaram a ter encontros com Jesus. Alguns passaram a relatar ter encontrado com ele em sonhos, outros em visões e outros contavam que Jesus havia aparecido pessoalmente para eles. Esses fenômenos na medida em que eram relatados, se tornaram mais e mais comuns e compartilhados. Após a morte de Jesus, portanto, seus seguidores passaram a ter sonhos e visões com ele, o que os levou a desenvolver a crença de que Cristo havia ressuscitado.

            Foi tempo, então, de espalhar essa mensagem. Pequenas comunidades foram fundadas, inclusive fora do contexto judaico. Muitos desses seguidores criam que a mensagem de Jesus era universal, não restrita aos judeus. Alguns ditos de Jesus foram registrados em textos, que hoje chamamos de Fonte L, Fonte M e Fonte Q, mas que se perderam. Não sabemos quem escreveu esses textos, mas como saber escrever era para poucos, possivelmente quem o fez foram convertidos à mensagem que tinham um maior grau de instrução.

            Na cidade de Jerusalém, foi fundada uma congregação que se tornou a mais importante e passou a ser liderada por Tiago, irmão de Jesus. Essa congregação enfatizava a obediência à religião judaica e seus preceitos. O movimento de Jesus não se via, ainda, como fundador de uma nova religião, eles se viam como verdadeiros judeus. Embora alguns entendessem que a mensagem cristã devesse ser levada aos não-judeus (gentios), o que ainda era uma posição polêmica, ainda o faziam entendendo que esses gentios precisavam observar as leis judaicas, incluindo a circuncisão, o sábado e as regras dietéticas.

 

III. O APÓSTOLO PAULO

 

            Os rumos do movimento cristão estavam prestes a mudar quando, na década de 40d.C., um judeu helenizado instruído chamado Paulo se converteu à mensagem cristã. Paulo foi um judeu que inicialmente perseguia os cristãos. Importante dizer que, embora esteja sendo usado aqui o termo “cristão”, esse termo ainda não existia. Os cristãos se viam ainda como judeus, não como uma nova religião. De todo modo, Paulo, que inicialmente perseguia os cristãos, se converteu ao movimento. Ele iniciou, então, um movimento missionário. Fundou algumas congregações, embora isso não significasse que ele estivesse fundando uma nova religião. Ele via a religião de Jesus como a religião fiel ao judaísmo.

            Três anos depois de sua conversão, sabendo que a congregação mais importante dos seguidores de Jesus estava em Jerusalém sob o comando de Tiago, Paulo se dirigiu até lá. Lá, ele falou brevemente com Tiago, irmão de Jesus. A conversa foi breve, Paulo não aprendeu com Tiago fatos sobre a vida de Jesus, apenas teve oportunidade de cumprimentar e conhecer o líder mais importante do movimento para o qual havia se convertido. Entretanto, Paulo tinha suas próprias ideias, embora ele não cresse estar fundando uma nova religião e visse o movimento de Jesus como um movimento judeu, ele entendia que os gentios que se convertiam a esse movimento não precisavam guardar certos preceitos da lei judaica, como a circuncisão, o sábado e as regras de alimentação.   

    Tal concepção fez com que Paulo entrasse em conflito com outros cristãos, incluindo a congregação de Jerusalém. Os oponentes de Paulo passaram a vê-lo como um antinomista, nem todos concordavam com suas ideias. Paulo foi uma segunda vez em Jerusalém e lá ficou decidido que enquanto os de Jerusalém cuidariam de pregar o evangelho aos judeus, Paulo se dedicaria a pregar o evangelho aos gentios. A relação permaneceu, entretanto, tensa. Paulo arrumou briga inclusive com o apóstolo Pedro e isso gerou acirradas discussões.

            Isso mostra, entretanto, que desde o começo o Cristianismo foi um movimento plural. Nunca existiu uma única tradição ou uma única vertente cristã ou uma unidade de ideias. Paulo, mesmo em conflito com outras comunidades cristãs, fundou suas próprias congregações em diferentes lugares, como na Galácia, em Corinto e em Tessalônica. No entanto, conflitos e problemas nessas congregações exigiram que Paulo escrevesse cartas a elas.

 

IV. AS CARTAS PAULINAS

 

            Das catorze cartas atribuídas a Paulo que se encontram no Novo Testamento, apenas sete foram realmente escritas por ele, são elas: 1 Tessalonicenses (50 d.C.); Gálatas (53 d.C.); 1 Coríntios (54 d.C.); Filemon (55 d.C.); Filipenses (56 d.C.); 2 Coríntios (56 d.C.) e Romanos (56 d.C.). As cartas autênticas de Paulo são os livros mais antigos que se encontram no Novo Testamento. Consideraremos brevemente cada um desses textos.

 

1 Tessalonicenses

            Nessa carta, Paulo tem de lidar com uma importante dúvida dos cristãos de Tessalônica. Paulo havia ensinado a esses cristãos que Jesus voltaria ainda naquela geração para estabelecer o Reino de Deus na terra. Nesse período, não havia um ensino de que os mortos possuem uma alma que sobrevive à morte do corpo. Não se tinha uma teologia sobre pessoas indo para o céu. O que se acreditava era que Jesus voltaria ainda naquela geração, estabeleceria o Reino de Deus na terra e os salvos viveriam para sempre em um paraíso na terra.

            Esse tipo de teologia levantava, entretanto, um problema: o que vai acontecer com os mortos? Muitos cristãos haviam perdido amigos e familiares. Ora, se Jesus viria estabelecer o Reino de Deus na terra, então significaria isso que só os vivos iriam viver para sempre no paraíso na terra? 1 Tessalonicenses surge para resolver essa dúvida. Paulo responde que  Jesus viria ainda naquela geração estabelecer o Reino de Deus, mas os mortos não seriam excluídos disso.

            Para resolver essa questão, o apóstolo introduz a ideia de ressurreição. Deus traria, nessa ocasião, os mortos de volta à vida. Quando Cristo viesse, os mortos seriam ressuscitados e subiriam até o meio do céu para recepcionar Jesus. Logo em seguida, os vivos, entre os quais estariam Paulo e seus leitores, seriam também arrebatados para encontrar Cristo nos ares. Realizada essa recepção, todos desceriam de volta à terra para viver para sempre com Cristo.

            Alguns possuem uma ideia equivocado do que para Paulo significa o arrebatamento. O que Paulo queria dizer com isso era apenas que quando Jesus voltasse, os salvos seriam elevados ao céu para recepcionar Jesus e descer de volta com ele para a terra. A volta de Jesus e o arrebatamento não significa no Novo Testamento ir morar no céu, mas sim recepcionar Jesus nos ares para viver para sempre no paraíso na terra. Não existe no Novo Testamento uma teologia de vida eterna no céu.

 

Gálatas

            Em Gálatas, Paulo ensina a doutrina mais polêmica de sua vida. Ele insiste que os gentios não precisam guardar a lei judaica. Os cristãos estão desobrigados de guardar a lei. Não devemos ler os ensinos de Paulo com base nos debates sobre soteriologia que marcaram as disputas entre Agostinho e Pelágio; Lutero e católicos; calvinistas e arminianos. Desde já devemos lembrar que não era a preocupação de Paulo explicar a mecânica da salvação. Sua preocupação, na verdade, era sobre como os gentios deveriam ser inclusos no judaísmo, lembrando que para Paulo o Cristianismo não era uma religião nova, mas era a própria religião judaica, agora consciente de seu Messias.

            Paulo distinguia justificação de salvação. Justificação é uma realidade presente enquanto a salvação é uma realidade futura. Aquele que se converte ao Cristianismo, é justificado, considerado justo por Deus e passa a experimentar um processo de santificação, de crescimento espiritual. A pessoa justificada será, quando Jesus voltar, salva. A salvação é escatológica, envolverá ser salvo da condenação e herdar o Reino de Deus. A questão que Paulo discute com os Gálatas gira em torno da justificação, isto é, da condição presente dos convertidos. Para ser justificado, um gentio convertido precisa guardar a lei judaica? A isso Paulo responde que não, a justificação é pela fé, não pelas obras da lei judaica.

            Com isso, Paulo não está ensinando que a justificação não envolve obras de qualquer tipo. Na fé, para Paulo, está incluída as boas obras. A fé não é um mero crer, mas significa uma vida de confiança, fidelidade e obediência. Fé é praticar as boas obras, cultivar os frutos ou virtudes do espírito. O que Paulo está ensinando é que essas boas obras da fé são suficientes para a justificação. Não é preciso guardar as obras da lei judaica, como o sábado, a circuncisão ou as proibições alimentícias. Por fé, Paulo entende, então, mais do que meramente crer e por obras, Paulo não fala de qualquer obra, mas das obras de obediência a certos preceitos da lei judaica.

 

1 Coríntios

            A carta aos Coríntios era originalmente um conjunto de bilhetes que foram compilados num mesmo livro. É preciso ler essa carta sabendo que há nela algumas interpolações, como é o caso de 1 Coríntios 14, 34-35, onde Paulo supostamente teria dito para mulheres ficarem em silêncio no culto. Na verdade, Paulo tinha uma visão mais igualitarista da relação entre homens e mulheres, ensinava que mulheres poderiam profetizar nos cultos e até mesmo reconhecia mulheres como apóstolas. Como a carta aos Coríntios é um conjunto de bilhetes, ela lida com vários problemas e dúvidas que aquela igreja enfrentava.

            Outro cuidado que é preciso ter ao ler a carta é saber que certas passagens não são palavras do próprio Paulo. Por vezes, Paulo cita expressões utilizadas por cristãos de Corinto para em seguida corrigir o equívoco dessas expressões. Por exemplo, quando Paulo cita: “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm.” (1 Coríntios 6,12), ele não está falando o que ele pensa, mas citando um ditado equivocado dos coríntios.

            Entre os problemas que Paulo teve de lidar que ocorria entre os Coríntios eram as divisões causadas quer por discordâncias de ideias quer por brigas pessoais. Paulo, então, reforça a importância da unidade. Paulo também tomou conhecimento de casos de escândalo sexual, sugerindo medidas de exclusão nesses casos. Ele também critica aqueles que levavam irmãos à justiça ao invés de tentar resolver esses problemas entre eles mesmos.

            Crendo que Jesus voltaria ainda naquela geração, Paulo também desencoraja o casamento, afinal, não faz sentido construir família se Jesus está bem próximo de voltar. O melhor que alguém pode fazer é se dedicar integralmente às atividades religiosas e ao evangelismo. Paulo aconselha, entretanto, que os casados, mesmo os que estão em matrimônio com descrentes, mantenham o casamento.

            Outra questão que Paulo teve de lidar é se os cristãos podem comer carne sacrificada a outros deuses. Era comum que a carne de sacrifícios pagãos fosse depois revendida no mercado. Paulo proíbe participar dessas celebrações, mas autoriza comer a carne revendida, desde que se evitasse ocasiões em que isso pudesse ser escandaloso para um irmão.

            Outra discussão diz respeito à Santa Ceia. A Santa Ceia nessa época era de fato uma grande refeição acompanhada de festa na qual as pessoas comiam pão e bebiam vinho. Paulo critica aqueles que nessas festas comiam demais e bebiam vinho até se embriagar, deixando outros com fome. Paulo condena isso como participar da Santa Ceia indignamente e diz que muitos estavam sendo castigados com doenças e até com a morte por causa desse tipo de prática.

            Uma última discussão importante diz respeito à Ressurreição. Como já considerado, os cristãos, nesse tempo, ainda não tinham a ideia de uma alma que sobrevive à morte do corpo e passa a habitar o céu. O que assegurava a vida eterna dos que morreram era a ressurreição. Por isso, Paulo estava preocupado com aqueles, em Corinto, que não acreditavam em ressurreição, porque sem ressurreição, não há vida após a morte. No entanto, Paulo tem de lidar com uma questão importante: qual a natureza do corpo do ressuscitado?

            Paulo responde que os corpos dos ressuscitados não serão feitos da matéria que se corrompe. O corpo de carne e sangue feito do pó da terra não pode ser o corpo do ressuscitado, porque esse tipo de matéria se corrompe. No tempo de Paulo, acreditava-se que a lua, o sol e as estrelas eram corpos feitos de uma matéria que não se corrompe. Paulo conclui, assim, que o corpo dos ressuscitados será um “corpo pneumático”, feito da matéria incorruptível semelhante à que compõe os corpos celestes.

 

Filemon

            Na época de Paulo, a escravidão era uma prática amplamente aceita. Nenhum dos escritores da Bíblia se opôs à prática da escravidão e muitos até a endossaram. No entanto, mesmo que naturalmente Paulo aceitasse a escravidão como algo normal, ele faz um apelo a um amigo (Filemon) para que se reconcilie com seu escravo, Onésimo. Onésimo é um escravo que provavelmente havia fugido, mas que depois se tornou cristão. Paulo incentiva Filemon a receber amorosamente seu escravo de volta, considerando-o, agora, não apenas como um escravo, mas como um irmão.

 

Filipenses

            Filipenses é uma carta na qual fica mais claro que Paulo acreditava que Jesus já existia mesmo antes de vir ao mundo. Nela já começa a se esboçar uma cristologia mais desenvolvida. Paulo não acreditava em Jesus como sendo Deus em pé de igualdade com o Pai. Cristo era inferior ao Pai, o Pai é o cabeça de Cristo e Jesus vai se submeter ao Pai no fim dos tempos. Entretanto, Jesus, mesmo antes de vir ao mundo, já possuía uma forma divina, da qual ele abriu mão para viver como um servo na terra. Como recompensa, o Pai promete exaltar Cristo sobre todas as coisas, menos claro, acima do próprio Pai. Assim, Cristo é em certo sentido divino, embora seja menor que o Pai.

 

2 Coríntios

            Em 2 Coríntios, vemos que as opiniões de Paulo ainda geravam bastante polêmica, o que lhe gerou adversários. Paulo viu, então, a necessidade de se defender daqueles que se opunham a ele. Nessa carta Paulo cita o fato de que ele teve uma visão especial e usa outros argumentos para defender sua autoridade e seu lugar como um apóstolo escolhido de Deus.

 

Romanos

            A última carta escrita por Paulo foi Romanos. Esta carta de Paulo tem sido muito mal compreendida porque usualmente é lida como uma carta sobre salvação. Comete-se, aqui, novamente o erro de ler Paulo como se ele tivesse discutindo o que depois veio a ser tema de debate entre Agostinho e Pelágio; Lutero e católicos; arminianos e calvinistas, que é a doutrina da salvação pela graça.

            No entanto, essa leitura não está de acordo com o contexto original de Paulo. Lembremos que Paulo estava preocupado com a inclusão de gentios no judaísmo (Paulo considerava o Cristianismo como uma religião judaica), ele defendia que gentios não precisavam guardar a lei judaica (o que gerou contra ele várias críticas que o acusavam de ser um antinomista). É no contexto dessas discussões que a carta aos Romanos deve ser lida.

            A fim de situar Paulo no seu verdadeiro contexto de escrita, estudiosos do Novo Testamento têm trabalhado com o que tem sido chamado de “Nova Perspectiva de Paulo”. Trata-se de ler Paulo à luz do judaísmo do primeiro século, sem impor anacronicamente as categorias que vieram a caracterizar os debates soteriológicos posteriores. Romanos está preocupado em dizer que a justiça de Cristo abrange a humanidade toda, isto é, inclui os gentios. Além disso, Paulo ensina que os gentios não ficaram excluídos da revelação de Deus, pois Deus se revelou aos gentios por meio da natureza e da lei moral inscrita em seus corações. Os gentios também são inseridos no povo judeu, de modo que eles passam a fazer parte do povo eleito.

            Paulo também busca defender uma convivência harmônica entre judeus e gentios, de modo que ambos evitem escandalizar um ao outro. Paulo também responde às críticas daqueles que o acusavam de ser antinomista. Ele insiste que sua defesa de que gentios não precisam guardar a lei judaica, não significa que eles estão livres para pecar. Pelo contrário, os gentios também devem viver uma vida ética, incluindo a obediência às leis do governo e à própria consciência. É interessante pontuar que a congregação de Roma não foi fundada por Paulo, então ele precisou ser cuidadoso, já que escrevia a uma igreja que não reconheceria automaticamente sua autoridade. A congregação de Roma foi provavelmente fundada por um pequeno grupo de seguidores de Jesus que foi para Roma.

 

V. OS EVANGELHOS SINÓTICOS

 

            Algo que mudou os rumos dos movimentos cristãos, foi a queda do Templo de Jerusalém em 70 d.C. É importante ter em mente que os cristãos não eram um grupo unificado, o que existiam eram várias comunidades cristãs espalhadas e muitas delas com ideias contrastantes. A queda do Templo de Jerusalém fez muitos cristãos reinterpretarem as palavras de Jesus sobre o fim do mundo. Agora, era possível metaforizar as falas de Jesus. Talvez o “fim do mundo” que ele anunciou naquela geração fosse a destruição de Jerusalém e a volta de Jesus talvez devesse ser lida como sua presença invisível para julgar Jerusalém.

            É nesse contexto que são escritos os primeiros Evangelhos. Por suas similaridades, Mateus, Marcos e Lucas são chamados de Evangelhos sinóticos.  Eles se baseiam em textos que já existiam antes, como o que tem sido chamado de documento Q, documento L e documento M, que continham ditos de Jesus. Não será necessário aqui detalhar esses documentos, basta dizer que os Evangelhos se inspiraram em textos que já existiam. Além disso, os evangelhos são frutos de comunidades ou congregações.

            Cristãos instruídos dessas comunidades registraram certas tradições orais recebidas sobre Jesus. Embora os Evangelhos sejam atribuídos pela tradição a Mateus, Marcos, Lucas (e João) é importante ter em mente que eles não foram escritos por eles. É comum que a tradição atribua textos a apóstolos ou figuras importantes para lhes conferir autoridade. O fato é que não sabemos quem escreveu os evangelhos.

            O Evangelho mais antigo é o de Marcos. Há um debate sobre se ele foi escrito logo antes ou logo depois de 70 d.C., porque o autor parece ter alguma ideia sobre a destruição do Templo, mas não está claro se ele já havia de fato presenciado essa destruição. Assim, alguns sugerem que Marcos foi escrito por um cristão galileu no tempo de rebeliões que precederam a destruição do Templo, o que situa Marcos depois de 66 d.C. Esse autor já podia pressentir que Jerusalém seria invadida pelos romanos, mas a partir das palavras de Jesus ele possivelmente cria que quando isso acontecesse, Jesus viria do céu com poder e grande glória para destruir os romanos e estabelecer seu Reino.

            Jesus aparece em Marcos, pois, como um profeta apocalíptico. No entanto, algo que Marcos sempre enfatiza é que o sentido da mensagem de Jesus deveria permanecer em segredo. Jesus aparece várias vezes em Marcos pedindo que as pessoas não espalhassem publicamente sobre suas curas e ensinos. Uma das razões pode ser porque esse segredo só seria plenamente revelado com a intervenção divina que estava prestes a acontecer.

            Os Evangelhos de Mateus e Lucas, por sua vez, já dão sinais mais claros de que seus autores sabiam que o Templo de Jerusalém foi destruído, por isso eles são geralmente datados de por volta de 85 d.C. Os dois autores conheciam o Evangelho de Marcos e o documento Q, mas o autor de Mateus e de Lucas não se conheciam entre si. Os autores desses evangelhos eram provavelmente pessoas bem instruídas de fala grega, talvez romanas. Mateus se esforça para apresentar Jesus como um novo Moisés que veio revelar o verdadeiro sentido da Lei. Lucas, por sua vez, apresenta Jesus como alguém que morreu, não como expiação pelos pecados, mas como um profeta mártir. Lucas também adota uma cristologia que depois veio a ser denominada como “adoptacionista”. Para Lucas, Jesus é um profeta que foi adotado como Filho de Deus pelo Pai

            É importante ler os Evangelhos tendo em mente que eles não são escritos historicamente acurados sobre a vida de Jesus. Todos os Evangelhos cumprem uma dada agenda teológica, eles também são escritos a partir de uma tradição oral, de narrativas contadas e recontadas por décadas sobre Jesus. Logo, o Jesus que os Evangelhos apresentam não é exatamente o Jesus de Nazaré da História, mas sim o Cristo da fé, o Cristo anunciando (kerygmático). Cada Evangelho possui sua própria teologia, exemplificando a diversidade de Cristianismos que existiam já no primeiro século.

 

VI. O LIVRO DO APOCALIPSE

 

            Relacionado com a destruição do Templo de Jerusalém em 70 d.C., está o livro do Apocalipse, escrito por volta de 100 d.C. . O livro de Apocalipse foi escrito por um cristão judeu chamado João (não é o apóstolo nem o Batista), que estava entristecido com a queda de Jerusalém e confiante de que Deus derrubaria Roma como vingança por essa destruição. É preciso dizer, desde o princípio, que o Apocalipse não é um livro sobre os dias de hoje ou sobre o desenrolar da História ao longo dos séculos, mas sim uma crítica a Roma por ter destruído Jerusalém.

            Quando o Apocalipse foi escrito, havia um mito de que o imperador Nero seria ressuscitado ou retornaria, por isso fala-se dele como tendo sido ferido de morte, mas retornando (Apocalipse 13,3). Nero também é simbolizado pelo número 666 que é seu nome escrito em códigos numéricos. Roma é retratada por diferentes símbolos no Apocalipse, como Besta, Babilônia ou Grande Meretriz (Prostituta). O Apocalipse ensina que Deus julgará Roma enviando contra ela grandes pragas. Essas pragas são retratadas em ciclos baseados no número sete, em que cada ciclo é uma intensificação do anterior.

            Após a queda de Roma, o Apocalipse promete uma Nova Jerusalém. Essa Jerusalém, entretanto, não será construída por homens, mas descerá do céu. Quando isso acontecer, o mar não mais existirá. O mar representa as águas do caos primordial que sempre ameaçam destruir a criação. No mar habita o Dragão, a Grande Serpente ou Leviatã, que simboliza a destruição. Dizer que nesse novo contexto não há mais mar e que o dragão foi derrotado, é dizer que a Nova Jerusalém não correrá mais o risco de ser destruída por povos inimigos.

 

VII. O EVANGELHO DE JOÃO

 

            Chegamos, agora, no século II. O Evangelho de João é um texto com várias camadas de escrita, ele possui textos que vão do final do século I à metade do século II, podendo ter ganhado sua versão final em torno de 150 d.C.. Uma ilustração dessas diferentes camadas pode ser vista em João 4:2 que inicialmente dizia que Jesus batizava pessoas, mas foi corrigido por um segundo redator para dizer que eram os discípulos de Jesus que batizavam, não ele. Outro exemplo é o próprio prólogo do Evangelho, o capítulo 1 sobre o Verbo encarnado, que foi adicionado ao Evangelho por um autor influenciado por Filo de Alexandria. Outro exemplo é João 8:1-12, o relato da mulher adúltera, adicionado ao texto depois. João não possui, pois, uma única teologia, já que tem diversas camadas de redação.

            Entretanto, alguns propõem que a redação final do Evangelho de João seja de caráter ou pelo menos influência gnóstica. Em um enquadramento gnóstico, a maneira como o Evangelho organiza as palavras e atos de Jesus recebem um novo sentido. Considere, por exemplo, que o Evangelho de João retrata a paixão de Cristo como se Jesus na cruz transcendesse o sofrimento de modo a conseguir manter um diálogo mesmo pregado (João 19:25-27).

            A declaração de Jesus como Logos (Verbo) lembra fortemente a descrição proverbial da Sabedoria. Em João 1, refletindo ideias presentes em Filo de Alexandria, o autor fala do Verbo como o Deus Unigênito, o Filho eternamente gerado por Deus (João 1:18). Em Provérbios 8:22-23 a Sabedoria fala de si mesma como gerada na eternidade. Nos mitos gnósticos, Cristo é o Autogenes, autogerado por Barbēlo (um éon divino). A Sabedoria também é um éon que tem agido para trazer o verdadeiro conhecimento à humanidade. Ao lermos "o Verbo era Deus" ou mais corretamente "o Verbo era divino" (theos en ho Logos) o sentido pode ser de que Cristo era um éon divino. 

            Em João 8, lembrando que o capítulo original começa no v.12, sendo os vv.1-11 uma interpolação, vemos uma conversa de Jesus e os Judeus. Se a lermos à luz do Gnosticismo, o texto ganha um sentido interessante. Os gnósticos criam que o mundo foi criado por Yaldabaoth, uma divindade inferior que passou a ser adorada como Javé, que se apresentava mentirosamente como único Deus verdadeiro. Jesus foi enviado pelo verdadeiro Deus último para libertar essas pessoas da enganação, revelando haver um outro domínio espiritual superior.

             No v.17 de João 8, Jesus se refere ao Antigo Testamento dizendo "Na Lei de vocês está escrito", no verso 23 ele diz que  "vocês, judeu, são deste mundo" e que Ele, Cristo, não é deste mundo. Ele diz "vocês não sabem de onde eu realmente vim. Vocês são do domínio de baixo e eu sou do domínio de cima". Então no v.32 ele diz a famosa frase "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Cristo quer comunicar, pois, um conhecimento (gnose) que liberte os judeus da mentira.

            Daí Jesus prossegue falando que veio do Pai, mas não é do mesmo Pai desses judeus. Ao que eles respondem que o Pai deles é Deus (v.41). A isso Jesus retruca dizendo que o Pai deles não é o verdadeiro Deus, mas um mentiroso, o Pai da mentira que vem os enganando desde o princípio (v.44). Não seria de se espantar que ao chamarem o Deus deles de mentiroso, os judeus tenham querido apedrejar Jesus (v.59).

            Os gnósticos, os primeiros a recepcionar o Evangelho de João, leram isso como Jesus dizendo que o Deus dos Judeus, Javé, não é o verdadeiro Deus. Jesus não é deste mundo que foi criado por Javé. Jesus pertence a outro domínio, o Pai dele é outro. E é o conhecimento dessa verdade que liberta. O Deus que os judeus adoram é, na verdade, o Pai da mentira que os engana desde o princípio propondo a si mesmo como o verdadeiro Deus. Mas o verdadeiro Deus é outro, de outro domínio e é desse outro domínio que Jesus veio.

            Em João 17:3, Jesus diz mais claramente que a vida eterna consiste em uma "gnose": "que começam a ti como único Deus verdadeiro e a Cristo a quem enviaste". Cristo foi enviado por um Deus de outro domínio, um domínio que não é este mundo. Ele vem ao mundo revelar aos homens que seus espíritos pertencem a outro domínio. Que o verdadeiro Deus é de um domínio superior e que o Deus adorado pelos judeus é, na verdade, o Pai da mentira.

            Que um Evangelho com traços gnósticos tenha entrado para o cânon pode ser algo que soe estranho e talvez isso só ocorreu porque a fórmula "o Verbo se fez carne" (João 1:14) pareceu útil à autoproclamada ortodoxia contra gnósticos docéticos. O sentido pode ser apenas de que Cristo veio ao mundo material, mas Cristo é o Logos do domínio imaterial e só veio aqui para este mundo material para comunicar a "gnose" que liberta. Não podemos afirmar com certeza que o autor de João (que evidentemente não é realmente o apóstolo João) seja gnóstico, mas talvez possa ser correto afirmar que o redator final de João tenha ao menos traços ou influências gnósticas.

 

VIII. OUTROS TEXTOS DO NOVO TESTAMENTO

 

            Como essa introdução é breve e geral, é impossível considerar aqui todos os textos do Novo Testamento em detalhes. Em geral, a maior parte dos textos ainda não tratados são tardios, em sua maioria do século II. Para encerrar, entretanto, citarei brevemente alguns textos que não foram trabalhados. Primeiro, há as cartas atribuídas a Paulo, mas que não são de Paulo. Algumas foram escritas possivelmente por discípulos de Paulo.

            Um exemplo é 2 Tessalonicenses, escrito no final do século I e início do II. Como em 1 Tessalonicenses, Paulo havia ensinado que Jesus estava prestes a voltar, muitos cristãos abandonaram seus empregos para esperar o fim dos tempos em seus dias. Um discípulo de Paulo corrigiu essa interpretação, ensinando que antes de Jesus voltar, ainda ocorreria uma apostasia e apareceria o anticristo. Esse anticristo seria um falso Messias que se assentaria no Templo (reconstruído?) de Jerusalém. No entanto, isso só iria acontecer quando Roma caísse, porque Roma funcionava como um impedimento para a manifestação do anticristo, já que Roma mataria qualquer suposto Messias que conseguisse se promover. Roma é chamada pelo autor como “aquele que detém” ou impede esse falso Messias de se manifestar (2 Tessalonicenses 2,7). Assim, fica claro que Jesus ainda iria demorar voltar, já que Roma ainda precisaria cair, um falso Messias aparecer e se assentar no Templo antes de Jesus voltar.

            Em torno de 90 – 100 d.C., um discípulo de Paulo também escreveu Colossenses, que já enfatiza mais Cristo como um ser divino. Inspirado nesse texto, outro autor escreveu Efésios. Efésios não foi escrito para uma igreja específica, mas era uma carta de livre circulação, tanto que a parte em que alguns manuscritos dizem “Efésios” é um espaço em branco para ser livremente preenchido. Embora de autores diferentes, como Efésios se inspirou em Colossenses, ambas têm basicamente a mesma teologia. Diferente de Paulo, esses autores consideram a salvação como uma realidade presente, não futura. Além disso, diferente de Paulo, eles veem a mulher como inferior e possuem uma visão hierarquizada das relações humanas, como aquelas entre senhores e escravos.

            Outras cartas atribuídas a Paulo, mas que não são dele, são 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito escritas no século II quando a igreja já tinha uma estrutura eclesiástica de bispos e presbíteros mais bem estabelecida. Faltou mencionar Hebreus, que alguns atribuem a Paulo, mas que nem sequer se assemelha nem aos textos autênticos de Paulo nem a esses outros escritos por discípulos ou continuadores de seu pensamento. Hebreus não é nem de Paulo nem do círculo paulino. Hebreus nem sequer é uma carta, mas um sermão escrito entre 65 – 80d.C. por um autor desconhecido e que apresenta Jesus como Sumo Sacerdote.

            Outros livros não trabalhados nesta introdução que é do mesmo período de Hebreus, isto é, 65 – 80 d.C., são 1 Pedro e Tiago. Vale mencionar que Tiago possivelmente foi escrito para corrigir uma interpretação incorreta das doutrinas do apóstolo Paulo. O autor de Tiago se opõe a qualquer leitura antinomista da justificação, ensinando que a justificação não é somente pela fé, mas também pelas obras. Tiago entende fé como mero crer e obras como obras de justiça. Não se sabe se Tiago estava respondendo diretamente a Paulo, de todo modo, como Paulo entendia fé como incluindo obediência e obras como se referindo apenas às obras da lei judaica, o ensino de ambos não é irreconciliável.

            Por fim, alguns textos tardios do Novo Testamento são: 1 João, 2 João e 3 João, epístolas de 90 – 100 d.C. escrito para combater a “heresia” que negava que Cristo tinha um corpo real de carne, “heresia” que depois ficou conhecida como docetismo. Há, ainda, o livro de Judas (100-120 d.C.) que assume um caráter de críticas ao que o autor vê como heresias. Outro texto tardio do Novo Testamento é Atos (110 – 120 d.C.), escrito pelo mesmo autor do Evangelho de Lucas e que visa narrar a história da Igreja, o livro, no entanto, não é historicamente confiável. O último livro do Novo Testamento a ser escrito foi 2 Pedro (150-170 d.C), que faz advertências contras pregadores que o autor considera hereges. Vê-se, assim, que, no geral, os textos mais tardios do Novo Testamento já operam no sentido de diferenciar o que seria um Cristianismo ortodoxo do que seriam heresias.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            A ideia é que este texto sirva de base para leitura do Novo Testamento. Sugiro, após ler este texto, que se leia o Novo Testamento seguindo a ordem cronológica em que ele foi escrito e se atentando para as informações sobre contexto histórico dadas aqui. Assim, sugiro ler o Novo Testamento na seguinte ordem: 1 Tessalonicenses; Gálatas; 1 Coríntios; Filemon; Filipenses; 2 Coríntios; Romanos; Marcos; Hebreus; Tiago; 1 Pedro; Mateus; Lucas; 2 Tessalonicenses; Colossenses; Efésios; 1 Timóteo; 2 Timóteo; Tito; 1 João; 2 João; 3 João; Judas; Apocalipse; Atos; João; 2 Pedro. É difícil indicar uma boa tradução, embora a Bíblia de Jerusalém possa ser útil bem como pode ser de grande utilidade fazer uso do Novo Testamento Interlinear presente no BibleHub.

 

BIBLIOGRAFIA

 

Como escrevi o texto de maneira bem livre, não fui seguindo rigidamente uma bibliografia. Mas deixarei aqui, no final, indicação de materiais para aprofundamento:


New Testament History and Literature with Dale B. Martin – YaleCourses – Disponível em: https://youtube.com/playlist?list=PL279CFA55C51E75E0

The Historical Jesus – Bart Ehrman. Disponível em: https://youtube.com/playlist?list=PLTYADdqRvywQ6ZhnNQ40qOjGyzobLouI8

Canal Juliana Cavalcanti: https://www.youtube.com/@JulianaCavalcanti

Canal André Chevitarese: https://www.youtube.com/@AndreLeonardoChevitarese

CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo

volume I, II, III, IV, V, VI. São Paulo: Hagnos,

 

CULLMAN, Oscar. Imortalidade da alma ou ressureição dos mortos. Mentes Bereanas, 2011.

 

DUNN, James. A Nova Perspectiva de Paulo. Disponível em: https://facbel.edu.br/wp-content/uploads/2020/07/A-NOVA-PERSPECTIVA-SOBRE-PAULO.pdf

 

EHRMAN, Bart. Jesus: Apocalyptic Prophet of the New Millennium. New York: Oxford University Press, 1999.

 

EHRMAN, Bart. O que Jesus Disse? O que Jesus Não Disse? Quem Mudou a Bíblia e Por Quê. São Paulo: Prestígio, 2006.  

HAENCHEN, Ernst. A Comentary on the Gospel of John chapters 1-6. Translated by: Robert W. Funk. Filadélfia: Fortress Press, 1984.

MALZONI, Cláudio Vianney. Evangelho Segundo João. São Paulo: Editora Paulinas, 2018.

MEIER, John. Um Judeu Marginal: Repensando o Jesus Histórico volume 1. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1993.

SMITH, Morton. Jesus the Magician: A Renowned Historian Reveals How Jesus was Viewed by People of His Time. Newburyport: Hampton Roads Publishing Company, 2014.

 

Convido também a conferir a Playlist do meu canal sobre Bíblia: https://youtube.com/playlist?list=PL5_BGwgT0H5slVENC37RvdZghVy-6sgeT 


Além dos seguintes outros textos deste Blog: 

COMO SABER SE O QUE OS EVANGELHOS RELATAM SOBRE JESUS É HISTÓRICO OU NÃO? => http://brunosunkey.blogspot.com/2021/09/como-saber-se-o-que-os-evangelhos.html 

JESUS REALMENTE RESSUSCITOU? => http://brunosunkey.blogspot.com/2021/09/jesus-realmente-ressuscitou.html 

O JESUS HISTÓRICO COMO PROFETA APOCALÍPTICO => http://brunosunkey.blogspot.com/2021/09/o-jesus-historico-como-profeta.html 

JESUS FOI UMA INVENÇÃO ROMANA? - AVALIAÇÃO CRÍTICA DA TESE DE JOSEPH ATWILL: https://brunosunkey.blogspot.com/2022/09/jesus-foi-uma-invencao-romana-avaliacao.html


Escrevi um texto neste mesmo estilo de Introdução à Bíblia Hebraica (Antigo Testamento) => https://brunosunkey.blogspot.com/2022/04/introducao-geral-biblia-hebraica.html


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