ARGUMENTOS DE SANTO ANSELMO A FAVOR DA EXISTÊNCIA DE DEUS

 


            O objetivo deste texto é apresentar, de forma sistematizada, os argumentos de Santo Anselmo de Aosta a favor da existência de Deus presentes no Monologion e no Proslogion. No Monologion, Anselmo trabalha quatro vias para demonstrar a existência de Deus (via da bondade, via da grandeza, via da existência, via da perfeição), já no Proslogion, Santo Anselmo se restringe a a um único argumento, que posteriormente veio a ser denominado como argumento ontológico a favor da existência de Deus. Este texto busca expor cada um desses argumentos de forma sistematizada.

            AS QUATRO VIAS DE ANSELMO

    As quatro vias de Anselmo partem de nossa experiência, nos convidando a considerar os graus de bondade, grandeza e perfeição que percebemos no mundo. Primeiramente, observamos na realidade coisas que são mais ou menos boas. A partir disso, Anselmo formula o seguinte argumento:

 

Via da Bondade

(1)   Quando observamos o mundo que nos cerca percebemos que há coisas que são boas. No entanto, essas coisas não são igualmente boas, quando comparamos as coisas entre si, constatamos que existem graus diferentes de bondade, sendo algumas coisas mais ou menos boas que outras;

(2)   Se há coisas mais ou menos boas isso significa que somos capazes de comparar essas coisas entre si conforme seus graus de bondade.

(3)   Entretanto, comparar coisas entre si segundo seu grau de bondade pressupõe um padrão de bondade que nos permita fazer tal comparação;

(4)   Ademais, se uma coisa é melhor do que outra é porque mais participa da bondade, assim como quando dizemos que algo é mais ou menos justo à medida em que participa da justiça.

(5)   Portanto, a comparação entre as coisas que são mais ou menos boas nos leva a concluir de que é preciso que elas sejam ditas boas por outro algo, que sirva tanto de padrão da bondade e que seja aquilo no qual todas as coisas boas participam.

(6)    Esse algo é, pois, a própria bondade.

(7)   A bondade na qual todas as coisas participam e que é o padrão de tudo que é bom não pode ser uma bondade relativa, senão ela também teria de participar em uma bondade mais fundamental. Trata-se, pois, de uma bondade absoluta.

(8)   Logo, a bondade na qual tudo participa é a Bondade Suprema, que é boa por si mesma e não em razão de algo que não seja ela mesma.

(9)   Se a bondade suprema é boa em razão de si mesma enquanto as outras coisas são boas por participarem nela, então ela excede todas as outras coisas boas em excelência.

(10)                      Aquilo que é Bom de forma excelente superando todas as outras coisas, é o que chamamos de Sumo Bem, que é o que denominamos como Deus.

 

            A via da bondade nos permite, então, concluir que há um Sumo Bem no qual tudo que é mais ou menos bom participa.

        A segunda via, por sua vez, opera de modo similar, podendo ser compreendida como ainda o mesmo argumento, mas agora concentrando-se na grandeza. De princípio, ao falar da grandeza, Anselmo ressalta que ele não pretende falar da grandeza enquanto extensão, mas da grandeza enquanto dignidade e nobreza. A segunda via opera do seguinte modo:


Via da Grandeza

(1)   Há coisas mais ou menos grandes, isto é, há algo que possui mais ou menos grandeza do que outro algo.

(2)   O que nos permite comparar que algo é maior ou menor que outro é um padrão de grandeza.

(3)   Além disso, podemos falar que algo é grande na medida em que esse algo participa em outro algo, que é a própria grandeza.

(4)   Logo, há uma Grande Suprema que serve de padrão para comparar as coisas entre si conforme sua grandeza e que é aquilo no qual todas as coisas grandes participam.

(5)   Essa Suprema Grandeza é o que chamamos de Deus.

 

            A terceira via, por sua vez, trabalha com a questão da existência e difere das anteriores, pois seu propósito é justamente mostrar que a bondade e a grandeza se referem a um princípio primeiro, a uma essência suprema autoexistente. A sistematização desse argumento é um pouco mais complexa porque ele procede pela postulação de hipóteses e alternativas, na qual algumas são descartadas por redução ao absurdo. De todo modo o argumento da terceira via, a via da existência, pode ser colocado do seguinte modo:

 

Via da Existência

1.      Hipótese 1: Tudo o que existe, existe por algo ou;

2.      Hipótese 2: Tudo o que existe, existe por nada;

Negação da Hipótese 2: Não é possível pensar em algo que exista por nada, logo nada existe por nada.

=> Confirmação da Hipótese 1: Tudo o que existe, portanto, não existe senão por algo.
      Hipótese 1.1:  Esse algo, aquilo pelo qual todas as coisas existem, é uno ou;

      Hipótese 1.2: Esse algo, aquilo pelo qual todas as coisas existem, é múltiplo

=> Desenvolvimento da Hipótese 1:2: (1) Se é múltiplo, os elementos dessa multiplicidade:

(i) ou se reconduzem a algo uno pelo qual existem;

(ii) ou cada um desses elementos existe por si mesmo;

(iii) ou esses elementos existem reciprocamente uns pelos outros;

Daí se segue que

I.                    Se i é verdadeiro, isto é, se “os elementos existem por um só”, já não existem todas as coisas por múltiplos elementos, mas antes por aquele uno, pelo qual existem estes múltiplos elementos.

II.                 Se ii é verdadeiro, isto é, se “cada um destes elementos existe por si”, existe alguma força ou natureza de existir por si, que eles possuem para existirem por si.

III.              Se iii: é verdadeiro, isto é, se “múltiplos elementos existem por si reciprocamente”, nenhuma razão suporta, porque é uma cogitação irracional, que alguma coisa exista por aquilo ao qual dá a existência.

            Logo, excluindo-se iii como uma alternativa irracional, disso decorre que nos restam as alternativas i e ii. No entanto, quer (i) ou (ii) sejam verdadeiros, segue-se que não são múltiplos os elementos pelos quais todas as coisas existem. Assim, fica confirmada a Hipótese 1.1: “Esse algo, aquilo pelo qual todas as coisas existem, é uno.” Esse Uno por meio do qual tudo existe é Deus.

 

            É possível identificar nesse argumento uma influência de ideias neoplatônicas sobre a participação de todas coisas no Uno, do qual tudo recebe sua existência. 

                  Por fim, a quarta via procede de modo similar à terceira no sentido de postular teses e a partir de suas negações e provas, confirmar certas premissas e descartar outras. Trata-se da via da perfeição.

 

Via da Perfeição

1.      Hipótese 1: A natureza perfeita é tal que existe só ou;

2.      Hipótese 2: A natureza perfeita é tal que existem múltiplas do mesmo gênero ou iguais.

=> Desenvolvimento da Hipótese 2: Se existem múltiplas e iguais: como não podem ser iguais por razões diversas, mas pelo mesmo algo, esse uno pelo qual são igualmente grandes:

(i)                 ou é isso mesmo que elas próprias são, isto é, a própria essência delas;

(ii)              ou é diferente daquilo que elas próprias são.

Daí se segue:

I.                    Se i é verdadeira, isto é, se “o uno nada mais é do que a própria essência dos múltiplos iguais”, como as essências delas não são múltiplas, mas uma só, assim também as naturezas não são múltiplas, mas uma só.

II.                 Se ii é verdadeira, isto é, “aquilo pelo qual múltiplas naturezas são tão grandes, é diferente daquilo que elas próprias são”, certamente são elas menores do que aquilo pelo qual elas são grandes.

            Tomando a hipótese (i), concluímos que há o uno, por outro lado, tomando a hipótese (ii), temos que o que essa natureza na verdade seria superada por algo ainda maior, mas esse algo maior, no final, é que seria a natureza mais perfeita. Conclui-se, portanto, que a Hipótese 1: “A natureza perfeita é tal que existe só” é a verdadeira. Aquilo que é a única natureza perfeita é o que chamamos de Deus.


  O ARGUMENTO ONTOLÓGICO DE ANSELMO


            Tendo trabalhado as quatro vias no Monologion, no Prolosgion, Anselmo diz ter encontrado um único argumento para a existência de Deus, argumento que depois ficou conhecido como argumento ontológico. É importante pontuar, entretanto, que esse argumento, embora tenha sido interpretado classicamente como completamente a priori, isto é, como um argumento que não demanda experiência, essa interpretação é questionável. É possível que o argumento ontológico dependa das quatro vias do Monologion, isso ocorre porque para sabermos qual o ser maior do qual nada maior pode ser pensado, precisamos trabalhar com graus de bondade, grandeza e perfeição, como fazem as quatro vias.

            O argumento ontológico começa por definir Deus como o Ser maior do qual nada maior pode ser pensado. A partir disso, o argumento observa que esse conceito existe até mesmo na mente do ateu. Tomando esse conceito de base, Anselmo conclui que ele deve incluir sua própria existência, já que aquilo que existe na realidade é maior do que aquilo que existe apenas no entendimento. Esse argumento pode, também, ser denominado como “a via única” e ele procede da seguinte forma:


A Via Única

Princípio 1: Há coisas que existem só no entendimento, mas não existem na realidade e há coisas que existem tanto no entendimento quanto na realidade.

Princípio 2: Aquilo que existe no entendimento e na realidade é maior do que aquilo que existe só no entendimento, mas não na realidade.

Definição 1: Deus é o Ser do qual nada maior pode ser concebido.

De onde se pode formular duas hipóteses:

(i)                 Hipótese (i): O Ser do qual nada maior pode ser concebido existe só no entendimento, mas não na realidade

(ii)              Hipótese (ii): O Ser do qual nada maior pode ser concebido existe tanto no entendimento quanto na realidade.

Daí se segue que:

Se a Hipótese (i) é verdadeira, isto é, se o Ser do qual nada maior pode ser concebido existisse só no entendimento, então ele não seria o maior ser concebível, pois conforme o princípio 2, ele seria superado em grandeza por um Ser que existe tanto no entendimento quanto na realidade, mas é absurdo dizer que o maior Ser concebível é menor do que outro Ser maior que pode ser concebido.

Descartada a Hipótese (i), resta então a Hipótese (ii) como verdadeira: O Ser do qual nada maior pode ser concebido existe tanto no entendimento como na realidade.

            Levando em conta a definição 1, concluímos que Deus existe na realidade, isto é, que Deus verdadeiramente existe.

 

            Os argumentos de Anselmo levam à conclusão, portanto, de que Deus verdadeiramente existe, que ele existe por si mesmo e que ele é o Sumo Bem, a Suprema Grandeza e o Ser perfeitíssimo em relação ao qual não há outro igual.


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