ERA O NAZISMO DE ESQUERDA?


       

   
      É complicado ter que ainda argumentar que o nazismo não era de esquerda. No entanto, dado que essa afirmação se tornou comum hoje, é preciso respondê-la. Franklin Ferreira, em Idolatria do Estado, escreveu: “O fato é que os ditadores mais cruéis da história do século XX foram esquerdistas: Lênin e Stalin (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), Adolf Hitler (Alemanha)...”. Será que a afirmação de que o nazismo era de esquerda realmente se sustenta? Para analisar esta questão considerarei duas coisas: a história do nazismo e as bases ideológicas do nazismo. 


I. HISTÓRIA DO NAZISMO

1. INSPIRAÇÃO NO FASCISMO ITALIANO

            Para entender o nazismo ou “fascismo alemão”, é preciso começar pelo próprio surgimento do fascismo na Itália. O fascismo surgiu diante do fato de que a monarquia parlamentar italiana não conseguia integrar a classe trabalhadora. Assim, o fascismo surge com a função de suprimir a classe trabalhadora, buscando controlá-la pela violência.
            O fascismo italiano estava baseado numa certa nostalgia do poderoso Império Romano. O fascismo italiano teve como precursores os fascis, grupos que enfrentavam seus inimigos políticos e os operários adotando um estilo militar. O termo fasci significa “feixe de varas”, que era o símbolo do antigo Império Romano.
            O fascismo fundamentava-se nas seguintes ideias: (i) ideologia antidemocrática: o fascismo se opunha à monarquia parlamentar e à democracia liberal, estabelecendo a política nas mãos de um líder único; (ii) controle estatal: o fascismo defendia um Estado autoritário, através do controle da economia e da educação; (iii) nacionalismo: o fascismo tinha um patriotismo exagerado baseado numa nostalgia do Império Romano e; (iv) anticomunismo: o fascismo era antissocialista (anti-marxista), buscando a repressão de ideias revolucionárias.
            Os fascistas perseguirem e mataram socialistas, entre eles é importante lembrar do caso de Giacomo Matteotti, deputado socialista morto pelo regime fascista por denunciar sua violência.  Em 10 de junho de 1924, os fascistas sequestram Giacomo Matteotti, ele foi empurrado dentro de um carro e apunhalado várias vezes, seu corpo foi encontrado dois meses depois. 
            Os comunistas buscaram resistir ao nazismo por meio de uma luta armada, sendo muito deles membros dos partisans. Os "Partisans" foram grupos de guerrilheiros (geralmente trabalhadores) de diferentes países que resistiram ao fascismo e ao nazismo durante a II Guerra Mundial. Eles ofereceram uma resistência armada, organizados em bandos, contra a ocupação alemã e contra o controle dos regimes nazifascistas. Os partisans tinham membros na Itália, Alemanha, Iugoslávia, União Soviética e França. Podemos citar o exemplo de Bruno Moretti, partisan e líder sindical, responsável pela prisão e morte do ditador fascista Benito Mussolini.

2. A ASCENSÃO DO FASCISMO ALEMÃO

            Inspirado no fascismo italiano, a Alemanha teve seu fascismo e também teve como precursores grupos fascistas armados, chamados na Alemanha de freikorps. Os freikorps eram grupos armados anticomunistas alemães precursores do nazismo. Chegou a haver cerca de 250 mil freikorps na Alemanha no início do século XX. Os freikorps eram reacionários monarquistas (queriam reinstaurar o império, mas governado pelos valores militares absolutos) e perseguiam, agrediam e matavam, mesmo nas ruas, comunistas e até mesmo socias-democratas. Muitos altos dirigentes nazistas eram freikorps, como Martin Bormann, secretário de Hitler; Wilhelm Canaris, chefe da espionagem nazista; Heinrich Himmler, chefe da SS; Wilhelm Keitel, chefe das Forças Armadas e Ernst Röhm, chefe das SA. Emblemático é o assassinato de Rosa Luxemburgo, revolucionária marxista que foi capturada e morta pelos freikorps.
            Após a I Guerra Mundial, a monarquia alemã chegou ao fim dando origem à República de Weimar, sustentada em geral por um pensamento social-democrata. No entanto, com o tempo a situação política na Alemanha foi se tornando polarizada, os partidos de centro, no caso o Partido Social Democrata (SPD), o Partido de Centro Alemão (PC) e o Partido Democrático (PD), foram perdendo forças, e os partidos das extremidades foram crescendo, estando num extremo o Partido Comunista Alemão (KPD) e do outro o partido nazista (NSDAP). O partido nazista era apoiado pelos monarquistas, tanto os monarquistas armados (freikorps) quanto os monarquistas organizados em um partido, o Partido Popular Nacional Alemão (DNVP).
            O Partido Popular Nacional Alemão (DNVP) era um partido nacionalista, reacionário e monarquista aliado do partido nazista. Assim, era claro em termos da distribuição dos partidos que enquanto o SPD, o PC e o PD eram os partidos de centro, o partido comunista representava a “esquerda” e o partido nazista e seu aliado, o Partido Popular, representavam a “direita”.
            Os comunistas acabaram por cometer um erro diante dessa conjuntura, ao invés de se unirem aos sociais democratas para defender a República contra o fascismo alemão, eles se opuseram aos sociais-democratas por considerá-los de direita e até chamá-los de “sociais-fascistas”. Tanto os comunistas quanto os nazistas eram contra a social-democracia, isso fez com que os comunistas apoiassem a queda da social-democracia na Alemanha sem perceber que com isso estavam abrindo caminho para o nazismo.
            Era claro que a frágil república social-democrata estava entrando em colapso e que ou os comunistas ou os nazistas acabariam por assumir o poder. Foi então que a burguesia alemã, temendo o avanço do comunismo, pressionou o presidente Von Hindenburg a fazer de Adolf Hitler, líder do partido nazista, seu Primeiro Ministro. Em 1934, quando Hindenburg faleceu, Hitler foi eleito como líder supremo da Alemanha.
            O nazismo marcou o início de um tipo de Estado que ainda não havia existido até então. Se o fascismo italiano foi uma ditadura autoritária, o nazismo representava agora um novo tipo de regime que pode ser chamado de “totalitário”, como observa Hanna Arendt em As Origens do Totalitarismo. As características do totalitarismo nazista eram: (i) antissemitismo ideológico:  os nazistas perseguiam os judeus movidos por um ódio ao fato deles serem detentores da riqueza ao mesmo tempo que eram um grupo impotente; (ii) imperialismo: o nazismo se apoiava na emancipação política da burguesia através da expansão econômica; (iii) exigência de lealdade total ao regime: o nazismo exigia lealdade irrestrita, incondicional e inalterável de cada membro individual; (iv) propaganda ideológica: o nazismo usou da propaganda como meio de doutrinação; (v) perseguição política: por meio da polícia secreta despótica os nazistas perseguiram aqueles que eram considerados “inimigos”; (vi) política de extermínio: os nazistas construíram campos de concentração para extermínio em massa.
            Os nazistas perseguiram e mataram judeus, comunistas, homossexuais, ciganos e Testemunhas de Jeová. Vale lembrar do caso de Henryk Dornik, que foi mal-tratado pelos nazistas por ser Testemunha de Jeová. Em 1940, Dornik foi batizado como Testemunha de Jeová por Konrad Grabowy, que depois morreu em um campo de concentração. O pai de Dornik foi enviado a um campo de concentração enquanto Dornik foi mandado para um reformatório. Todas as manhãs no pátio reformatório, uma bandeira suástica era hasteada e era dada a ordem de saudá-la dizendo "Heil Hitler". Dornik se recusava a fazer essa saudação e era espancado por isso. Em 1944, foi determinado que Dornik seria levado ao campo de concentração se não assinasse uma declaração de lealdade ao Estado alemão. Dornik se recusou a assinar tal declaração e foi levado ao campo de concentração. No campo de concentração, Dornik recebeu a proposta de ser liberto caso abandonasse a religião das Testemunhas de Jeová, ele recusou a proposta. Os nazistas, então, responderam: "já que não aceitas a proposta, olhe para a chaminé crematória, é através dessa chaminé que você recuperará sua liberdade." Depois de muitos maus-tratos, Dornik pôde ser liberto. Em 1945, um bombardeio foi feito ao seu acampamento pelos aliados, alguns morreram, como um irmão Testemunha de Jeová querido de Dornik, Gustaw Baumert. Mas graças a esse ataque dos aliados, Dornik foi liberto (confira: Biografia: Sobrevivemos a regimes totalitários com a ajuda de Jeová.)

II. BASES IDEOLÓGICAS DO NAZISMO

            A leitura da História do nazismo nos fez ver que o nazismo foi apoiado pela burguesia e pelos reacionários monarquistas, que ele se opôs ao comunismo e à social democracia e que tinha como objetivo controlar a classe operária por meio da violência, o que favorece a classificação do nazismo com de direita.
            Em relação à economia, o nazismo era tanto antiliberal quanto antissocialista. Pode-se caracterizar a economia nazista como um Capitalismo de Estado. É importante ter em mente que não existe só a direita liberal, que defende uma economia sem intervenção do Estado. A economia brasileira na época da ditadura militar não era liberal e tinha forte controle estatal. O que faz uma economia ser de “esquerda” é que ela seja controlada pelo Estado com objetivos distributivistas com o propósito de combater a desigualdade social. O Estado nazista controlava a economia, não com o objetivo de distribuir a riqueza de maneira igualitária, a economia era controlada pelo Estado porque se tratava de uma ditadura.
            O nazismo também recebeu influências do socialismo conservador de Oswald Splenger. Spengler se opunha ao socialismo marxista e defendia um Estado corporativo, ele propunha que o Estado tivesse controle sobre a economia, mas não a propriedade. Oswald Splenger criticou fortemente Karl Marx, ele dizia:

“Quando se trata de pensar ou agir positivamente, os marxistas são impotentes. Portanto, agora enfrentamos a tarefa de libertar o socialismo alemão de Marx. Eu digo o socialismo alemão, pois não há outro.” “Por meio de um cálculo verdadeiramente grotesco, Marx transformou a dicotomia instintual entre as duas raças germânicas na dicotomia material entre dois níveis de classe. Ao ‘proletariado’, ele atribuiu a ideia prussiana de socialismo, enquanto à ‘burguesia’, ele atribuiu a ideia inglesa de capitalismo. Estas são as equações falsas que deram origem aos quatro conceitos cujo significado concreto todos estão familiarizados hoje.” “A melhor definição das duas classes ainda é uma vergonha lógica. É por isso que os conceitos básicos de Marx são considerados alternativas morais. As palavras ‘socialismo’ e ‘capitalismo’ são termos para o bem e o mal dessa religião irreligiosa. O ‘burguês’ é o diabo, o assalariado é o anjo de uma nova mitologia, e é preciso apenas provar os caminhos vulgares do Manifesto Comunista para reconhecer por trás da máscara literária o cristianismo dos independentes. A evolução social é ‘a vontade de Deus’. O ‘objetivo final’, em uma era anterior, era a salvação eterna; o ‘colapso da civilização burguesa’ costumava ser chamado de juízo final. "Marx conseguiu pregar o desprezo pelo trabalho.” “A greve é ​​o aspecto mais antissocialista do marxismo. É o sinal clássico de suas origens na filosofia de um empresário que Marx aderiu por instinto e hábito.” “Com referência aos padrões políticos inatos do homem socialista-prussiano, o marxismo não faz sentido.” “O marxismo é uma ideologia. Isso é evidente pela maneira como divide a história, uma técnica adotada pelos materialistas após a diminuição da força da fé cristã.” Por essa razão, o marxismo não é uma ideia verdadeira. Combina de maneira racional, isto é, arbitrária, os símbolos e padrões visíveis de duas ideias. Todo o método do pensamento marxista é uma coisa do momento. É eficaz porque todas as pessoas empregaram seus conceitos como armas. Se eles foram ou não corretamente entendidos não é importante. Eles são eficazes porque o som das palavras e a força da oratória fizeram as pessoas acreditarem em algo. O que eles acreditam é, mais uma vez, a ideia imutável de suas próprias vidas, seu próprio sangue. Hoje o marxismo está entrando em colapso em meio à orgia clamorosa de sua tentativa de se tornar realidade.” “Os ensinamentos de Marx, juntamente com o egoísmo de classe, são culpados de fazer com que a força de trabalho socialista e o elemento conservador se entendam mal e, portanto, também não entendam o socialismo. O trabalho deve se livrar de suas ilusões marxistas. Marx está morto.” (Prussianism and Socialism)

            Oswald Splenger usava o termo “socialismo” de maneira equívoca para se referir a um tipo de conservadorismo, ele escreveu: “O significado do socialismo é que a vida é dominada não pelo contraste entre ricos e pobres, mas pela posição determinada pela conquista e capacidade.” (Prussianism and Socialism). Assim, quando se argumenta que o nacional-socialismo era de esquerda porque tinha “socialismo” no nome, a pessoa que levanta esse argumento está mais por fora do que pinguim no polo norte. Socialismo de nazismo é um tipo de conservadorismo. O pensamento de Splenger influenciou os conservadores revolucionários alemães, os Tradicionalistas e a Nova Direita.

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Tanto a história quanto as bases ideológicas do nazismo, mostram que ele não era de esquerda. A própria noção de esquerda e direita é muito maleável e flexível e geralmente essa dicotomia é usada para jogar no oposto do espectro político tudo aquilo do qual se discorda ou tudo aquilo que é condenável em consenso.
Dizer que a direta brasileira hoje não possui elementos fascistas é ser cego para a atual conjuntura política. A direita conservadora brasileira é coletivista-protofascista e estatista na medida em que defende um Estado grande e ativo para conservar os bons costumes e proteger a indústria nacional. No Brasil, o fascismo está associado ao fundamentalismo religioso como ilustrado pelo teólogo católico e líder do integralismo no período varguista, Plínio Salgado, que era adepto do fascismo italiano. Plínio Salgado liderava um movimento de caráter fascista no Brasil. Plínio era um teólogo católico conservador, nacionalista e político de extrema-direita. Plínio Salgado deixa claro que na história brasileira, o fascismo está associado ao conservadorismo religioso. Diante disso, não parece exagero entender o bolsonarismo como um protofascismo.



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