A ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO - LUDWIG FEUERBACH (RESUMO)



O que se segue é um resumo do livro A Essência do Cristianismo, do filósofo alemão Ludwig Feuerbach. Feuerbach busca mostrar como Deus é uma objetivação da essência humana, abstraída de sua realidade concreta e de suas limitações. Ele também mostra como a tentativa de separar Deus da essência humana leva a erros e contradições. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.

I. INTRODUÇÃO 

religião se baseia na diferença essencial entre o humano e o animal na medida em que os animais não possuem religião. A característica essencial do humano é a consciência rigorosamente entendida como quando para um ser, é objeto o seu gênero. A essência do humano da qual ele é consciente consiste na força do pensamento, da vontade e da razão. Onde existe consciência há também a ciência, que é a consciência dos gêneros.  A religião é a consciência do infinito. A consciência do infinito nada mais é do que a consciência da infinitude da consciência. O ser absoluto, o Deus do homem é a sua própria essência. Portanto, se pensamos o infinito, pensamos e confirmamos a infinitude do pensamento, da vontade e da razão.  
Quando se considera a relação da consciência com o objeto religioso, constatamos que na relação com os objetos sensoriais é a consciência do objeto facilmente discernível da consciência de si mesmo enquanto em relação ao objeto religioso, a consciência coincide imediatamente com a consciência de si mesmo. O objeto sensorial está fora do homem, o religioso está dentro dele. A consciência de Deus é a consciência que o homem tem de si mesmo, o conhecimento de Deus é o conhecimento que o homem tem de si mesmo.  Podemos, assim, entender a religião cristã como o relacionamento do homem consigo mesmo, com sua própria essência, mas como se fosse uma outra essência. A essência divina nada mais é do que a essência humana, abstraídas as limitações do humano concreto, real, corporal e objetivado. Por isso, todas as qualidades da essência divina são qualidades humanas. Deus é a essência humana mais subjetiva, mais própria, separada e abstraída. 

II. A ESSÊNCIA VERDADEIRA, ISTO É, ANTROPOLÓGICA DA RELIGIÃO 

A religião é a cisão do humano consigo mesmo, ele estabelece Deus como o extremo oposto a ele, o humano é finito, imperfeito e transitório, enquanto Deus seria infinito, perfeito e eterno. Deus, assim concebido, nada mais é do que uma abstração, um objeto do pensamento, porque não é nada senão a essência objetiva da inteligência. A inteligência realizada em si, que se pensa como um ser absoluto, é Deus como ser metafísico. Podemos considerar os seguintes aspectos da razão que se pensa como ser absoluto: (i) a razão é o ser originário: a razão deriva todas as coisas de Deus como a primeira causa, sem a qual o mundo seria sem sentido e finalidade. (ii) a razão é para si mesma o critério de toda a realidade: o que é irracional, o que se contradiz, não é nada; o que contradiz a razão contradiz a Deus; (iii) a razão é o ens realissimum: nossas qualidades positivas, essenciais, nossas realidades são as realidades de Deus, mas em nós são elas limitadas, em Deus ilimitadas; (iv) a razão é o ser autônomo e independente: um ser destituído de razão é um ser destituído de vontade, só o ser racional pode ser autônomo e um fim em si mesmo; (v) a unidade da razão é a unidade de Deus: para a razão é essencial a consciência da sua unidade e da sua universalidade, ela mesma nada mais é que a consciência de si própria como unidade absoluta, pois é impossível pensar o que se contradiz; (vi) a razão é o ser infinito: finitude, em sentido metafísico, se baseia na diferença entre indivíduo e gênero, enquanto o infinito se baseia na unidade entre essência e existência, o infinito não é um indivíduo entre outros de um mesmo gênero, antes ele é único e somente igual a si mesmo; (vii) a razão é o ser necessário: não havendo razão, não haveria nada, por isso a razão é o cerne de todas as realidades, a necessidade mais profunda e indispensável. 
Na religião, principalmente cristã, a qualidade racional de Deus que se salienta sobre todas as outras é a perfeição moral. Essa concepção de Deus faz surgir uma lacuna, entre o humano “pecador” e o Deus “santo”, essa lacuna é resolvida pelo amor, concebido como o laço de união entre o perfeito e o imperfeito, de modo que o próprio Deus passa a ser concebido como sendo “amor”.  
A consciência do amor é aquela através da qual o humano se concilia com Deus, consigo mesmo, com sua própria essência. Essa união é manifesta na teologia cristã: (i) pelo mistério da encarnação: Deus se torna humano; (ii) pelo mistério do Deus-sofredor:  Deus se apresenta como um Deus sensível; (iii) pelo mistério da Trindade: Deus não é solitário, mas uma comunidade de amor; (iv) pelo mistério da Mãe de Deus: a pessoa feminina é acolhido no céu para completar a família divina; (v) pelo mistério da imagem divina: A segunda pessoa da Trindade é Deus presente como imagem de Deus que é o próprio Deus, e não uma razão fria e distante; (vi) pelo mistério do Logos: Jesus é o Verbo de Deus que tem poder redentor, conciliatório e perdoador; (vii) pelo mistério do princípio criador do Universo em Deus: surge uma diferença entre Deus como criador e o universo como criado, mas essa diferença é apenas formal, não essencial, a essência de Deus nada mais é do que a essência do universo pensada abstratamente e a essência do universo nada mais é do que a essência de Deus contemplada real, concreta e sensorialmente; (viii) pelo mistério da natureza em Deus: Deus é pensado como de natureza pessoal; (ix) pelo mistério da criação a partir do nada: a criação do mundo a partir do nada significa a nulidade do mundo, a contingência de sua existência e a plenipotência da divindade; (x) pelo mistério da providência: a crença na providência é a crença num poder para o qual todas as coisas estão à disposição para o uso planejado, sendo que a providência só existe por causa do humano. 
doutrina da criação provém do judaísmo, sendo característica fundamental da religião judaica, sua raiz, no entanto, é o egoísmo. A doutrina da criação em seu significado característico só aparece no estágio em que o humano, na prática, submete a natureza a uma mera matéria-prima, a um produto da vontade. Junto à doutrina da criação, o judaísmo defende a crença na providência divina especial e nos milagres, em que a natureza é concebida como um objeto da arbitrariedade e do egoísmo que utiliza a natureza para fins utilitários arbitrários. "Javé" nada mais é do que o egoísmo personificado do povo israelita, um Deus que só age para o bem dos israelitas com exclusão de todos os outros povos, nisso consiste a intolerância absoluta, o segredo do monoteísmo.  
Israel é a definição histórica da natureza peculiar da consciência religiosa, mas ainda tolhida pela limitação de um interesse nacional. Com a retirada dessa limitação, temos a religião cristã, que nada mais é do que o judaísmo espiritual, purificado do egoísmo nacional, mas que surge como uma religião nova, pois toda reforma produz uma mudança essencial. Assim como os israelitas objetivaram seu caráter nacional em Javé, os cristãos objetivaram em Deus sua essência humana, libertada da barreira da nacionalidade. O Cristianismo refinou o egoísmo judaico num subjetivismo espiritual, com a promessa, não de uma realidade terrena, mas de uma felicidade celestial. Deus passou a ser concebido como “amor”, apolítico, que satisfaz as necessidades afetivas dos humanos, em que a oração tem um papel essencial, sendo um diálogo do homem com seu coração. A oração envolve  em seu poder que é idêntica à fé no poder do milagre.  
Os cristãos, na certeza indubitável de que os seus desejos pessoais e afetivos serão realizados, isto é, na certeza da essência divina de sua afetividade, da verdade e da sacralidade de seus sentimentos, colocaram a fé no milagre da ressurreição como uma questão cuja negação seria igual ao crime de ateísmo. Quem nega a ressurreição, nega a ressurreição de Cristo, quem nega a ressurreição de Cristo, nega Cristo e quem nega Cristo nega Deus. Os dogmas fundamentais do Cristianismo são desejos realizados do coração, a essência do Cristianismo é a essência da afetividade. Cristo é a onipotência da subjetividade, o coração libertado de todas as cadeias e leis da natureza, a afetividade concentrada só em si mesma, a realização de todos os desejos do coração, a ascensão da fantasia ao céu, a festa da ressurreição do coração, e é isso o que torna o Cristianismo diferente do paganismo 
Deus é compreendido como a meta que o cristão deseja atingir e Deus sendo abstraído da matéria e do gênero, sendo concebido sem sexo, seria alcançado através da vida monástica. A vida celibatária seria o caminho direto para a vida sobrenatural, assexuada, absolutamente subjetiva. A fé na imortalidade pessoal ou na vida celestial tem por base a fé de que a diferença sexual é apenas uma marca exterior da individualidade, que o indivíduo é em si um ser assexuado, completo por si mesmo, absoluto.  

III. A ESSÊNCIA FALSA, ISTO É, TEOLÓGICA DA RELIGIÃO 

A diferença entre teologia e antropologia é nula, nesse sentido, a forma antropológica é a forma autêntica da religião enquanto a forma teológica é sua forma inautêntica, na medida em que Deus é uma objetivação dos predicados da essência humana. Os erros e distorções que as crenças religiosas trouxeram a partir da tentativa de criar uma diferença entre a teologia e a antropologia, isto é, entre a essência humana e divina, podem ser constatadas a partir das contradições da religião, como:  
(i) a contradição na existência de Deus: A crença na existência de Deus como um ser real separa do humano e exterior ao pensamento, um ser real, sensorial ao mesmo tempo Deus é compreendido como ser pensado, como o maior ser concebível, fazendo surgir uma contradição entre uma existência ao mesmo tempo sensorial e não-sensorial. 
(ii) a contradição na revelação de Deus: A existência de Deus seria confirmada pelo testemunho documental da revelação, mas a revelação de Deus é uma revelação que se dirige e se adequa ao humano, sendo assim, qualquer distinção entre a revelação divina e a natureza humana é ilusória, o que serve para confirmar que o mistério da teologia é apenas a antropologia. 
(iii) a contradição na essência de Deus em geral: Ao mesmo tempo que a teologia afirma que Deus é diverso de nós, espírito puro, mera ideia de ser, ela também afirma que Deus é um ser individual e pessoal. 
(iv) a contradição na teologia especulativa: Para tornar Deus autônomo e livre de tudo que é humano a teologia faz dele de preferência uma pessoa formal, real; a doutrina especulativa hegeliana, no entanto, faz da consciência que o homem tem de Deus, a consciência que Deus tem de si mesmo, mas isso torna Deus interior, no ato do pensamento. 
(v) a contradição da Trindade: A Trindade é a contradição entre politeísmo e monoteísmo, fantasia e razão, imaginação e realidade. A fantasia é a Trindade, a razão a unidade das pessoas. 
(vi) a contradição nos sacramentosFé amor constituem os momentos essenciais subjetivos da religião, enquanto que os sacramentos do batismo (o sacramento da fé) e da ceia (o sacramento do amor) se apresentam como suas essências objetivas. Os elementos do sacramento revelam superstição (porque a uma coisa é atribuído um efeito que não está na natureza da mesma) e imoralidade (porque necessariamente, no espírito, a sacralidade do ato como tal se separa da moralidade, a questão verdadeira, a fé, a intenção se torna somente um supérfluo, uma condição, mas a questão suposta, imaginada, se torna o principal). Assim, através dos sacramentos a religião se coloca em contradição com a razão e a moral. A contradição nos sacramentos entre o elemento natural e a suposição sobre o que o elemento significa simbolizam a contradição entre idealismo e materialismo, subjetivismo e objetivismo. 
(vii) contradição entre fé e amor: o amor identifica o homem com Deus e a fé separa Deus do homem. A fé sempre remete os homens a um plano extraterreno, já o amor é comunitário e mais terreno. 

IV. CONCLUSÃO 

A religião é um sonho da mente humana, de modo que as imagens religiosas são como os sonhos, símbolos importantes para compreensão da essência humana. A libertação do homem somente se dá com a negação de Deus, pois a religião é expressão e causa da alienação humana. 



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