PLURALISMO RELIGIOSO - CHARLES TALIAFERRO (TRADUÇÃO)



Encontramos cada vez mais entre os trabalhos sobre tradição religiosa, trabalhos que tratam de representações de tradições não-monoteístas. Um dos primeiros defensores desse tipo de trabalho expandido foi Ninian Smart (1927–2001), que, através de muitas publicações filosóficas, acadêmicas e populares, estabeleceu os estudos de filosofias do hinduísmo e do budismo como componentes no cânone padrão da filosofia da religião de língua inglesa. 
Smart defendeu a tese de que existem diferenças genuínas entre tradições religiosas. Portanto, ele resistiu à tendência de entender determinadas experiências essenciais como capazes de apreender a identidade essencial do que significa ser religioso. Sob a tutela de Smart, houve um crescimento considerável na filosofia transcultural da religião. Wilfred Cantwell Smith (1916–2000) também fez muito para melhorar a representação e a reflexão sobre religiões não-ocidentais. Confira, por exemplo, a série Investigating Philosophy of Religion de Routledge com volumes já publicados e com volumes ainda a serem publicados sobre budismo (Burton 2017), hinduísmo (Ranganathan 2018), taoismo e confucionismo. Os cinco volumes da Encyclopedia of Philosophy of Religion a serem publicados por Wiley Blackwell (com previsão para 2021) terão amplas contribuições sobre o mais extenso espectro de tratamentos filosóficos de diversas religiões já feito até o momento. 
A explanação da filosofia da religião envolveu novas traduções de textos filosóficos e religiosos da Índia, China, Sudeste Asiático e África. Figuras excepcionais de tradições não-ocidentais têm um papel cada vez maior na filosofia transcultural da religião e no diálogo religioso. O falecido Bimal Krishna Matilal (1935–1991) fez contribuições importantes para enriquecer a exposição ocidental em relação à filosofia indiana da religião (confira: Matilal 1882). Entre os filósofos asiáticos de meados do século XX, dois que se destacam são T.R.V. Murti (1955) e S.N. Dasgupta (1922-1955). Ambos trouxeram altos padrões filosóficos, juntamente com a filologia essencial para educar os pensadores ocidentais. Como evidência da produtividade não-ocidental no mundo falante de língua inglesa, confira: Arvind Sharma, 1990 e 1995. Atualmente, existem extensos tratamentos a respeito do panteísmo e bons guias para estudantes sobre diversas concepções religiosas a respeito do cosmos. 
O interesse expandido no pluralismo religioso levou a uma extensa reflexão sobre a compatibilidade e possível síntese das religiões. John Hick é o preeminente sintetizador de tradições religiosas. Hick (1973a e 1973b) apresentou uma imagem complexa da vida após a morte, envolvendo componentes de diversas tradições. Ao longo de muitas publicações e muitos anos, Hick mudou de uma visão teísta de Deus de base ampla para o que Hick chama de "o Real", uma realidade sagrada numinosa. Hick afirma que diferentes religiões nos fornecem um vislumbre ou acesso parcial ao Real. Em um artigo influente, "The New Map of the Universe of Faiths" (1973a), Hick levantou a possibilidade de que muitas das grandes religiões do mundo sejam reveladoras do Real. 

Visto em um contexto histórico, esses movimentos de fé - o judaico-cristão, o budista, o hindu, o muçulmano - não são essencialmente rivais. Eles começaram em momentos diferentes e em lugares diferentes, e cada um expandiu-se para o mundo circundante da religião natural primitiva, até que a maior parte do mundo foi atraída para uma ou outra das grandes religiões reveladas. E uma vez estabelecido esse padrão global, ele permaneceu razoavelmente estável .... Então, na Pérsia, o grande profeta Zoroastro apareceu; a China produziu Lao-Tse e então veio Buda, Mahavira, o fundador da religião jainista e, provavelmente no final desse período, os escritos de Bhagavad Gita; e a Grécia produziu Pitágoras e, terminando essa era de ouro, Sócrates e Platão. Depois do intervalo de cerca de trezentos anos, veio Jesus de Nazaré e o surgimento do cristianismo; e depois de outra lacuna, o profeta Maomé e a ascensão do Islã. A sugestão que devemos considerar é que esses foram todos movimentos da revelação divina. (Hick 1989: 136; grifo do autor) 

Hick vê essas tradições, e também outras, como diferentes pontos de encontro em que uma pessoa pode estar em relação à mesma realidade ou ao Real: 

As grandes religiões do mundo incorporam diferentes percepções e concepções do Real, e apresentam correspondentemente diferentes respostas em relação ao Real, de dentro das principais formas variantes do ser humano; e dentro de cada um deles está ocorrendo a transformação da existência humana do egocentrismo para o Real-centrismo. (1989: 240) 

Hick usa Kant para desenvolver sua tese central: 

Kant distingue entre o númeno e o fenômeno, ou entre a coisa em si e a coisa tal qual aparece à consciência humana…. Seguindo o fio do pensamento de Kant - não só o fio, mas o que estou procurando usar para servir à epistemologia da religião - o mundo numenal existe independentemente de nossa percepção e o mundo fenomenal é o mesmo mundo que aparece para a nossa consciência humana. Quero dizer que o real numenal é experimentado e pensado por diferentes mentalidades humanas, formadas a partir de diferentes tradições religiosas, como o leque de deuses e absolutos que a fenomenologia da religião mostra. (1989: 241-242) 

Uma vantagem da posição de Hick é que ela torna desnecessária uma justificativa para o conflito religioso. Se for bem-sucedida, essa abordagem oferecerá uma maneira de acomodar diversas comunidades e eliminará o que tem sido fonte de graves conflitos. 
O trabalho de Hick desde o início dos anos 1980 deu um impulso para que não se considerasse o que parece ser um conflito religioso como uma contradição total. Ele desenvolveu uma filosofia da religião que prestou muita atenção ao contexto histórico e social. Ao fazer isso, Hick pensou que descrições aparentemente conflitantes do sagrado poderiam ser reconciliadas como representando perspectivas diferentes sobre a mesma realidade, o Real (confira: Hick 2004, 2006). 
A resposta à proposta de Hick foi mista. Alguns afirmam que o próprio conceito de "Real" é incoerente ou não é religioso. De fato, articular a natureza do Real não é tarefa fácil. Hick escreve sobre o Real: 

Não se pode dizer que o Real seja uma coisa ou muitas, pessoa, substância ou processo, bom ou mau, intencional ou não-intencional. Nenhuma das descrições concretas que se aplicam ao domínio da experiência humana pode se aplicar literalmente ao terreno inexperiente desse domínio ... Não podemos nem dizer que o Real seja um ser ou uma entidade.  

Tem sido argumentado que Hick garantiu não a aceitabilidade igual de diversas religiões, mas sua inaceitabilidade. Em suas formas clássicas, judaísmo, islamismo e cristianismo divergem. Se, digamos, a Encarnação de Deus em Cristo não ocorreu, não seria o cristianismo falso? Em resposta, Hick procurou interpretar afirmações específicas sobre a Encarnação de modos que não comprometam os cristãos com a "verdade literal" de Deus se fazendo carne. A "verdade" da Encarnação foi interpretada em termos como estes: em Jesus Cristo (ou nas narrativas sobre Cristo) Deus é revelado. Ou: Jesus Cristo estava tão unido à vontade de Deus que suas ações foram e são a demonstração funcional do caráter de Deus. Talvez como resultado do desafio de Hick, o trabalho filosófico sobre a encarnação e outras crenças e práticas específicas das tradições religiosas tenha recebido atenção renovada (confira, por exemplo, Taliaferro e Meister 2009). Hick tem sido uma força líder e amplamente apreciada na expansão da filosofia da religião no final do século XX. 
Além da expansão da filosofia da religião para levar em conta um conjunto mais amplo de religiões, o campo também viu uma expansão em termos de metodologia. Filósofos da religião redescobriram a filosofia medieval - as novas traduções e comentários de textos cristãos, judeus e islâmicos medievais floresceram. Atualmente, existe um esforço deliberado e consciente de combinar o trabalho com os conceitos da crença religiosa, além de um entendimento crítico de suas raízes sociais e políticas (o trabalho de Foucault teve influência nesse ponto), a filosofia feminista da religião tem sido especialmente importante repensando o que pode ser chamado de ética da metodologia e, como este é, em alguns aspectos, o debate mais atual no campo, é um ponto adequado para encerrar este texto destacando o trabalho de Pamela Sue Anderson (1955–2017) e outras. 
Anderson (1997 e 2012) procura questionar os aspectos em que o gênero entra nas concepções tradicionais de Deus e em suas repercussões morais e políticas. Ela também promove um conceito de método que delimita a justiça e o florescimento humano. Uma marca de legitimação da filosofia deve ser a extensão em que ela contribui para o bem-estar humano. Em certo sentido, essa é uma tese venerável em determinada filosofia antiga, especificamente platônica, que visava o objetivo e o método da filosofia em termos de virtude e bem. Hoje, a filosofia feminista não é exclusivamente uma tarefa crítica, criticando o "patriarcado". Para um tratamento construtivo e sutil da contemplação e prática religiosa, confira: Coakley 2002. Outro movimento importante que está se desenvolvendo passou a ser chamado de Filosofia Continental da Religião. Um dos principais defensores desse novo movimento é John Caputo. Este movimento aborda temas como o conceito de Deus, pluralismo, experiência religiosa, metafísica e epistemologia à luz de Heidegger, Derrida e outros filósofos continentais. (Para uma boa representação desse movimento, confira: Caputo 2001 e CrocketPutt, & Robins 2014.) 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  

Anderson, Pamela Sue, 1997, A Feminist Philosophy of Religion: The Rationality and Myths of Religious Belief, Oxford: Blackwell.
Anderson, Pamela Sue, 2012, Re-visioning Gender in Philosophy of Religion: Reason, Love, and Our Epistemic Locatedness, Burlington: Ashgate.
Burton, David, 2017, Buddhism: A Contemporary Philosophical Investigation, (Investigating Philosophy of Religion), London: Routledge. 
Caputo, John D., 2001, The Religious, (Blackwell Readings in Continental Philosophy), Oxford: Wiley-Blackwell. 
Coakley, Sarah, 2002, Powers and SubmissionsSpiritualityPhilosophyand Gender, (Challenges in Contemporary Theology), Malden, MA: Blackwell Publishers. 
Crockett, Clayton, B. Keith Putt, and Jeffrey W. Robbins (eds.), 2014, The Future of Continental Philosophy of Religion (Indiana Series in the Philosophy of Religion), Bloomington, IN: Indiana University Press. 
Hick, John, 1973a, “The New Map of the Universe of Faiths”, in Hick 1973b [1988: 133–147]. doi:10.1007/978-1-349-19049-2_10 
Hick, John, 1973b [1988], God and the Universe of FaithsEssays in the Philosophy of Religion, London: Macmillanreprinted 1988. 
Hick, John, 1989, An Interpretation of ReligionHuman Responses to the Transcendent, New Haven, CT: Yale University Press. 
Hick, John, 2004, The Fifth DimensionAn Exploration of the Spiritual Realm, Oxford: Oneworld Publications. 
Hick, John, 2006, The New Frontier of Religion and ScienceReligious ExperienceNeuroscienceand The Transcendent, New York: Palgrave. 
Ranganathan, Shyam, 2018, Hinduism: A Contemporary Philosophical Investigation, (Investigating Philosophy of Religion), London: Routledge. 
Taliaferro, Charles and Chad Meister (eds.), 2009, The Cambridge Companion to Christian Philosophical Theology, Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CCOL9780521514330


Traduzido de: Taliaferro, Charles, "Filosofia da Religião", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Edição de outono de 2019), Edward N. Zalta (ed.), URL = https://plato.stanford.edu/entries/philosophy-religion/

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