O PROBLEMA DA DIFERENÇA ONTOLÓGICA - HEIDEGGER (RESUMO)
O que se segue é um resumo do capítulo O Problema da Diferença Ontológica do
livro Os Problemas Fundamentais da
Fenomenologia de Martin Heidegger.
O capítulo discute o problema ontológico fundamental da diferença entre ser e
ente a partir do seu nexo com a temporalidade. O texto faz parte de uma preleção
proferida por Heidegger no semestre de verão de 1927 na Universidade de
Marburgo. É importante colocar que este
resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem
paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor
original.
INTRODUÇÃO
O ser e a diferença do ser em relação ao ente só
podem ser fixados se conquistarmos uma compreensão de ser enquanto tal. A
compreensão de ser só pode ser conquistada a partir de uma análise do ser a
quem pertence a compreensão de ser, o ser-aí. Assim, o problema da diferença
ontológica requer uma analítica existencial do ser-aí. O ensaio Ser e Tempo, mostrou que a constituição
ontológica do ser-aí funda-se na temporalidade. Assim, a problemática da
diferença ontológica exige ver o ser em sua determinação temporal. É
importante, ainda, fazer uma distinção entre temporalidade (a atualização da existência do ser-aí a partir de suas
ekstases temporais) e a temporialidade (a temporalidade horizontal do próprio ser).
Desse modo, para tratar do problema da diferença
ontológica será preciso partir de uma investigação da temporalidade em direção
a um esclarecimento da distinção entre ser e ente. O problema da diferença
ontológica será considerado em quatro partes:
I. Tempo e Temporialidade;
II. Temporalidade e Temporialidade;
III. Temporialideade e Ser;
IV. Ser e ente.
I. TEMPO E
TEMPORALIDADE
(1) Orientação historiológica sobre o conceito
tradicional de tempo e a caracterização da compreensão de tempo que se encontra
à base desse conceito
O conceito tradicional
do tempo pode ser apresentado a partir de Aristóteles.
Na Física, ao discutir o problema do
tempo, Aristóteles primeiro se pergunta se o tempo encontra-se entre o que é ou
o que não é, em segundo lugar, ele questiona-se sobre a natureza ou essência do
tempo. Colocadas as questões, Aristóteles começa investigando algumas
concepções sobre o tempo. A primeira define tempo como movimento do todo, o
todo do ente que se movimento, segunda essa concepção, é o próprio tempo. Uma segunda concepção entende tempo como
movimento da abóboda celeste.
Essas duas concepções estão corretas em entenderem o
tempo em conexão com o movimento, no entanto, o tempo não deve ser identificado
com o movimento. O movimento está sempre lá onde há o movimentado, o tempo, por
outro lado, está por toda parte, não em um lugar determinado. Mas, embora o
tempo e o movimento não sejam o mesmo, o tempo não é sem o movimento.
Aristóteles, então, define tempo do seguinte modo: tempo é algo contado que se mostra em
relação ao aspecto do antes e do depois junto ao movimento. Como algo
contado, o tempo é um número, algo medido. Definido o tempo. Aristóteles passa
a tratar da unidade do tempo na multiplicidade da sequência de agoras. O problema que se coloca é: Como é que o agora
mantém o tempo coeso em si como um todo? Aristóteles pontua que o antes, o
imediato e o depois são determinações que remontam todas ao agora. O agora
mesmo é visto retroativamente a partir de um agora, o imediatamente, a partir
de um agora para frente.
Em seguida, Aristóteles discute a ligação entre o
anterior e o posterior com o antes e o depois. A partir dessa discussão, ele
retoma a pergunta sobre a natureza do tempo. A natureza do tempo é o ser-contado. O tempo é algo contado,
contar, porém, é um comportamento da alma. Logo, o tempo, embora esteja de
alguma forma em toda parte, tem seu lugar na alma. O tempo está na alma.
(2) A compreensão
vulgar de tempo e o retorno ao tempo originário.
A compreensão vulgar de tempo
determinada a partir de Aristóteles entende o tempo como uma série de agoras
que é contada. A compreensão vulgar de tempo compreende apenas o tempo que se
manifesta na contagem como sequências de agora. O tempo é entendido como uma
série irreversível de agora que sempre se move em direção ao depois.
A
compreensão vulgar de tempo anuncia-se expressamente no uso do relógio. No uso
do relógio, nós nos voltamos para o relógio, mas não para nos concentrarmos
nele, mas sim para irmos para além do relógio, para o que o relógio mostra: o
tempo. O tempo já nos é dado antes do uso do relógio, ele é de algum modo
desvelado de antemão para nós e, somente por isso, podemos retornar
expressamente a ele por meio do relógio.
Quando olhamos para o relógio e
dizemos “agora”, não estamos dirigidos para o agora enquanto tal, mas para
aquilo para que há ainda tempo, para aquilo que nos ocupa. O quanto e tanto do
tempo compreendem o tempo originariamente como aquilo com o que eu conto, como
“tempo para”. O tempo, que já nos é dado, na medida em que tomamos tempo para
nós e tempo em conta, tem o caráter do “tempo para”. O tempo está
constantemente presente sob o modo de que nos movimentamos em todo planejar e
precaver.
Aristóteles reconhece três determinações
do tempo, o agora, o agora-não-mais e o agora-ainda-não. Essas três
determinações podem ser compreendidas em relação a três comportamentos do
ser-aí: a expectação em relação ao agora-ainda-não,
a retenção em relação ao agora-não-mais
e a presentificação em relação ao
agora. O tempo assim constituído pelo agora, o agora-ainda-não e o
agora-não-mais pode ser designado como tempo
expresso.
Os momentos estruturais do tempo
expresso são: (i) a significância: todo
tempo é tempo apropriado-para ou tempo inapropriado-para, a significância é a
totalidade de referências do para-quê; (ii)
databilidade: todo agora é datável como “agora, uma vez que ocorre,
acontece ou se dá isto ou aquilo”, quando digo “em seguida”, a partir de um
agora, tem-se em vista um determinado entrementes, a estrutura da databilidade
é própria ao entrementes, isto é, “enquanto isto e aquilo acontece”; (iii) tensionalidade: o tempo é em si
mesmo extenso, nenhum agora, nenhum momento no tempo pode ser pontualizado,
todo momento temporal é em si tensionado, por mais que o arco temporal seja
variável; (iii) publicidade: a
acessibilidade do tempo para qualquer um, sem alterar em nada a datação
diversa, caracteriza o tempo público. O agora expresso é compreensível para
qualquer um no ser-um-com-outros.
II. TEMPORALIDADE E
TEMPORIALIDADE
A temporalidade é a condição de
possibilidade da compreensão de ser em geral, ser é compreendido a partir do
tempo. A temporalidade como condição de possibilidade da compreensão de ser em
geral é a temporialidade. Compreender significa projetar-se para uma possibilidade.
Compreender é uma determinação fundamental do existir. A existência do ser-aí é
a decisão que tem sua própria
temporalidade. Na decisão, o ser-aí se compreende a partir de seu poder-ser
mais próprio, o compreender é primariamente futuro, na medida em que o ser-aí, no compreender, advém a si mesmo
a partir da possibilidade apreendida de si mesmo, antecipando a si mesmo.
Na decisão, o ser-aí retorna ao que
ele é, assumindo-se como ente que ele é. No retorno a si mesmo, o ser-aí se
repete. Na repetição, o ser-aí é no
modo temporal do ter-sido. Neste
futuro primário e nesse ter-sido, reside um presente específico, que
denominamos instante. O presente,
que pertence à decisão, é mantido no
futuro específico (antecipação) e no
ter sido (repetição).
A condição de possibilidade do
ser-no-mundo se baseia na temporalidade. Somente a partir da temporalidade do
ser-no-mundo compreendemos como é que o ser-no-mundo enquanto tal já é
compreensão de ser. Como ser-no-mundo, o
ser-aí relaciona-se com os entes que lhe vem ao encontro e com o qual ele tem
que lidar, os entes-à-mão ou utensílios. Só podemos usar um
utensílio na lida com ele se já tivermos projetado de antemão numa conformidade significativa. Essa
conformidade tem uma constituição temporal. Todo utensílio está enquanto
utensílio no interior de um contexto
utensiliar. A compreensão do contexto utensíliar é aquilo que antecede a
todo uso particular de um utensílio.
A constituição fundamental do ser-aí
é o ser-no-mundo, isso significa que o que está em jogo para o ser-aí em sua
existência é o poder-ser-no-mundo. O ser-aí sempre se projetou a cada vez para
esse poder-ser. Com isso, reside na existência do ser-aí uma compreensão prévia
de mundo. A familiaridade do ser-aí com o mundo constitui o ser-em. O ser-aí enquanto ser-no-mundo
é transcendente. Transcender
significa ultrapassar, a transcendência do ser-aí significa que o ser-aí é um
ente, que em seu ser se projeta para além de si mesmo.
III. TEMPORIALIDADE E
SER
A temporialidade é a
temporalização mais originária da temporalidade enquanto tal. O tempo está em
conexão com a compreensão de ser. Na compreensão de ser-aí vem ao encontro do
ser-aí o ente simplesmente dado, o ente-à-mão, cuja quidade é o caráter
utensiliar. O ser do ente que vem ao encontro no interior do mundo é
presencial, o que significa fundamentalmente que ele é projetado temporalmente.
A ekstase do presente é diretriz na temporalidade da
ocupação com o ente-à-mão. Por isso, o ser do ente-à-mão, a manualidade, é
primariamente compreendida a partir da presença.
IV. SER E ENTE
A diferença entre ser e
ente é temporalizada na temporalização da temporalidade. A diferença entre ser
e ente é pré-ontológica, isto é, está presente antes mesmo de um conceito
explicito de ser, ela pertence à existência do ser-aí. Com a existência fática
do ser-aí, já está sempre previamente dado um ente e, na compreensão de ser, o
ser. O acesso ao ser enquanto tal e a elaboração de suas estruturas é a tarefa
da fenomenologia enquanto método da ontologia. A fenomenologia é o método da
ontologia, o empenho expresso pelo acesso ao ser.
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