SUMA TEOLÓGICA I - QUESTÕES 27 - 43 (RESUMO)
O que se segue é um resumo das Questões 27 - 43 da Primeira Parte da Suma Teológica de Tomás de Aquino. Depois de ter tratado do que concerne à unidade da
essência divina (ver: Questões 1 – 11;
12- 18; 19 -26), Aquino trata do que pertence à Trindade das Pessoas, em Deus. E distinguindo-se as Pessoas divinas
pelas relações de origem, ele trata primeiro da origem ou da processão;
segundo, das relações de origem; terceiro, das Pessoas.
QUESTÃO 27: DA PROCESSÃO OU DA
ORIGEM DAS PESSOAS DIVINAS
(1) Quando se fala da processão em relação a Deus, não se
deve concebê-la como a dos seres corpóreos como se fosse um movimento local,
mas como emanação inteligível, isto é, do verbo inteligível emanando de quem o
pronuncia e neste permanecendo. (2) A processão do Verbo, em Deus, chama-se geração na medida em que o Filho
procede do Pai por semelhança. (3)
Além da processão do Verbo segundo a
natureza do intelecto, há em Deus outra processão, mas segundo a natureza da vontade, que é a do Espírito Santo, a
processão do Amor. (4) O que em Deus procede ao modo do amor não procede como
gerado ou como filho, mas antes como espírito. (4) Estas duas processões, uma
segundo o intelecto outra segundo a vontade, são as únicas processões que há em
Deus.
QUESTÃO 28: DAS RELAÇÕES DIVINAS
(1) Quando uma coisa procede de um
princípio da mesma natureza, necessariamente ambos, o procedente e o princípio
da processão, devem convir na mesma ordem, e assim é necessário tenham mútuas
relações reais. Ora, como em Deus as processões existem na identidade de
natureza necessariamente serão reais as relações admitidas nas processões
divinas. (2) Tudo o que nas coisas criadas tem ser acidental tem-no substancial
quando referido a Deus; pois, nada existe, em Deus, como um acidente num
sujeito, porque tudo o que nele existe é a sua essência de modo que em Deus se
identificam o ser da relação e o ser da essência. (3) A essência da relação
está em referir-se uma coisa à outra, pelo que uma se opõe relativamente à
outra, em Deus havendo relação real, há necessariamente oposição real, assim,
as relações atribuídas a Deus real e mutuamente se distinguem. (4) Há em Deus
quatro relações: a paternidade (do
Pai em relação ao Filho), a filiação
(do Filho e o Pai), a espiração (do
Pai e do Filho em relação ao Espírito) e a processão
(do Espírito em relação ao Pai e ao Filho).
QUESTÃO 29: DAS PESSOAS DIVINAS
(1) Pode-se definir pessoa como substância individual de natureza racional.
(2) O termo substância pode ser
empregado em dois sentidos: no sentido da essência
da coisa ou ao suposto que subsiste
no gênero da substância. No entanto, esta acepção pode receber os três nomes
significativos da coisa: subsistência,
enquanto o suposto existente por si, e não em outro ser, natureza, o suposto de alguma natureza comum e hipóstase, o suposto dos acidentes. Definido os termos deve-se
entender pessoa como sendo distinto de subsistência e hipóstase. (3) Pessoa
significa o que há de mais perfeito de toda a natureza, isto é, o que subsiste
em natureza racional. Como se devem atribuir a Deus todas as perfeições,
devemos aplicar-lhe o nome de pessoa. (4) Todo nome concernente às Pessoas
significa relação, a pessoa divina significa uma relação subsistente; o que é
significá-la a modo de substância, que é a hipóstase subsistente na divina
natureza.
QUESTÃO 30: DA PLURALIDADE DAS
PESSOAS EM DEUS
(1) Visto que o nome de pessoa
significa, em Deus, relação, como realidade subsistente na divina natureza e
dado que há várias relações reais em Deus, existem em Deus várias pessoas. (2)
Com base nas relações de paternidade, filiação, espiração e processão, pode-se
concluir que há em Deus três pessoas: o
Pai, o Filho e o Espírito Santo. (3) Os termos numerais, quando predicados
de Deus, não provém do número enquanto espécie de quantidade, mas se atribuem a
Deus metaforicamente, quando dizemos
que essência é una, uno significa a essência indivisa; quando dizemos, a pessoa
é una significa a pessoa indivisa; quando dizemos que as pessoas são várias
exprimimos tais pessoas com a indivisão que cabe a cada uma delas. (4) Quando
dizemos três pessoas as três é comum o nome de pessoa, assim o nome de pessoa, racionalmente
considerado, é comum às três pessoas divinas.
QUESTÃO 31: DA UNIDADE E DA
PLURALIDADE EM DEUS
(1) Deus é uma
Trindade, isto é, uma essência una em três pessoas. (2) Una é a essência do
Pai, do Filho e do Espírito Santo, na qual não é uma coisa o Pai, outra, o
Filho e outra, o Espírito Santo, embora pessoalmente seja um o Pai, outro, o
Filho, outro, o Espírito Santo.
(3) Uma discussão que surge quanto à
unidade de Deus é se podemos empregar a expressão “só” em relação a Ele. A expressão “só” pode ser tomada como categoremática ou sincategoremática. Uma expressão
categoremática é aquela que atribui de modo absoluto uma realidade a um
suposto, se tomada nesse sentido em relação a Deus resultaria que Deus é solitário,
o que contradiz a doutrina da Trindade. Uma expressão sincategoremática é a expressão que implica uma ordenação
do predicado para o sujeito como a expressão todo ou nenhum e, nesse sentido,
nada impede que se acrescente a expressão só, a algum termo essencial em Deus,
excluindo-se todos os outros seres de uma união predicativa com Deus; como quando
dizemos que só Deus é eterno, pois,
nada, fora dele, o é. (4) No entanto, a expressão “só” não pode ser aplicada a
cada pessoa da Trindade de modo a dizer, por exemplo, que “só o Pai é Deus”, pois o Filho também é Deus.
QUESTÃO 32: DO CONHECIMENTO DAS
PESSOAS DIVINAS
(1) É impossível chegar, pela razão
natural, ao conhecimento da Trindade. (2) No Pai é necessário haver uma relação
real que o refira ao Filho e ao Espírito Santo; e daí, segundo a dupla relação
do Filho e do Espírito Santo com o Pai, é preciso admitir neste duas relações,
que o refiram ao Filho e ao Espírito Santo de modo que devemos introduzir em
Deus noções. (3) As noções são cinco: inascibilidade,
em relação ao Pai que é não-gerado, paternidade,
do Pai em relação ao Filho, espiração,
do Pai e do Filho em relação ao Espírito, filiação,
do Filho em relação ao Pai e processão,
do Espírito em relação ao Pai e ao Filho. (4) Sobre as noções, alguns opinaram contra
elas sem perigo de heresia, não entendendo sustentar nada de contrário a fé.
Mas quem opinasse falsamente sobre as noções, considerando que daí se seguiria
algo de contrário a fé, incidiria em heresia.
QUESTÃO 33: DA PESSOA DO PAI
(1) O Pai é o princípio de toda divindade. (2) O nome próprio da pessoa da
Trindade em questão é “Pai”. Nome é aquilo que distingue uma pessoa de todas as
outras pessoas e sendo a paternidade o que distingue o Pai das demais pessoas,
esse é seu nome próprio. (3) De Deus, a paternidade se predica primariamente
enquanto importa relação de Pessoa com Pessoa, do que enquanto importa relação
sua com as criaturas, pois Deus é Pai primeiro do Filho do que das criaturas.
(4) Visto que o Pai é não-gerado é próprio dele ser ingênito.
QUESTÃO 34: DO VERBO
(1) O nome de Verbo, se refere a uma das pessoas da divindade, em Deus
propriamente se usa do vocábulo verbo para significar o conceito do intelecto. (2) O Verbo implica não só
relação com o Pai de quem procede, mas também com as criaturas que foram feitas
operativas pelo Verbo.
QUESTÃO 35: DA IMAGEM
(1) Chama-se propriamente imagem o que
procede, por semelhança, de outro, em Deus imagem é nome pessoal. (2) O Filho
procede do Pai como Verbo, a cuja essência pertence à semelhança de espécie com
o ser donde procede, cabendo ao Filho o nome de Imagem.
QUESTÃO 36: DA PESSOA DO ESPÍRITO
(1) O Espírito Santo é o nome de uma das
pessoas divinas. (2) É necessário dizer que o Espírito procede não só do Pai,
mas também do Filho, pois, se deste não procedesse, dele não poderia de modo
nenhum pessoalmente distinguir-se. (3) como o Filho recebe do Pai a razão de
proceder de si o Espírito Santo, podemos dizer que o Pai, pelo Filho, espira o
Espírito Santo, ou que este procede do Pai, pelo Filho. (4) O Pai e o Filho não
são um só, em tudo o que a oposição de relação não os distingue entre si. O
serem o princípio do Espírito Santo não os opõe relativamente de modo que o Pai
e o Filho são um mesmo princípio do Espírito Santo.
QUESTÃO 37: DO AMOR, NOME DO
ESPÍRITO SANTO
(1) O próprio Espírito
Santo é Amor. (2) O Pai e o Filho se amam a si e a nós pelo Espírito Santo ou
pelo Amor procedente.
QUESTÃO 38: DO DOM COMO NOME DO
ESPÍRITO SANTO
(1) O dom do Espírito Santo é o Espírito
Santo mesmo. (2) Assim, Dom, pessoalmente considerado, em Deus, é o nome
próprio do Espírito Santo.
QUESTÃO 39: DAS PESSOAS REFERIDAS À
ESSÊNCIA
(1) Sendo Deus simples, em Deus a
essência não difere realmente da pessoa, embora as Pessoas se distingam
realmente. (2) É preciso dizer, no entanto, que a essência é una, uma só é a
essência das três Pessoas e as três Pessoas são de uma só essência. (3) Dos nomes essenciais, uns exprimem a
essência, substantivamente, outros,
porém, adjetivamente. Os primeiros
predicam-se das três Pessoas só no singular e não no plural, porque nas três
pessoas há uma só essência divina, porém os segundos dos três se predicam no
plural, por causa da pluralidade dos supostos. (4) Algumas vezes, o nome de
Deus é suposto pela essência porque esse predicado convém ao sujeito em razão
da forma significada, que é a divindade. Outras vezes, porém, supõe a pessoa,
uma, duas ou as três. Nesse sentido pode se dizer por exemplo que Deus gerou a Deus. (5) No entanto, não
se pode dizer, por exemplo, que a “essência
gera essência”, pois as propriedades das Pessoas, pelas quais se distinguem
umas das outras, não podem ser atribuídas à essência; o que significaria, que
há uma distinção na essência divina, como há distinção nos supostos.
(6) Embora os nomes pessoais ou os
adjetivos nocionais não possam ser predicados da essência, contudo os
substantivos o podem, por causa da identidade real da essência e da pessoa de
modo que se pode dizer que Deus é as três Pessoas ou Trindade. (7) É
conveniente, para explicar as verdades da fé, apropriar os atributos essenciais
às Pessoas. As Pessoas divinas podem ser manifestadas pelos atributos
essenciais de modo que os nomes essenciais devem ser apropriados às pessoas. (8) Os santos doutores, como Hilário e
Agostinho, atribuíram, em seus textos, convenientemente às Pessoas os nomes
essenciais. Hilário disse, por
exemplo, que a eternidade é apropriada ao Pai; a beleza ao Filho; o uso, ao
Espírito Santo. Segundo Agostinho, no
Pai está a unidade; no Filho, a igualdade; no Espírito Santo, a combinação da
unidade e da igualdade, diz ainda ao Pai se atribui o poder; ao Filho, a
sabedoria; ao Espírito Santo, a bondade.
QUESTÃO 40: DAS PESSOAS QUANTO ÀS
RELAÇÕES OU PROPRIEDADES
(1)
Em Deus a relação é o mesmo que a Pessoa. (2) É pelas relações que se
distinguem as pessoas divinas. (3) Removida pelo intelecto a relação pessoal,
elimina-se o conceito de hipóstase. Pois, as relações pessoais implicam em si
os supostos, sendo elas próprias pessoas subsistentes; assim, por exemplo, a
paternidade é o próprio Pai. (4) A relação se preintelija ao ato nocional, como
a pessoa agente se preintelige à ação, assim, por exemplo, a paternidade é
anterior, conceitualmente, à geração.
QUESTÃO 41: DAS PESSOAS EM RELAÇÃO
AOS ATOS NOCIONAIS
(1) Nas Pessoas divinas, considera-se a
distinção relativamente à origem. A
origem não pode ser convenientemente designada senão por certos atos de modo
que para exprimir a ordem da origem, nas Pessoas divinas, é necessário
atribuírem-se às Pessoas atos nocionais. (2) Pode-se levantar a questão sobre
se os atos nocionais são voluntários. Quando dizemos que uma coisa existe ou a
fazemos pela nossa vontade, isso pode se entender de duplo modo. De um modo,
designando pela preposição só a concomitância e neste sentido podemos dizer que
o Pai gerou o Filho, pela vontade, assim como é Deus pela vontade, pois quer
ser Deus e quer gerar o Filho. De outro modo, importando a preposição a relação
de princípio deste modo dizemos que Deus Pai não gerou o Filho pela vontade, pois
de outro modo isso poderia dizer que o Filho é criado. Assim, devemos dizer que
o Pai gerou o Filho, não pela vontade, mas pela natureza.
(3) O Filho não foi gerado do nada, mas,
da substância do Pai, o verdadeiro Filho de Deus não procede do nada; nem é
feito, mas somente gerado. (4) Assim como se admitem atos nocionais em Deus,
assim também devemos admitir nele o poder quanto a tais atos; pois, este nada
mais significa senão o princípio de um ato. (5) Em Deus não difere o ser, do
poder; se, pois, Deus pudesse ter vários Filhos, eles existiriam e assim
existiriam nele mais de três pessoas. Em Deus há somente um Pai, um Filho e um
Espírito Santo.
QUESTÃO 42: DA IGUALDADE E DA
SEMELHANÇA DAS PESSOAS DIVINAS ENTRE SI
(1) Tendo as três pessoas divinas a
mesma essência, elas são iguais entre si. (2) Sendo iguais, as três pessoas são
coeternas, o Filho existiu desde que existiu o Pai e, portanto é coeterno com o
Pai. E, semelhantemente, o Espírito Santo, com ambos. (3) No entanto há em Deus
ordem quanto a origem, sem ideia de
prioridade, não por ser um anterior ao outro, mas por ser um procedente do
outro.
(4) Sendo as três pessoas divinas
iguais, o Filho é igual ao Pai em grandeza. (5) Três coisas devemos considerar
no Pai e no Filho, a saber: a essência,
a relação e a origem. E segundo cada uma delas, o Filho está no Pai e
inversamente. – Pela essência o Pai
está no Filho, porque o Pai é a sua essência e a comunica ao Filho sem sofrer
nenhuma mudança, quanto às relações,
é claro que um contrário está no outro relativamente, pelo intelecto e quanto à
origem, é claro que a processão do
verbo inteligível não é exterior, mas permanece no enunciador do verbo. (6) Ainda,
sendo o Filho igual ao Pai, deve-se admitir que eles são iguais em poder.
QUESTÃO 43 – DA MISSÃO DAS PESSOAS
DIVINAS
(1) O Filho foi enviado pelo Pai ao
mundo. (2) Só temporalmente é que a
Pessoa divina pode ser possuída por uma criatura, ou nela estar de modo pelo
qual antes não estava. Por isso, missão e dação a Deus se atribuem apenas
temporalmente; mas a geração e a espiração, só abeterno. (3) À Pessoa divina
convém o ser enviada, no sentido em que existe de novo modo em alguém; e ser
dada, no sentido de ser possuída por alguém. Ora, nada disto é possível senão
pela graça santificante. (4) Das
pessoas divinas, só ao Pai não convém ser enviado. A missão, por essência,
importa a processão de outrem; e, em Deus, quanto à origem de modo que não
procedendo o Pai de outrem, de nenhum modo lhe convém o ser enviado; mas só ao
Filho e ao Espírito Santo, aos quais convém o proceder de outrem.
(5) Pela graça santificante, toda a
Trindade habita em nossa alma. O ser a Pessoa divina enviada a alguém, pela
graça invisível, significa um novo modo dessa divina Pessoa habitar; e a sua
origem, de outra Pessoa. Assim, convindo tanto ao Filho como ao Espírito Santo,
inabitar em alguém pela graça e o originar-se de outrem, a ambos convém o serem
enviados invisivelmente. Porém ao
Pai, embora lhe convenha o habitar em nós pela graça, contudo não lhe convém o
originar-se de outrem e, por consequência, nem o ser enviado. (6) Assim, naquele
em que se realiza a missão devemos considerar duas coisas: a habitação da graça
e uma certa invocação provocada pela graça. Desse modo, a missão invisível se realiza em todos que participam da graça.
(7) Tanto o Filho quanto o Espírito são
enviados, mas de modo diferente são enviados o Filho e o Espírito Santo. Pois,
o Espírito enquanto procede como Amor, compete ser o dom da santificação; o Filho, porém enquanto princípio do Espírito
Santo, compete ser o autor da
santificação. Por isso, o Filho é enviado visivelmente como Autor da santificação, e o Espírito Santo, como
indicio dela. (8) Uma questão que pode ser levantada é se uma pessoa divina
pode ser enviada por uma pessoa da qual não procede eternamente. Quando se diz,
que alguma Pessoa é enviada, com isso tanto se designa a própria Pessoa
existente por outra, como o efeito visível ou invisível, no qual se funda a
missão da Pessoa divina. Se, pois, o emitente é designado como princípio da
Pessoa enviada, então não é qualquer pessoa que envia, mas somente aquela a que
é próprio ser o princípio da outra pessoa. E assim, o Filho é enviado somente
pelo Pai; o Espírito Santo, porém, pelo Pai e pelo Filho. Mas se a Pessoa emitente
for entendida como o princípio do efeito no qual se funda a missão, nesse caso toda
a Trindade envia a Pessoa enviada.
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