TEORIA CRÍTICA ONTEM E HOJE - MAX HORKHEIMER (RESENHA)

 

O texto a seguir foi construído a partir de anotações de aulas da disciplina de Filosofia Social do Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia ministrada pelo professor doutor Rafael Cordeiro Silva em 2023. A partir disso, o texto a seguir consiste em uma resenha do texto “Teoria Crítica ontem e hoje” (1969) do filósofo Max Horkheimer.   

Horkheimer inicia o texto mencionando a morte recente de Adorno em 1969. Diante de diferentes eventos que marcaram a época que antecedeu sua morte, como o maio de 1968, os estudantes cobraram uma postura política de Adorno, que acabou por ignorar essa cobrança e acusar os próprios estudantes de tão fascistas quanto seus pais. A partir de então, Adorno passou a ser alvo de chacota dos alunos, o que pode ter contribuído para a piora na saúde de Adorno, que acabou falecendo repentinamente. 

Horkheimer e Adorno tiveram um trabalho conjunto por décadas, tendo importantes ligações. Ambos possuíam uma origem em famílias burguesas, isto é, de famílias cuja condição econômica os favorecia. Assim, Horkheimer observa que tanto ele como Adorno conheciam o mundo pelos olhos de seus pais, algo comum em um tempo em que empresários formavam os filhos para dar continuidade à empresa da família. Adorno havia crescido em um meio musical visto que sua mãe e tia eram ligadas à música. Além disso, Horkheimer pontua que ambos estudaram, não para fazer carreira, mas como uma forma de experiência de vida.  

Adorno e Horkheimer foram orientados no doutorado por Hans Cornelius, um kantiano com formação em ciências da natureza, filosofia e artes. Assim, Cornelius representava a importância de uma formação ampla e interdisciplinar para ser filósofo. A filosofia, contudo, diferente das ciências, não é uma especialidade, mas um saber que aspira o universal.  

Horkheimer relata a fundação do Instituto de Pesquisa Social que teve financiamento do pai de Félix Weil, que era um homem rico. A princípio pretendia-se que o Instituto fosse uma instituição privada independente do Estado. O instituto era um anexo da Universidade de Frankfurt, mas possuía certa autonomia e teve como seu diretor inicial o marxista Carl Grünberg, que assumiu após Alber Gurlach, que acabou morrendo antes de efetivamente poder dirigir o Instituto. Uma das primeiras contribuições das pesquisas do Instituto foi um livro sobre a questão do autoritarismo, que mostrou o padrão de submissão dos trabalhadores a líderes autoritários. 

Horkheimer narra ainda a sua necessidade de se exilar ante a ascensão do nazismo, primeiro indo para a Suíça e depois para os Estados Unidos. A princípio, mesmo estando nos Estados Unidos, eles fundaram uma revista escrita em alemão, o que fazia com que ela fosse pouco lida. A decisão de escrever em alemão era a princípio uma decisão política de afirmar que a Alemanha não se reduzia ao nazismo, mas isso teve como consequência que seus trabalhos fossem incialmente pouco conhecidos 

Horkheimer então distingue entre Teoria Crítica e Teoria Tradicional. Em um texto de 1937, chamado Teoria Tradicional e Teoria Crítica, o filósofo havia distinguido a Teoria Tradicional, originada do pensamento cartesiano e da análise racional de partes como um procedimento metodológico dedutivo e indutivo que visa a descoberta de leis científicas, da Teoria Crítica, que se coloca no lugar dos oprimidos. Aqui, no entanto, Horkheimer fala dessas noções de modo menos rigoroso e distinto do que fez em seu texto de 1937. Agora, Horkheimer define Teoria Tradicional como sendo a teoria empírica presente nas ciências da natureza e nas ciências humanas empíricas, como a economia, sociologia, História e psicologia. A Teoria Tradicional é aquela que é típica das ciências que trabalham com algum tipo de experiência. 

A Ciência mesma, no entanto, não sabe sua direção, porque ela ordena os fatos de tal modo e não de outro e porque ela foca em certas questões e não em outras.  A Ciência carece de autorreflexão, por exemplo, por que a Ciência se preocupa em ir à lua ao invés de acabar com a fome? O projeto da NASA de chegar primeiro à lua na guerra espacial que marcou a Guerra Fria tinha motivações políticas. Os soviéticos haviam saído na frente na guerra espacial, mas os Estados Unidos conseguiram chegar primeiro à lua. Assim, os interesses científicos eram interesses políticos. A ciência é incapaz de remediar a miséria humana, não porque lhes faltam meios, mas porque ela está submetida a certos interesses políticos. A ciência não é neutra, está inserida dentro de um processo político, econômico e social, que são os verdadeiros determinantes da direção da ciência. 

A ciência não reflete sobre si mesma, razão de sua crise interna. A Teoria Crítica, por sua vez, se comporta criticamente frente a ciência e busca uma sociedade melhor. O que é válido da ciência também se aplica ao indivíduo. O indivíduo forja em sua mente pensamentos, mas muitas vezes desconhece as razões do porquê pensa de um determinado modo ao invés de outro. Mesmo a psicologia e a psicanálise não possuem uma compreensão avançada do indivíduo, acabando por se ocupar de outras preocupações. A Teoria Crítica, por influência de Erich Fromm, possui influência do aporte psicanalítico. A psicanálise, no entanto, era ainda uma ciência que precisava de maior desenvolvimento. A Teoria Crítica não pode, no entanto, prescindir das contribuições da psicanálise. 

Horkheimer faz, ainda, críticas à União Soviética de Stálin apontando-a como uma forma de comunismo terrorista. Assim, ele não se limita a criticar o stalinismo pelo seu fracasso econômico, mas também como um regime de terrorismo. Horkheimer observa que quando jovem acreditava na proposta de uma organização racional da sociedade e da economia planejada como caminhos para a emancipação. No entanto, o próprio nazismo estabeleceu uma economia planificada revelando que a organização racional da sociedade não garante a emancipação. 

O filósofo menciona ainda sua teoria dos dominadores e dominados presente em sua Teoria dos Rackets, segundo a qual a sociedade é formada por grupos que se caracterizam por uma hierarquia na qual alguns dominam e outros se submetem em troca de proteção. Horkheimer declara que considerando essa relação de dominação, havia colocado a sua esperança na revolução. No entanto, os processos revolucionários fracassaram e foram sufocados na Alemanha. Embora declare ter tido esperança na revolução, não é possível encontrar essa suposta esperança em seus escritos, mesmos os da juventude. 

Horkheimer chegou à conclusão de que não se pode propor uma revolução, nem planejar o futuro. Tudo o que o filósofo pode fazer é apontar o que há de mal na sociedade, mas não pode dizer qual é a sociedade boa. Essa noção se relaciona com a ideia da mística judaico-cristã da proibição de imagens, reinterpretada pelo filósofo como a impossibilidade de representar o que é a boa sociedade. O jovem Horkheimer havia proposto a economia planejada como a boa sociedade, agora, no entanto, ele considera que não se pode apontar qual é a melhor sociedade, apenas apontar o que há de ruim e tentar lutar para que o ruim desapareça. 

De acordo com Horkheimer, a Teoria Crítica tinha duas ideias iniciais: (i) a sociedade se tornou mais injusta ainda: o nazismo foi um grande mal e por causa dele muitas pessoas foram submetidas ao sofrimento injusto; (ii) a ideia de uma sociedade melhor: algo que inicialmente se revelou como uma esperança pela revolução. A Teoria Crítica atual, no entanto, precisou rever essas duas teses. Em primeiro lugar, reconheceu-se que Marx estava equivocado e encontrava-se superado.  

Em primeiro lugar, Marx acreditava que o agravamento das condições socioeconômicas da classe trabalhadora levaria ela a ser protagonista da revolução. No entanto, o que se verificou foi o oposto. A condição da classe trabalhadora melhorou e o proletário foi substituído pela ideia do empregado, agora com mais direitos garantidos graças às conquistas dos trabalhadores. Essa melhora consequentemente afastou a classe trabalhadora do papel de protagonista da revolução. Além disso, há cada vez menos proletários e mais empregados no sentido de que há cada vez menos postos de trabalhos nas indústrias e mais pessoas empregadas nos setores de serviço. 

Em segundo lugar, as crises econômicas no Capitalismo estão se tornando cada vez menos frequentes. O Capitalismo consegue gerenciar suas próprias crises.  No Capitalismo avançado, o Estado desempenha um papel importante como agente econômico, algo que pode ser denominado como Capitalismo de Estado, no qual o poder político regula o mercado e administra a crise. 

Em terceiro lugar, o que Marx esperava como a sociedade correta é um equívoco, porque não é possível equacionar justiça social e liberdade. Marx entendia que a justiça econômica significava mais liberdade, no entanto, o que se verificou que maior justiça retributiva significa maior limitação da liberdade. O Capitalismo avançado por meio de um mundo mais administrado possibilitou a superação de muitos problemas existentes no tempo de Marx, fazendo com que houvesse até mesmo maior justiça retributiva. Contudo, isso foi feito à custa da maior limitação da liberdade e da autonomia dos indivíduos. 

Horkheimer observa que a Teoria Crítica atual chegou à conclusão de que a tendência é que a sociedade caminhe cada vez mais para o mundo administrado totalitário, em que tudo passa a ser regulado. A menos que surja uma catástrofe histórica, a tendência das sociedades é se tornarem mais e mais administradas. No entanto, podem-se citar como exemplos de catástrofes históricas o nazismo de Hitler ou o risco de uma Guerra nuclear. 

Assim, Horkheimer observa que a Teoria Crítica mais moderna não defende mais a revolução. O filósofo reconhece que o progresso é irreversível e o que cabe fazer agora não é reverter esse processo, mas preservar a autonomia do indivíduo. A autonomia do indivíduo precisa ser fomentada por meio de uma educação para a emancipação. Horkheimer menciona os movimentos estudantis que protestavam pela reforma da Universidade, observando que ele concordava em parte com esses movimentos. 

Horkheimer enfatiza ainda a importância da teologia e da religião. Ele observa que a religião se encontra em crise e até se extinguiu em muitos países, enquanto se tenta conservar a religião costurando-a com a ciência ou fazendo concessões ao mundo contemporâneo. O destino da teologia no mundo administrado acabou envolvendo um diálogo entre cientistas e religiosos. Assim, as igrejas acabam por fazer muitas concessões à ciência, abrindo mão até mesmo de importantes preceitos morais da religião.  

Além disso, Horkheimer recorre à ideia da mística judaico-cristã da teoria do pecado original. Ele reinterpreta essa teoria no sentido de que é preciso reconhecer que herdamos os erros históricos de nossos antepassados e devemos trabalhar para repará-los. Nossa História foi construída com horror e sangue, estando assentada nas injustiças dos que nos antecederam. Tudo o que desfrutamos de bom hoje foi construído em alguma medida por meio de uma história de crueldade, sofrimento, guerras, escravidão e guilhotina. A História não é, como pensava Hegel, a astúcia da razão, mas sim a História do Horror, de uma vontade cega sem direção como considera Schopenhauer.  

Não se pode ser indiferente sobre essa História, é preciso entristecer-se ante essa herança. A teoria do pecado original deve nos fazer ter tristeza mesmo em meio à alegria, já que a felicidade presente foi construída sobre o sofrimento histórico de uma história de horror. Ao invés de uma religião dogmatista, isto é, uma religião no mau sentido, que promete a vida eterna e um Deus bom que justifica o sofrimento, a religião no bom sentido consiste no anseio, na esperança. É preciso introduzir a dúvida na religião, é preciso fazer com a religião o que Descartes fez com o conhecimento que o cercava, isto é, fazer incidir no dogma o ceticismo a fim de destruir certezas. 

A dúvida declarar-se e as confissões devem continuar, não como dogmas, mas como anseios. Todos devem se unir por meio do anseio de que o que neste mundo acontece não é a palavra última. É preciso estarmos unidos no saber de que somos seres finitos. A descoberta de nossa finitude não deve, no entanto, ser contraposta a um Ser absoluto, mas deve nos colocar diante de outros desafios. A nossa finitude deve nos colocar no serviço do próximo. Nós passamos, mas podemos deixar um legado permanente na luta contra o terror, o massacre e o sofrimento. 

Horkheimer cita então o ensino do Antigo Testamento de que não podemos representar uma imagem do que é bom, ele reinterpreta essa herança como significando de que não podemos representar o que é a sociedade boa, há uma impossibilidade de representar a sociedade boa. Hitler e Stálin buscaram construir a sociedade boa. Não se pode, no entanto, representar qual é a sociedade correta, mas apenas apontar o que há de ruim na sociedade e buscar trabalhar para fazer desaparecer o que é mau. A Teoria Crítica deve denunciar todas as formas de violência. Horkheimer denuncia ainda a demagogia daqueles que postam fotos ao lado de líderes autoritários, governadores que apertavam a mão de ditadores. 

Para Horkheimer, é preciso conservar a religião, o que pode gerar críticas de pessoas esclarecidas. No entanto, o filósofo observa que sua análise da religião tem a ver com seu papel em relação à filosofia social. A Teoria Crítica afirma que o progresso se paga com coisas horríveis, negativas. Os Estados que lutaram com o nazismo, não o fizeram por se preocuparem com o bem-estar dos humanos, mas sim porque o nazismo ameaçava o poder político de tais Estados. A luta contra o nazifascismo foi também uma luta por hegemonia política. Horkheimer, no entanto, não critica o progresso, o que ele faz é apontar os custos do progresso. Horkheimer reconhece a importância dos Estados Unidos como um país que enfatiza a autonomia do indivíduo e não deixa de reconhecer que o poder bélico dos Estados Unidos e países europeus foi importante para pôr fim à Segunda Guerra Mundial e combater o nazifascismo.  

Horkheimer compara o mundo administrado em que todos sabem ler e escrever como um mundo em que jornais, revistas e livros se tornaram do acesso de todos, fazendo com que a indústria cultural fizesse uso desse material para formar a mentalidade social. Ler e escrever deixou, assim, de ter um papel crítico. Vivemos em um tempo em que as pessoas leem tudo, tendo um excesso de informação que torna as pessoas apáticas em relação ao que acontece no mundo. 

A Teoria Crítica tem a missão de expressar o que em geral não se expressa. Ela deve assinalar o custo do progresso e sua consequência de destruir a ideia do sujeito autônomo, a ideia de alma, que aparece como que nada. A sociedade tornou-se altamente administrada e automatizada de modo a prescindir do indivíduo. No mundo administrado tudo se reduziu a apertar botões, seja para apertar o número do apartamento do elevador ou para ativar uma ogiva nuclear. Isto não significa que devemos simplesmente aceitar o rumo das coisas, é preciso, na verdade, conservar a ideia do liberalismo da autonomia do indivíduo. Embora o liberalismo econômico seja injusto, sua conquista em termos da autonomia do indivíduo deve ser conservada.  

A Teoria Crítica busca conservar a autonomia do indivíduo e a solidariedade entre os humanos. Ao invés de uma solidariedade de classe, é preciso pensar uma solidariedade universal, que se entristece pela herança da história de horror. Marx estava equivocado: aquilo que ele havia imaginado como socialismo é na verdade o mundo administrado. Horkheimer também critica a suposta emancipação da mulher, que na verdade consiste na entrada da mulher no mercado de trabalho. A mulher deixou de ser mulher, para ser enfermeira, engenheira etc., deixando seu lugar na família burguesa e passando a ser uma peça do mundo administrado. 

Para finalizar, o filósofo considera algumas diferenças entre otimismo e pessimismo. Ele defende que é preciso ser pessimista teórico, isto é, um pessimismo em relação de para onde caminha a história, isto é, para o mundo administrado. No entanto, é preciso ser otimista prático, isto é, mesmo nesse cenário pessimista, é preciso ansiar para que o mundo mude. Não se trata mais de propor uma teoria que oriente uma práxis de mudança social, mas sim de um anseio que oriente a prática visto que se anseia a possibilidade de transformação. 


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