UMA DEFESA DA PORNOGRAFIA
Este é um texto polêmico no qual pretendo trazer algumas reflexões sobre a moralidade da pornografia. É preciso dizer que este artigo como qualquer texto do meu blog, não se trata de algo definitivo e absoluto, mas uma reflexão em aberto. Posso estar errado, mas faz parte de um ambiente livre que as pessoas possam expressar seus argumentos e, ante as ideias divergentes, aprimorar ou reconsiderar o que pensa, se for o caso. Meu objetivo é defender que não há nada de objetivamente imoral na pornografia em si, e que as críticas a ela erram o alvo ao culpabilizar o consumidor. Para isso, discutirei se a pornografia em si mesma é imoral; como pensar a questão da indústria pornográfica; e o problema do machismo.
I. A PORNOGRAFIA É EM SI IMORAL?
Primeiro, podemos definir pornografia como qualquer conteúdo com o fim de excitar sexualmente, podendo ter forma de vídeos, livros, áudios, imagens, etc. A princípio não parece haver nada de inerentemente mal em que esse tipo de conteúdo seja produzido e acessado. Dois argumentos apenas me parecem que poderiam servir para dizer que a pornografia é imoral em si mesma. O primeiro é de que a pornografia objetifica as pessoas e o segundo é que ela é danosa à saúde.
O primeiro argumento, portanto, é o de que a pornografia objetifica as pessoas. Isso pode ser verdade, mas parece algo vago. Sempre que me relaciono com o outro de alguma forma ele é objeto para mim. Precisaríamos ser mais específicos em dizer o que significa objetificar o outro de forma imoral. Objetificar o outro de forma imoral é considerá-lo menos do que uma pessoa, reduzindo-o a um meio e não um fim em si mesmo. É deixar de reconhecer a autovalia incondicional da pessoa humana. Não me parece que consumir conteúdo pornográfico por si mesmo signifique uma objetificação desse tipo, embora ela possa ocorrer. Quando, por exemplo, encontro uma pessoa na rua que nem conheço e não me preocupo em saber quem é, mas que a uso simplesmente para ela me dar uma informação, de certa forma estou objetificando-a de forma que não é imoral (exemplo: quando estou perdido e peço informação a um desconhecido sobre onde fica uma rua). A questão seria perguntar se o tipo de objetificação presente em consumir conteúdo erótico é uma objetificação inerentemente imoral, o que não me parece ser o caso.
O segundo argumento é o de que a pornografia causa mal à saúde. Argumenta-se que ela causa vício, dependência neuroquímica e ejaculação precoce. Particularmente, duvido um tanto desses dados. Estabelecer relações de causa-efeito entre ver pornografia e ter ejaculação precoce, por exemplo, parece ser algo muito difícil e estranho. O argumento basicamente é que o circuito de recompensas visto na liberação de dopamina no núcleo achumbes do cérebro parece ter um papel determinante na expressão biológica do consumo da pornografia. Esse sistema ativaria uma busca por prazer similar à da caça, como se, ao clicar de vídeo em vídeo, o pornógrafo estivesse “caçando” uma mulher. A pornografia levaria a uma redução da dopamina e a uma queda dos receptores de dopamina, de forma a diminuir a resposta de prazer. Isso significa que quanto mais se busca prazer por meio da pornografia mais se provoca uma anestesia ao prazer, o que leva a pessoa a buscar novos estímulos. Entre as consequências que essa dinâmica biológica poderia provocar estariam: avanço em pornografias mais pesadas, impotência sexual, disfunção erétil e ansiedade.
O problema é que essa análise é por demais biologicista e aparentemente reducionista e determinista. Um experimento chamado “parque dos ratos” mostrou, por exemplo, que o vício é algo muito mais social do que biológico. Um experimento antigo foi feito colocando um rato em uma gaiola, e pressionado uma alavanca o animal poderia obter drogas psicoativas. O rato acabava por acionar repetidamente a alavanca, de onde se concluiu que a droga causava o vício, produzindo uma dependência neuroquímica.
Essa conclusão, no entanto, foi desmentida quando cientistas fizeram uma gaiola que simulava um parque no qual os ratos tinham companhia, espaço e diversão. Os ratos novamente tiveram acesso a doses de drogas psicoativas, mas nesse novo ambiente o vício não aconteceu como da forma anterior. Percebeu-se assim que os ratos, quando viviam em condições nas quais havia companhia e diversão, se viciavam muito menos em drogas. Disso se conclui que o vício não é algo meramente orgânico. Parece ser errado dizer que a pornografia causa vício, mais correto seria afirmar que a pornografia, associada a fatores sociais (como isolamento ou ausência de um ambiente de conexão saudável), leva ao vício. Além disso, o fato de algo ser prejudicial à saúde não aparece ser motivo suficiente para dizer que algo é errado, senão deveríamos ser contra beber coca-cola, por exemplo.
II. A INDÚSTRIA PORNOGRÁFICA
Me parece que eticamente não há nada de errado em gravar vídeos exibindo o próprio corpo (ou fazendo sexo) e ter quem consuma esse material. O problema, a meu ver, está em como isso se dá no modo de produção capitalista, em que isso se converte numa indústria de exploração. Mas culpar o consumidor seria como culpar alguém por consumir iPhone, já que ele é produzido sob condições de exploração de mulheres na China, com altos índices de suicídio dessas mulheres, inclusive. Creio que uma crítica social consciente focará muito mais na indústria pornográfica e no modo de produção capitalista do que no consumo de pornografia em si.
É claro que devemos condenar a indústria pornográfica, que é preciso ser contra qualquer conteúdo pornográfico que envolva abuso, violência, menores e relações não-consentidas. Mas aqui pode ser colocado o argumento de que qualquer coisa produzida pela indústria pornográfica carrega algum grau de violência. Isso é verdade, mas não é verdade só a respeito da indústria pornográfica, mas de qualquer indústria capitalista. Meu ponto é que nem tudo que a sociedade capitalista produz sob condições de exploração é em si e por si mesmo ruim. Se não, não poderíamos consumir nada que o capitalismo produz, já que o sistema é inerentemente violento.
A questão é perguntar se esse produto é em si mesmo ruim, abstraídos os aspectos que lhe são contingentes e não necessariamente vinculados. Assim, precisamos perguntar: “A violência existe por causa da pornografia em si, ou por causa da indústria pornográfica?” Acredito que a resposta é a segunda. Não existe nenhuma conexão lógica, a meu ver, que mostre que pornografia e violência precisem estar necessariamente vinculadas. Mas aí se dirá que, embora não seja necessária essa vinculação, a verdade é que ela existe sempre em nossa sociedade. Isso é verdade, mas novamente não é verdade apenas a respeito da pornografia, mas de qualquer coisa produzida numa sociedade capitalista marcada pela opressão. Nesse caso, não poderíamos consumir nada produzido nessa sociedade. Por isso um anti-porn, por coerência, não deveria ter um iPhone, por exemplo.
O que se pode dizer é que consumir pornografia feita entre pessoas adultas, com consentimento e sem violência não é objetivamente imoral. Há motivos objetivos pelos quais qualquer sexo sem consentimento é errado, ele fere vários princípios morais de dignidade humana, de liberdade e de produção de felicidade. Sexo não consentido sempre é imoral. Sexo só é objetivamente correto quando envolve livre consentimento dos envolvidos. Mas embora essa condição ideal não exista hoje na indústria pornográfica, não parece que se deve concluir a partir daí que consumir pornografia seja sempre errado. Senão, pela mesma lógica deveríamos deixar de consumir tudo que é produzido em nossa sociedade exploradora.
Seria ideal fugir de todas as indústrias de exploração, o que incluiria parar de comer carne (por causa da indústria da carne), evitar a medicalização promovida pela indústria farmacêutica, evitar consumir produtos eletrônicos produzidos a base da exploração e, assim por diante. Esse é o ideal. Mas a verdade é que a gente está dentro de um sistema corrompido, devemos fazer o máximo para evitá-lo e superá-lo, mas erramos o alvo da crítica se focamos no consumidor. A questão é que culpabilizar quem vê pornografia é complicado. As críticas sociais à indústria pornográfica são totalmente válidas e admiro quem deixa de ver pornografia por causa da exploração que a atravessa, mas a meu ver o caminho nunca é culpar quem consome por si. É verdade que sem quem consuma, não há demanda e logo não há produção. Mas pela mesma lógica deveríamos consumir só o que é absolutamente necessário à sobrevivência numa sociedade capitalista, o que me parece uma conclusão por demais radical e inviável.
No entanto, é preciso ser radicalmente contra pornografia que envolva menores ou da qual se saiba que há envolvimento de abuso sexual, zoofilia ou tráfico de pessoas. Quem consome pornografia deve evitar um site assim que souber que ele disponibiliza material desse tipo ou está envolvido nesses crimes de alguma forma. É verdade que podemos não saber se uma determinada produtora de conteúdo pornográfico tem envolvimento com casos desse tipo, mas assim que se toma consciência desse envolvimento, tudo que essa produtora produz deve ser evitado. Pode ser melhor e mais recomendável, como direi mais adiante, preferir conteúdo amador do que conteúdo profissional.
III. O PROBLEMA DO MACHISMO
Eu não assisto vídeos pornográficos em que haja mulheres. Não tenho como opinar sobre pornografia que envolve mulheres, pois não assisto. Eu sinceramente desconheço o conteúdo, por isso, nesse ponto não posso opinar muito, farei apenas alguns apontamentos. Como eu vejo pornografia homossexual (gay), talvez eu tenha acesso a um universo diferente, onde não há a presença do machismo e de todas as questões que em nossa sociedade envolve a dominação masculina, nem imagino as coisas horríveis que há na pornografia com mulheres. Objetivamente, como eu disse, me parece que não há nada de imoral na pornografia em si, mas nas questões sociais que a atravessam, como atravessam qualquer coisa em nossa sociedade.
Basicamente, meu ponto é que todas as críticas à pornografia parecem atingir questões sociais que a atravessam e não ela em si. Logo, o alvo da crítica estaria errado em culpar quem consome ao invés de focar nessas questões. Importante é dizer que em nossa sociedade capitalista e patriarcal, a pornografia é atravessada por machismo e exploração. Mas aí o problema não parece estar na pornografia em si, mas nessas estruturas. Toda uma crítica precisa ser feita aos padrões sociais de beleza que impregnam a pornografia, bem como a tudo que diz respeito ao machismo. Mas essas estruturas não atravessam só a pornografia, mas tudo em nossa sociedade. Entendo, no entanto que a crítica à pornografia não tem de focar no jovem que bate punheta vendo vídeo pornô, mas sim em subverter o capitalismo, superar esse modo de produção cheio de indústrias que exploram, superar o machismo e os padrões sociais de beleza, etc.
IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Me parece que um grande problema do movimento anti-porn é o padrão de abstinência total. Pode ser que uma pessoa decida não ver pornografia por causa do mal dessa indústria, assim como alguém pode escolher não comer mais carne por causa da matança da indústria frigorífica. Mas a verdade é que esse padrão de abstinência total dificilmente é atingido por alguém e ele costuma causar sofrimento, culpa e frustração. Além disso, acaba no final havendo uma hipocrisia, já que os que discursam contra a pornografia, muitas vezes a consomem. Isso me parecer ser muito danoso psicologicamente.
Mesmo que consumir pornografia seja errado, a abstinência total pode não ser a melhor recomendação. Isso pode ser comparado às chamadas políticas de redução de danos que norteiam a prática de centros de saúde que lidam com dependências químicas. A "redução de danos" parece ser mais viável e realista do que a abstinência total, que é muito difícil e que pode ser um processo que gera culpa. Redução de danos pode significar: (1) ver pornografia com menos frequência; (2) preferir vídeos caseiros ou amadores; (3) não assistir quaisquer vídeos que contenham violência; (4) não assistir vídeos que envolvam pessoas menores de 18 anos. Para quem vê o consumo da pornografia como imoral, eu acho mais saudável e efetivo a redução de danos do que a abstinência total.
Vamos supor que chegamos a uma sociedade que já superou o machismo e o capitalismo, nessa sociedade há pessoas que gostam de gravar vídeos transando ou de seus corpos e os compartilham livremente e voluntariamente enquanto outras pessoas gostam de assistir esses vídeos. Como não há mais machismo, ninguém explora as mulheres com isso, nem as violenta ou as obriga a fazer isso. Como não há um padrão de beleza opressiva, há pessoas com corpos de todos os tipos, gordos, magros, etc. compartilhando seus vídeos pois se sentem bem em mostrar seus corpos ou em gravar uma transa. Aí eu pergunto: isso é errado? Se não, então o problema não é a pornografia por si mesma. Portanto, quando se critica a pornografia em si, me parece que se erra o alvo da crítica. E, é basicamente esse o ponto que pretendi defender. Faço isso, no entanto, estando aberto a críticas e a reconsiderar minha posição.
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