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INTRODUÇÃO À FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO

 

O objetivo deste texto é apresentar de maneira introdutória o campo da fenomenologia da religião. Para tal, será preciso apresentar o método fenomenológico conforme entende Husserl; em seguida identificar autores importantes que, embora não sendo fenomenólogos, tiveram influência na concepção fenomenológica da religião; e, por fim, considerar-se-á a compreensão de fenomenologia da religião segundo a abordagem de alguns de seus representantes. 

 

I. INTRODUÇÃO À FENOMENOLOGIA 

 

O pai da fenomenologia é o filósofo alemão Edmund Husserl. Husserl nasceu em Prossnitz (Morávia) em 1859. Seus pais eram judeus, mas posteriormente Husserl se converteu ao protestantismo. Nos anos de 1876 a 1878, Husserl estudou astronomia em Leipzig, onde também frequentou cursos de matemática, física e filosofia. De 1878 a 1881, Husserl continuou seus estudos em matemática, física e filosofia em Berlim. Posteriormente, Husserl foi para Viena para estudar filosofia com Franz Brentano. As palestras de Brentano sobre psicologia e lógica tiveram um impacto duradouro em Husserl, assim como sua visão geral de uma filosofia estritamente científica. No entanto, Husserl se opôs ao psicologismo de Brentano, desenvolvendo o método filosófico pelo qual é famoso hoje em dia: a fenomenologia. 

Na introdução de Ideias para uma Fenomenologia Pura e uma filosofia fenomenológica, Husserl pontua que a Fenomenologia é uma ciência dos fenômenos, que se diferencia das demais ciências por considerar o fenômeno enquanto fenômeno. As ciências partem de uma orientação natural em relação aos seus problemas. Por orientação natural entende-se uma atitude não-reflexiva diante dos fenômenos da realidade, um modo de se relacionar com os fenômenos tomando como óbvios e evidentes alguns pressupostos. Já a Fenomenologia lida com os problemas filosóficos através de uma suspensão de concepções prévias. Essa suspensão, também chamada de epoché, envolve inclusive colocar fora de circuito a tese da existência. Isso significa que a tarefa do fenomenólogo é descrever o fenômeno tal qual ele aparece, abstraindo-o de sua existência ou não existência. No campo da religião, isso significa compreender os símbolos religiosos, sem negar nem afirmar a realidade a que eles se referem. 

Nesse sentido, a fenomenologia pura ou transcendental não é fundada como ciência de fatos, mas como ciência de essências (ciência eidética). Por pura ou transcendental, entende-se um tomar os fenômenos enquanto idealidades purificadas de qualquer conteúdo empírico. Isso é possível graças à redução eidética, que consiste no retorno do fato empírico singular à “essência” pura e universal. Desse modo, o que se considera é a essência pura fenomenologicamente reduzida e considerada como ideia. 

 

II. AUTORES QUE INFLUENCIARAM A FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO 

 

Antes mesmo de uma fenomenologia da religião surgir como ciência, houve pensadores que tiveram influência sobre ela. Tais pensadores propuseram compreensões sobre o fenômeno religioso que foram adotadas por fenomenólogos depois. Dois nomes merecem consideração: Friedrich Schleiermacher (1768 –1834) e Benjamin Constant de Rebecque (1767 – 1830). De acordo com Schleiermacher, a religião é essencialmente sentimento, no sentido do impacto do universo sobre nós, a consciência de ser dependente de Deus. Ao afirmar isso, o autor se contrapõe à visão kantiana segundo a qual, embora Deus não se prove pela razão, ele pode ser importante para a vida ética. Rompendo com essa compreensão, Schleiermacher pensa a religião no campo da intuição primeira, isso é, da experiência imediata do divino.  

Benjamin Constant, por sua vez, entendia (i) que a religião é um sentimento e; (ii) que o sentimento religioso não é um acidente ou uma circunstância, mas uma lei fundamental da natureza humana. Com isso, ele se opunha à visão de uma religião institucionalizada. Segundo o autor, os sacerdotes pervertem a verdadeira religião, que não consiste numa relação de dominação, opressão e poder, mas sim num sentimento natural compartilhado por todos os homens. 

 

III. ABORDAGENS FENOMENOLÓGICAS DA RELIGIÃO 

 

De acordo com o artigo de Antônio Gôuvea Mendonça, intitulado “Fenomenologia da Experiência Religiosa”, a Fenomenologia da Religião trata-se: 

1. de um método analítico que tende a uma explicação da morfologia religiosa; 

2. de uma escola tipológica que tende a investigar os diversos tipos de formas religiosas;  

3. de uma escola que, em sentido estrito, se ocupa da essência do sentido e da estrutura do fenômeno religioso. 

Já encontramos sementes de uma fenomenologia da religião em pensadores como Max Scheler (1874-1928) e Rudolf Otto (1869 – 1937)Scheler defendeu a tese de que a essência da religião é apreendida através de uma "intuição" essencial, técnica mística que põe entre parênteses os impulsos vitais utilitaristas e permite contemplar os puros dados objetivos. Otto, por sua vez, defendeu a tese da absoluta irracionalidade da religião, no sentido de que o sagrado está fora e acima de qualquer forma de raciocínio. 

No entanto, a fenomenologia da religião enquanto ciência propriamente dita, inicia-se com Gerardus van der Leeuw (1890 –1950), que defendeu que a ciência da religião só pode falar da atividade do homem em relação com Deus, mas nada pode dizer da atividade de Deus, que é "o poder". Van der Leew estudou teologia em Berlim, sendo promovido a doutor em teologia em 1916. Após a graduação, ele foi ordenado como ministro na Igreja Reformada Holandesa. Em 1918, foi nomeado professor de história da religião na Universidade de Groningen. 

No epílogo de Fenomenologia de la religíono autor defende que o fenômeno consiste naquilo que se mostra e que tal constatação comporta: 

1. Que há qualquer coisa. 

2. Que esta coisa se mostra. 

3. Que essa coisa é um fenômeno pelo fato que se mostra. 

4. Que aquilo que se mostra é relativamente oculto. 

5. Que a coisa se mostra progressivamente. 

6. Que aquilo que se mostra é relativamente transparente. 

Assim, a manifestação de um fenômeno envolve uma revelação progressiva, uma manifestação de algo que antes se encontrava oculto e que passa a se revelar progressivamente. Isso significa que a vida se mostra não de uma vez, mas por meio de uma revelação gradual em que aquilo que aparece vai se tornando cada vez mais transparente.  

Assim, a experiência da fenomenalização da vida, envolve algumas etapas que podem ser chamadas de etapas fenomenais da vida. Essas etapas são três: 

1. Experiência experimentada: experiência da vida presente indissociável de sua significação. 

2. Compreensão: articulação significativa da experiência vivida em uma estrutura, em um todo orgânico. 

 3. Testemunho:  reconstrução da significação na qual ocorre a apresentação do que foi mostrado, ou seja, o testemunho é um falar do que se mostra a nós. 

O método fenomenológico envolve, segundo o autor, algumas etapas também. São elas: 

1. Nomeação o que se torna visível: consiste em dar um nome àquilo que está se mostrando. 

2. Inserção do fenômeno em nossa vida própria: consiste em experienciar genuinamente o fenômeno. 

3. Suspensão fenomenológica (epoché): consiste na suspensão de pressuposições prévias. 

4. Elucidação do que se vê: consiste na busca de categorizar ou classificar aquilo que se mostra. 

5. Compreensão da estrutura do fenômeno: consiste na inserção do fenômeno num todo orgânico da realidade existencial. 

6. Retificação dos documentos: consiste em confrontar as conclusões alcançadas com aquilo que já foi escrito sobre o fenômeno. 

7. Testemunho das conclusões: consiste em comunicar os resultados encontrados. 

Segundo Van der Leew, quando se trata do fenômeno religioso, está ao acesso do método fenomenológico, não considerar a revelação em si, mas a resposta humana à revelação. Ele pontua: "Podemos considerar a religião como experiência vivida compreensível ou fazê-la valer como revelação não-compreensível. A experiência vivida (na sua ‘reconstrução’) é um fenômeno. A revelação não o é." O autor também observa que o homem não simplesmente aceita a vida, mas buscar encontrar nela sentido: "a religião implica que o homem não se limita a aceitar simplesmente a vida que lhe é dada. Na vida, ele procura pelo poder." 

Outro fenomenólogo importante que abordou o fenômeno religioso foi Mircea Eliade (1907 – 1986). Ele propôs que o dever da ciência da religião consistiria em dedicar-se ao estudo das hierofanias, o que ele entende ser, no fenômeno religioso, irredutível e original. Eliade nasceu na Romênia em 1907, formou-se em filosofia na Universidade de Bucareste. Posteriormente, mudou-se para Paris e depois estabeleceu-se em Chicago. Em 1970, conquistou a cidadania estadunidense, e morreu em Chicago, no ano de 1986. 

Em O sagrado e o Profano, Eliade pontua que a perspectiva do homem religioso das sociedades arcaicas é que o Mundo existe porque foi criado pelos deuses, e que a própria existência do Mundo “quer dizer” alguma coisa; "o mundo vive". Nesse sentido, a vida do indivíduo é assimilada à vida cósmica: o homem se concebe como um microcosmo. Assim, existência do homo religiosus, sobretudo do primitivo, é, para o filósofo, “aberta” para o mundo. 

Desse modo, para o homem das sociedades arcaicas, a vida como um todo é suscetível de ser santificada.  A vida, assim, é vivida num plano duplo; desenrola se como existência humana e, ao mesmo tempo, participa de uma vida transhumana, a do Cosmos ou dos deuses.  Destarte, toda experiência humana é suscetível de ser transfigurada, vivida num outro plano, o transhumano.  No entanto, como observa o autor, o homem científico moderno, busca se afastar de toda vivência transcendental e religiosa. O homem moderno não-religioso, nesse sentido, assume uma nova situação existencial: reconhece se como o único sujeito e agente da História e rejeita todo apelo à transcendência. 

No entanto, por mais que busque se esvaziar de qualquer religiosidade, o comportamento do homem profano ainda guarda resquícios de significação religiosa. O filósofo observa que o homem profano, queira ou não, conserva ainda os vestígios do comportamento do homem religioso, mas esvaziado dos significados religiosos.  Assim, para o autor, a maioria dos “sem religião” ainda se comporta religiosamente, embora não esteja consciente do fato. 

 

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 

Como observado, a fenomenologia pode possibilitar a construção de uma ciência rigorosa da religião, que se preocupe em compreender a experiência religiosa sem partir de pré-concepções. Nesse sentido, é possível voltar-se para o religioso numa nova orientação, não mais na atitude natural, mas numa atitude filosófica. A partir disso, os fenomenólogos buscaram situar o religioso no campo, não da razão formal, mas daquilo que transcende a lógica, que é a experiência imediata do vivido.  

O campo da fenomenologia da religião é novo e ainda se encontra em desenvolvimento. Mas como tal ele nos ajuda a perceber como a fenomenologia pode oferecer um método seguro para o entendimento das manifestações religiosas. É aqui que se insere nomes como Gerardus Van der Leeuw e Mircea Eliade, que buscaram desenvolver o método fenomenológico a fim de construir uma compreensão da experiência do religioso. Conclui-se, a partir daí, a importância de se conhecer o campo da fenomenologia da religião e seus desenvolvimentos. 


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