REALIDADE MENTAL - GALEN STRAWSON (RESUMO)

 

O que se segue é um resumo do livro Mental Reality de Galen Strawson. O livro é composto de onze capítulos, sendo eles: 1. Introdução; 2. Três Questões; 3. Materialismo agnóstico - parte I; 4. Materialismo agnóstico - parte II; 5. Mentalismo, Idealismo e Imaterialismo; 6. O termo “mental”; 7. Intencionalidade; 8. A sensação de dor e a palavra “dor”; 9. Os Vigilantes do Clima; 10. Comportamento; 11. O Conceito de mente. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. 

 

I. INTRODUÇÃO 

 

Uma noção que podemos assumir é de que existe um mundo físico. Além disso, há um sentido em que o monismo é verdadeiro, isto é, embora haja uma variedade de coisas no mundo, há um sentido fundamental em que há apenas um tipo de coisa. Além disso, podemos assumir que a Teoria da Evolução fornece uma explicação verdadeira de como seres como nós surgirem e que devemos fornecer uma abordagem naturalista sobre a natureza da mente. No entanto, muitos naturalistas negam a realidade da consciência ou experiência, que é algo relacionado ao conceito de mente. 

Utilizemos o termo experiência para significar consciência. Virtualmente, todas as experiências envolvem tanto um conteúdo sensorial quanto um conteúdo cognitivo e é reconhecido que as nossas experiências perceptuais não podem ser separadas de elementos conceituais. A percepção é dirigida por conceitos. No entanto, podemos argumentar que há algo como uma experiência enquanto compreensão ou uma experiência da compreensão. Isso significa que quando percebemos algo há uma experiência de como é para nós perceber esse algo. Muitas vezes se pensa que as grandes dificuldades para entender a mente de um ponto de vista naturalista tem a ver com coisas como a intencionalidade, disposições mentais, funcionamento da percepção entre outros. Contudo, essas coisas não apresentam uma dificuldade tão grande. O problema mais difícil sobre a mente tem a ver com a experiência ou consciência. 

A experiência é parte da realidade mental, ainda que a realidade mental também possua aspectos ou partes não-experienciais. Assim surge uma discussão sobre qual critério utilizar para entender algo como um fenômeno mental. Existem, por exemplo, muitos processos subexperienciais no cérebro que não podem ser de modo plausível considerados como mentais, como a circulação do sangue, enquanto outros, como os processos computacionais por trás da visão, parecem ser candidatos plausíveis a serem considerados fenômenos mentais. Podemos nos basear na visão do senso comum de que fenômenos mentais envolvem coisas como sensações, percepções, emoções, pensamentos, imaginações, memórias, crenças, desejos, sentimentos etc. 

Podemos dividir os fenômenos mentais em dois tipos: (i) ocorrências experienciais: sensações e pensamentos; (ii) disposições não-experienciais: crenças e estados atitudinais. Alguns defendem que só ocorrências experienciais devem ser consideradas realmente mentais, no entanto, podemos seguir a visão comum de que disposições também contam como estados mentais. 

Uma noção importante na discussão sobre a realidade mental é a de um conteúdo puramente experiencial. Para entender isso, podemos imaginar dois planetas em tudo iguais, em um planeta há uma pessoa que possui uma mente em um corpo enquanto a versão gêmea dessa mesma pessoa em outro planeta é uma mente incorpórea. Do ponto de vista qualitativo a experiência dos dois é indistinguível, de modo que em certo sentido eles possuem a mesma vida mental ou o mesmo curso de experiência.  

Esse elemento que é o curso de experiência que ambos possuem de modo indistinguível, é o que se denomina como conteúdo mental puramente experiencial. Nesse caso, considerar esse conteúdo em si mesmo não envolve qualquer referência às suas causas e efeitos e, embora saibamos que a experiência existe, não temos como saber com certeza qual é a base sobre a qual ela se realiza. O conteúdo puramente experiencial nada mais é do que o caráter de como é para o sujeito experienciar uma experiência, trata-se do que se denomina como caráter qualitativo da experiência (qualia). 

 

II. TRÊS QUESTÕES 

 

A discussão sobre a realidade do mental envolve três questões importantes: 

(1) Questão da não-mentalidade: qual é o papel que a referência a fenômenos não-mentais cumpre em uma abordagem satisfatória da natureza do fenômeno mental? 

A resposta a essa pergunta exige adotar uma resposta a um problema de demarcação de como distinguir um fenômeno mental de um fenômeno não-mental. No entanto, alguns discordam que essa demarcação seja necessária pois seria uma verdade a priori que o não-mental não cumpre qualquer papel em uma abordagem satisfatória da natureza do mental. Um argumento a favor dessa posição é o seguinte: [1] Cada coisa é aquilo que é e não outra coisa; [2] Se duas coisas são definidas de modo complementar como x e não-x, então não-x por definição não é parte da natureza essencial de x; [3] Portanto, referência ao não-mental não faz parte de uma abordagem adequada da natureza do mental. 

Um argumento oposto a esse considera que a demarcação não é necessária para saber que o não-mental cumpre um papel em uma abordagem satisfatória da natureza do mental porque não faz qualquer sentido falar que coisas como memórias e pensamentos existem sem pressupor que exista algo não-mental. Um terceiro argumento diz que uma demarcação clara não é necessária, porque embora haja casos difíceis de classificar, é possível apresentar casos claros de coisas que são mentais e de coisas que não são mentais. Alguns instrumentalistas ou antirrealistas argumentam, por sua vez, que esse tipo de demarcação não faz sentido se o que se tem em mente é saber a natureza essencial do mental e que a distinção existe apenas para fins pragmáticos. Esse tipo de resposta ignora a seriedade dessa discussão. A natureza do mental não depende de nossas necessidades pragmáticas. Podemos, no entanto, por hora nos guiar pelas intuições padrões sobre o que conta e o que não conta como mental. 

Quando se considera como a mente surgiu na terra fica claro que ela foi produto da evolução, mas isso não significa que teria de necessariamente ser assim. Para que a compreensão da natureza do mental não envolve referência à necessidade de referência ao não-mental basta que seja possível que a mente não tivesse uma base não-mental. Para tanto, bastaria que uma visão, como o idealismo, de que a realidade fundamental é mental, fosse uma posição coerente ou metafisicamente possível.  

Há, no entanto, quatro argumentos a favor da ideia de que referência ao não-mental é essencial para compreender a natureza da mente: (i) argumento do comportamento: compreender o comportamento faz parte da compressão da natureza do mental e o comportamento tem um caráter não-mental; (ii) argumento das estruturas conceituais do pensamento: a noção de um ser capaz de ter pensamentos complexos estruturados em conceitos não faz sentido sem que ele tenha atributos não-mentais; (iii) argumento do fundamento da realização do mental: a base para que haja fenômenos mentais é algo não-mental de modo que é preciso fazer referência ao não-mental para entender a natureza essencial do mental; (iv) argumento do conteúdo mental: muitos estados mentais, como algumas crenças, pensamentos e percepções, são sobre coisas não-mentais, de modo que para compreender sua natureza é preciso fazer referência ao não-mental; (v) argumento da história natural do mental: a mente surgiu como resultado da evolução com o fim de governar o comportamento em um mundo não-mental, de modo que é preciso fazer referência ao não-mental para entender o propósito da mente. 

Nenhum desses argumentos procede. Primeiro, se o idealismo é uma posição metafisicamente viável, então pode haver um mundo em que haja mente sem que ela envolva comportamento, seres com atributos não-mentais, conteúdos sobre algo não-mental nem que tenha surgido por evolução. Além disso, o conteúdo mental puramente experiencial não precisa fazer qualquer referência a algo não-mental, nem as suas causas nem ao seu propósito para que entendamos sua natureza, que nada mais é do que o caráter de como é para um sujeito experienciar suas experiências. 

 

(2) Questão da publicidade: que papel a referência a fenômenos publicamente observáveis cumpre em uma abordagem satisfatória da natureza do mental?  

Alguns acham que essa pergunta é a mesma coisa que a primeira, porque mental seria algo que não é publicamente observável enquanto o não-mental seria aquilo que é publicamente observável. Essa identificação, no entanto, não é tão óbvia. Não é óbvio nem que o fato de algo não ser mental significa que ele é publicamente observável nem que o fato de algo ser publicamente observável significa que ele não é mental. A própria noção do que conta como observável envolve a pergunta: “observável para quem?” Pode-se imaginar uma raça de seres que sejam mentalmente transparentes e cujos conteúdos mentais sejam observáveis. Alguns wittgensteinianos argumentam que certos fenômenos mentais envolvem algum elemento observável, seja por estarem atravessados pela linguagem pública ou por se expressarem através do comportamento.  

A resposta à questão da publicidade é que não há necessidade de fazer referência a algo publicamente observável para compreender a natureza do mental. É verdade que fenômenos mentais podem ter causas e efeitos publicamente observáveis, mas essas causas e efeitos não são parte da essência do mental. 

 

(3) Questão do comportamento: que papel cumpre a referência a fenômenos comportamentais para uma abordagem satisfatória da natureza do mental? 

A resposta ortodoxa que tem sido dada a essa questão a de que fenômenos comportamentais são essenciais para uma abordagem satisfatória da natureza da mente. Essa resposta, no entanto, está errada. O behaviorismo filosófico sustentou que estados mentais não seriam nada mais do que disposições para se comportar de dado modo, essa visão foi, no entanto, revisada e hoje se tem o neobehaviorismo.  De acordo com o neobehaviorismo, a vida mental está associada com o comportamento de tal modo que uma referência ao comportamento ou ao menos a disposições para o comportamento, são, de modo central e constitutivo, essenciais para uma abordagem adequada da natureza do mental.  

A tese neobehavorista é a de que se um ser tem sensações, pensamentos, emoções, crenças e desejos, então ele deve se comportar de determinados modos ou ao menos ter uma disposição para se comportar de determinados modos. Essa ideia foi também adotada pelo funcionalismo, como o presente em Paul Churchland, que envolve a noção de que para capturar a natureza de todos ou pelo menos alguns estados mentais, é preciso fazer referência às suas causas e efeitos. Como considerado, no entanto, as causas e efeitos da mente não fazem parte da sua essência. 

 

III. MATERIALISMO AGNÓSTICO - PARTE I 

 

A crença na verdade do materialismo é uma matéria de fé e precisa ser temperada com agnosticismo, e isso fica mais claro quando se considera o problema mente-corpo. Em relação a esse problema há uma disputa entre dualistas e monistas, dualistas assumem que há dois tipos de coisas, a mente e o corpo, e os monistas assumem que há, em certo sentido, apenas um tipo de coisas. O dualismo enfrenta problemas, e é interessante considerar que em uma visão monista é possível manter tudo o que se deseja em uma visão dualista tradicional. Monistas podem sustentar as seguintes posições: 

(1) Fisicalismo: há um sentido fundamental em que a realidade é apenas física; 

(2) Idealismo: há um sentido fundamental em que a realidade é apenas mental; 

(3) Monismo neutro: há um sentido fundamental em que a realidade não é nem mental nem físico; 

(4) Monismo físico-mental: a realidade é, em sua natureza substancial singular essencial, tanto mental quanto física. 

Três objeções, no entanto, podem ser levantadas contra esse tipo de classificação: (i) objeção positivista: essa classificação é inútil, pois refere-se a posições metafísicas que não podem ser verificadas; em resposta, pode-se considerar o fato de que a metafísica é inescapável, toda posição depende de uma certa posição metafísica; (ii) objeção linguística: na linguagem cotidiana usamos tanto termos mentais como físicos, portanto a realidade certamente é tanto mental como física, de modo que a única visão viável é o monismo físico-mental; em resposta, pode-se dizer, contudo todas as outras posições podem fornecer explicações sobre porque nossa linguagem possui tanto termos mentais como físicos; (iii) objeção materialista: muitos materialistas se consideram que a distinção entre fisicalismo e monismo físico-mental é duvidosa; no entanto, em resposta, pode-se dizer que é possível considerar que as duas posições diferem em relação a uma tese de simetria ou assimetria. 

Alguns materialistas adotam o chamado monismo não-redutivo, tal posição assume a chamada tese da irredutibilidade, segundo a qual, embora estados mentais sejam idênticos a estados físicos, juízos sobre estados mentais não podem ser reduzidos a juízos que contenham apenas termos não-mentais. O materialismo padrão adota, geralmente, a chamada tese da assimetria, segundo a qual, o mental depende do físico, mas o físico não depende do mental. O idealismo, por sua vez, pode adotar uma tese de assimetria inversa, segundo a qual o físico depende do mental, mas o mental não depende do físico. Pode-se, no entanto, também considerar o reducionismo como uma tese sobre redução de propriedades mentais a propriedades físicas, ao invés de uma tese sobre a linguagem. 

Pode-se dizer, no entanto, que o monismo físico-mental e o monismo neutro diferem do materialismo porque tais posições adotam a tese da simetria, que entende que mental e físico possuem status igual, seja porque a realidade é irredutivelmente tanto mental quanto física (monismo físico-mental), quer porque a realidade não é fundamentalmente nem mental nem física (monismo neutro). Assim, é possível falar de um monismo de status igual que envolve duas teses: (i) a realidade é irredutivelmente experiencial e não-experiencial, tanto mental quanto não-mental; (ii) não é correto dizer que o experiencial é baseado em ou realizado por ou dependente no não-experiencial ou vice-versa; mas sim que o experiencial e o não-experiencial coexistem de tal modo que não se pode dizer nem que um é baseado ou dependente do outro nem que eles são assimetricamente dependentes um do outro. O monismo de status igual pode ser subdivido em dois grupos: (i) monismo de status igual positivo: que é o monismo físico-mental; (ii) monismo de status igual negativo: que é o monismo neutro. 

Quando se considera tais teses em relação ao problema mente-corpo, a real dificuldade diz respeito à experiência, no sentido de como é para um sujeito experienciar algo. Alguns materialistas supõem que existe algo como propriedades físicas experienciais e, nesse caso, ou essas propriedades são redutíveis a outras propriedades físicas não-experienciais ou elas não são redutíveis a propriedades físicas não-experienciais. Materialistas que não podem aceitar que aceitar a ideia de que propriedades experienciais possam ser propriedades físicas fundamentais precisam supor que sua aparência irredutibilidade constitutiva aos termos da física é uma ilusão. 

Há o que se pode denominar como materialismo pampsiquista, que consiste em adotar a tese de que a experiência é uma das propriedades físicas fundamentais. No entanto, mesmo adotando isso, há um problema profundo em entender como essas propriedades poderiam fazer parte da disciplina da Física. Isso ocorre porque um fato experiencial enquanto o aspecto qualitativo de como é para um sujeito experienciar algo envolve algo que não pode ser apreendido objetivamente. Só eu sei como é para mim experienciar a cor vermelha, por exemplo. Assim, parece claro que nunca poderemos ser capazes de envolver um vocabulário aplicável interpessoal e público para discriminar fenômenos experienciais de modo a poderem ser integrados com os termos objetivos da Física. Isso é o que se denomina como a impossibilidade de uma fenomenologia objetiva, sendo fenomenologia um termo para designar a experiência ou consciência. 

O pampsiquismo pode ser uma forma de monismo de status igual. Sugerir que toda a realidade envolve experiência consiste em sugerir que a experiência é uma propriedade fundamental das coisas que existem, assim como a extensão, a massa e a carga elétrica, nesse caso fala-se de um pampsiquismo de status igual. Apesar disso, o pampsiquismo não é necessariamente uma forma de monismo de status igual, o pampsiquismo pode assumir a forma de um monismo materialista assimétrico, esse é o caso do pampsiquismo que defende que toda matéria é a base para a realização da experiência. Além disso, nem toda forma de monismo de status igual é pampsiquista. 

 

IV. MATERIALISMO AGNÓSTICO - PARTE II 

 

Um materialista sério precisa ser realista sobre a experiência (consciência) e deve reconhecer que a experiência é um fenômeno físico, ainda que não possa ser abarcado pela Física. Isso significa que a compreensão da física sobre o mundo físico é incompleta. Algumas objeções são, no entanto, levantadas contra essa ideia: (i) objeção de que a ciência não é explicativa: o papel da ciência não é explicar as coisas, então não é uma incompletude que ela não consiga explicar a experiência; em resposta a isso é importante considerar que há explicações que achamos teoreticamente satisfatórias na ciência e teorias satisfatórias estão entre as coisas que a ciência busca; (ii) objeção de que a ciência explica a experiência: a experiência é explicada pelas neurociências; em resposta mesmo que a neurociência possa explicar muito sobre os mecanismos e estruturas físicas envolvidas na experiência, há algo que ainda que ela falha em explicar, que é justamente o aspecto qualitativo de como é para um sujeito experienciar uma experiência. 

O fato de que não conseguimos explicar o aspecto qualitativo da experiência é o que se denomina como problema difícil da consciência. Qualquer problema sobre a mente que seja de fato seriamente difícil de explicar tem a ver com a experiência. Materialistas diante desse problema devem confessar sua ignorância e sua fé e seria melhor que, ao invés de se chamarem de materialistas, eles descrevessem a si mesmos como monistas neutros ou monistas agnósticos.  

Autores como William James, Kant, Schelling, Spinoza e Hegel parecem ter sido monistas neutros. No entanto, mesmo que o monismo neutro seja uma posição digna de nota, é ainda melhor que alguém chame a si mesmo de monista agnóstico. O monista agnóstico reconhece que é óbvio que a experiência ou consciência não pode ser uma ilusão, mas que isso revela que nossas concepções de matéria e mundo físico são inadequadas. Pode-se falar, ainda, em materialismo agnóstico, posição segundo a qual nossa concepção do mundo físico é incompleta ou inadequada. 

Monistas neutros e pampsiquistas possuem a virtude de reconheceram a enormidade do problema mente-corpo. Muitos materialistas, no entanto, negam a existência da experiência, tratando a consciência como um erro ou ilusão. Tal posição pode ser entendida como eliminativismo, que pode ter três formas: (i) eliminativismo sobre crenças e desejos: consiste na posição segundo a qual ninguém de fato acredita em algo ou deseja algo; (ii) eliminativismo sobre atitudes proposicionais: posição segundo a qual ninguém realmente sente medo de algo, ou tem a intenção de fazer algo ou tem expectativas sobre algo; (iii) eliminativismo global: consiste na negação de todas as propriedades mentais. 

O eliminativismo é obviamente falso. Há um sentido em que não podemos estar errados sobre a experiência que não tem paralelo sobre como podemos nos enganar sobre aquilo que não é experiencial. Tal impossibilidade de que estejamos errados sobre a experiência não é o mesmo que dizer que nossos juízos sobre estados mentais são infalíveis ou incorrigíveis. Basta dizer que se parece a alguém que ele está tendo uma experiência, então ele não pode estar enganado sobre o fato de que ele está tendo uma experiência, porque até mesmo estar enganado só é possível a quem está experienciando algo. Dizer que a consciência é uma ilusão é sem sentido porque a ilusão é uma experiência. 

 

V. MENTALISMO, IDEALISMO E IMATERIALISMO 

 

O mentalismo estrito é a doutrina segundo a qual absolutamente tudo é mental, inclusive o que geralmente concebemos como sendo físico. Há dois tipos de mentalismo estrito: (i) mentalismo total: doutrina segundo a qual há um sentido fundamental em que há apenas um tipo de coisa na realidade; (ii) mentalismo parcial: posição que aplica o mentalismo somente à mente, sustentando que a existência de estados mentais não envolve a existência de nada físico, ainda que exista algo físico. O mentalismo total parece implicar em idealismo, visão segundo a qual o que pensamos como sendo o mundo físico é, em certo sentido, constituído inteiramente por ideias. O mentalismo total também implica em imaterialismo, posição segundo a qual não existem fenômenos materiais. 

O idealismo possui diferentes tipos. Pode-se considerar o idealismo estrito como a doutrina de que tudo é constituído por ideias ou percepções. Pode-se considerar, ainda, as seguintes formas de idealismo: 

(1) Idealismo de processo puro: tudo que existe são as ideias e uma mente não pode existir na ausência de ideias; 

(2) Idealismo de princípio ativo: além das ideias, há também princípios de pensamento puramente mentais distintos das ideias. 

(3) Idealismo substancial de feixe: tudo o que existe são ideias, mas essas ideias têm algum aspecto ôntico ou modo de ser de terem um conteúdo transcendente. 

(4) Idealismo substancial imaterial: além das ideias, há mentes imateriais que são ontologicamente distintas das ideias, essas mentes imateriais são constituídas por uma substância imaterial que não é intrinsecamente mental. 

Ao lidar com o idealismo, é importante considerar uma verdade necessária denominada como tese de Frege, segundo a qual é impossível haver experiência sem que haja um experienciador. A experiência necessariamente envolve como é para alguém experienciar a própria experiência e isso só é possível se houver um sujeito dessa experiência. Assim, há boas razões para não adotar um idealismo de processo puro. No entanto, a partir do momento que se postula um experienciador, para alguns não se pode mais adotar a posição de que tudo que existe é meramente as ocorrências mentais. Não se pode deixar de postular uma mente cuja essência é desconhecida e desde que ela seja postulada, surge o desafio de ter que se argumentar porque o materialismo não é verdadeiro. 

Pode-se considerar três objeções ao idealismo de processo puro: (i) objeção da incoerência: há algo incoerente na ideia de um processo puro, pois se há um processo deve existir algo no qual ele ocorre; no entanto, dado que alguns físicos contemporâneos trabalham com a ideia de processos puros é difícil considerar essa objeção definitiva; (ii) objeção baseada na tese de Frege: a experiência requer um experienciador; no entanto se de fato é possível que haja processos puros na física contemporânea e visto que materialistas consideram o cérebro físico um sujeito da experiência, então processos puros poderia ser sujeitos da experiência; (iii) objeção baseada no problema das disposições mentais: mentes como a nossa envolvem memórias e pensamentos que requerem disposições mentais e meros processos puros não podem dar conta dessas disposições, pois elas requerem propriedades categoriais que as fundamentem e propriedades experienciais não podem de modo plausível dar base para essas disposições, sendo preciso postular a existência de propriedades categoriais não-mentais. 

 

VI. O TERMO “MENTAL” 

 

Alguns argumentam que o que caracteriza algo como sendo mental é a intencionalidade, isto é, a propriedade que um estado mental tem de ser sobre alguma coisa. Essa visão, no entanto, está equivocada. Geralmente processos mentais estão relacionados a certas habilidades, há, no entanto, habilidades que possuímos que máquinas sem experiência também possuem. Isso levanta uma discussão sobre se seres sem experiência podem possuir habilidades mentais. Consideremos as propriedades que nós e as máquinas compartilhamos como “propriedades X”. Nesse caso, é possível adotar as seguintes posições: 

Posição 1: Se consideramos as propriedades X como propriedades mentais no nosso caso, no caso das máquinas, essas mesmas propriedades também devem ser consideradas mentais, de modo que se conclui que seres sem experiência também podem ter propriedades mentais; 

Posição 2: Se seres sem experiência podem ter propriedades mentais, então devemos considerar esses seres sem experiência como seres mentais, pois ter propriedades mentais é suficiente para considerar algo como um ser mental. 

Posição 3: Visto que seres sem experiência obviamente não são seres mentais, então as propriedades X não são, afinal de contas, propriedades mentais. 

Posição 4: Propriedades X podem ser consideradas propriedades mentais no caso do ser humano, mas não no caso das máquinas. 

Posição 5: É errado supor que tanto nós como as máquinas possuímos as mesmas propriedades X, uma máquina que joga xadrez, por exemplo, não pode jogar xadrez no mesmo sentido que um ser humano, uma máquina não joga xadrez de verdade. 

 

Nenhuma dessas posições parece completamente satisfatória. Alguns defendem a tese de que todo ser mental é um ser experiencial, assim, “mental” é um termo tudo ou nada: ou um ser tem experiência ou não tem. Assim, a experiência é crucial para considerar um ser como mental. Um ser é mental apenas se ele é experiencial e só um ser experiencial pode ter propriedades mentais. Isso, no entanto, não necessariamente implica a tese de que todos os fenômenos mentais são fenômenos experienciais. Fenômenos disposicionais e subexperienciais podem contar enquanto fenômenos mentais em se tratando de seres mentais. 

 

VII. INTENCIONALIDADE  

 

Como considerado, a concepção de que a intencionalidade é a marca fundamental do mental está equivocada. Alguns acham que o problema mente-corpo existe por causa da intencionalidade. A verdade, no entanto, é que a intencionalidade não apresenta um problema sério ou muito difícil a menos que esteja associado ao problema da experiência, isso pode ser denominado como tese do não-problema.  

Pode-se distinguir os seguintes tipos de intencionalidade: (1) Intencionalidade E: consiste em ser sobre algo que existe; (2) intencionalidade N: consiste em ser sobre algo que não existe. A Intencionalidade E se subdivide em dois tipos: (1.1) Intencionalidade E/C: consiste em ser sobre objetos concretos existentes (exemplo: cadeira); (1.2) Intencionalidade E/A: consiste em ser sobre objetos abstratos existentes (exemplo: número 2). Já a intencionalidade N se subdivide em dois tipos: (2.1) Intencionalidade N/C: consiste em ser sobre objetos concretos não-existentes (exemplo: unicórnio); (2.2) Intencionalidade N/A: consiste em ser sobre objetos abstratos não-existentes (exemplo: círculo quadrado). Há uma discussão sobre se essa última de fato é uma intencionalidade sobre algo. 

É possível, ainda, distinguir intencionalidade intrínseca, que é aquele que seres mentais possuem, de intencionalidade derivada, que é aquela que certos objetos possuem por terem sido projetadas por humanos, como as máquinas. No caso das máquinas, pode-se, no entanto, falar em intencionalidade comportamental, que é uma intencionalidade que se atribui a algo com base em seu comportamento. Mesmo que tal intencionalidade fosse considerada uma intencionalidade plena, ela não cria nenhum problema, porque a intencionalidade só é problemática se considerada em relação ao problema da experiência. No entanto, parece mais adequada pensar que a intencionalidade comportamental não é uma intencionalidade verdadeira. Intencionalidade verdadeira é sempre uma questão de significado, no sentido de que algo significa algo para algo e só pode haver significado se houver experiência. Assim, significado e, portanto, intencionalidade, existe somente em relação a seres conscientes. 

Não há de fato um problema da intencionalidade como uma dificuldade séria. O que há é o problema da experiência ou consciência. A experiência é a única parte difícil do problema mente-corpo. Assim, quando consideremos a intencionalidade como algo que ameaça criar um problema para o materialismo naturalista, não encontramos nada que realmente seja um grande problema, a não ser o problema da experiência. 

 

VIII. A SENSAÇÃO DE DOR E A PALAVRA “DOR” 

 

De acordo com o neobehaviorismo, referência a fenômenos observáveis, em especial o comportamento, faz parte essencial de uma abordagem fundamental da natureza de todos ou quase todos os tipos de estados ou ocorrências mentais. Essa visão também está relacionada a uma compreensão de alguns wittgensteinianos de que estados mentais são atravessados por algo público e observável, que é a linguagem. Assim, mesmo a dor seria, em algum grau, um fenômeno público e observável. Pode-se falar, desse modo, de um argumento da teoria wittgensteiniana:  

(1) Quando consideramos a natureza do mental, nós estamos necessariamente e essencialmente preocupados com a natureza essencial daquilo sobre o qual estamos falando quando empregamos um vocabulário mental; 

(2) Nós não podemos propriamente determinar sobre o que estamos falando quando empregamos um vocabulário mental sem fazer referências para os tipos de circunstâncias públicas nas quais tal vocabulário é aprendido; 

(3) Para que tais circunstâncias tenham um papel constitutivo ou definicional quando se trata de perguntar sobre o que queremos dizer quando usamos um vocabulário mental. 

A teoria wittgensteiniana argumenta que não é possível para nós termos o que evidentemente temos, a saber, uma palavra para dor, sem que consideremos suas causas e efeitos observáveis. No entanto, alguns casos imaginários revelam que pode haver uma comunidade na qual a dor nunca é acompanhada de qualquer comportamento observável de modo que é logicamente possível haver criaturas que sentem dor mesmo que elas sejam constitutivamente incapazes de ter qualquer comportamento. Isso pode ser ilustrado pelo caso imaginário dos Sirianos. 

Os Sirianos possuem sensações de dor, mas que não tem nenhuma causa nem efeitos comportamentais. Além disso, os Sirianos nunca falam sobre essa dor, nem tem comportamentos não-verbais que expressem essa sensação, eles nem sequer são inclinados a se comportar de determinado modo por causa dessa dor. No entanto, depois os Sirianos poderiam adquirir uma palavra para dor ainda que essa sensação não tenha nem causas ou efeitos observáveis. Isso poderia ocorrer se um Siriano escrevesse um romance sobre essa sensação e outros Sirianos, ao lerem o romance, poderiam identificar a que sensação a palavra usada para dor se refere. Nesse caso, o modo como os Sirianos adquiriram uma palavra para dor não faz referência a quaisquer causas ou efeitos observáveis da sensação de dor. 

O que um caso imaginário como esse revela é que a dor enquanto sensação considerada em si mesma ou em sua própria natureza não envolve referência a causas ou efeitos observáveis. A palavra dor é apenas uma palavra para um certo tipo de sensações desprazerosas, consideradas inteiramente de modo independente de suas causas ou efeitos observáveis. O significado da palavra dor transcende o que se encontra disponível para uma inspeção pública nas circunstâncias nas quais o aprendizado da palavra é normalmente transmitido. Nenhuma referência ao que se encontra disponível a uma inspeção pública nas circunstâncias nas quais o aprendizado da palavra “dor” é normalmente transmitido é essencial para uma abordagem correta do que a dor é. 

 

IX. OS VIGILANTES DO CLIMA 

 

Outro caso imaginário que apresenta um problema para o neobehaviorimo é a dos Vigilantes do Clima. Trata-se uma raça de criaturas sencientes e inteligentes. Os Vigilantes do Clima estão distribuídos sobre a face de seu planeta, enraizados no chão e profundamente interessados no clima local. Eles possuem a concepção de um mundo espacial e objetivo. No entanto, eles são constitutivamente incapazes de qualquer tipo de comportamento, pois lhes falta a fisiologia necessária. Suas vidas mentais não possuem efeitos observáveis e eles também não possuem qualquer disposição para se comportar. 

Contra a possibilidade de tais criaturas existirem, um neobehaviorista poderia argumentar a partir da chamada tese disposicional, segundo a qual é impossível existir um ser que tenha propriedades mentais que não tenha disposições para se comportar de certos modos. De acordo com essa tese, seres mentais são necessariamente seres comportamentais, a menos no sentido de que eles possuem disposições para se comportar. No entanto, essa tese parece equivocada, parece ser perfeitamente possível haver uma criatura que possua vida mental e que não seja capaz nem esteja disposta a se comportar. Alguns sugeririam, contudo, que seres assim poderiam apenas ter uma vida mental simples, como poder perceber cores e ouvir sons, mas não poderiam ter intenções e desejos. Essa visão, no entanto, é equivocada. Seres como os Vigilantes do Clima podem sim ter uma vida mental complexa. 

Mesmo que um Vigilante do Clima esteja preso ao chão e seja incapaz de se comportar, ele pode ter uma vida mental bem parecida com a nossa. Ele pode se dedicar a reflexões filosóficas e pode inclusive ter desejos. Alguns argumentam que uma pessoa só pode ter desejos caso esteja disposto a se comportar, pois desejar implicaria que a pessoa está disposta a fazer algo para realizar esse desejo. No entanto, um Vigilante do Clima poderia desejar que fizesse sol ou que chovesse sem ter qual disposição para se comportar de modo a tornar essas possibilidades reais.  

Vigilantes do Clima também podem possuir crenças, ainda que não sejam capazes de falar. Caso se veja o fato de tais criaturas não terem uma linguagem como um problema para que possam ter crença, poder-se-ia imaginar que os Vigilantes do Clima foram no passado seres que falavam, mas como o tempo se tornaram estáticos e esqueceram esse passado, deixando de ter, inclusive, disposições para se comportar, pois nem se lembram que um dia se comportaram. Apesar disso, tais Vigilantes do Clima podem ter preservado a capacidade de pensar usando conceitos linguísticos. 

O caso imaginário dos Vigilantes do Clima revela que seres podem ter desejos e crenças sem que estejam dispostos a agir ou se comportar de uma dada maneira, e que alguém pode ter desejos, e ter o conceito de desejo, e saber o que é o desejo, sem saber o que é uma ação ou comportamento. Parece evidente, por esse caso imaginário, que o desejo não necessariamente envolve vontade, ação ou comportamento, ou qualquer disposição para agir ou se comportar. Portanto, o neobehaviorismo é falso. 

 

X. COMPORTAMENTO 

 

Muitos filósofos da mente contemporâneos são neobehavioristas, no entanto é possível ampliar a noção de comportamento de modo a ter uma visão neobehaviorista defensável. Uma forma de definir comportamento é a seguinte: Algo ser uma instância de comportamento da parte de um ser B significa ser uma moção ou mudança, ou falta de moção ou mudança, M, que é uma moção ou mudança em ou de B e que preenche as seguintes condições: 

Condição O: M é observável por outros; 

Condição D: M é descritível como algo que B faz; 

Condição I: M tem uma causa proximal interna; 

Condição C: M é resultado da atividade de um sistema central 

A combinação dessas condições ou a falta de algumas delas torna possível falar de diferentes tipos de ação. Uma ação pode ser, por exemplo, ter uma causa proximal interna sem ser observável. Alguns argumentam, ainda, que a condição D implica a condição C. O neobehaviorismo geralmente adota a tese de que a condição O é essencial para que algo seja considerado um comportamento. Uma outra alternativa, no entanto, poderia ser ampliar a noção de comportamento de modo a não necessariamente incluir a condição O, de modo que ações mentais como fazer contas mentalmente ou recitar silenciosamente uma poesia. 

Caso se adote uma noção ampliada de comportamento de modo que nem todo comportamento seja observável, então uma forma revisada de neobehaviorismo pode ser correta. Tal visão revisada pode ser chamada de neo-behaviorismo parcial ou neo-neo-behaviorismo. Nessa nova visão, uma grande parte das atividades mentais são comportamentos, mesmo que não sejam observáveis e, nesse sentido, torna-se verdadeiro que para uma compreensão adequada da natureza de certos estados mentais requer que façamos referência ao comportamento. No entanto, mesmo essa versão revisada do neobehaviorismo continuaria falsa para estados mentais como a sensação de dor, que não parece poder ser adequadamente chamada de um comportamento mesmo em um sentido ampliado. 

 

XI. O CONCEITO DE MENTE 

 

Por experiência, nos referimos à experiência consciente, ao fenômeno da vida que tem um conteúdo experiencial rico a cada momento. A experiência se refere a algo que é familiar a todos nós, é aquilo mais claro e evidente que possuímos. É evidente, nesse sentido, que há um fantasma na máquina, negar isso, como pretende Gilbert Ryle, é negar o óbvio. Uma boa teoria materialista e naturalista não pode negar o óbvio, mas deve antes, caso queira ser uma visão séria, considerar que não entendemos bem o maquinário do fantasma, dada nossa teoria atual da matéria. Se nossa concepção de matéria não torna possível haver uma explicação para a existência da consciência, então não é a consciência que deve ser negada, mas sim a nossa concepção de matéria que deve ser considerada inadequada. 

Adotar uma visão materialista de que a consciência é real, pode ser considerada uma forma de neocartesianismo naturalizado. É uma posição neocartesiana porque reconhece que Descartes estava correto ao entender a consciência como algo real e indubitável, mas é naturalista ao reconhecer que a consciência é um fato natural. A consciência ou experiência é o fato natural mais evidente e nenhuma forma de naturalismo pode ser considerada séria se nega esse fato. A experiência pode ser considerada aquilo que é necessário para que haja mente, mesmo que certos estados mentais não sejam experienciais. 

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