JESUS FOI UMA INVENÇÃO ROMANA? - AVALIAÇÃO CRÍTICA DA TESE DE JOSEPH ATWILL

 

O objetivo deste texto é considerar criticamente a teoria de Joseph Atwill, presente em O Messias de César, de que Jesus é uma invenção romana, mais especificamente uma criação da dinastia flaviana. Para o autor, Jesus é um mito inventado pela dinastia flaviana (Vespasiano, Tito e Domiciano) para acalmar as revoltas judaicas, especialmente após a destruição do Templo de Jerusalém em 70 d.C. por Tito. A dinastia flaviana teria contratado um conjunto de intelectuais, entre eles Flávio Josefo, para escreverem textos criando a figura de Jesus, como os Evangelhos e cartas atribuídas a Paulo. Para tanto, este texto é composto das seguintes partes: 

I. ARGUMENTOS A FAVOR DA TESE DE ATWILL 

II. RECONHECIMENTO ACADÊMICO DO ELEMENTO MITOLÓGICO DOS EVANGELHOS 

III. PROBLEMAS DA TESE DE ATWILL 

  

I. ARGUMENTOS A FAVOR DA TESE DE ATWILL 

 

Atwill apresenta os seguintes argumentos para a sua tese: 


1. Argumento dos paralelos entre Josefo e os Evangelhos: Há semelhanças entre os Evangelhos e os textos de Flávio Josefo (um judeu que se tornou um intelectual a serviço da dinastia flaviana), isso incluiria semelhanças entre as campanhas militares de Tito e as narrativas dos Evangelhos. Alguns dos paralelos citados por ele são os seguintes: 

1.1 Paralelo dos pescadores de Homens: 

Em Josefo: há a narrativa de homens sendo espetados com lanças como se fossem peixes. 

Nos Evangelhos: Jesus convida Pedro para ser pescador de homens. 

1.2 Paralelo da Maria Canibal: 

Em Josefo: Uma mulher chamada Maria come a carne de seu próprio bebê. 

Nos Evangelhos: Jesus pede aos discípulos que comam seu corpo e bebam seu sangue na ceia. 

1.3 Paralelo da queda no despenhadeiro: 

Em Josefo: rebeldes judeus liderados por dois homens são pressionados pelos romanos em um precipício, sendo obrigados a se lançar do despenhadeiro. 

Nos Evangelhos: os demônios de dois homens são lançados em porcos que se jogam do despenhadeiro.  

1.4 Paralelo do pedido de retirada dos corpos da cruz 

Em Josefo: Flávio Josefo, cujo nome real é José Mathias, pede que três corpos de amigos seus crucificados sejam retirados da cruz. 

Nos Evangelhos: José de Arimateia pede que o corpo de Jesus seja retirado da cruz. 


2. Argumento de Tito como Filho do Homem: Em 70 d.C., o Templo de Jerusalém foi destruído pelos romanos sob o comando de Tito. Esse relato é descrito nos Evangelhos como se fosse uma profecia de Jesus: 

“Ora, quando vós virdes a abominação do assolamento, que foi predita por Daniel o profeta, estar onde não deve estar (quem lê, entenda), então os que estiverem na Judeia fujam para os montes. E o que estiver sobre o telhado não desça para casa, nem entre a tomar coisa alguma de sua casa; E o que estiver no campo não volte atrás, para tomar as suas vestes. Mas ai das grávidas, e das que criarem naqueles dias!” - Marcos 13:14-17     

     Essa destruição do Templo é descrita como a “vinda do Filho do Homem”, que é um título divino presente no livro de Daniel 7:13. Ao identificar a destruição do Templo de Jerusalém por Tito com a vinda do Filho do Homem, o evangelista estaria indicando que Tito é o Filho do Homem, o que é corroborado pelo fato de que Tito era considerado “Filho de Deus”, já que ele era filho do imperador Vespasiano, que era tido como Deus. Visto que Jesus é o Filho do Homem, Jesus nada mais é do que uma representação tipológica de Tito. 


3. Argumento de Jesus como um Messias pacificador pró-Roma: Os judeus esperavam um Messias político, que viria para governar. Jesus foi criado justamente para contrapor essa imagem. Jesus é um Messias pacificador, ele não incita ninguém à violência, ensina que é preciso “dar a César o que é de César” (Mateus 22:21), dar a outra face para ser esbofeteada (Lucas 6:29) e “amar os inimigos” (Mateus 5:44). Jesus é, pois, um Messias que pede aos judeus que aceitem de maneira submissa as perseguições romanas, sem reagir. Ele não prega um Reino a ser construído pela violência, mas a ser alcançado por uma atitude de passividade e submissão. Isso seria um indicativo de que Jesus é um Messias criado para acalmar as revoltas judaicas. 


4, Argumento dos símbolos romanos: Atwill observa que os símbolos das moedas romanas (peixe, barco, oliva etc) aparecem nos Evangelhos como símbolos cristãos. É interessante pontuar também que esses símbolos não aparecem no primeiro século. Não há evidências arqueológicas de símbolos cristãos, como por exemplo cruz e peixe, no século primeiro. Isso também seria mais um indicativo de que os Evangelhos não datam do primeiro século como os acadêmicos propõem. O fato dos símbolos cristãos serem símbolos romanos, revela que o Cristianismo seria uma invenção de Roma.


Todos esses quatro argumentos são uma ilustração de como teorias da conspiração funcionam. Atwill faz um abuso de analogias e paralelos onde eles não existem. Pinça dados de fontes diferentes e estabelece relações fantásticas entre eles. Além disso, afirma, a partir desses paralelos forçados, conclusões exageradas sem evidência alguma, como a associação de Tito com o Filho do Homem. Ele também ignora os elementos da vida e ensinos de Jesus que não combinam com a ideia de um Messias romano. Por fim, ele ignora o desenvolvimento do próprio movimento cristão, o fato de que esse movimento era intra-judaico, carente inicialmente de símbolos, e que a construção desses símbolos só se deu a partir do momento em que o movimento cristão se afastou de suas raízes judaicas para incorporar elementos romanos. É importante lembrar que os cristãos no século I era um movimento judaico marginal sem importância.

Não espanta, pois, que, carregando os traços de uma mera teoria da conspiração, a teoria de Atwill tenha sido ignorada e desprezada por estudiosos sérios. Sua tese, no entanto, ganhou popularidade entre leigos e militantes sensacionalistas. Desse modo, é importante considerar um pouco alguns dos problemas de sua tese. Antes disso, no entanto, será preciso pontuar que os acadêmicos que pesquisam sobre o Jesus Histórico, isto é, que buscam determinar quem realmente foi Jesus em distinção das construções míticas e teológicas sobre ele, reconhecem o elemento mitológico dos Evangelhos, mas vão além de meramente constatar a existência do mito, pois buscam determinar o significado por trás do mito. 

 

II.  RECONHECIMENTO ACADÊMICO DO ELEMENTO MITOLÓGICO DOS EVANGELHOS 

 

É importante dizer que academicamente, não se nega que os evangelhos são em grande medida mitos escritos para agradar os romanos, além de terem influências da literatura, das mitologias e símbolos greco-romanos. Também, a academia reconhece que os Evangelhos não foram escritos pelos discípulos ou apóstolos. Os evangelhos são produtos de intelectuais de mentalidade grega, possivelmente de elite, que registraram tradições orais sobre Jesus, tradições que já estavam mesclados de elementos da mitologia greco-romana. Portanto, entre aqueles que defendem o Jesus Histórico e o Jesus puramente mitológico, há concordância entre dois pontos: (1) Os Evangelhos contém diversas narrativas mitológicas de inspiração greco-romana; (2) Os Evangelhos não foram escritos por apóstolos de Jesus, mas por autores já de mentalidade grega. 

O ponto é que a pesquisa sobre Jesus Histórico vai além de perceber a presença desses mitos. Os acadêmicos percebem que esses mitos carregam traços de historicidade que podem ser determinados por critérios de dissimilaridade (palavras e atos de Jesus em descontinuidade com o judaísmo e Cristianismo primitivo), constrangimento (registros evangelísticos que criam dificuldade para os próprios escritores dos evangelhos), múltipla confirmação (narrações evangelísticas comuns de autores que não tiveram contato entre si), traços de aramaico (palavras e atos de Jesus que fazem mais sentido ao serem remontados ao aramaico do que no grego) e ambientação palestina (palavras e atos de Jesus que refletem os costumes concretos, o contexto geográfico, histórico, comercial e político da palestina do século I). Esses traços presentes nos Evangelhos sugerem que eles foram construídos em torno de uma pessoa que existiu historicamente. 

 Uma analogia poderia ser pensar no caso de se eu morresse e meus seguidores inventassem um monte de fábulas sobre mim, no caso para agradar um novo povo que não é o que eu faço parte, que é o público greco-romano, o que naturalmente vai fazer com que me pintem muito diferente do que sou. Mas se alguém inventa fábula sobre mim não vai conseguir esconder totalmente alguns fatos sobre quem eu fui e por isso esses mitos terão neles mesmos traços que indicam que eu existi. No caso de Jesus há testemunhos externos também, como em Plínio e Tácito, por exemplo, que falam dos cristãos como uma superstição perversa, o que seria estranho se esses escritores romanos estivessem falando de uma criação romana. 

Um exemplo sobre traços de historicidade por trás de mitos, é encontrada na narrativa de nascimento de Jesus (Mateus 1:18 – 2:23; Lucas 1:26 – 2:20). Por exemplo, os Evangelhos têm duas narrativas mitológicas sobre como Jesus nasceu em Belém. Para Mateus, a família de Jesus sempre viveu em Belém (onde Jesus nasceu), mas teve que se mudar para Nazaré por causa de uma perseguição (onde Jesus cresceu). Para Lucas, a família de Jesus sempre viveu em Nazaré, mas foi para Belém por causa de um censo (onde Jesus nasceu). Veja, os dois Evangelhos se contradizem sobre como Jesus nasceu. Daí temos a primeira pergunta: se os flavianos estão criando um mito, como podem ter produzido duas narrativas contraditórias sobre como Jesus nasceu? Em segundo lugar, por que os autores estão tentando explicar por que Jesus nasceu em Belém, mesmo sendo de Nazaré ao invés de simplesmente afirmar que ele é o Messias de Belém? Ora, isso só faz sentido se eles tiverem tendo de lidar com um dado histórico (Jesus nasceu em Nazaré), mas que precisa caber em uma agenda profética (Jesus deveria nascer em Belém - Miqueias 5:2). Se os Evangelhos são puros mitos, nem as contradições narrativas nem o problema do local de nascimento de Jesus existiriam. 

Um segundo exemplo diz respeito às narrativas de paixões, que também possuem contradições entre si, o que seria estranho se todas são criações romanas. De qualquer modo, os Evangelhos têm narrativas de paixão que insistem de forma suspeita que Roma não foi responsável pela morte de Jesus. Para reforçar isso, usam vários recursos: Pilatos lava suas mãos, e faz de tudo para Cristo não ser morto, como oferecer Barrabás em troca, pedir que batam em Jesus para ver se apresentando Jesus machucado o povo judeu desistirá de vê-lo morto, além de um julgamento extenso que é um vai-e-vem entre Herodes e Pilatos cada um não querendo condenar Jesus ou o sonho da mulher de Pilatos para que ele não mate Jesus. Não basta dizer: “Isso é mito para pintar Roma como boa”. É preciso perguntar “Por que os Evangelhos insistem tanto que a culpa da morte de Jesus não é de Roma?”. Ora, a resposta é simples: é exatamente porque a culpa é de Roma.  

Um Herói morto por Roma é exatamente o contrário do que um judeu precisaria para não se revoltar contra Roma. Dizer que o Messias foi morto por Roma é incitar revoltas contra Roma. Veja, os Evangelhos não deixam de dizer que Roma matou Jesus, mas amenizam essa informação com narrativas mitológicas que diminuem a culpa dos romanos, lançando-a sobre os judeus. Só faz sentido haver a necessidade de amenizar algo, se há um dado constrangedor que os evangelistas se veem obrigados a registrar. Jesus foi morto, como indica a inscrição sobre sua cruz, por se declarar “Rei dos Judeus” (Lucas 23:38, atestado de forma múltipla em João 19:19) e sua morte aconteceu justamente na Páscoa, como é atestado também de modo múltiplo. A Páscoa era uma festa onde o Império Romano mandava matar sumariamente, sem julgamento, qualquer que ameaçasse um motim, e foi justamente isso que ocorreu com Jesus. Ele foi visto por Roma como uma ameaça. 

Esses exemplos servem para ilustrar que é preciso ir além de constatar o aspecto mitológico dos Evangelhos. É preciso entender a intenção da criação desses mitos, que só fazem sentido quando se entende os problemas históricos que esses mitos precisam resolver e que remontam a uma figura real. Por trás de toda mitologia dos Evangelhos, há um camponês pobre da zona rural analfabeto e de fala aramaica avesso às elites políticas dos centros urbanos que é tudo menos algo que se enquadra no modelo de um Messias romano.  

Um último ponto sobre a pesquisa acadêmica que merece consideração diz respeito aos diferentes modelos do Jesus Histórico. Algumas vezes se atacam as pesquisas sobre Jesus Histórico por apresentarem diferentes modelos de quem ele foi (um mago, um revolucionário, um profeta apocalíptico etc). Com isso, pretende-se desqualificar essas pesquisas. No entanto, é preciso considerar que esses modelos nem sempre são excludentes, alguns deles apenas destacam diferentes aspectos de Jesus. Em segundo lugar, é esperável de qualquer pesquisa histórica sobre uma pessoa da Antiguidade uma imprecisão e indeterminação sobre quem ela foi ou quais eram suas ideias principais. Em terceiro lugar, embora haja certas discordâncias, há pontos de consenso, como o fato de que Jesus foi batizado por João Batista e que ele morreu em uma cruz. Por fim, essas discordâncias é exatamente o que se deveria esperar caso um Jesus Histórico tivesse existido e dado origem a diferentes tradições sobre ele. Se Jesus fosse uma criação romana, era de se esperar encontrar um único retrato de Jesus no Novo Testamento, o modelo de um Messias romano, mas não é o que acontece. 

Tendo considerado tais pontos sobre a pesquisa acadêmcia do Jesus Histórico, podemos tratar melhor dos problemas das teses de Atwill. 

 

III. PROBLEMAS DA TESE DE ATWILL 

 

Além do que já foi considerado, como as analogias e paralelos forçados; a ignorância sobre os traços de historicidade (constrangimento, dissimilaridade, múltipla atestação, ambientação palestina, retorno ao aramaico etc), a tese de Atwill enfrenta diversos outros problemas. 

Por exemplo, os Evangelhos se referem a Tito como o “abominável da assolação”, que está onde não deveria estar (Marcos 13:14; Mateus 24:15), fazendo alusão a Daniel 9:27. No livro de Daniel quando Antíoco Epifanio profanou o Templo oferecendo um porco no altar e usando o Templo para culto a Zeus, o autor chamou isso de "abominação da desolação no lugar santo". Ou seja, Antíoco e sua profanação do Templo foi chamada de uma abominação que profanou o Templo. Quando Mateus 24:15 fala da abominação no Templo ele está falando que Tito está fazendo a mesma coisa que Epifânio, que é profanar o Templo. Ele é o abominável ou assolador. Epifânio quando profanou o Tempo desencadeou uma grande revolta entre os judeus chamada de revolta dos macabeus. Portanto, o efeito dessa comparação de Tito e Epifânio seria um incitador de revoltas judaicas, não o contrário. 

Além dos paralelos e analogias forçados de Atwill, não há nada que ligue o estilo e vocabulário de Josefo com o Novo Testamento. Para citar um exemplo, no Novo Testamento quando Tiago é mencionado ele é chamado de "Tiago, irmão do Senhor" enquanto Josefo o chamado de "Tiago, irmão de Jesus". Essa diferença pode parecer pequena, mas é um exemplo de que o vocabulário de Josefo e do Novo Testamento não é o mesmo. Josefo também usa muito a expressão "homem sábio", enquanto esse termo não é comum no Novo Testamento. É interessante notar, ainda, que temos muito menos evidências de que Josefo existiu do que Jesus, mesmo assim Josefo é citado como personagem histórico que deporia contra a existência de Jesus. Não evidência solida alguma que ligue o estilo e vocabulário de Josefo com o estilo e vocabulário dos autores do Novo Testamento. 

Não há razão para pensar em Roma criando religiões para acalmar povos. Essa não era a política de Roma. Roma não saía criando religiões para acalmar os ânimos de algum povo. O que Roma fez é exatamente usar a violência. Eles invadiram Jerusalém e destruíram o Templo em 70d.C. e fizeram com que os judeus fossem espalhados. A resposta romana para as rebeliões judaicas foi na base da violência, não da criação de uma conspiração religiosa. Além disso, na prática o que houve é que o Cristianismo foi rejeitado entre os judeus, no geral sendo aceito entre gentios. O que significa que na prática o Cristianismo não serviu ao propósito de apaziguar rebeliões judaicas. 

Seria impossível tratar aqui de todos os problemas, até porque são intermináveis. Por isso, deixarei aqui uma lista de 23 questões que revelam os problemas da tese de Atwill, entre elas algumas que tratam de problemas já citados: 

1. Uma leitura dos Evangelhos deixa claro que Jesus era contra a elite política de seu tempo, posicionando-se sempre ao lado dos oprimidos e nunca tomando o lado do opressor. Como esse Jesus questionador das opressões se harmoniza com um Jesus que promovia a submissão a Roma?  

2. A morte de Jesus foi política. A razão está até mesmo no escrito que foi colocado sobre sua cruz "Jesus, Rei dos Judeus". Jesus foi morto por se declarar rei dos judeus, contra, pois, o poder de Roma. Isso não é um problema para a tese de um Jesus pró-Roma? 

3. Jesus foi evidentemente morto pelos romanos. Ainda que os evangelistas tentem amenizar isso, eles não deixam de dizer que Jesus foi morto por Roma. Inclusive as tentativas dos Evangelhos de retratar um Pilatos bonzinho (e a gente sabe pela História que ele não era assim) ou a figura de Barrabás e dos judeus condenando Jesus, é justamente porque a mensagem de Jesus morto por Roma incomodava até mesmo os escritores dos Evangelhos e seus leitores, tratava-se de uma informação constrangedora para os próprios evangelistas, mesmo assim eles tiveram de registar tal informação constrangedora. Ademais o mito de um herói morto por Roma traria o efeito oposto de acalmar revoltas judaicas contra os romanos. Por que os evangelistas registaram essa morte, por que não evitaram tamanho constrangimento? 

4. Os Evangelhos lidam com informações problemáticas sobre Jesus que se estivessem só criando um mito não precisariam lidar. Um exemplo é a tentativa dos evangelistas de resolver o problema de ele ser de Nazaré (quando na verdade deveria ter nascido em Belém pela profecia) outro exemplo é o esforço dos Evangelhos de resolver as coisas com o movimento de João Batista (mais um que foi morto por Roma por pregar que o Reino de Deus suplantaria o de Roma). Se os Evangelhos fossem um mito inventado, todos esses problemas não desapareceriam? 

5. Nos Evangelhos, Jesus escolhe doze discípulos representando as 12 tribos de Israel, revelando que com isso ele pretendia restaurar o Reino de Israel. Jesus prometeu ainda que quando seu Reino for estabelecido cada um dos discípulos se sentaria em um trono (Mateus 19:28). Se Jesus é uma invenção do Império Romano, como pode ele ter pregado a restauração do Reino de Israel? 

6. Jesus nunca se colocou como um anti-judeu. Ele sempre insistiu que não veio abolir a lei judaica, mas cumpri-la. Ele sempre se referiu à Bíblia Hebraica como sua base de fé. Embora os autores dos Evangelhos revelem um antissemitismo na sua escrita (a exemplo da criação da figura de Judas Iscariotes), o próprio Jesus não se enquadrava como tal. Como um judeu fiel às tradições judaicas se harmoniza com um Jesus pró-Roma? 

7. Os Evangelhos deixam claro que Jesus era um camponês pobre que trabalhava como carpinteiro e que vivia em uma vila miserável, tendo até nascido (na versão de Lucas) em um estábulo. Aliás Jesus sempre pregou nos campos e pequenos vilarejos, evitando pregar em cidades grandes nas quais viviam a elite política. Por que Roma criaria um Messias que é da classe mais explorada e subalterna dos judeus e que sempre pregou exatamente contra a exploração e opressão? 

8. Lucas narra que Herodes tentou matar Jesus desde criança. Por que o Império Romano criou um Messias que desde criança foi objeto de perseguição e tentativa de assassinato por parte das autoridades romanas? 

9. Se Jesus foi uma criação de Roma e de autores intelectuais de elite urbana, por que todas as suas parábolas (parábolas dos lavradores, da semeadura etc) são baseadas na vida camponesa pobre e rural da palestina do século primeiro? Não indicam essas parábolas que Jesus foi realmente um camponês pobre da zona rural?  

10. As profecias sobre a vinda do Filho do Homem são fortemente escatológicas. É do céu que esse Filho do Homem vem, e ele vem justamente para derrubar todo Império terreno e estabelecer o Reino dos Céus. Inclusive Jesus disse que seu Reino não era desse mundo. Será mesmo que os Evangelhos pensam o Filho do Homem como o general Tito? 

11. O Novo Testamento faz críticas a Roma. Um exemplo claro é o livro de Apocalipse que retrata Roma como a "Besta", a "Prostituta", a "Babilônia". Os autores também insistem que só Cristo deve ser chamado como Senhor se opondo à divinização de César. Como isso se harmoniza com o Cristianismo como uma criação romana? 

12. Uma comparação dos Evangelhos nos revela diversas contradições. De um lado é claro que eles narram os mesmos eventos, mas ao narrar esses eventos eles narram de formas que entram em muitas contradições. Isso significa que Roma teria criado Evangelhos com as mesmas narrativas, mas cheias de contradições entre si? Se os Evangelhos são criações de Roma não era de se esperar que, pelo menos quando narram as mesmas histórias, eles não estivessem cheios de contradições?  

13. Os Evangelhos e o resto do Novo Testamento estão cheios de narrativas, doutrinas e instruções que nada tem a ver com submissão a Roma. São doutrinas teológicas e princípios morais sobre temas e assuntos diversos de sabedoria e teologia. Qual o propósito disso na criação de um mito para promover submissão a Roma? 

14. Será que os Evangelhos cumpriram mesmo a função de pacificar as rebeliões judaicas quando na verdade o Cristianismo foi marjoritariamente aceito entre gregos e romanos e em geral rejeitado pelos judeus? Afinal de contas, porque eles se direcionam muitas vezes mais ao público gentio? 

15. Podemos ver evidências que Mateus e Lucas não tiveram contato entre si (a começar pelas diferenças significativas em suas narrativas sobre o nascimento de Jesus), no entanto, eles concordam em muitas narrativas e palavras de Jesus. Essa múltipla atestação de palavras e atos de Jesus por autores que não tiveram contato não favorece que alguns de seus elementos tenham um fundo histórico? 

16. Atwill pontua paralelos entre Josefo e os Evangelhos. Esses paralelos eram de se esperar, já que os evangelistas provavelmente eram gentios gregos vivendo no Império Romano que conheceriam literaturas, símbolos, mitos e expressões gregas e romanas (e claramente as usaram em seus Evangelhos). No entanto, o que essas analogias provam além de que os escritores dos Evangelhos tinham influência greco-romanas? 

17. Nos Evangelhos a destruição do Templo por Tito é chamada de "abominação da desolação", que está onde não deveria estar (Mateus 24:15), termo que se refere a Daniel, que usa o termo para falar da profanação do Templo por Antíoco Epifânio. Essa profanação foi responsável por gerar a revolta judaica dos macabeus. Será que faz sentido que um Evangelho escrito para conter revoltas judaicas contra a dinastia flaviana após a destruição do Templo compare Tito com Antíoco Epifânio, que ao profanar o Templo incitou a revolta dos macabeus e ainda o chame de "abominação da desolação"? 

18. Jesus é chamado de "Filho de Davi", as genealogias dos Evangelhos o colocam como herdeiro do trono de Davi e desde Paulo ele é considerado como tal. Um Jesus que seja retratado como herdeiro do trono real de Davi não seria uma ameaça para Roma? 

19. Jesus disse que toda autoridade e poder lhe foram dados no céu e na terra (Mateus 28:18). Com isso Jesus não se coloca acima de todo poder terreno, incluindo Roma? 

20. Apocalipse 11:15 diz que quando Jesus voltar todos os reinos do mundo se tornarão dele. Isso não mostra que o estabelecimento do Reino de Deus foi entendido como trazendo a queda de todos reino humano, incluindo Roma? 

21. As supostas analogias que Atwill vê entre Josefo e os Evangelhos não são forçadas? Como as analogias de homens sendo espetados por lança em Josefo e a expressão "pescadores de homens" nos Evangelhos; ou analogia entre uma mulher comer seu bebê e a santa Ceia; ou revoltosos caindo do penhasco e porcos endemoninhados se lançando do despenhadeiro. Não são analogias como esses paralelos claramente forçados? 

22. Se Jesus é uma criação romana, por que ele passou como alguém marginal, praticamente não citado em documentos romanos e mesmo em Josefo quase não aparecendo em seus escritos. Se Jesus foi uma criação romana, não é estranho que ele não tenha recebido atenção ou pelo menos menção de documentos romanos da época? 

23. Se Jesus foi criado para promover a ideia de um Messias pacífico que buscava promover a submissão dos judeus, como explicar falas de Jesus como "Eu não vim trazer paz ao mundo, mas guerra" (Mateus 10:34)? 

 

BIBLIOGRAFIA 

 

Eu escrevi o texto acima naturalmente e espontaneamente, o que significa que não escrevi fazendo referências diretas à literatura sobre o assunto, mas escrevendo mais livremente a partir do que já li e estudei. No entanto, deixarei aqui os trabalhos (livros, vídeos, playists e canais) que tratam de forma séria dos assuntos abordados aqui, e que podem servir de fonte séria de estudo sobre o assunto: 


BERSOT, Cláudio. Caminhos do Imaginário. Canal no Youtube: https://www.youtube.com/c/Caminhosdoimagin%C3%A1rio 


CAVALCANTI, Juliana. Juliana Calvancanti. Canal no Youtube: https://www.youtube.com/c/JulianaCavalcanti 


CHEVITARESE, André. Andre Leonardo Chevitarese. Canal Youtube: https://www.youtube.com/c/AndreLeonardoChevitarese 


CONTIJO, Daniel; CHEVITARESE, André; MATTHIES, Jonathan. Jesus existiu? Há um Jesus HISTÓRICO e um Jesus da FÉ? | André Chevitarese e Jonathan Matthies. Disponível em: https://youtu.be/qkFVNQYpAIs 


SMITH, Morton. Jesus the Magician: A Renowned Historian Reveals How Jesus was Viewed by People of His Time. Newburyport: Hampton Roads Publishing Company, 2014. 


EHRMAN, Bart. Jesus: Apocalyptic Prophet of the New Millennium. New York: Oxford University Press, 1999.

 

EHRMAN, Bart. O que Jesus Disse? O que Jesus Não Disse? Quem Mudou a Bíblia e Por Quê. São Paulo: Prestígio, 2006.  


EHRMAN, Bart. The Historical Jesus. [Playlist Youtube] Disponível em: https://youtube.com/playlist?list=PLTYADdqRvywQ6ZhnNQ40qOjGyzobLouI8 


MARTIN, Dale B. New Testament History and Literature. [Playlist Youtube] Disponível em: https://youtube.com/playlist?list=PL279CFA55C51E75E0 


MATTHIES, Jonathan. Prof. Jonathan Matthies. Canal no Youtube: https://www.youtube.com/user/Jonathan14734 


MEIER, John. Um Judeu Marginal: Repensando o Jesus Histórico volume 1. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1993. 


RIBEIRO, Oswaldo. Tendo do Necromante. Canal no Youtube: https://www.youtube.com/c/ATENDADONECROMANTEOsvaldoLuizRibeiro 


SMITH, Morton. Jesus the Magician: A Renowned Historian Reveals How Jesus was Viewed by People of His Time. Newburyport: Hampton Roads Publishing Company, 2014. 


Convido também a conferir a Playlist do meu canal sobre Bíblia: https://youtube.com/playlist?list=PL5_BGwgT0H5slVENC37RvdZghVy-6sgeT 


Além dos seguintes outros textos deste Blog: 

COMO SABER SE O QUE OS EVANGELHOS RELATAM SOBRE JESUS É HISTÓRICO OU NÃO? => http://brunosunkey.blogspot.com/2021/09/como-saber-se-o-que-os-evangelhos.html 

O JESUS HISTÓRICO COMO PROFETA APOCALÍPTICO => http://brunosunkey.blogspot.com/2021/09/o-jesus-historico-como-profeta.html 



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