MICHEL HENRY E A RELIGIÃO - TEXTO DE MICHAEL O'SULLIVAN (TRADUÇÃO)
O que se segue é uma tradução do capítulo “Henry and religion” do livro “Michel Henry: Incarnation, Barbarism and Belief: na introduction to the work of Michel Henry” de Michael O'Sullivan. O texto apresentas as seguintes seções: (i) Filosofia do Cristianismo; (ii) Fenomenologia e Cristianismo; (iii) Fé e amor; (iv) As Escrituras e a Palavra; (v) Os Paradoxos do Cristianismo; (vi) Palavras de Cristo.
I. FILOSOFIA DO CRISTIANISMO
Henry é possivelmente o único
filósofo que elaborou explicitamente o que ele descreve como uma “filosofia do
cristianismo”. O Cristianismo se torna um elemento importante nas obras
posteriores de Henry, mais particularmente em “Palavras de Cristo”, “Encarnação”,
“Eu sou a verdade” e os ensaios coletados postumamente publicados como “Phénoménologie
de la vie, Tomo IV: Sur l'éthique et la religion”. Mesmo que Henry não
apresente sua obra sobre religião como uma refutação da teologia tradicional,
seu entendimento de noções tais como religião e Deus é radicalmente novo, uma
vez que ele está preocupado em tornar essas noções partes integrantes de sua
fenomenologia material. A obra de Henry rejeita consistentemente qualquer
sistema de pensamento que se torna ideológico. Seu trabalho sobre o marxismo, a
psicanálise e a fenomenologia destacaram, por meio de leituras atentas de
textos extensos e às vezes obscuros, aporias e inconsistências que mostram
claramente como até mesmo os sistemas de pensamento mais persistentes são
suscetíveis ao erro humano. Ele tem o cuidado de examinar cada sistema de
pensamento da perspectiva do homem e da mulher trabalhadora cuja necessidade e
capacidade de sofrer é sempre uma consideração primordial. Suas leituras sobre
religião não são exceção. Elas não nos apresentam um catecismo, uma releitura
acadêmica das escrituras, ou uma longa diatribe sobre a doutrina da Igreja, mas
ao invés disso, busca reinventar Cristo e Deus como personagens proveitosos
para as narrativas diárias da existência humana.
Em seu ensaio “Arte e
Fenomenologia da Vida”, Henry oferece uma breve descrição do que religião
significa para ele. No extrato seguinte, ele explica o significado da palavra
religião:
O que é a religião? Religião
vem do termo "religio", que significa um vínculo - quer essa
seja a real etimologia ou não, isso não importa. Esse vínculo é, para mim,
aquele do vivente em relação à vida. É o vínculo misterioso e interior que existe
de tal modo que não há vivente sem vida - uma vida que é sua e maior que seu ego.
A ética tem como objetivo dar vida a esse vínculo, ou seja, fazer com que esse
vínculo esquecido seja re-experienciado.
Henry estende essa concepção
de religião como um vínculo que une a vida individual e a vida universal à sua
compreensão de Deus. No apêndice, “Discussão em torno da obra de Michel Henry”
do quarto volume de seus ensaios postumamente publicados, Henry discute seu
trabalho com Jacob Rogozinski e outros, e, nesse processo, ele faz alguns
comentários reveladores a respeito da sua obra sobre religião. A concepção de
Henry do Deus cristão é radicalmente nova. Ele concebe Deus tanto como um ato
quanto como sendo “patético”. Jacob Rogozinski considera a descrição de Deus de
Henry como definindo Deus como a “Vida absoluta que se engendra eternamente -
como aquilo que a Revelação Cristã chama de Deus”. Henry concebe Deus dessa
maneira porque a concepção tradicional de Deus como um ser onisciente um tanto
indiferente teria primeiro de ser questionada na medida em que ela emprega as
noções dualistas e idealistas de conhecimento e ser que ele rejeita. A solução
de Henry é conceber Deus como uma continuação da vida que cada indivíduo
possui. Existe para cada indivíduo o que Henry chama de “interioridade
recíproca fenomenológica”, uma noção que ele relaciona ao senso de “causalidade
imanente” de Spinoza. Mesmo que Henry reconheça que existe tanto “o ego da vida”,
que é equivalente à sua concepção de Deus, e o ego individual, é “o ego da vida
que é a permanente possibilidade interior do meu próprio ego”. É esse esquema
de vida que permite a Henry apresentar Deus como um movimento de autogeração
eterna dentro de cada indivíduo, um movimento que permanece aberto para aqueles
que reconhecem a vida em termos de sua concepção de autoafetação. Henry
desenvolve essa abordagem da relação da humanidade com o Cristianismo por meio
de seu exame do “mistério” central da fé cristã, que é a Encarnação.
II. FENOMENOLOGIA E CRISTIANISMO
Henry
considera o Cristianismo e sua própria concepção da fenomenologia material como
possuindo muitas características semelhantes. Ele explica que escreveu seu “livro
sobre o Cristianismo [Eu Sou a Verdade] muito tardiamente”. Seu livro se tornou
uma espécie de “ilustração” da fenomenologia material, a fenomenologia da vida
que ele já havia elaborado. Seu trabalho não sofreu uma transformação dramática
da fenomenologia para a teologia cristã com a publicação de “Eu Sou a Verdade”;
ao invés disso, seu trabalho realizou a descoberta um tanto fortuita de que
muitas de suas motivações e estratégias fenomenológicas poderiam ser ilustradas
de maneira bastante recompensadora por meio dos conhecidos mistérios e
narrativas do Cristianismo. Henry escreve que descobriu “no corpo, porque é ao
mesmo tempo um corpo no mundo e um corpo na vida, uma espécie de prova dessa
dualidade do aparecimento que é o fundamento da minha filosofia”. Henry decidiu
escrever um livro sobre o Cristianismo porque, sendo “algo completamente
diferente de uma filosofia”, também “encontra intuições ali”, na vida do corpo.
Henry explica a conexão entre o Cristianismo e sua própria fenomenologia da
vida da seguinte maneira:
Quando analisei o
Cristianismo, tentei tornar inteligível um certo número de suas proposições,
como, por exemplo, a proposição “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, pois é
necessário entender que é uma coisa fascinante que eu seja a verdade; para
apreender este sentido é igualmente necessário compreender que a verdade é
afetividade, é vida, e que dentro desta vida há uma ipseidade; estas são as
equações fundamentais sobre as quais a fenomenologia da vida pode lançar luz e
sobre as quais o faz.
Visto que Henry fez tais
comparações entre sua pesquisa fenomenológica e as investigações sobre os “mistérios”
do Cristianismo, ele também foi considerado como derivando sua concepção de
ética dos ensinamentos do Cristianismo. Paul Audi perguntou a Henry: “Deve-se
acreditar, segundo você, que a ética cristã é a única ética adequada ao homem
como pessoa viva?”. Henry apresenta um importante argumento filosófico em
resposta a essa pergunta. Ele acredita que a questão central é que se alguém
considera “as verdades do Cristianismo” como sendo “as verdades absolutas” de
qualquer fenomenologia da vida, então também considera a sua ética do mesmo
modo como absoluta. Ele argumenta que existem certos sistemas de crenças e
sistemas de conhecimento, como a ciência, que injustificadamente “pretendem
falsamente ser apodíticas e universais”. Ele descreve a geometria como um “protótipo”
de tal sistema de crença, um sistema de crença no qual “os raios de um círculo
só podem ser iguais”. Henry afirma que “em geral” sempre haverá “verdades desse
tipo” e que a questão central é, portanto, se “alguém é capaz de fundar essa
pretensão de universalidade?”. Henry, então, faz uma distinção sutil entre o
uso dessa “pretensão de universalidade” em termos da “nobreza” da humanidade e
em termos de seus direitos. Ele acredita ser possível propor a pretensão da
ética cristã a tal universalidade, quando se trata de nobreza humana, porque,
como ele sugere, “no final todo discurso pretende ser verdadeiro”. No entanto,
ele argumenta que se torna muito mais difícil argumentar a favor da
universalidade de uma ética cristã quando se fala em termos de direitos
humanos. Em tal situação, Henry parece estar argumentando que um “salto de fé”
é necessário, uma vez que os “pressupostos teóricos do Cristianismo” já devem
estar “de acordo” com “uma fenomenologia da vida”. Em outras palavras, Henry
parece estar reconhecendo que existem duas versões de ética. Por um lado, há um
sentido abstrato do termo que interage com nosso sentido interior de nobreza e
vida, e por outro lado, há uma ética que se desenvolveu de acordo com a
democracia. A primeira concepção de ética teria dificuldade em se reconciliar
com os fundamentos da democracia, uma vez que estes são, para Henry, eles
próprios baseados na rejeição de um “princípio cristão” e de qualquer noção de
um “Estado religioso”. Parece ser o caso, portanto, que embora a concepção de
ética de Henry tenha muito a aprender com a investigação religiosa, sua posição
dentro da democracia constitucional e das disputas de direitos humanos teria
que ser questionada.
Uma das noções religiosas a
que Henry se dedicou muito é a Encarnação. Isso o levou a dificuldades com os
seguidores do gnosticismo e do judaísmo. Ele admite que mesmo entre “os
cristãos há aqueles que seguem o pensamento grego e não são capazes de aceitar
a Encarnação”. O que ele não aceita no dualismo do pensamento grego clássico,
entretanto, é que ele essencialmente define o homem como “um animal”, como algo
de “nenhuma grande importância” que, ademais, é provido com um “logos”; ele
questiona se é esta “animalidade que serve como a substância de Deus!”. Henry
emprega a Encarnação como um termo que descreve um elemento essencial do
Judaísmo e do Cristianismo que se opõe a esta concepção do homem: “Por exemplo,
no que diz respeito ao corpo (a Encarnação), o pensamento grego é um pensamento
dualista: existe a alma que se abre até o inteligível, o noûs que é
eterno, e então há um corpo perecível. Tal dualismo não existe nem no judaísmo,
nem no cristianismo”. Henry acrescenta que sua obra não “falou da Encarnação,
que é um tema central do Cristianismo, não falou da cruz pela boa razão de que
meu livro está preocupado com o problema da verdade no Cristianismo e isso já é
muito difícil, já é um assunto vasto e eu não tinha intenção de falar de nada
que não tivesse relação direta com isso”.
Seu objetivo no livro “Encarnação:
por uma filosofia da carne” é, portanto, “escrever um livro não sobre a
Encarnação que se refira efetivamente a uma temática cristã, mas sim a respeito
da encarnação em geral, entendida como tal. Eu coloco, assim, a questão de
saber tudo o que pode ser dito sobre aquilo que diz respeito à vida absoluta ou
Deus”. Em outras palavras, Henry emprega o termo encarnação por seu efeito
retórico. Ele deseja sugerir que um elemento central da corporeidade da vida
foi perdido com a adesão da filosofia ocidental à metafísica grega. Essa noção
de vida absoluta, do corpo concebido como carne, existe, acredita Henry, na
linguagem retórica das Escrituras. Ele, portanto, emprega o termo encarnação
tanto por seu efeito retórico quanto “espiritual”, a fim de evocar um aspecto
da humanidade que se tornou submergido sob o dualismo e a barbárie. Henry nunca
afirma explicitamente que a fé em tudo o que o Cristianismo ensina é um
pré-requisito para aceitar sua filosofia. Ele afirma, no entanto, que “não se
pode fundar uma ética cristã, o que é algo extremamente complexo, a menos que
se esteja de acordo com os pressupostos do cristianismo”. Visto que Henry nunca
afirma quais são essas pressuposições, e visto que grande parte de sua
filosofia do Cristianismo está preocupada em reavaliar as concepções
tradicionais de crença, é improvável que ele pretenda que sua filosofia presuma
tais concepções tradicionais de fé ou crença no leitor.
Em seu ensaio “Cristianismo:
uma Abordagem Fenomenológica”, Henry descreve como a fenomenologia pode
aprender com o Cristianismo e como o Cristianismo pode aprender com o que ele
descreve como uma fenomenologia da vida. Ele reitera que o verdadeiro “objeto
da fenomenologia” não é o objeto no sentido do conteúdo, “não se trata do modo
pelo qual os objetos se dão para nós, mas do modo pelo qual a própria doação se
dá, o modo pelo qual a pura manifestação se manifesta em si mesma, ou em que a
revelação pura se revela... O objeto da fenomenologia é o modo de
fenomenalização segundo o qual a fenomenalidade se fenomenaliza a si mesma”. É
esse modo de manifestação que revela, para Henry, as insuficiências das
filosofias de Husserl e de Descartes. Henry nos lembra que é quando “a questão
da autorrevelação da intencionalidade, [o que fundamenta a fenomenologia
husserliana para Husserl] ou consciência, torna-se aquela da autorrevelação do
fluxo, de sua Selbsterscheinung, que uma questão inquire a respeito da
autoconstituição desse fluxo”. Em outras palavras, a preocupação central de
Henry é explicar como a doação se funda, como o “ato de aparecer” aparece para
o sujeito. Isso é alcançado por meio da elaboração de uma fenomenologia
material que constrói um novo vocabulário para descrever a relação do indivíduo
consigo mesmo. Henry invoca essa relação material, que ele incansavelmente
investigou e elaborou por meio de termos como práxis, autoafetação e
encarnação, uma subjetividade rejuvenescida que é a própria vida. Ao apresentar
esse argumento, ele é então capaz de mostrar claramente o que essa
fenomenologia da vida compartilha com o Cristianismo. Ele escreve que “visto
que o Cristianismo defende que a essência da realidade é a Vida” e “se organiza
em torno dessa realidade que é a vida”, qualquer fenomenologia que almeje “o
método fenomenológico intencional de elucidação está, em princípio, em falta”.
É porque “o Deus cristão” também não é “nada além de vida, doação de si mesmo”
que a “fenomenologia da vida e do Cristianismo são congruentes no sentido de
que a realidade que se desenrola neles é a mesma, seus problemas são os mesmos”.
Henry também entende a
realidade do Cristianismo e a fenomenologia da vida nos termos do corpo, que
ele também chama de carne e autoafetação. A realidade central dessas duas
disciplinas é a realidade como “a autodoação da vida”. Tal modalidade de vida
cria um estilo de vivência que não pode ser testada ou comprovada enquanto tal.
Esse modo de viver se realiza no “páthos” que também constitui a “fenomenalidade
dessa prova”, ou “sua pura substância fenomenológica”. Em outras palavras, a
passagem da doação da vida pelo páthos do viver, pela necessidade, pela
fome e pela alegria, revela o elemento central da existência, ou sua “pura
substância fenomenológica”. É essa “carne patética”, que sofre todas as emoções
e dores humanas, que serve como a confirmação final da “congruência entre a
fenomenologia da vida e o Cristianismo”. Henry argumenta que o Cristianismo
coloca a questão do corpo antes da fenomenologia o fazer, no entanto, ele
sugere que o Cristianismo trata o corpo em termos de uma “dogmática que parece
se impor a si mesma ao pensamento como uma restrição estrangeira”. Entretanto,
Henry sugere que a fenomenologia pode aprender algo a partir desse dogmatismo.
Ele acredita que “essa passividade do pensamento em relação a um conteúdo dogmático”
retorna como uma passividade fundamental, como “a passividade do vivente em
relação à vida”. Henry parece estar sugerindo que essa passividade fundamental
surge da natureza dogmática do Cristianismo, mas que é um estado do vivente que
é necessário tanto para o Cristianismo quanto para a fenomenologia se ambos
desejam perceber a verdadeira natureza da “relação da vida com um vivente
entendido como interior ao processo de fenomenalização da vida”.
No ensaio “A Experiência dos
Outros: Fenomenologia e Teologia”, Henry explica como as palavras e
ensinamentos de Cristo podem apresentar a intersubjetividade como elemento
primordial tanto do Cristianismo, como é entendido por Henry, quanto de sua
fenomenologia material. Henry lê as palavras de Cristo, “Eu te amei antes da
criação do mundo”, implicando que o amor entre as pessoas de acordo com sua
fenomenologia da vida presume que as pessoas são “consubstanciais”, ou que o
amor de si mesmo presume uma compreensão de si que já pressupõe uma consubstancialidade
entre o eu e o outro. Este modelo de amor encontra sua expressão mais duradoura
para Henry no amor entre Deus Pai e Seu Filho:
A experiência de si mesmo, o
jogo de si, amar-se de tal maneira que este gozo de si se produza na Vida
absoluta como a geração através dela do Ego Primordial em que se experimenta e
então se ama - esta experiência de si mesma nesta Vida absoluta que se ama em
si mesma - é o resultado do fato de que todos se amam em um “outro” (toda
exterioridade posta fora de jogo) que nunca é exterior a ele, mas interior e
consubstancial... Que essa relação de interioridade fenomenológica entre a Vida
absoluta e o Ego Vivente Primordial é recíproca, é algo que o contexto joanino
[termo de Henry para os escritos de João Evangelista] nunca cessa de afirmar
aqui em sua estrutura formal. Nessa obra, a interioridade fenomenológica do Pai
com o Filho encontra-se constantemente posta como a interioridade do Filho com
o Pai: “como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti”.
Henry acha surpreendente que esta
relação de fenomenologia a interioridade “entre a Vida e seu Verbo [que Henry
usa como termo intercambiável ao termo Ego Primordial]” “se repete na relação
entre este absoluto e a humanidade, na ocorrência entre a Palavra humana e todo
ego concebível”. É porque, para Henry, “todo ego transcendental, o dos outros
tão bem quanto o meu, é gerado no processo de autogeração da Vida absoluta em
seu Verbo” que é necessário começar nossas investigações sobre a
intersubjetividade “a partir desse ponto”. Henry escreve que é apenas em uma
investigação iniciada a partir de tal “ponto de partida” que pode residir “a possibilidade
última não apenas de cada Ego vivente transcendental, mas também de sua relação”.
Henry escreve que os “pressupostos de uma fenomenologia da vida se descobrem
aqui como uma introdução às intuições decisivas do Cristianismo e,
notavelmente, à sua concepção extraordinária de intersubjetividade”. Para
Henry, o Verbo se refere a mais do que apenas os ensinamentos de Cristo ou às
Escrituras, refere-se à mediação desses ensinamentos por meio da existência
fenomenológica interior do indivíduo, uma prática que é primeiro decretada e
incorporada na encarnação original em Cristo, um processo que pode continuar
por meio de indivíduos que aceitam a fenomenologia da vida de Henry. É nesse sentido,
onde Cristo surge para prefigurar a vida fenomenológica como “Vida absoluta” do
indivíduo, que a vida para a fenomenologia de Henry já é inerentemente uma vida
intersubjetiva; cada indivíduo assume uma vida já marcada por essa
consubstancialidade ou encarnação originais.
III. FÉ E AMOR
Aceitar
a comparação entre a fenomenologia e o Cristianismo de Henry pressupõe, é
claro, um certo grau de fé e crença por parte do indivíduo. Em “Eu sou a
Verdade”, Henry examina o conceito de fé. Em um capítulo intitulado “O segundo
nascimento”, Henry argumenta que a crença em Deus não deve ser construída sobre
a fé que busca apenas a “prova da existência de Deus”. Henry remonta suas
leituras a respeito desse tipo de fé aos escritos de Santo Anselmo de
Cantuária. Ele argumenta que Santo Anselmo não é capaz de chegar a uma prova
conclusiva para a existência de Deus porque suas perguntas se baseiam na busca
da “presença de Deus”. Anselmo se acha constantemente frustrado em suas
tentativas porque, para ele, “a fé” e “o acesso a Deus” são “reduzidos a uma
concepção do entendimento”. Para Henry, a concepção de fé de Anselmo “desperta
e estimula o entendimento” e “imediatamente cede lugar a esse mesmo
entendimento”. Em outras palavras, fé e entendimento se confundem para Santo Anselmo
e ele presume que Deus deve “residir em uma luz inacessível” porque Deus é
concebido em termos de um entendimento que aceita apenas o que pode ser
percebido. Henry, portanto, parece estar sugerindo que conceber a fé e Deus
apenas em termos de prova e “luz” é objetificar a fé em termos de ciência e
percepção, o que só serve para substituir a fé, assim como a cultura foi
substituída, por uma filosofia da representação, que é empírica e marcada pela
barbárie.
Ao
contrastar a fé com “a Lei’, ou com o que “governa o sistema ético e religioso
de um povo” e “é exterior aos indivíduos que o compõem”, Henry argumenta que a
fé deve “ser entendida à luz das intuições fundantes do Cristianismo, não como
uma forma de pensamento, mas como uma determinação de Vida”. Considerando que a
Lei é vista como um movimento que desenrola a si mesmo, para Henry, nas
religiões e sistemas de crenças que privilegiam a palavra das Escrituras em
detrimento da “ação” que pode pôr em vigor ou cumprir esta palavra, a fé “não é
produzida no campo do conhecimento, como se fosse um tipo de conhecimento
inferior”.
A fé não é uma consciência
significativa que ainda se encontra vazia, incapaz de produzir seu conteúdo por
si mesma. A fé não pertence ao reino da consciência, mas sim ao do sentimento.
Nasce do fato de que ninguém jamais se deu a vida, mas sim que a vida se doa a
si mesma, e se doa ao vivente, como aquilo que o submerge de tal modo que é na
vida que ele vive totalmente enquanto vivente e na medida em que a vida o dá a
si mesmo. A fé é a certeza de viver do vivente, uma certeza que só pode chegar
a ele, em última instância, da certeza absoluta da própria vida de viver
absolutamente, de sua autorrevelação, sem reservas, na força invencível de sua
Segunda Vinda. É por isso que a fé nunca tira sua força de um ato temporal e
nunca se mistura com ele. A fé é a Revelação ao homem de sua condição de Filho,
o apego do homem no autoapego da Vida.
Essa concepção de “Fé” leva
Henry a uma reavaliação de outro aspecto fundamental do Cristianismo. Henry
acredita que, como os Mandamentos foram postulados por ordens religiosas como
dogmas ou regras, isolados da própria vida que os cumpre, eles apareceram como
equivalentes à própria “Lei”. Henry acredita que os Mandamentos devem ser
diferenciados da noção de “Lei” que, para ele, “governa o sistema ético e
religioso de um povo”. A noção de “Lei” também é importante para os escritos
messiânicos posteriores de Derrida sobre religião. Henry argumenta que o
Mandamento só comanda em função do que a vida é. O Mandamento é apenas um
Mandamento de amor, porque Vida é amor”. Em outras palavras, os Mandamentos não
são códigos morais ou diretrizes éticas de comportamento, eles são expressões
das condições reais da vida fenomenológica que buscam combinar a palavra
absoluta das Escrituras com seu cumprimento no “abraço patético da vida”. A
filosofia de Henry consiste consistentemente no ato de fundir a essência com
sua manifestação, a necessidade com sua satisfação, o mandamento com sua
realização e sua realização com a realização da vida. É o “Mandamento do amor”
que doa a expressão mais absoluta desse desejo filosófico. Henry argumenta que
o amor não resulta do Mandamento, mas é, ao invés disso, seu “pressuposto”; “o
Mandamento só prescreve o amor porque Aquele que dá o mandamento é a si mesmo
amor”. O amor é a emoção, o mandamento e o ato que mais claramente denuncia que
os “Mandamentos” eclipsam os códigos morais e as diretrizes éticas:
É porque Deus (como Vida
absoluta) é amor que ele ordena o Amor. Ele requer o amor de todos os viventes
doando-lhes vida, gerando-os em si mesmo como seus Filhos, aqueles que,
sentindo-se na infinita experiência de si e de seu amor eterno na Vida, se amam
com um amor infinito e eterno, amando-se por serem Filhos e por se sentirem
amados da mesma forma que amam aos outros, na medida em que são eles próprios
Filhos e na medida em que se sentem assim... Não observamos mandamentos do
mesmo jeito que estudiosos observam uma molécula no microscópio. Também não os
observamos como escribas e fariseus analisando e comentando a lei. Nós os
observamos colocando-os em prática. Na prática do Mandamento do amor, a Vida
absoluta doa o Filho a si mesmo ao ser doado ao ego que age, de tal forma que
nessa prática é o próprio Deus que se revela, Aquele que ama a si mesmo em Seu
infinito amor.
IV. AS ESCRITURAS E A PALAVRA
Henry também possui uma
compreensão original das Escrituras e do que é conhecido como a Palavra de
Deus. A compreensão de Henry a respeito da Palavra de Deus serve para mostrar
como o Cristianismo é para ele uma filosofia de ação. Ele acredita que, porque recebemos
as palavras de Cristo e, portanto, de Deus nas obras dos quatro evangelistas,
até mesmo essas próprias Palavras tornam-se representações, tornam-se “significações
irreais incapazes em si mesmas de apresentar uma realidade outra que não delas mesmas”.
Henry se questiona a respeito de como a Palavra de Deus ainda pode aparecer
como uma revelação divina quando ela se mostra na forma de palavras humanas: “Mas
como essa revelação, tornada acessível às pessoas na fala humana, revelando-se
a elas na forma de suas próprias fala, prova seu caráter divino?”. Henry argumenta
que essa questão revela a “impotência da palavra e, portanto, a impotência da
lei e do mandamento ético, que é apenas sua consequência ou exemplo”. Em outras
palavras, Henry argumenta que as Escrituras revelam como a Palavra de Deus
requer mais do que as próprias palavras das Escrituras para cumprir ou realizar
Seu potencial naqueles que a recebem:
A impotência da ética
significa a incapacidade da Lei de produzir a ação que prescreve. É esta
impotência que tem provocado o deslocamento decisivo efetuado pela ética
cristã, da palavra à ação, das ações exteriores à linguagem e fora dela, todavia
ainda imersas na vida, cuja ação coincide com o próprio momento desta vida.
A nova concepção de Henry das Escrituras
ou o que ele chama de “A Nova lei, o Mandamento do amor” visa estabelecer o “princípio
das ações ao invés de um preceito edificante, mas inoperante”. Ele descreve o
novo poder da Nova Lei como “um poder efetivo, não o simples poder do ego, mas
o hiperpoder da Vida absoluta com o peso formidável de suas determinações
patéticas - sofrimento, alegria e amor”. Ele acredita que esse novo poder da
palavra “varreu para longe a ética tradicional, seu legalismo formal e seu
moralismo impotente”. Essas reivindicações bastante elaboradas pelas Escrituras
servem para reconectar as parábolas, ensinos e narrativas dos Testamentos e dos
Mandamentos com o mundo contemporâneo das ações, e com as consequências e
exemplos que esses diferentes arranjos de palavras divinas requerem para seu
cumprimento.
Para examinar mais de perto
como a revelação divina é transmitida à humanidade por meio das Escrituras,
Henry explica que existem “dois tipos de palavras”. Em primeiro lugar, há o que
ele chama de “palavra humana”, o que é “composta de palavras individuais que
carregam significados”. Henry escreve que, se considerarmos as Escrituras em “sua
apresentação escrita imediata”, então temos uma palavra do tipo humano. No
entanto, para compreender plenamente como tais palavras mediam a revelação
divina, ele argumenta que há também um segundo tipo de palavra, outra “Palavra”,
que “difere em natureza de qualquer fala humana” e esta é a “outra Palavra”. É
essa “outra Palavra” que, segundo Henry, nos permite “compreender o discurso
das Escrituras” e que ela é de “origem divina”. Esta Palavra é a “Palavra da
Vida” e o “Logos da Vida” e não é apenas uma “geração, mas uma autogeração. É a
autogeração da vida como sua autorrevelação. É esse poder de se revelar gerando
que se expressa na noção de Palavra; ela designa o poder fenomenológico da Vida
absoluta”. Henry argumenta que esse tipo de “Palavra” “é consubstancial com o
que ela revela, com a pessoa que é revelada a si mesma na autorrevelação da
Palavra”. A compreensão de Henry das Escrituras apresenta o Cristianismo como
uma religião que só pode realizar suas verdadeiras capacidades em ações,
consequências ou exemplos que cada indivíduo incorpora.
Henry quer levar “a
fenomenologia ao seu limite” a fim de investir em um uma “filosofia radical” que
busca compreender a relação do homem com Deus e restaurar uma concepção
fundamental desta relação com a “Vida”; tal “Vida” é revelada “na imanência
radical de sua autoafetação patética”. Henry nos informa que a “Palavra”
envolvida na “Palavra de Deus”, que ele também chama de “Palavra da Vida”, é
muito diferente da “Palavra do Mundo”. A diferença reside no fato de que para a
“Palavra do Mundo”, referindo-se a todo signo ou representação, como de uma
árvore, uma cadeira etc, isto é, “a classificação do que é dito” nunca resulta
do “modo de aparecimento que ele veicula”. A “Palavra da Vida”, por outro lado,
o que engloba muitas coisas para Henry, incluindo as Escrituras, Cristo, as
próprias palavras de Cristo e até mesmo uma possível forma de vida da qual o
indivíduo pode se aproximar prestando atenção cuidadosa à “essência da
manifestação” e à “passividade radical” da vida conferem sua “classificação
sobre o que ela revela”. Essa “Palavra” é a “Palavra de Deus” e, também, um
modo de viver que confere um novo modo de vida fenomenológica, um modo de vida
que exibe mais interesse pela afetividade e pela autoafetação da manifestação.
Essa palavra, ou essa forma de vida, pode ser incorporada na pessoa que
acredita que “Deus habita a nossa própria carne”. Henry também conecta essa
maneira de receber a vida, essa concepção da palavra, com teorias revelatórias
da arte; ele escreve que nossa compreensão dessa concepção da palavra também é
expressa por aquelas teorias da arte que consideram a experiência artística
como:
Uma revelação que não se dirige
primeiro ao Intelecto, mas que consiste na própria afetividade da vida, como
acontece no caso da arte que não tem outra finalidade senão despertar em nós as
potências da vida segundo as modalidades impulsivas, dinâmicas e patéticas que
são suas próprias.
A afirmação de Henry é
importante, portanto, para traçar uma investigação dos meios pelos quais os
sistemas de crenças religiosas influenciaram e motivaram inconscientemente
muitas teorias e práticas estéticas contemporâneas. É importante questionar que
tipo de aparecimento “aparece como a própria essência da Palavra como Logos”,
ou qual noção de representação está implicada na elaboração de Henry desses
dois tipos muito diferentes de “Palavras”. Assim, o que é importante para a
fenomenologia como um todo, de acordo com Henry, é interrogar “o que é a
matéria fenomenológica pura” da Palavra, ou a própria fenomenalidade. A obra de
Henry pronuncia-se por uma fenomenologia empoderadora da introspecção e
autocontemplação, que oferece uma alternativa à tendência prevalecente dentro
da fenomenologia por uma ética baseada em noções de diferença e alteridade
radical. Henry nos informa que um “abismo separa a Palavra da Vida daquela do
mundo”. Ele afirma que a Palavra do Mundo (o que ele procura substituir pela
Palavra de Vida) “não é meramente diferente de tudo o que ela diz”, mas que o
aparecimento em que está inserida se manifesta numa “indiferença absoluta, a
indiferença desta palavra a respeito daquilo que ela fala”. Esse tema é
retomado em “A Barbárie”, mas em termos da diferença entre uma era da cultura e
uma era do conhecimento.
V. OS PARADOXOS DO CRISTIANISMO
Henry também aceita que o Cristianismo
tem muitos paradoxos. Ao fazer essas observações, Henry, em primeiro lugar,
diferencia entre “o homem democrático” da filosofia moderna e a descrição do
homem, ou humanidade, que o Novo Testamento nos oferece. Henry escreve que “a
questão de saber se o homem pode assegurar sua salvação por suas próprias obras
é estranha ao Cristianismo” “o homem democrático, por exemplo, o homem autônomo
capaz de agir por si mesmo, não existe no Novo Testamento”. Este é obviamente
um elemento essencial da leitura de Henry do Cristianismo e da humanidade, que
pressupõe o tipo de fé que ele elaborou anteriormente. Henry não deseja
enfraquecer a humanidade, mas, ao invés disso, oferecer a ela uma autoimagem
rejuvenescida que deve permanecer aberta a um sentido esquecido de ego a fim de
realizar a si mesma. É uma filosofia radical na medida em que pressupõe, por um
lado, que a humanidade é capaz de descobrir e realizar a autoafetação e, por
outro, que essa luta com o ego não deve ser “autônoma”. Henry escreve que quando
o homem “é dado a si mesmo na absoluta autodoação da Vida, ele se encontra
agora em posse de si mesmo e de todos os seus poderes”. Considerando que este é
um paradoxo central do Cristianismo para Henry, pode-se também descrevê-lo como
um paradoxo que precisa ser investigado em sua obra. Mas, se a autoafetação é
tão central, por que sua realização ainda deixa o indivíduo lutando pela
capacidade de “agir por si mesmo”? Henry responde a esse dilema em uma seção
importante em “Eu sou a Verdade”, no capítulo intitulado “Os Paradoxos do
Cristianismo”:
Para alguém que se sente a si
mesmo como a fonte de todos os seus poderes e de todos os seus sentimentos,
especialmente seus prazeres, alguém que vive na ilusão permanente de ser um ego
autossuficiente, tendo apenas de si mesmo sua condição de ego tanto quanto tudo
o que assim se torna possível devido a isso (agir, sentir, se alegrar) para tal
pessoa o que falta é nada menos do que aquilo que constantemente dá a si mesmo
esse ego e que não é ele: a autodoação absoluta da Vida, na qual esse ego é
dado a si mesmo e tudo o mais é simultaneamente dado a ele (seus poderes e
prazeres). Essa aterrorizante falta em cada ego daquilo que o dá a si mesmo,
que falta mesmo quando o ego sente a si mesmo como se nada lhe faltasse, como
suficiente a si mesmo e, principalmente, no prazer que tem de ser si mesmo e de
se acreditar ser a si mesmo a fonte desse prazer - é o que determina a grande
Falta. Essa falta e vazio absoluto é a Fome que nada pode saciar, a Fome e a
Sede de Vida.
Nessa passagem, Henry parece
estar sugerindo que o paradoxo central destacou que a incapacidade do indivíduo
de presumir qualquer “autonomia” no que parece uma luta muito solitária por
autoafetação, é na verdade um incentivo ou estímulo para um maior acesso à “autodoação
da vida”. A “falta terrível” que o indivíduo experimenta em sua busca por
autodoação é a capacidade absoluta ou “impotência radical” que o capacita a
autodoação de si. Essa falta, por sua vez, é experimentada como uma “Sede de
Vida”, um elemento essencial do que deve ser, em última análise, a luta
implacável do indivíduo pela autodescoberta.
De acordo com a tese de Henry
sobre religião, os paradoxos fundamentais do Cristianismo, entre os quais o que
exemplificamos é o mais urgente, devem ser interrogados e abordados mais
deliberadamente pelo indivíduo. Henry não sugere que tais paradoxos sejam
fraquezas do Cristianismo, mas sim que eles revelam o que é um aspecto central
da vida. Os outros paradoxos fundamentais do Cristianismo que Henry discute são
“a duplicidade do aparecimento”, “a estrutura antinômica da vida em si mesma”, “a
diferença entre Vida e viventes” e “o significado decisivo da práxis e
da ipseidade na essência da vida”. Herny argumenta que esses paradoxos não
revelam uma fraqueza central no Cristianismo, mas sim a capacidade do
Cristianismo de “virar os valores mundanos de cabeça para baixo, não como
resultado de um ressentimento contra esses valores, o que seria movido por um
desejo de difamar e odiar o que lhe falta, mas porque esses ‘valores’ são
apenas um aparecimento no mundo”. Em outras palavras, Henry está sugerindo mais
uma vez que esses paradoxos só aparecem como fraquezas para uma era moderna que
privilegia a intencionalidade, uma ideologia da ciência e uma filosofia da representação.
Henry argumenta que “para o Cristianismo, a verdade não consiste mais em se
mostrar à luz do mundo, mas, ao contrário, pode-se dizer, em evitar essa
redução ao aparecimento do mundo”. O trabalho posterior de Henry sobre religião
combina uma apreciação e avaliação dos méritos do Cristianismo com o rigor
fenomenológico de sua filosofia material anterior, desenvolvendo, assim,
leituras na interpretação das Escrituras que oferecem novas possibilidades
interdisciplinares para filosofia e teologia.
Henry também responde à
crítica frequente que considera o Cristianismo como uma “fuga da realidade”.
Embora Henry admita que o Cristianismo tem uma tendência a se apresentar como
uma realidade dividida entre um “aqui embaixo” e “o além”, ele descarta a promoção
de uma relação objetiva entre quaisquer desses reinos, chegando até mesmo a
sugerir que a objetividade foi “o maior inimigo” de Cristo. Henry argumenta que
a tendência de considerar o Cristianismo como promotor de espaços materiais
distintos como um “além” e um “embaixo” oculta o fato de que o indivíduo deve “confrontar
o mundo” “não mantendo uma oposição externa e formal a ele”, mas entrando em
contato com ele. A concentração do Cristianismo no ato ou na boa ação que
realiza ou cumpre o mandamento do amor ou a interiorização da autoafetação
confronta o mundo “transformando-o”. Henry descreve a natureza dessa
transformação da seguinte maneira:
Transformar o mundo, fazer uma
modificação real ocorrer, é reconhecer suas leis, usá-las, e produzir por elas uma
mudança que sempre se apresenta na forma de uma determinação objetiva, como
esta realidade efetiva particular que sempre resulta de uma ação também
particular e que todos podem ver, que está aí para todos e cada um de nós.
Henry novamente enfatiza que sua
própria concentração em um campo interno de autoafetação, e a concentração do
Cristianismo na subjetividade em detrimento da objetividade, não devem ser
interpretadas como um sonho de alguma perfeição interior que depende de si
mesma. Henry responde àqueles que criticam sua própria filosofia por ser muito
introspectiva, e àqueles que criticam o Cristianismo por sua tendência de “fugir”
da realidade da sociedade moderna, argumentando o seguinte em um capítulo
intitulado “Cristianismo e o Mundo”:
Nada pode ser feito dentro de
uma pessoa, nenhuma mudança capaz de afetar seu ser real que não pressuponha
como sua precondição uma mudança real no mundo - um mundo cuja verdadeira
essência não é primariamente natural, mas social. Há uma afirmação
frequentemente citada pelo jovem Marx: “Os filósofos apenas interpretaram o
mundo deferentes maneiras, mas o que importa é transformá-lo”.
Henry admite que o
Cristianismo tem sido de fato culpado de projetar seus ideais em um “céu vazio”
e, assim, reduzi-los a “desejos piedosos”; ele reconhece que o Cristianismo
frequentemente se recusou a trazer seus ideais “para a vida cotidiana, por meio
de lutas e contradições na difícil história da humanidade”. Henry deseja
resgatar o que ele chama de “espírito do Cristianismo”, libertando-o do
privilégio que a sociedade contemporânea dá a uma “moralidade secular”. Ele
acredita que o Cristianismo pode oferecer a tal sociedade uma filosofia de ação
radicalmente nova, uma maneira de descobrir novamente como a vida depende da
ação. Para Henry, “o Cristianismo levou ao seu limite a análise da vida
interior” e da possibilidade última de ação. A gênese da afirmação fundamental
do “Eu Posso”, isto é, do "eu sou" o único que pode agir, é o
nascimento transcendental do ego. É porque o Cristianismo, para Henry, revela a
gênese do espaço de toda ação, precisamente o que ele chama de “Eu Posso”, que
ele pode resgatar a famosa máxima de Cristo “Eu Sou a Verdade” e aplicá-la à
vida de cada indivíduo.
A conclusão de Henry em “Eu
Sou a Verdade”, é apaixonadamente desesperadora em suas avaliações da sociedade
contemporânea. Ele escreve que “o mundo moderno é seu outdoor” e, por meio de
referências ao Anticristo e ao Livro do Apocalipse, lamenta a “expulsão, feita
pela sociedade, do Ego vivo para fora da ação humana”. Um dos resultados dessa “expulsão
do Ego vivo” para Henry é o aumento do que ele chama de “simulação erótica” ou
pornografia virtual. Em um apelo apaixonado que começa com uma descrição
evocativa do que ele considera como nossa era de simulação, Henry escreve:
Para o usuário dessa simulação
erótica, uma espécie de reversão ontológica é produzida. A ciência reduziu o Ego
vivo transcendental a um objeto morto do pensamento galileu, a redes de
neurônios que não sentem nada, não pensam nada e não dizem nada. Portanto,
agora é necessário restaurar a este autômato algumas propriedades ou aparências
humanas. Para tal, computadores especiais entram em ação. Sob seu toque, a
aparência do corpo feminino estremece, os olhos se fecham, a boca se contorce e
começa a gemer: todos os sinais de prazer estão aí. A estátua da Besta ganha
vida; sua vida fictícia se mistura com a do usuário do simulador. Como diz o
Apocalipse, trata-se de dar fôlego à imagem da primeira Besta, para que ela
fale (Apocalipse 13:5). Esse é o maravilhoso mundo virtual que vai seduzir os
habitantes da terra, obra de falsos profetas e messias. Eles farão máquinas
extras que farão todas as coisas que os homens e mulheres fazem para fazê-los
acreditar que são apenas máquinas.
Henry considera que o
Cristianismo confere à humanidade uma versão alternativa da vida diferente
daquela prescrita por uma sociedade que promove uma realidade virtual e
simulada em que “emoções e amores são apenas reações glandulares”. Sua atenção
à linguagem, paradoxos essenciais e mistérios do Cristianismo, rejuvenesce o
Cristianismo como um discurso que tem muito a contribuir para a filosofia, a
ética e a estética.
VI. PALAVRAS DE CRISTO
Na obra final de Henry, “Palavras
de Cristo”, ele retorna a muitos dos temas que se tornaram elementos
importantes de sua filosofia de vida. Neste livro, Henry examina o que ele
chama de Palavras de Cristo, conforme estão registradas em um texto antigo
negligenciado, a saber, a “Logia” ou o “Evangelho apócrifo” de Tomé.
Este manuscrito foi descoberto no Egito em uma biblioteca gnóstica e consiste
em uma “lista simples das palavras de Jesus”. Mesmo que o Evangelho narrado por
Tomé tenha sido reescrito em meados do século II, Henry argumenta que “a prova
da antiguidade da Logia” não pode ser contestada, uma vez que existem inúmeros
extratos dele que aparecem nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas. A tese
central de Henry é a de que “se a natureza de Cristo [como a encarnação da
Palavra de Deus] é dupla, então também se pode conceber sua fala como dupla”.
Ele argumenta que a “'dissociação essencial' entre a fala do homem e a de Deus
deve ser objeto de um exame rigoroso”. Ao reconhecer que a “filosofia da
linguagem contemporânea” não nos dá os meios para analisar a Palavra de Deus,
Henry também afirma que o que ele se refere como o “assim chamado sistema
humano” fez da Palavra de Deus uma espécie de “sabedoria”, reduzindo-a a uma “forma
de espiritualidade entre os outras”. Como em Encarnação, e como em seus ensaios
sobre religião e fenomenologia, Henry reitera sua crença de que “levar em
consideração certas teorias religiosas fundamentais nos permite descobrir uma
imensa fonte desconhecida do pensamento conhecido como racional”. Ao
desenvolver sua análise da linguagem religiosa e das palavras de Cristo neste
livro, Henry mostra como “o Cristianismo faz com que a filosofia tradicional e
seu corpus canônico se deparem com seus limites”.
Henry examina as falas de
Cristo de quatro perspectivas diferentes. Ele lê as parábolas e ditos de Cristo
em primeiro lugar como palavras de Cristo considerado como homem, dirigindo-se
aos homens na linguagem dos homens. Ele, então, examina os exemplos dos
Evangelhos onde Cristo, novamente considerado como homem, se dirige aos homens
na linguagem dos homens, embora não fale dos homens, mas de si mesmo. Em
terceiro lugar, Henry pergunta em que consiste as palavras de Cristo
consideradas como a “Palavra de Deus”, e como ela difere da linguagem humana em
geral. Henry finalmente questiona como o homem é “capaz de ouvir e compreender
essa palavra que não é mais deles, mas de Deus”. Essas várias leituras das
palavras de Cristo, conforme registradas nos primeiros Evangelhos, permitem que
Henry desenvolva muitos dos conceitos que já encontramos em sua Fenomenologia
material.
Henry reformula a dicotomia
entre interioridade e exterioridade em termos de “coração” e seu potencial para
promover o que ele chama de “impureza”. Henry novamente deseja ir para além do
que ele se refere como o entendimento “grego” de homem como um “ser racional”,
buscando a uma “definição cristã” que compreende o homem como um vivente, em um
sentido que nada tem a ver com sua interpretação biológica. Tal pensamento
reduz a “vida” a uma “coleção de processos materiais homogêneos aos estudados
pela física”, argumento que também aparece em “A Barbárie”. Henry, portanto,
emprega o termo “coração”, uma palavra que, ele argumenta, os Evangelhos
repetem continuamente, para conotar uma compreensão da vida que “descreve a
realidade do homem como essencialmente afetiva”. É esse interior enquanto
espaço afetivo da vida simbolizado pelo “coração”, e não o espaço da
exterioridade, que também é responsável por aquilo a que Henry se refere, nas
palavras do evangelista Marcos, como “os pensamentos perversos: a má conduta, o
roubo, os assassinatos, os adultérios, o engano, a fraude, a libertinagem, a
inveja, a difamação, o orgulho e o excesso”.
Henry também argumenta que a
distinção entre interioridade e exterioridade, ou entre o “mundo e nossa
própria vida”, é muitas vezes concebida em termos de uma “oposição radical
entre o visível e o invisível”. Esta é uma distinção muito importante para sua
filosofia inicial em “A Essência da Manifestação”. Aqui, essa distinção é
estendida para abranger a “lacuna entre nossas próprias ações reais e seu
aparecimento”. Henry acredita que qualquer compreensão dessa lacuna que não
conceba o homem como “duplo, visível e invisível ao mesmo tempo” resulta em “hipocrisia”.
Essa compreensão da dupla natureza do homem, uma compreensão que o livro
Palavras de Cristo extrai da dupla natureza das próprias palavras de Cristo, é
responsável por uma genealogia do pensamento filosófico que Henry traça através
de Descartes, Maine de Biran e Schopenhauer, e que ele se refere como uma
espécie de “humanismo”. Ao se alinhar com esses filósofos, Henry argumenta que
o corpo humano é visível e invisível ao mesmo tempo: há “uma parte” que é “um
objeto exterior visível, à maneira dos outros corpos do universo” e outra parte
onde “cada um vive interiormente seu próprio corpo na forma desta carne
invisível, que sofre e deseja. Ambas as naturezas são combinadas em uma forma
singular e unificada. Movendo-se contra a corrente do pensamento desconstrutivo,
Henry argumenta que tal compreensão do humanismo é parte integrante de todas as
“grandes civilizações”. Ele argumenta que “antes de serem civilizações da
escrita, essas civilizações produziram sabedorias desse gênero, permitindo ao
homem viver ou sobreviver seguindo as prescrições que estão gravadas nele como
os constituintes de sua natureza”. Henry também argumenta que a lei religiosa,
algo que ele remonta às palavras dos fariseus que repreendiam Jesus por
trabalhar no sábado, foi responsável por impedir o homem de viver de acordo com
essa concepção de vida e humanismo: a vida é mais importante do que a lei.
Henry acredita que as palavras
de Cristo requerem a “decomposição do mundo do homem” e a substituição de uma “genealogia
natural” por uma “genealogia divina”. Ele argumenta que a “reciprocidade”, ou a
propensão “de amar apenas aqueles que nos amam” não é apenas o fundamento de
todas as relações humanas, mas aquilo que “as justifica e assegura sua solidez”.
A filosofia da afetividade de Henry ao “desvendar a lógica interna de todos os
nossos afetos também implica em desvendar todas as relações que os humanos
constituem espontaneamente entre si” e é a reciprocidade que, para Henry, está
no cerne dessas relações. Henry argumenta que é porque a reciprocidade integral
às “relações humanas” apresenta a humanidade como “autônoma e autossuficiente” que
ela é subvertida por qualquer filosofia da vida que tenha suas raízes nas
palavras de Cristo:
A alegada autonomia da relação
humana que se baseia na reciprocidade e que por toda a parte submete homens,
mulheres, filhos e pais ao princípio desta relação, omite nada menos do que a
relação interna do homem com Deus, relação que se desenvolve em secreto e que
fundamenta a inteligibilidade tão bem quanto a existência da humanidade.
Henry defende “uma afirmação
radical de não-reciprocidade” “porque a não-reciprocidade é o traço decisivo da
nova relação fundamental, a relação oculta e interior do homem com Deus, ou
mais exatamente de Deus com o homem”. Ele tira esse sentido de não
reciprocidade mais uma vez das palavras dos evangelistas: “Amai os vossos
inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nada em troca; e sua recompensa
será grande, e vocês serão considerados filhos do Altíssimo porque ele é bom
até mesmo para com os maus e ingratos” (Lucas 6:35). Henry prossegue afirmando
que “a não-reciprocidade descreve a geração imanente de nossa vida finita na
vida infinita de Deus. Ela só tira seu significado da referência ao processo
interno desta vida infinita e absoluta de Deus”. Henry não vê a denominação dos
Evangelhos de que somos “Filhos de Deus”, como uma “metáfora”, mas como
qualificando nossa “própria condição real”. Ele descreve a reciprocidade como a
“marca da nadificação”.
O sétimo capítulo do livro
Palavras de Cristo questiona se existe um tipo de “linguagem diferente daquela
que os homens normalmente falam para se comunicarem entre si”. Henry argumenta
que existem dois tipos de discursos em ação no Novo Testamento. Em primeiro
lugar, há o que ele chama de “linguagem do mundo”, o tipo de linguagem que se
baseia nas noções de objetividade e reciprocidade que ele desafiou e, em
segundo lugar, há a “linguagem do sofrimento” um tipo de discurso que ocorre na
“autorrevelação da vida”, na qual o sofrimento se experimenta e nos fala
primeiro de si mesmo, de tal maneira que sua fala não difere do que ele diz. O
primeiro tipo de linguagem é denominado “linguagem do mundo” porque se propõe a
descrever as muitas realidades do ambiente que nos cerca, mas apenas em relação
a como elas se mostram a nós, como se manifestam. Henry argumenta que a
filosofia da modernidade considera “o mundo como o único meio de todas as
manifestações possíveis” “o universo do visível é o único que existe”. Isso faz
lembrar os argumentos de Henry em relação à degenerescência da cultura no livro
“A Barbárie”. Para Henry, a “linguagem do mundo é uma linguagem que fala
daquilo que se mostra a nós nessa exterioridade que é o mundo”. Henry argumenta
que esse tipo de discurso que se relaciona a apenas um aspecto da vida, e que
iguala “o aparecimento” com “a condição de possibilidade do discurso” é “nada
mais do que o que os gregos chamavam de Logos”. Henry pergunta se “as
propriedades dessa linguagem não devem depender também daquelas desse
aparecimento”. A tese de Henry é a de que “surge com o Cristianismo a
extraordinária intuição de um outro Logos um Logos que também é uma revelação,
não mais a visibilidade do mundo, mas a autorrevelação da Vida”. É com essa
revelação e com essa compreensão de um novo tipo de Logos que Henry descobre o
segundo tipo de linguagem que se encontra no Novo Testamento e que, ele acredita,
deve ser transmitido à humanidade. Essa nova linguagem é a linguagem do
sofrimento. Para Henry, “o sofrimento se experimenta, é a razão, devemos dizer,
que só o sofrimento nos permite conhecer o sofrimento”. A descoberta de Henry
dessa linguagem nos leva mais uma vez à sua concepção única do corpo como
carne, uma concepção que ele reiterou várias vezes em seus trabalhos sobre a
fenomenologia do corpo e sobre a fenomenologia material. Henry descreve a “linguagem
do sofrimento” da seguinte forma:
A linguagem do sofrimento não
discorre sobre o sofrimento, não faz uso de nenhuma palavra, nenhum som de
signo ou escrita, de qualquer significação, não se apoia em nenhuma
significação totalmente irreal através das formações linguísticas apropriadas -
verbos, conjunções etc. Porque o sofrimento fala em seu sofrimento e por meio
dele, porque ele é apenas uma coisa com o que diz, uma única carne sofredora à
qual é entregue sem o poder de escapar ou se despedaçar, é então com efeito que
o discurso do sofrimento ignora a duplicidade; é em si mesmo, na efetividade de
seu sofrimento, que dá testemunho de si mesmo sem recorrer a qualquer outro
testemunho.
Essa maneira de permanecer em
si mesmo é o que, segundo Henry, a filosofia designa como imanência. Mas a
imanência de que fala Henry aqui “não é uma significação nem um conceito,
comparável àqueles usados pela linguagem da humanidade”. Henry sugere que é
entrando em contato com tal linguagem o sofrimento que a “Palavra da Vida” de
Cristo pode ser realizada e interiorizada. Ele argumenta que Cristo como
Palavra não é algo estranho para nós, mas que, pelo contrário, da mesma forma
que “o sofrimento não fala de outra coisa que não do próprio sofrimento, a
realidade de que fala a Palavra da Vida, é a própria força que é a autorrevelação,
a realidade efetiva”.
A oposição que Henry
estabelece entre esses dois tipos de Logos leva a outra oposição central do
livro. Henry acredita que o que chamamos de “o sistema humano” é, na verdade,
um “sistema de egoísmo”. Ele argumenta que a adesão a esse princípio de
envolvimento com a humanidade nos nega acesso ao tipo de vida que ele
encontrou. Para Henry, devemos estar dispostos a aceitar nosso estado de “impotência
radical” que é, ele argumenta, a “afirmação categórica” de Cristo. Este estado
de impotência refere-se ao fato de que cada um dos poderes do homem, “seu ego e
sua vida, só lhe são dados na autodoação da Vida”. Henry escreve que essa “doação”
da vida que concede esse estado de impotência “não é um simulacro de uma
doação, mas uma doação real, de uma vida real, de um ego real e de poderes
reais”. Isso permite à humanidade evitar ser “cega para a Verdade, muda para a
Palavra da Vida, cheia de dureza, preocupada exclusivamente consigo mesma,
tomando-se como início e fim de suas experiências e ações”.
Henry argumenta que uma
abertura a esse estado humano de impotência radical nos introduz a um novo
sentido do que é onipotência: “A Vida absoluta se engendra a si mesma no doar
de nossa vida a si mesma, a entrega de nosso Ego a si mesmo em sua
autorrevelação patética”. A sugestão é que apenas a aceitação da impotência
radical nos concede acesso a essa doação. O “traço decisivo” desta vida
onipotente, a Palavra da Palavra, é que “não há diferença entre a Palavra de
Cristo e sua ação”. Henry se refere ao caso no Novo Testamento em que Cristo
cura o filho de um oficial romano em Cafarnaum, simplesmente falando as
palavras: “Vá, seu filho está vivo” (João 4:50). O que Henry quer dizer aqui é
que “a ética cristã em sua totalidade não trata de dizer (no sentido comum),
mas de fazer”. Ao concluir seu exame das palavras de Cristo, Henry mais uma vez
se refere à Encarnação como a expressão primária do privilégio único do
Cristianismo de considerar a ação acima da fala. A Encarnação é um ato que
torna possíveis todos os outros atos: “A Encarnação do Verbo na carne de Cristo
é esta vinda da Palavra da Vida numa carne semelhante à nossa”. A intenção de
Henry em “Palavras de Cristo” não é apenas examinar “certas teorias religiosas
fundamentais” que nos permitem “descobrir uma imensa região desconhecida do
pensamento racional” e que leva a filosofia aos seus limites, mas privilegiar
um aspecto do discurso separado do “caráter referencial da linguagem” que
revela outras possibilidades de viver.
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