A FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO DE CHANTEPIE DE LA SAUSSAYE (RESUMO)
O texto a seguir é um resumo da parte I do livro Interpreting religion : The phenomenological approaches of Pierre Daniel Chantepie, W. Brede Kristensen, and Gerardus van der Leeuw intitulada The Phenomenology of Religion of Pierre Daniel Chantepie de la Saussaye escrito por George Alfred James. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. Este resumo tem três seções principais: (i) A abordagem a-histórica da religião de Chantepie; (ii) A abordagem a-teológica da religião em Chantepie; (iii) A abordagem antirreducionista da fenomenologia da religião de Chantepie.
I. A ABORDAGEM A-HISTÓRICA DA RELIGIÃO EM CHANTEPIE
I.I A
FENOMENOLOGIA DE CHANTEPIE COMO UM ESTUDO SISTEMÁTICO DA RELIGIÃO
A fenomenologia de Chantepie é um
estudo sistemático do fenômeno religioso, adotando uma abordagem
não-evolutiva e uma visão anti-historicista de seu objeto de estudo.
Para Chantepie, no estudo das religiões, não é suficiente comparar as formas de
religiosidades próximas no tempo e no espaço, pois há fortes analogias
entre mitos, símbolos e rituais de diferentes nações em todos os estágios de
civilização. Portanto, ao comparar religiões não é preciso limitar-se a cultura
próximas que tiveram relações entre si. Enquanto alguns estudiosos consideram
as semelhanças entre religiões que não tiveram contato como uma coincidência.
Chantepie entende que nessas analogias se encontram a natureza e o sentido do
fenômeno religioso.
Nos seus estudos da religião, Chantepie
começa investigando os vários objetos de crença e culto das religiões. A partir
disso, ele classifica alguns tipos de fenômenos religiosos: (i)
idolatria: trata-se da adoração de um ídolo, não no sentido pejorativo, mas
no sentido da representação de um ser ou poder divino; (ii) fetichismo: trata-se
do culto dirigido a pedras, representações de humanos, animais, árvores, partes
do corpo e imagens que combinam diferentes figuras; (iii) adoração da
natureza: envolve o culto da terra, água, ar e fogo; (iv) adoração do
homem: envolve o culto de figuras ancestrais, heróis e santos; (v)
adoração a deuses: trata-se do culto a Deus ou deuses.
I.II. A FENOMENOLOGIA DE CHANTEPIE COMO UM ESTUDO NÃO-EVOLUTIVO DA
RELIGIÃO
Chantepie procura distanciar sua
abordagem de concepções que buscam traçar uma história do fenômeno religioso.
Por exemplo, se pegarmos os diferentes tipos de expressão religiosa: idolatria,
fetichismo, adoração à natureza, homens e deuses, é importante ter em mente que
do ponto de vista histórica nenhuma dessas formas supera a outra. De acordo com
Chantepie, um nome importante para o início dos estudos das religiões foi Georg
Hegel, o que teria feito com que esses estudos ganhassem uma orientação
baseada na ideia de evolução ou desenvolvimento. No entanto, a
ideia de que as religiões se formam a partir de um processo único que se dá
pela evolução de uma forma primitiva de religiosidade em direção a uma forma
superior de religião, não pode ser levada a sério de acordo com Chantepie.
Chantepie também rejeita a noção de uma história
natural das religiões. Nesse ponto, ele faz uma crítica a David Hume,
que fez um esforço de estudar as religiões do ponto de vista das ciências
naturais. O problema dessa abordagem é que ela pensa as religiões a partir de
uma teoria mecanicista sobre a natureza do universo, tendo o problema de
fazer uma transposição da teoria da Evolução da biologia para o campo de
estudo das religiões. Para a perspectiva da história natural, o princípio de
que o complexo evolui do mais simples, se aplicaria ao desenvolvimento das
religiões tanto quanto se aplica à origem das espécies. Quando a religião é
considerada dessa forma o desenvolvimento geral das religiões é atribuído a
fatores externos, como clima, e a fatores internos, como raça. Chantepie
critica essa abordagem porque ela pensa a religião como se desenvolvendo
naturalmente, ignorando a liberdade humana.
A tipologia das religiões de Chantepie
não pretende dizer qual forma de religião surgiu primeiro, para ele, as origens
das religiões são um mistério para nós. Embora a obra de Chantepie anteceda a
de Edmund Husserl em algumas décadas, pode-se dizer que ele retrocede
sua visão do dado do noema em direção a noesis do fenômeno
religioso. Ao invés de focar no conteúdo do objeto adorado, ele foca nos atos
de adoração. Por exemplo, dos deuses ele se volta para a magia e adivinhação,
sacrifício e oração, tempos e lugares sagrados, pessoas e comunidades sagradas
e ao fluxo da vida religiosa. Isso significa que ele vai do elemento objetivo
em direção ao elemento subjetivo.
Ao considerar o aspecto subjetivo do
fenômeno religioso, Chantepie analisa como os sacrifícios e as orações,
os dois elementos principais do culto, têm a função de manter a relação
entre Deus e os homens e de reestabelecer essa relação quando ela é prejudicada.
Ele considera que num estágio primitivo, o culto tem a função de obter o favor
dos deuses e num estágio mais avançado, o culto tem mais um papel de comunhão
com o divino. Em relação às cerimônias, Chantepie menciona três ritos
que, para ele, são de significado quase universal: (i) jejum: que tem
como objetivo amortecer a sensualidade; (ii) purificação: que pressupõe
que certas pessoas e objetos, sobre certas condições, se encontram impuros para
o serviço sagrado; (iii) consagração: é o ato pelo qual pessoas ou
objetos são separados do contexto comum a fim de serem dedicados aos deuses.
Em relação aos espaços e tempos
sagrados, Chantepie observa que a maneira como os templos são construídos,
ornamentados e orientados possui um significado simbólico. Os templos são
lugares em que certas cerimônias têm seu lugar em tempos específicos, como é o
caso dos festivais em determinadas estações e dias especiais dedicados aos
deuses. Pode-se incluir em relação a esses tempos sagrados específicos até
mesmo os jogos atléticos. Já no que diz respeito a pessoas sagradas, Chantepie
observa que, entre povos primitivos, certas pessoas designadas são consideradas
divinas ou receptáculos do divino. Já em sociedades mais civilizadas, há o
estabelecimento de uma classe sacerdotal com certos privilégios e deveres.
É importante dizer que quando Chantepie
fala de estágios primitivos e estágios avançados, é preciso ter em mente a distinção
entre sua visão e uma visão evolutiva. Para Chantepie, é possível distinguir
certos estágios de civilização, observando a distribuição de um fenômeno entre
esses estágios. Diferente disso, a visão evolutiva afirma que certos fenômenos
estão necessariamente associados a certos estágios de tal forma que um tipo de
religiosidade sucede a outro de maneira necessária em uma dada ordem no tempo. Ao
falar de sociedades primitivas e civilizadas, Chantepie pretende apenas distinguir
certos tipos de civilização nos quais os fenômenos religiosos se manifestam de
diferentes maneiras.
I.III. A FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO DE CHANTEPIE COMO UM ESTUDO
ANTI-HISTORICISTA DA RELIGIÃO
A abordagem fenomenológica da
experiência religiosa é uma abordagem anti-historicista, trata-se de um
tratamento sistemático dos dados e não de um estudo em termos de desenvolvimento
das religiões. É importante frisar, no entanto, que a abordagem fenomenológica
não significa negar que o fenômeno religioso se dá em determinado tempo
histórico, antes ela enfatiza a importância de não reduzir o fenômeno religioso
a um simples efeito de condições históricas. Podemos definir como historicismo,
a compreensão de que o fenômeno religioso tem suas causas eficientes em fatores
históricos, podendo ser explicados apenas por eles.
Para Chantepie, as bases da vida religiosa
estão em certos estados e sentimentos religiosos. Esses sentimentos,
embora não possam ser abstraídos completamente de fatores históricos, estão
para além dos limites daquilo que a ciência histórica pode apreender. Portanto,
uma ciência que se preocupe apenas com condições históricas e materiais
externas não é capaz de dar conta de forma adequada das bases do fenômeno
religioso. Isso também significa que os fenômenos religiosos não podem ser
compreendidos como surgindo de um processo de desenvolvimento histórico.
Chantepie critica o historicismo evolucionista por não admitir no fenômeno
religioso qualquer substância real, razão ontológica ou destinação teleológica.
Ele também nega uma visão ideológica de que a religião seria uma invenção de
uma elite política para garantir a organização social.
II. A ABORDAGEM A-TEOLÓGICA DA RELIGIÃO
EM CHANTEPIE
II.I TEOLOGIA NA HOLANDA POR OCASIÃO DO ADVENTO DA FENOMENOLOGIA DA
RELIGIÃO
Para entender a abordagem
a-teológica da religião em Chantepie, é necessário considerar algumas das
correntes contemporâneas de teologia na Holanda por ocasião do advento da
fenomenologia da religião. Em meados do século XIX, a teologia protestante na
Holanda foi brevemente dominada pelo que ficou conhecido como Modernismo,
ou "Velho Modernismo", partindo da crença de que era possível
conciliar o Cristianismo com a visão moderna de mundo. A visão moderna de mundo era dominada pela ciência
natural. Dentro dessa perspectiva, as coisas foram concebidas dentro de um
sistema de causas e efeitos. Para uma teologia influenciada por essa visão,
Deus não poderia agir a não ser em conformidade com esse sistema de
causalidade. Se tudo seguia as causas naturais, então era preciso admitir um teísmo
não-sobrenaturalista e a cristologia passou a focar na figura de Jesus como um
mestre humano.
O calvinismo holandês, no
entanto, se opôs fortemente ao Cristianismo modernista. A principal crítica ao
Cristianismo modernista é que ele inviabilizava a prática ética religiosa, já
que sem uma visão sobrenatural ou de uma vida para além desta, a luta contra o
pecado, a vida de oração e as ações de fé e esperança não faziam mais sentido. Como
uma resposta a essa crítica, surgiu o que foi chamado de Modernismo Ético,
que fazia uma separação entre duas realidades: o sistema da natureza e a
realidade divina. Para essa nova perspectiva, o imperativo moral se encontrava
no coração do homem e não na regularidade das leis causais da natureza.
No entanto, uma outra abordagem
também tentou fornecer uma resposta aos problemas do modernismo. Essa outra
abordagem é chamada de Ortodoxia Ética, que tinha como foco a revelação
de Deus na História especialmente na pessoa de Jesus Cristo. Foi a esse
movimento que Chantepie esteve associado em sua carreira enquanto teólogo. O
movimento da Ortodoxia Ética pode ser rastreado até Daniel Chantepie de la
Saussaye, o pai e Pierre Daniel Chantepie de La Saussaye, conhecido
na literatura simplesmente como La Saussaye para diferenciá-lo de Chantepie,
seu filho. As principais visões de La Saussaye eram de que: (i) a Igreja
é um corpo vivo, e que a teologia da Igreja deve, portanto, ser uma ciência
progressiva, (ii) a Igreja está ligada à revelação de Deus em certos
fatos da história na pessoa de Jesus de Nazaré, e na história do povo de
Israel, não apenas do ponto de vista do desenvolvimento histórico, mas à luz do
princípio da vida cristã, e (iii) que o princípio ético é o princípio
fundamental da vida do Igreja.
É importante pontuar que a Ortodoxia Ética
foi importante para uma revitalização do Calvinismo Holandês, especialmente
através da figura de Abraham Kuyper. Por causa da maneira como ele
incorpora as características mais influentes do pensamento de La Saussaye, e
por causa do impacto de seu pensamento na vida da Igreja, a teologia de Kuyper
representa, talvez mais do que qualquer outro teólogo da época , o clima
teológico que forma o pano de fundo do primeiro esforço em direção a uma abordagem
fenomenológica da religião.
Entendendo esse contexto de crítica à
teologia do Cristianismo modernista, é possível compreender melhor em que
sentido a fenomenologia da religião de Chantepie é não-teológica. A
razão é que ele nega qualquer alegação de que seu empreendimento é um esforço
para reconciliar a fé cristã com a visão de mundo moderno. Sua fenomenologia da
religião não é uma teologia modernista. No entanto, sua fenomenologia também
não se trata de uma de uma teológica ética tentando responder ao modernismo,
nem é um tipo de calvinismo revitalizado (neocalvinismo). Quando Chantepie
declara que seu esforço não é teologia, ele afirma que não é um empreendimento
teológico de qualquer tipo predominante. Ela difere da teologia no objeto que
estuda, em sua atitude em relação a esse objeto e em sua perspectiva sobre esse
objeto.
II.II A DIFERENÇA ENTRE OS OBJETOS DE ESTUDO DA TEOLOGIA E DA CIÊNCIA
DA RELIGIÃO
A fim de distinguir o objeto de
estudo da teologia e o objeto de estudo da fenomenologia da religião de
Chantepie, podemos diferenciar sua abordagem da teologia da Abraham Kuyper. Kuyper
acreditava que a revelação de Deus nas Escrituras tal qual sistematizada
pelo Calvinismo fornecia as bases não apenas da vida religiosa, mas também para
todas as esferas da vida humana, incluindo a sociedade e o Estado. Para Kuyper,
a teologia era uma abordagem científica que tinha como objetivo o conhecimento
de Deus. Kuyper chama de ciência, o impulso em direção ao
conhecimento, tendo como objeto a totalidade cósmica da realidade. A ciência, para ele, se estrutura como uma cosmovisão
orgânica. Para ele, havia cinco esferas da existência que a ciência
precisaria articular organicamente. São elas Deus, a física, a existência
corporal, a existência social humana e a natureza.
Essa visão orgânica do significado de
ciência foi importante para o advento da ciência da religião. No entanto, enquanto
a teologia de Kuyper se fundamenta na revelação e no conhecimento de Deus, a ciência
da religião aborda a experiência religiosa sem levar revelação em conta.
Isso não significa que a teologia e a ciência da religião sejam incompatíveis.
A fenomenologia da religião, assim, não toma como pressuposto uma revelação de
Deus, todavia, a teologia pode se beneficiar dos resultados produzidos por uma
ciência da religião.
II.III. A DIFERENÇA ENTRE A ATITUDE TEOLÓGICA E A ATITUDE DA CIÊNCIA
DA RELIGIÃO
A fenomenologia da religião de Chantepie
e a teologia não se diferenciam apenas em relação aos seus objetos, mas também
no que diz respeito de suas atitudes em relação a eles. Mais recentemente, o
teólogo Paul Tillich pontuou que a atitude do teólogo é de uma “preocupação
última”. Para Abraham Kuyper, devido à natureza sagrada do objeto de estudo
da teologia, requer-se do investigador uma atitude de fé e obediência. A
fenomenologia da religião, por sua vez, restringe seu campo de investigação a
uma observação daquilo que se mostra tomados como dados da consciência humana.
Ao restringir sua investigação a
fenômenos observados no âmbito dos dados históricos e etnográficos e em termos
de sua posição como fatos da consciência humana, Chantepie limita seu estudo a
este amplo campo. A fenomenologia da religião de Chantepie se distingue da
teologia não apenas pelo fato de que seus objetos (atos religiosos, cultos,
costumes e assim por diante) não podem ocupar o lugar que na teologia é ocupado
pelo conhecimento de Deus, mas pelo fato de que os objetos de pesquisa
etnográfica e histórica não são realidades para as quais o investigador se
encontra em uma atitude de dependência.
II.IV. A PERSPECTIVA TEOLÓGICA E A PERSPECTIVA DA FENOMENOLOGIA DA
RELIGIÃO
O fato de a fenomenologia da religião
não ser uma teologia não é uma mera questão de palavras. A abordagem
fenomenológica da religião, por suas qualidades, não é uma inquirição
teológica. Essa diferença vai além de uma diferença de objetos e atitudes, ela
também envolve uma diferença de perspectiva. Para Abraham Kuyper, a
ciência teológica inclui uma investigação teológica da natureza e da história
entendendo o homem como um ser criado à imagem de Deus. Para a perspectiva
teológica de Kuyper é essencial compreender as manifestações religiosas entendendo
que há na natureza humana uma “semente divina” e uma graça comum
de Deus, o que são noções calvinistas.
Enquanto a teologia kuyperiana
compreender as tradições religiosas remetendo-as a uma semente divina natural e
a uma graça comum, a fenomenologia da religião de Chantepie adota uma outra perspectiva.
Chantepie, ao lidar com fenômenos religiosos, não está comprometido com a perspectiva
calvinista de que a uma revelação comum de Deus na natureza humana e pela graça
comum e que, devido à depravação humana, essa revelação teria sido distorcida
dando origem as diferentes formas de religiosidade. Como a fenomenologia não
leva em conta a ideia de revelação, há, pois, entre a teologia e a ciência da
religião, uma diferença de perspectiva.
II.V. A PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA ATRAVÉS DA EVITAÇÃO DO TEOLÓGICO
Chantepie considera que a perspectiva
teológica é inapropriada para o trabalho em ciência e fenomenologia da religião,
trata-se de uma perspectiva que, pelo propósito de sua investigação, ele deve
evitar. Isso significa que um cientista da religião que é comprometido com a fé
cristã deve tomar cuidado para manter uma perspectiva a-teológica. É
preciso, pois, que o investigador evite a discussão de dados que dizem respeito
a questões de significado teológico.
O traço a-teológico na fenomenologia
da religião de Chantepie se expressa no esforço de distinguir o objeto de sua
investigação do objeto que é buscado em pesquisas teológicas como as de Kuyper.
Também se expressa no esforço de distinguir o caminho pelo qual esse
conhecimento é buscado do caminho da investigação teológica. O traço
a-teológico é ainda expresso no esforço de Chantepie em distinguir a disposição
teológica em relação ao objeto de sua investigação da atitude que é considerada
apropriada para o estudo fenomenológico. Ele se protege contra a invasão de uma
agenda teológica em sua pesquisa, restringindo suas observações a objetos
religiosos e, portanto, a questões que, para ele, são de interesse
especificamente preliminar e, portanto, a-teológico. Ele mantém uma perspectiva
a-teológica sobre esses dados por meio de uma evitação daqueles fenômenos que,
para ele e para a religião cristã, carregam uma carga teológica.
III. A ABORDAGEM ANTIRREDUCIONISTA DA
FENOMENOLOGIA DE CHANTEPIE
III.I O REDUCIONISMO E A CIÊNCIA DA RELIGIÃO
A fenomenologia da religião de Chantepie
é, em certo sentido, uma resposta a outras abordagens que também se propõem
como ciências da religião. A ciência da religião foi fundada por Max Müller.
De acordo com Müller, o estudo da ciência da religião a fim de ser científico deveria
ser erigido sobre a fundação da ciência positiva. Para ele, os critérios
de positividade no estudo da religião poderiam ser atendidos por uma filologia
comparada. Com essas descobertas no campo da filologia comparada, ele
sentiu que poderia ser construída uma ciência da mitologia e uma ciência da
religião que repousariam sobre um fundamento tão sólido e seguro quanto o de
qualquer das ciências indutivas.
Ao estudar os mitos, Müller estava
preocupado em explicá-los, buscando entender como a mente humana criou coisas
irracionais como os deuses. A visão de
Müller é reducionista pois vê a mitologia apenas como uma doença infantil inevitável
no desenvolvimento da linguagem. Chantepie, por sua vez, se opõe tanto ao
reducionismo quanto às teorias do desenvolvimento da religião quanto à invasão
de uma agenda teológica em sua pesquisa.
III.II. A COMPLEXIDADE DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO DE CHANTEPIE
Chantepie considera difícil definir o objeto
da religião. Em sua investigação, ele encontra rituais que não têm relação com
qualquer tipo de objeto e ideias religiosas, enquanto em outros casos um objeto
religioso é o foco dos rituais. Em alguns casos, o objeto religioso é eclipsado
pelo ritual e pela prática religiosa. Embora a crença em Deus ou em algum tipo
de ser divino possa parecer central para qualquer tipo de religião, ele encontrou
casos em que o sucesso das orações aos deuses não depende deles em absoluto,
mas das fórmulas recitadas e dos atos realizados.
Para Chantepie, os fenômenos religiosos
são múltiplos, amplos e complexos. O mesmo se aplica às suas origens. A
religião não pode ser explicada simplesmente dizendo que ela é uma invenção
política de uma elite sacerdotal ou de governantes. Ao contrário, é a religião
que tornou possível a existência de sacerdotes. Ele também discorda da ideia de
que a religião surge de uma ilusão, neurose ou loucura. Ele é crítico da explicação
psicológica de que a religião é uma forma de lidar com o medo. Ele também discorda
de classificações simplistas das religiões, tais como dividi-las entre “verdadeiras”
e “falsas”, “naturais” e “reveladas”, “básicas” e “evoluídas”, “monoteístas” e “politeístas”.
III.III. A QUALIDADE DISTINTIVA DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO DE CHANTEPIE
Chantepie fez um esforço para diferenciar
a religião de outros fenômenos intelectuais e culturais, considerando, no
entanto, a natureza complexa e múltipla do fenômeno religioso. Dizer que
uma divisão da religião deve ser baseada em "características essenciais"
do processo religioso é sugerir não apenas que os fenômenos religiosos são
amplos ou múltiplos, mas que eles possuem qualidades ou aspectos que são de
alguma forma distintos.
Ele observa, por exemplo, que a
religião não pode ser entendida simplesmente como uma filosofia. Chantepie
acredita que é um erro considerar a religião simplesmente uma filosofia popular
ou uma explicação popular do mundo. Na religião, ele não encontra sistema de
doutrinas comuns, e grande parte da doutrina religiosa não é uma tentativa de
explicar o mundo. Ele também pontua que a religião não pode ser compreendida
simplesmente como uma moral. Embora haja uma conexão essencial entre
religião e moralidade, trata-se de campos distintos de modo que a moralidade não
pode ser considerada a essência da religião. A opinião de Chantepie é que eles
são fenômenos independentes, que foram separados em sua origem e tornaram-se
associados apenas com o passar do tempo.
III.IV. FENOMENOLOGIA E O ESTUDO CIENTÍFICO DA RELIGIÃO
Na obra de Chantepie não encontramos
nenhum tratamento geral da sociologia, antropologia ou psicologia como
abordagens da religião, mas encontramos referências ocasionais à "escola
antropológica de Tylor", à “Sociologia de Spencer” e à “escola
de Müller de mitologia comparativa". Em relação à antropologia de
Edward Tylor, ele pretende explicar os fenômenos religiosos como fundados
no animismo. Assim, o animismo seria uma forma rudimentar de religião a
partir da qual as religiões mais complexas se desenvolveram. Chantepie critica
essa perspectiva como especulativa. Ela parte da suposição de que os povos
selvagens que vivem hoje nos dariam uma ideia correta de como era o homem pré-histórico
primitivo. Ele critica essa noção porque ela pressupõe que os povos ditos
selvagens que hoje existem estão presos no passado, que porque eles não têm
escrita, logo eles não têm história.
Em relação à sociologia de Herbert
Spencer, ele acreditava que a primeira concepção de um ser sobrenatural foi
a ideia de alma como um elemento que sobrevive à morte do corpo. E que o
animismo surgiu por uma projeção do homem de que os seres naturais tinham uma
alma assim como ele. Aplicando o princípio da evolução, Spencer entende que
todas as religiões se originaram em uma mesma fonte. Para ele todos os deuses
se originaram da ideia de espíritos e os espíritos, por sua vez, se originaram
da ideia de almas que sobrevivem à morte do corpo. Chantepie entende que a
teoria de Spencer de que a origem da religião está na veneração da alma dos
mortos é uma forma de evemerismo, a ideia de que a religião tem sua origem
na veneração de homens. Essa teoria já era considerada ultrapassada e que não
condiz com os fatos, já que a ligação da religião com a veneração de almas ancestrais
não é uma regra universal. Ademais, Chantepie critica Spencer por sua teoria
evolucionária, já que ela adota uma visão mecanicista de como o universo
funciona.
Por fim, em relação à escola de
mitologia comparada de Max Müller, Müller entendia mitologia e religião
como coisas distintas. A mitologia estaria ligada a uma mente não saudável,
enquanto a religião teria como essência uma percepção do infinito.
Contra Müller, Chantepie argumenta que a mitologia pertence à religião. Ele ainda
observa que no estudo da mitologia, é necessário distinguir a "substância
original de um mito" de seu desenvolvimento posterior na literatura, arte
plástica ou teologia sacerdotal. Isso faz com que o estudo comparativo da
literatura sobre os mitos nos dá informações limitadas sobre a mitologia dos
povos antigos, já que o material tradicional sobre os mitos foi transformado
pelas nações em seu desenvolvimento histórico.
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