A CRIAÇÃO DO PRIMEIRO HOMEM - TOMÁS DE AQUINO

 

O que se segue é um resumo das questões 90 a 102 da primeira parte da Suma Teológica de Tomás de Aquino. Nestas Questões, Aquino discorre sobre A Criação do Primeiro Homem. Nestas questões, se discute a produção do primeiro homem, a produção da primeira mulher, a condição do primeiro homem, o estado de inocência, a condição da prole a ser gerada e o paraíso enquanto morada do primeiro homem. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. 

 

QUESTÃO 90: DA PRODUÇÃO PRIMEIRA DO HOMEM QUANTO A ALMA 

 

(1) Deus criou a alma do nada, portanto, a alma não foi criada a partir da substância de Deus. (2) Assim, a alma tem o ser produzido por criação, pois, como não pode ser feita de matéria preexistente corpórea, porque então seria de natureza corpórea; nem espiritual, porque então as substâncias espirituais se transmutariam umas nas outras, necessário é concluir que a alma só pode devir por criação. (3) Dado que só Deus pode criar, a alma humana foi criada diretamente por Deus. (4) Como a alma não possui em si natureza completa, mas é uma forma do corpo, ela não pode ter sido criada antes do corpo. 

 

QUESTÃO 91: DA PRODUÇÃO DO CORPO DO PRIMEIRO HOMEM 

 

(1) De acordo com as Escrituras, o corpo do homem foi criado do limo, isto é, da terra misturada com água. (2) O primeiro corpo humano foi criado imediatamente por Deus, pois como nunca foi constituído nenhum corpo humano, cuja virtude formasse, via de geração, outro, especificamente semelhante, necessariamente o primeiro corpo humano foi formado imediatamente por Deus. (3) Deve-se dizer ainda que Deus instituiu o corpo humano com ótima disposição, segundo a conveniência para determinada forma e determinadas operações. (4) Quando relata como Deus criou o homem, a Escritura usa, na produção do homem, de especial modo de falar, para mostrar que os outros seres foram feitos por causa do homem. 

 

QUESTÃO 92: DA PRODUÇÃO DA MULHER  

 

(1) A criação da mulher foi necessária para que ela fosse auxiliadora do homem, mais especificamente para auxiliá-lo de modo a tornar possível a reprodução humana. (2) Deus fez a mulher a partir do homem, as razões para isso são: (i) para que fosse conferido ao homem a dignidade de ser o princípio de toda sua espécie; (iipara que o homem amasse mais a mulher; (iii) para que o homem e a mulher se unissem de forma inseparável para a vida doméstica; (ivpara servir de símbolo de que a Igreja (a esposa) tira de Cristo (o marido), o seu princípio.  

(3) A mulher foi criada da costela do homem, para significar que deve haver união entre o homem e a mulher. Pois, nem esta deve dominar aquele e, por isso, não foi formada da cabeça; nem deve ser desprezada pelo homem, numa como sujeição servil, e por isso não foi formada dos pés. Além disso, o fato de a mulher ter sido criada da costela do homem é figura de que do lado de Cristo, dormindo na cruz, fluíram os sacramentos, isto é, o sangue e a água, com os quais foi a Igreja instituída. (4) Foi Deus quem diretamente criou a mulher a partir da costela do homem. Pois, só Deus, instituidor da natureza, pode, fora da ordem desta, dar o ser às coisas. E, portanto, só ele podia formar tanto o homem, do limo da terra, como a mulher, da costela do homem.  

 

QUESTÃO 93: O FIM DA PRODUÇÃO DO HOMEM, NA MEDIDA EM QUE ELE É “IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS” 

 

(1) Onde há imagem, imediatamente há também semelhança; mas, onde há semelhança, não há, imediatamente, imagem. Pois a imagem, além de ser semelhança, é aquilo que é feito como imitação e expressão de outra coisa. No entanto, imagem não quer dizer igualdade. Por isso, é manifesto, que no homem se encontra alguma semelhança de Deus, decorrente dele como do exemplar. Assim, o homem é imagem e semelhança de Deus. Não há, porém, nele semelhança, quanto à igualdade. (2) O ser humano é imagem de Deus pois é um espírito inteligente, logo os seres irracionais (que não possuem intelecto), não são imagem de Deus. (3) Sendo a natureza intelectual aquilo em que consiste a imagem de Deus, a imagem de Deus está mais nos anjos do que nos homens; porque a natureza intelectual é mais perfeita neles. Por outro lado, quando se considera a imagem de Deus no homem no sentido de que o homem é gerado do homem, como Deus (o Verbo) e gerado de Deus, a imagem de Deus está mais no homem, que no anjo. 

(4) A imagem de Deus no homem pode ser considerada em três sentidos: (i) como aptidão natural para inteligir: nesse sentido todo homem é imagem de Deus; (ii) como conhecimento e amor a Deus: nesse sentido a imagem de Deus só se encontra nos justos; (iii) como conhecimento e amor perfeitos a Deus: nesse sentido, só os glorificados (bem-aventurados) têm a imagem de Deus. (5) Há no homem, a imagem de Deus, quanto à natureza divina e quanto à Trindade das Pessoas; pois, em Deus, nas três pessoas existe uma só natureza.  

(6) Como a imagem de Deus diz respeito à natureza intelectual, na própria criatura racional, a imagem de Deus só existe, quanto à alma. (7) Na alma, a imagem de Deus, se dá como representação da Trindade. As divinas Pessoas se distinguem pela processão do Verbo, da Pessoa que fala e por meio da processão do Amor, que liga as outras duas. Assim, a imagem da Trindade está na mente pelos atos, enquanto que, do conhecimento que temos, formamos interiormente, cogitando, o verbo e, daí, prorrompemos no amor. A Trindade, que está na mente, segundo a qual o homem é à imagem de Deus, deve ser considerada quanto à visão atual. Desse modo, a imagem de Deus está na alma atualmente. (8) A mente lembra–se de si, intelige–se, ama–se, se discernimos isso, discernimos a Trindade; não, por certo. Deus, mas já a imagem de Deus. E isto se dá, não porque a mente seja levada para si mesma, absolutamente, mas porque, desse modo, pode ulteriormente ser levada para Deus. 

(9) É possível fazer uma distinção entre “imagem” e “semelhança”. A semelhança pode distinguir–se da imagem de dois modos: (i) a semelhança pode ser entendida como preliminar à imagem e existente em vários seres: nesse sentido, o espírito foi feito à imagem de Deus enquanto as outras propriedades foram feitas à semelhança; (ii) a semelhança pode ser entendida como significando a expressão e a perfeição da imagem: nesse sentido, a imagem exprime o elemento intelectual enquanto a semelhança diz respeito ao amor à virtude. 

 

QUESTÃO 94: DO ESTADO E DA CONDIÇÃO DO PRIMEIRO HOMEM QUANTO AO INTELECTO 

 

(1) O primeiro homem não via a Deus em sua essência. Nenhum homem pode, voluntariamente, deixar de querer a felicidade; pois, natural e necessariamente o homem a busca, e foge da infelicidade. Por onde ninguém que veja a Deus em essência pode afastar-se dele voluntariamente e pecar. Por isso todos os que assim o vêm estão de tal modo consolidados no amor de Deus, que não poderão pecar, eternamente. Ora, como Adão pecou, é claro que não via a Deus em essência.  No entanto, o homem, antes do pecado, conhecia a Deus mais claramente do que agora o conhecemos, pois o primeiro homem não ficava privado, pelas coisas exteriores, da contemplação firme e clara dos efeitos inteligíveis, que percebia pela irradiação da verdade primeira. 

(2) A alma de Adão era da mesma natureza que as nossas, assim como as nossas não podem inteligir as substâncias separadas, primeiro homem também não podia. Desse modo, no estado de inocência o homem não podia ver os anjos em essência. Todavia tinha deles um modo de conhecimento mais excelente que o que temos, pois o seu conhecimento era mais certo e fixo, em relação aos inteligíveis interiores, do que o nosso. (3) O primeiro homem foi instituído por Deus de modo a ter ciência de todas as coisas em relação às quais deve ser instruído, isso inclui as coisas naturais e as sobrenaturais que precisava para o governo da própria vida e dos outros. Todavia, ele não podia conhecer as coisas que não podiam ser conhecidas pelo seu esforço natural nem são necessárias ao governo da vida humana, como o futuro, por exemplo. (4) O homem, eu seu estado de inocência, não era capaz de enganar-se. Portanto, não era possível, o intelecto do homem, no estado de inocência, aderir a uma falsidade como se fosse verdade. 

 

QUESTÃO 95: DO QUE SE REFERE À VONTADE DO PRIMEIRO HOMEM, A SABER DA GRAÇA E DA JUSTIÇA 

 

(1) Alguns dizem que o primeiro homem não foi criado em graça, contudo ela lhe foi depois conferida antes que pecasse. Mas, como outros dizem, ele foi criado em graça; e para isto é necessário admitir a retidão mesma do primeiro estado, na qual Deus fez o homem, e tal retidão consistia em que a razão era sujeita a Deus. (2) O primeiro homem possuía paixões na alma, mas nenhuma delas era má. Por onde, todas as paixões, que dizem respeito ao mal, como o temor, a dor, a cobiça e outras, não existiam em Adão. Porém, existiam no estado de inocência a alegria, o amor e a esperança. No entanto, diferente de como é hoje, as paixões estavam sujeitas à razão, de modo que todas as paixões da alma eram resultantes do juízo da razão. 

(3) Era tal a retidão do primeiro estado, que a razão era submissa a Deus, e as virtudes inferiores, à razão. Dado isso, o homem, no estado de inocência, teve, de certo modo, todas as virtudes. (4) Em termos meritórios, as obras do homem eram mais eficazes para merecer, no estado de inocência, do que depois do pecado, se se atender ao grau do mérito, relativamente à graça, mais copiosa então, por não encontrar nenhum obstáculo da parte da natureza humana. Ademais, como o homem tinha maior virtude suas obras eram mais meritórias. No entanto, caso se considere a quantidade proporcional, maior é o grau do mérito depois do pecado, por causa da fraqueza do homem; pois, uma obra feita com dificuldade tem mais valor do que uma feita com facilidade. 

 

QUESTÃO 96: DO DOMÍNIO QUE TOCAVA AO HOMEM NO ESTADO DE INOCÊNCIA 

 

(1) No estado de inocência, os animais obedeciam ao homem. Dada a superioridade do homem enquanto criatura racional, todos os animais eram naturalmente sujeitos ao homem, de modo que a desobediência, para com o homem, dos seres que lhe deviam estar sujeitos, foi–lhe pena subsequente a ter sido desobediente a Deus. (2) No homem de certa maneira estão todas as coisas; por onde, do modo pelo qual domina o que em si mesmo está desse mesmo lhe cabe dominar as outras criaturas, incluindo as plantas e os seres inanimados.  

(3) No estado primitivo, que era mais adequado e ordenado, a desigualdade teria existido. Primeiro, havia desigualdade de sexo, necessária para a reprodução. Em segundo lugar, havia diferença de idade, pois uns nasciam dos outros. No tocante à alma, também haveria diversidade, quanto à justiça e ao conhecimento, pois o homem, por meio do livre arbítrio, pelo qual pode aplicar o espírito, mais ou menos, a fazer, querer ou conhecer alguma coisa. (4) No estado de inocência, um homem podia dominar sobre outro. Não havia escravidão no estado de inocência, mas um homem podia exercer o ofício de governar e dirigir outros homens livres. O homem dominava sobre outro no estado de inocência no sentido de dominar um homem livre a fim de dirigi-lo para o bem próprio deste, ou para o bem comum. 

 

QUESTÃO 97: O ESTADO DO CORPO DE ADÃO: PRESERVAÇÃO DO INDIVÍDUO 

 

(1) O homem no estado de inocência tinha a vida animal, que necessita de alimentos: porém, depois da ressurreição, terá a vida espiritual que deles não necessita. Isso porque no primeiro estado, o que a alma tinha como alma, era comum com o corpo, e no último estado, porém, depois da ressurreição, a alma comunicará de certo modo ao corpo o que lhe é próprio como espírito. (2) O que causava a imortalidade do ser humano no estado de inocência era a árvore da vida. A árvore da vida, ao modo de remédio, impedia qualquer corrupção. No entanto, essa causa da imortalidade não era absoluta, pois a virtude da árvore da vida não podia chegar até dar ao corpo a virtude de durar por tempo infinito, senão só por determinado tempo, de modo que o homem precisava comer de novo e de novo da árvore da vida ou precisaria ser transferido para a vida espiritual. 

 

QUESTÃO 98: DO QUE DIZ RESPEITO À CONSERVAÇÃO DA ESPÉCIE 

 

(1) No estado de inocência haveria geração, para a multiplicação do gênero humano. (2) Essa geração se daria por meio do coito. É manifesto que ao homem, assim como aos animais perfeitos, é natural gerar, pelo coito, à vida animal, que já tinha antes do pecado. No entanto, no estado de inocência não havia concupiscência imoderada nem libidinosidade; mas, os membros carnais, como os outros, mover–se–iam pelo império da vontade, sem ardor e estimulo sedutor, com tranquilidade da alma e do corpo. 

 

QUESTÃO 99: DA CONDIÇÃO DA PROLE A GERAR, QUANTO AO CORPO 

 

(1) Tudo o que é gerado é imperfeito, antes de vir a ser perfeito. Desse modo, dado que, no estado de inocência, filhos eram produzidos por geração, as crianças recém-nascidas não tinham virtude perfeita quanto ao movimento dos membros. Portanto, as crianças recém-nascidas não tinham suficiente virtude para mover os membros para quaisquer atos, mas só para os que fossem convenientes à puerícia, por exemplo, apegar–se aos seios e outros semelhantes. (2) No estado de inocência, poderiam ser gerados tanto homens como mulheres. Pois, assim como para a perfeição do universo concorrem os diversos graus dos seres, assim também a diversidade dos sexos concorre para a perfeição da natureza humana. E por isso, no estado de inocência, ambos os sexos seriam produzidos por geração. 

 

QUESTÃO 100: DA CONDIÇÃO DA PROLE DE GERAR, QUANTO À JUSTIÇA 

 

(1) Se o homem não tivesse pecado, ele teria gerado filhos justos, pois o semelhante gera semelhante. (2) No entanto, se os primeiros homens não tivessem pecado, algum de seus descendentes teria podido pecar. Isso se dá porque a criatura racional se diz que está confirmada na justiça quando alcança a bem-aventurança pela visão clara de Deus, a quem, ao ser bondade por essência, por isso, é evidente que os filhos não nasceriam confirmados na justiça. 

 

QUESTÃO 101: DA CONDIÇÃO DA PROLE DE GERAR, QUANTO A CIÊNCIA 

 

(1) Quando nascemos somos como uma folha em branco na qual nada está escrito. Logo, devemos pensar que as crianças, no estado de inocência, não nasceriam com ciência perfeita; mas a adquiririam, no decurso do tempo, sem dificuldade, descobrindo ou aprendendo. (2) Considerando também que a natureza procede, em todos os seres gerados, do imperfeito para o perfeito, as crianças no estado de inocência não teriam o uso perfeito da razão. 

 

QUESTÃO 102: DO PARAÍSO MORADA DO HOMEM 

 

(1) O que a Escritura diz, do paraíso, é proposto como narração histórica, e a Bíblia apresenta o paraíso como sendo um jardim que existiu na terra, sendo um lugar material. (2) O paraíso era uma morada apropriada para a habitação humana no estado da primitiva imortalidade. (3) Deus colocou o homem no paraíso a fim de que pudesse cultivá-lo e guardá-lo. (4) É importante pontuar que Deus fez o homem fora do paraíso; e depois nele o colocou, para que aí habitasse todo o tempo da vida animal, para, após haver alcançado a vida espiritual, ser transferido ao céu. 



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