ARGUMENTOS FILOSÓFICOS A FAVOR DO ATEÍSMO



O objetivo deste texto é apresentar argumentos a favor do ateísmo filosófico. O ateísmo filosófico pode ser definido como a crença de que o Deus teísta clássico não existe. Por Deus teísta clássico entendo um Deus que é Onipotente, Onipresente, Onisciente, Criador do Universo, Espírito absoluto, moralmente perfeito e pessoal. Tomo como referência a parte II: Alegações contra o Teísmo do livro Um Mundo sem Deus: Ensaios sobre o Ateísmo, dirigido por Michael Martin. Mas este artigo não é um resumo ou reprodução dos argumentos encontrados neste texto. São elaborações pessoais a partir da leitura desse texto. Além disso, não se trata de uma refutação aos argumentos teístas clássicos, mas sim de argumentos positivos a favor do ateísmo filosófico. Também, estes argumentos não necessariamente se opõem a concepções de Deus diferentes da do teísmo clássico. 

 

I.ARGUMENTO ONTOLÓGICO A FAVOR DO ATEÍSMO 

 

Este argumento pode ser colocado assim: 


(1) Deus é, por definição, o maior ser concebível (Anselmo). 

(2) "Ser" precisa incluir Deus e os demais entes. 

(3) Logo, Ser precisa ser uma categoria maior e mais abrangente do que Deus. 


Daqui se depreenderia que (X: "Deus é o maior ser concebível") e (Y: " 'Ser' é o gênero mais abrangente"). Pela lei do terceiro excluído, ou X é verdadeiro e Y falso ou Y é falso e X é verdadeiro. Que Y é verdadeiro decorre do fato de que ser é o gênero mais abrangente. Por exemplo, eu (Sunkey) faço parte da espécie humana, que por sua vez faz parte do gênero animal, que por sua vez faz parte do gênero dos seres vivos, continuando, chegaríamos ao maior gênero de todos que é o "ser". Portanto, sendo Y evidentemente verdadeiro, X é falso. Se X é falso, então o Deus do teísmo clássico não existe. 

Poder-se-ia argumentar que Deus não está incluso no gênero ser. Mas se o gênero “Ser” (S) inclui todos os entes existentes, então não-S é o mesmo que nada. Se Deus é não-S, então ele simplesmente não é, ou é o nada, logo Deus não existe. Poder-se-ia argumentar também que Deus é o próprio Ser, neste caso, tudo seria Deus, e isso é panteísmo, não teísmo clássico. Por fim, poder-se-ia dizer que Deus não é o maior ser concebível (ou seja, que X é falso), neste caso, o oponente estaria adotando uma definição de Deus que não é aquela do teísmo clássico. A conclusão final é que o Deus do teísmo clássico não existe. 

 

II. ARGUMENTO COSMOLÓGICO A FAVOR DO ATEÍSMO 

 

1. Algo imaterial não pode causar algo material. 

2. O Universo é material. 

3. Logo, a causa do Universo não pode ser um ente imaterial. 


O Deus do teísmo clássico é Espírito absoluto e criador do Universo material. Podemos colocar como proposição A: “O Deus do teísmo clássico é espírito absoluto” e B: “O Deus do teísmo clássico é a causa da existência do universo material”. Se (1) é verdadeiro e a definição A estiver correta, então B não pode ser verdade. A conclusão é que o Deus do teísmo clássico não pode ser o Criador do Universo. Se mantivermos a definição de que o Deus do teísmo clássico é Espírito Absoluto e Criador do Universo, então ele  não existe. No caso, temos uma inconsistência entre dois atributos de Deus: ser a causa do Universo material e ser Espírito absoluto. A proposição (1) se baseia no que é conhecido na filosofia da mente como explanatory gap, que é a lacuna explicativa de como algo imaterial poderia interagir com algo material, se esse gap for explicado, evidentemente que o argumento não se sustentaria. Logo, podemos tomar este argumento como concluindo apenas que provavelmente Deus não existe. 

 

III. ARGUMENTO FORMAL DO MAL A FAVOR DO ATEÍSMO 

 

Usarei apenas uma versão lógica não-indiciária do problema do mal, pois acredito ser esta a versão mais forte do argumento (das que eu conheço). Podemos colocá-lo assim: 


1. Um Deus moralmente perfeito sempre escolhe o bem maior. 

2. Deus poderia ter escolhido não criar um mundo em que o mal existe. 

3. Se Deus não tivesse criado um mundo em que o mal existe, tudo o que existiria seria a bondade perfeita. 

4. A bondade perfeita é evidentemente um bem maior do que um estado de coisas em que qualquer quantidade de mal exista. 

5. O mal existe. 

6. Logo, um Deus moralmente perfeito não existe. 

 

Se combinarmos este argumento com o dogma da Trindade, ele se reveste de força especial contra o Deus do teísmo cristão tradicional. Sabemos que Deus poderia ter escolhido não criar este mundo em que o mal existe. Se ele não tivesse criado o mundo, tudo que existiria seria a Bondade Perfeita, que é Ele mesmo. Mas alguém poderia dizer que Deus desejava relacionar-se, amando e sendo amando. Mas é aqui que entra a Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo já viviam um relacionamento completo e perfeito, baseado no amor livre e na fruição mútua. Sendo assim, a criação do mundo não era uma necessidade e teremos que admitir que Deus preferiu que o mal existisse ao invés de um estado em que só existiria a bondade perfeita. Mas um Deus sumamente bom jamais escolheria o mal ao invés do maior bem possível. Logo, a existência do Deus do teísmo cristão é incompatível com a existência do mal. Isto significa ainda que a existência deste Deus não só é incoerente com o mal em larga escala, mas também com qualquer quantidade de mal existente. 

 

IV. ARGUMENTO DA INCONSISTÊNCIA DA ONIPOTÊNCIA 

 

(1) Deus é Onipotente. 

(2) A onipotência é um conceito logicamente inconsistente, de modo que um ser onipotente não pode existir. 

(3) Logo, Deus não existe. 

 

Bastará aqui demonstrar (2), já que (1) é uma definição aceita do Deus teísta clássico e (3) é uma conclusão lógica necessária de (1) e (2). Que o conceito de onipotência é uma noção inconsistente fica claro pelo que será analisado a seguir: 

 Primeiro, parece consenso que onipotência como poder ilimitado é impossível, como ilustra o próprio paradoxo da pedra (“Um ser onipotente pode criar uma pedra que nem ele possa carregar?”). Mas nenhum teólogo relevante parece pensar onipotência assim. Tomás de Aquino propõe que a onipotência é limitada pelo âmbito de tarefas exequíveis. Decorrente disso, conclui-se que a onipotência é limitada por duas coisas, a primeira é a lógica: Deus não pode fazer o que é ilógico, como criar um círculo quadrado; a segunda é a moral: Deus não pode fazer o que é mau. Além disso, alguns incluem outras restrições, tais como: Deus não pode modificar o passado, porque o passado é por definição imutável e; a onipotência divina é limitada por contrafactuais de liberdade, isto é, Deus não pode interferir no livre arbítrio dos agentes racionais. Por fim, onipotência fica definida como “fazer tudo o que é possível dentro do horizonte de tarefas exequíveis”. Mas se onipotência é isso, todo agente é onipotente, pois pode fazer tudo o que não está limitado a fazer por sua constituição ou pelos horizontes lógicos de possibilidade. Fica claro, então, que onipotência é um conceito vazio, incoerente e sem sentido. 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 

O objetivo deste artigo não é propriamente defender que Deus não existe, mas apresentar os argumentos que eu julgo mais interessantes contra a existência de Deus. Também, caso um ou mais desses argumentos tenham sucesso, disso não se concluirá que qualquer concepção de Deus seja falsa, mas sim que a concepção de Deus do teísmo clássico, conforme definido no início deste artigo, é logicamente inconsistente. 



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