CURSO DE LINGUÍSTICA GERAL - FERDINAND DE SAUSSURE (RESUMO)



O que se segue é um resumo do livro Curso de Linguística Geral do linguista Ferdinand de Saussure. A obra foi editada após a morte de Saussure a partir de anotações feitas por alunos durante cursos oferecidos pelo linguista. O resumo, assim como o livro, se divide em cinco partes: (i) princípios gerais; (iilinguística sincrônica; (iii) linguística diacrônica; (iv) linguística geográfica e; (v) linguística retrospectiva.  É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.

 

I. PRINCÍPIOS GERAIS 

 

Para certas pessoas, a língua, reduzida a seu princípio essencial, é uma nomenclatura, vale dizer, uma lista de termos que correspondem a outras tantas coisas, tal concepção é criticável em numerosos aspectos(i) supõe ideias completamente feitas, preexistentes às palavras; (iinão nos diz se a palavra é de natureza vocal ou psíquica; (iiiela faz supor que o vínculo que une um nome a uma coisa constitui uma operação muito simples, o que está bem longe da verdade.  

Os termos implicados no signo linguístico são ambos psíquicos e estão unidos, em nosso cérebro por um vínculo de associação. O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica, essas imagens possuem um caráter psíquico. O signo linguístico é, pois, uma entidade psíquica de duas faces: o conceito e a imagem psíquica. Podemos chamar de signo a totalidade que envolve o significado (o conceito) e o significante (a imagem acústica). 

Em relação ao signo linguístico podemos enunciar os seguintes princípios: (i) a arbitrariedade do signo: o laço que une o significante ao significado é arbitrário; (ii) caráter linear do significante: o significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo, unicamente, e tem as características que toma do tempo: a) representa uma extensão, e b) essa extensão é mensurável numa só dimensão: é uma linha. 

Se, com relação à ideia que representa, o significante aparece como escolhido livremente, em compensação, com relação à comunidade linguística que o emprega, não é livre: é imposto, o signo linguístico escapa à nossa vontade. A língua aparece sempre como uma herança da época precedente. Em relação a isso, podemos constatar uma imutalidade do signo sobre a qual é preciso considerar os seguintes aspectos: (i) o caráter arbitrário do signo: a própria arbitrariedade do signo põe a língua ao abrigo de toda tentativa que vise a modificá-la, pois para que uma coisa seja questionada é preciso que ela se baseie numa norma razoável, não existe, por exemplo, razão para discutir porque dog, cão, perro ou cachorro é um signo melhor; (ii) a multidão dos signos necessários para constituir qualquer língua: os signos linguísticos são inumeráveis e só um sistema de elementos limitados pode a rigor ser substituído por outro; (iii) o caráter demasiado complexo do sistema: um mecanismo tão complexo mostra a incompetência da massa para transformá-lo; (iv) a resistência da inércia coletiva à toda renovação linguística: a língua forma um todo com a vida da massa social e esta, sendo naturalmente inerte, aparece antes de tudo como um fator de conservação. 

tempo, que assegura a continuidade da língua, tem um outro efeito, em aparência contraditória com o primeiro: o de alterar mais ou menos rapidamente os signos linguísticos e, em certo sentido, pode-se falar, ao mesmo tempo, da imutabilidade e mutabilidade do signo. O signo está em condições de alterar-se porque se continua. O tempo permitirá às forças sociais que atuam sobre a língua desenvolver seus efeitos, e chega-se assim ao princípio de continuidade, que anula a liberdade. A continuidade, porém, implica necessariamente a alteração, o deslocamento mais ou menos considerável das relações. 

Em todas as ciências que operam com valores há uma dualidade interna entre a mutabilidade e imutabilidade. É ao linguista que tal distinção se impõe mais imperiosamente, pois a língua constitui um sistema de valores puros que nada determina fora do estado momentâneo de seus termos. Podemos distinguir, assim, duas linguísticas: (i) linguística diacrônica: que trabalha com o aspecto mutável e evolutivo da língua; (ii) linguística sincrônica: ciência dos estados fixos da língua, isto é, de seu aspecto mutável e estático. 

Essas duas linguísticas são opostas em seus métodos e em seus princípios. Na linguística sincrônica o que se percebe é a língua, enquanto na diacrônica, não é mais a língua o que se percebe, mas uma série de acontecimentos que a modificam. Quanto às diferenças metodológicas, podemos citar duas diferenças: (i) a linguística sincrônica conhece somente uma perspectiva, a das pessoas que falam, enquanto a linguística diacrônica distingue duas perspectivas: umaprospectiva (que acompanha o curso do tempo) e outra retrospectiva (que faz o mesmo em sentido contrário); (ii) a linguística sincrônica não tem por objeto tudo quanto seja simultâneo, mas somente o conjunto dos fatos correspondentes a cada língua; na medida em que tal for necessário, enquanto na linguística diacrônica os termos que ela considera não pertencem forçosamente a uma mesma língua. 

 

II. LINGUÍSTICA SINCRÔNICA 

 

O objeto da Linguística sincrônica geral é estabelecer os princípios fundamentais de todo sistema idiossincrônico (conjunto de fatos simultâneos correspondentes a cada língua em particular), os fatores constitutivos de todo estado de língua. À sincronia pertence tudo o que se chama "gramática geral", pois é somente pelos estados de língua que se estabelecem as diferentes relações que incumbem à gramática.  

Os signos de que a língua se compõe não são abstrações, mas objetos reais; é deles e de suas relações que a linguística se ocupa; podem ser chamados entidades concretas desta ciência. Podemos considerar dois princípios em relação às entidades linguísticas: (i) a entidade linguística só existe pela associação do significante e do significado: se se retiver apenas um desses elementos, ela se desvanece; em lugar de um objeto concreto, tem-se uma pura abstração; (ii) a entidade linguística não está completamente determinada enquanto não esteja delimitada, separada de tudo o que a rodeia na cadeia fônica: a língua não se apresenta como um conjunto de signos delimitados de antemão, dos quais bastasse estudar as significações e a disposição; é uma massa indistinta na qual só a atenção e o hábito nos podem fazer encontrar os elementos particulares, a unidade não tem nenhum caráter fônico especial.  

As entidades concretas da língua não se apresentam por si mesmas à nossa observação. A língua apresenta o caráter estranho de não oferecer entidades perceptíveis à primeira vista, sem que se possa duvidar, entretanto, de que existam e que é seu jogo que a constitui. Trata-se de um traço que a distingue de todas as outras instituições semiológicas. 

A língua não pode ser senão um sistema de valores puros. O valor, tomado em seu aspecto conceitual, constitui um elemento da significação, a parte conceitual do valor é constituída unicamente por relações e diferenças com os outros termos da língua, o mesmo acontece com sua parte material, e na língua só existem diferenças. E mais ainda: uma diferença supõe em geral termos positivos entre os quais ela se estabelece; mas na língua há apenas diferenças sem termos positivos. Quer se considere o significado, quer o significante, a língua não comporta nem ideias nem sons preexistentes ao sistema linguístico, mas somente diferenças conceituais e diferenças fônicas resultantes deste sistema. 

As relações e as diferenças entre termos linguísticos se desenvolvem em duas esferas distintas: (i) no discurso: os termos estabelecem entre si, em virtude de seu encadeamento, relações baseadas no caráter linear da língua, que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo, estes se alinham um após o outro na cadeia da fala, tais combinações, que se apoiam na extensão, podem ser chamadas de sintagmas(ii) fora do discurso: as palavras que oferecem algo de comum se associam na memória e assim se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito diversas, essas associações, não têm por base a extensão; sua sede está no cérebro, podem ser chamadas de relações associativas. 

 O conjunto de diferenças fônicas e concetuais que constitui a língua resulta, pois, de duas espécies de comparações: (i) as relações associativas: une termos in absentia (em ausência) numa série mnemônica virtual; (ii) as relações sintagmáticas: existe in praesenti (em presença), repousa em dois ou mais termos igualmente presentes numa série efetiva.  Quase todas as unidades da língua dependem seja do que as rodeia na cadeia falada, seja das partes sucessivas de que elas próprias se compõem, chamamos de solidariedades sintagmáticas. A língua apresenta, em verdade, unidades independentes. sem relação sintagmática, quer com suas próprias partes, quer com outras unidades. Entre os agrupamentos sintáticos assim constituídos, existe um vínculo de interdependência; eles se condicionam reciprocamente. 

A Linguística estática ou descrição de um estado de língua pode ser chamada de Gramática. A Gramática estuda a língua como um sistema de meios de expressão, por gramatical entende-se aquilo que é sincrônico e significativo. A interpenetração da morfologia, da sintaxe e da lexicologia se explica pela natureza, no fundo idêntica, de todos os fatos de sincronia.  


III. LINGUÍSTICA DIACRÔNICA 

 

A Linguística diacrônica estuda, não mais as relações entre os termos coexistentes de um estado de língua, mas entre termos sucessivos que se substituem uns aos outros no tempo. A imobilidade absoluta não existe, todas as partes da língua estão submetidas à mudança. A Fonética e toda a Fonética, constitui o primeiro objeto da Linguística diacrônica, dada à incompatibilidade da evolução dos sons com o estado fixo. O caráter diacrônico da Fonética concorda com o princípio de que nada do que seja fonético é significativo ou gramatical. 

A mudança fonética não afeta as palavras, e sim os sons. O que se transforma é um fonema. A ação das mudanças fonéticas é ilimitada, os fenômenos fonéticos não são detidos por limite algum. Os fenômenos fonéticos trazem perturbação ao organismo gramatical, as consequências gramaticais da evolução fonética são: (i) a ruptura do vínculo gramatical: uma palavra deixa de ser sentida como derivada da outra; (ii) a obliteração da composição das palavras: as partes distintas de uma palavra, que contribuíam para fixar-lhe o valor, deixam de ser analisáveis, a palavra se toma um todo indivisível; (iii) inexistência de parelhas fonéticas: a evolução dos sons age acentuando diferenças entre as palavras; (iv) alternância: consiste em uma correspondência entre dois sons ou grupos de sons determinados, que se permutam regularmente entre duas séries de formas coexistentes. 

O efeito dessas perturbações é contrabalançado pela analogia. A analogia supõe um modelo e sua imitação regular. Uma forma analógica é uma forma feita à imagem de outra ou de outras, segundo uma regra determinada. A analogia é de ordem psicológica, a analogia, considerada em si mesma, não passa de um aspecto do fenômeno de interpretação, uma manifestação da atividade geral que distingue as unidades para utilizá-las em seguida, sendo inteiramente gramatical e sincrônica. Outro fator que intervém na produção de unidades novas, ao lado da analogia, é a aglutinação. A aglutinação consiste em que dois ou mais termos originariamente distintos, mas que se encontram frequentemente em sintagma no seio da frase, se soldem numa unidade absoluta dificilmente analisável. 

Por vezes, algumas palavras de sentido pouco familiar são usadas de forma diferente do seu sentido próprio de modo que o uso acaba por consagrar essas deformações. Esse fenômeno chama-se etimologia popular. A etimologia popular, no entanto, só age em condições particulares, e não atinge mais que as palavras raras, técnicas ou estrangeiras, que as pessoas assimilam imperfeitamente. 

 

IV. LINGUÍSTICA GEOGRÁFICA 

 

O que primeiro surpreende no estudo das línguas é sua diversidade, as diferenças linguísticas que se apresentam quando se passa de um país a outro, ou mesmo de um distrito a outro. Algumas analogias permitem afirmar, em certos casos, que dois ou mais idiomas estão unidos por um vínculo de parentesco, vale dizer, têm uma origem comum. Um grupo de línguas assim relacionadas se chama uma família. Além da diversidade de parentesco, existe a diversidade absoluta, que é radical e intransponível. 

separação geográfica é sempre o fator mais geral da diversidade linguística. A causa essencial da diversidade geográfica é o tempo, a diversidade geográfica deve traduzir-se em diversidade temporal. A diversidade geográfica é, pois, um aspecto secundário do fenômeno geral. A unidade de idiomas aparentados só pode ser achada no tempo. 

 

V. QUESTÕES DE LINGUÍSTICA RETROSPECTIVA 

 

Enquanto a Linguística sincrônica só admite uma única perspectiva, a dos falantes, e por conseguinte um único método, a Linguística diacrônica supõe, conjuntamente, uma perspectiva prospectiva, que acompanha o curso do tempo, e uma perspectiva retrospectiva, que o remonta. Enquanto a prospecção se reduz a uma simples narração e se funda inteiramente na crítica dos documentos, a retrospecção exige um método reconstrutivo, que se apoia na comparação. O único meio de reconstruir é comparar, reciprocamente a comparação não tem outro fim que não seja o de ser uma reconstrução.  

A comparação linguística não é uma operação mecânica, ela implica a confrontação de todos os dados capazes de propiciar uma explicação. O objetivo das reconstruções é, condensar um conjunto de conclusões que se creem acertadas, segundo os resultados que foi possível obter a cada momento; numa palavra, registrar o progresso de nossa ciência. 

O linguista pode, graças ao método retrospectivo, remontar o curso dos séculos e reconstituir línguas faladas por certos povos muito antes de sua entrada na História.  Essa reconstrução mantém relação com o estudo de etnias. Chamamos de etnicismo, uma unidade que repousa em relações múltiplas de religião, de civilização, de defesa comum etc., as quais se podem estabelecer mesmo entre povos de raças diferentes e na ausência de todo vinculo político. O vínculo social tende a criar a comunidade de língua e imprime talvez ao idioma comum determinados caracteres; inversamente, é a comunidade de língua que constitui, em certa medida, a unidade étnica. 

A língua não está sujeita diretamente ao espírito dos que a falam:  nenhuma família de línguas pertence, por direito e para sempre, a um tipo linguístico. Diante disso devemos estabelecer que a Linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma. 


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