EXEGESE MATEUS 16.13-19: PEDRO, A PEDRA


      Mateus 16:13-19 é um texto polêmico e ao mesmo tempo rico. A Igreja de Roma usa essa passagem para defende a doutina do papado, declarando Pedro como o primeiro papa. No entanto, ao reagir à interpretação romanista, alguns protestante passaram a dizer que este texto não pode de forma alguma estar falando de Pedro como a Pedra. Uma alternativa mais moderada seria dizer que este texto ensina ao mesmo tempo que Pedro é a pedra, sem ensinar a doutrina romana do papado. Façamos uma análise teológica do texto:

13. Indo Jesus para os lados de Cesareia de Filipe, perguntou a seus discípulos: Quem diz o povo ser o Filho do Homem?
Ἐλθὼν δὲ ὁ Ἰησοῦς εἰς τὰ μέρη Καισαρείας τῆς Φιλίππου ἠρώτα τοὺς μαθητὰς αὐτοῦ λέγων λέγων λέγουσιν οἱ ἄνθρωποι εἶναι τὸν Υἱὸν τοῦ ἀνθρώπου

       Antes de ir para Cesareia, Jesus havia operado diversos milagres na presença dos discípulos e do povo, como a multiplicação de pães e peixes (15.32-39). Ele também foi provado pelos fariseus e saduceus que lhe pediram um sinal vindo do Céu (16.1-4) e alertou os seus discípulos contra a doutrina farisaica (16.5-12). A porção escolhida mostra que Jesus estava indo para os lados de Cesareia. Nem todas as versões usam o gerúndio: “Jesus chegou às proximidades” (TI) “Jesus foi para a região” (NTLH), “Tendo então chegado às regiões” (TNM) “quando chegou a Cesareia” (OL). Assim, algumas traduções sugerem que (i) Jesus estava caminhando rumo a uma região próxima de Cesareia; (ii) Jesus havia chegado a uma região próxima de Cesareia ou (iii) Jesus havia chegado a Cesareia. O verbo usado em grego “Ἐλθὼν” está no aoristo e poderia ser entendido com um gerúndio + particípio (“tendo chegado” W), a preposição εἰς pode ser traduzida “no” (LNT) e o substantivo μέρη pode ser entendido como “distrito” (LNT), desse modo, Jesus havia chegado “no” distrito de Cesareia. Desse modo, a cena ocorreu em um ambiente com antigas associações nacionalistas, religiosas, judaicas e pagãs. O local da cena é próximo a um templo de César e era venerado por judeus e pagãos. É nesse lugar, com associações judaicas e pagãs que Jesus chama os discípulos a confessarem quem Ele é (CM).
      Jesus pergunta: “Quem diz o povo ser o Filho do Homem?” Levando em conta o contexto dos acontecimentos anteriores, é possível que Jesus tenha em mente o povo que presenciou seus milagres. Outras versões trazem “os homens” (ARC, TNM) se aproximando mais do grego “ἄνθρωποι” e a NVI verte “os outros” (NVI). Neste último caso, se faz uma clara distinção entre os “discípulos” e o “povo”. A VC traz: “No dizer do povo”. No capítulo anterior (15) a palavra “povo” aparece quatro vezes: v. 8 (povo de Israel, escribas e fariseus) e vv. 31, 35, 36, mas os termos usados em grego são outros. No entanto, parece que a palavra “ὄχλῳ” usada em 15.31, 35, 36 pode se referir ao mesmo povo (“ἄνθρωποι”) de 16.13, isto é, a multidão que presenciara os milagres de Jesus.
       O verbo “ser” mostra que Jesus pergunta a respeito de Sua identidade, porém Ele se identifica pelo título de “Filho do Homem”.  No entanto, a OL omite esse título: “‘Quem diz o povo que eu sou?’”. Mais adiante, no mesmo capítulo o título “Filho do Homem” ocorre duas vezes (vv. 27, 28) para falar da vinda gloriosa de Cristo em Seu Reino e no capítulo seguinte, ela aparece duas vezes para falar de Sua morte e ressurreição (vv. 9, 12, 22).
        O que Jesus pretendia ao se referir a si mesmo com essa expressão? Parece-me haver duas possibilidades:

1.Destacar sua humanidade: Talvez Jesus pretendesse ressaltar sua natureza humana. Pode ser que Cristo esperasse uma resposta com base no que Ele fez como Homem em seu ministério de Servo na Terra, o que faria alusão aos milagres e curas do contexto. Isso é reforçado pelo uso de “ἀνθρώπου” que deixaria claro que Jesus é humano assim como os homens do povo (“ἄνθρωποι”).

2.Destacar sua divindade: A expressão Filho do Homem é uma provável alusão a Daniel 7.13 (“בַּר אֱנָשׁ”), que apresenta a descrição de uma pessoa divina. Além do mais, pelo fato de ser estranho que um humano qualquer se descrevesse como “filho do homem”, é provável que o termo realce justamente que Jesus não é um humano qualquer.

      No entanto, pode ser que o título assuma o simples sentido de “Quem é esse homem” como o uso do título em Ezequiel (CM), no entanto, conforme os demais empregos no contexto, faz sentido entender a expressão como um título escatológico. Não parece ser preciso escolher entre um destaque ou outro, pode-se considerar que o título enfatiza tanto a divindade, quanto a humanidade de Cristo, bem como destaca sua messianidade por seu caráter escatológico.

14 E eles responderam: Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum dos profetas.
οἱ δὲ εἶπαν Οἱ μὲν Ἰωάννην τὸν Βαπτιστήν ἄλλοι δὲ Ἠλίαν ἕτεροι δὲ Ἰερεμίαν ἢ ἕνα τῶν προφητῶν 

         O verso 14 é interessante. A multidão identifica Jesus com os profetas do Antigo Testamento. Será que a citação dos profetas significa apenas que o povo via Jesus como um profeta ou realmente entendiam que ele fosse literalmente um dos profetas? Neste último caso, será que o povo tinha alguma noção de reencarnação ou imaginavam que Jesus era a ressurreição de algum profeta? A ideia de que Cristo pudesse ser Elias provavelmente se baseava nas profecias veterotestamentárias que vaticinavam um futuro advento do profeta Elias. A ideia de que Jesus pudesse ser João Batista parece bastante estranha: Em que sentido poderia ser isso se Jesus conviveu com João Batista, que morreu décadas depois que Cristo havia nascido? Outro profeta citado é Jeremias. Por que ele? Provavelmente ele é citado como representante dos profetas escritores do Antigo Testamento conectado ao “... ou alguns dos profetas”, Isaías, Ezequiel, etc. Ao que parece, o povo considerava Jesus apenas como apenas mais um profeta.
        Segundo Allan Kardek essa passagem mostra que os judeus tinham ideias reencarnacionistas (ESE). No entanto, é possível que o povo cresse apenas que Jesus fosse a ressurreição de um dos profetas. Mesmo se Allan Kardek estiver correto, esse texto mostra que a compreensão do povo estava equivocada. Logo, o texto mais reprova do que comprova o reencarnacionismo (BM).

15 Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou?
 Λέγει αὐτοῖς Ὑμεῖς δὲ τίνα με λέγετε εἶναι

       A conjunção adversativa δὲ: “Mas” (SBB), “porém” (TNM) mostra que Jesus esperava uma noção dos discípulos diferente da do povo. A KJA reforça essa intenção de Jesus: “Então Jesus interpelou”. No entanto, o verbo para “continuar” e “dizer” neste verso é o mesmo no grego (“λέγω”) e traz a ideia de um discurso que se move para um encerramento ou conclusão (HWS). Ele se dirige aos apóstolos de maneira pessoal e particular e espera deles uma resposta pessoal e particular: “Mas vós”. Agora a pergunta não é sobre o “povo” que vinha a Cristo por causa dos milagres, mas aos seus discípulos íntimos. A indagação “Quem dizeis que eu sou?” revela que Jesus perguntava a respeito de Sua identidade pessoal.

16. Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.
ἀποκριθεὶς δὲ Σίμων Πέτρος εἶπεν Σὺ εἶ ὁ Χριστὸς ὁ Υἱὸς τοῦ Θεοῦ τοῦ ζῶντος 

        Quem responde a pergunta de Jesus é Pedro por meio de uma confissão de fé. Ele se dirige de maneira pessoal a Jesus ( “Tu”) e faz uma declaração acerca da identidade de Seu Mestre (“és”). Ele identifica Jesus como o Cristo (ARC, OL) ou o Messias (TI, NTLH), o Ungido, o Profeta, Sacerdote e Rei vaticinado pelo Antigo Testamento. O artigo “ὁ” deixa claro que é um reconhecimento de Jesus como o Messias, e não apenas como mais um ungido. A resposta dele difere claramente das noções do povo sobre a identidade de Jesus. Ele não é um dos profetas, Ele é o Messias dos profetas. O segundo título apresenta Jesus como o Filho de Deus. O título “Deus Vivo” (SBB) ou “Deus Vivente” (TNM), é comum no Evangelho de Mateus para se referir a Deus Pai. Pedro confessa a filiação divina de Jesus. Ele não é só o Filho do Homem (humano v. 13), mas Ele é o Filho de Deus (divino) ou, se a intenção de Cristo era destacar sua divindade com o título Filho do Homem, Pedro parece ter percebido essa intenção. A confissão do apóstolo Pedro é um reconhecimento da messianidade e divindade de Jesus Cristo.
       Levando em conta que Pedro e os demais apóstolos haviam presenciado os milagres de Cristo, é razoável supor que ele entendeu esses milagres como sinais claros da messianidade e divindade de Jesus, diferente dos fariseus que ainda pediam um “sinal do Céu” (vv. 1-4).

17. Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus.
ἀποκριθεὶς δὲ ὁ Ἰησοῦς εἶπεν αὐτῷ Μακάριος εἶ Σίμων Βαριωνᾶ ὅτι ὅτι σὰρξ καὶ αἷμα οὐκ ἀπεκάλυψέν σοι ἀλλ’ ὁ Πατήρ μου ὁ ἐν τοῖς

       A conjunção “δὲ” conecta a resposta de Jesus à confissão de Pedro. Algumas versões deixam isso claro: “Jesus lhe disse, em resposta”(TNM) “Ao que Jesus lhe afirmou” (KJA) e “Ao ouvir aquilo, Jesus lhe disse” (VFL).  A TI sugere que Jesus falou isso em tom de exclamação: “Jesus exclamou”, mas o verbo é o mesmo usado duas vezes no verso 15 (também vv. 13, 14, 16, 18) para anunciar o discurso que se move para um encerramento ou conclusão. Jesus o chama de Simão Barjonas, isto é, “Simão, filho de Jonas” (TNM). Cristo o declara “Bem – aventurado” (ARC) ou “Feliz” (TI) ou ainda “Abençoado” (KJA). Μακάριος é usado para falar de um recebedor privilegiado do favor divino (LNT). Cristo explica o porquê de Pedro ter esse privilégio: (“não foi carne e sangue que to revelaram”). A expressão “carne e sangue” (σὰρξ καὶ αἷμα) tem muitos significados nas Escrituras, podendo fazer referência à natureza humana (João 1.13), ao corpo ou à corrupção da natureza (1 Coríntios 15.50). Aqui está claro que ele designa o “homem natural”. Algumas versões esclarecem seu significado: “entendimento humano” (TI) “ser humano” (VFL) ou “pensamento humano” (OL). A confissão de Pedro é atribuída a uma ação de Deus e não a uma obra do homem natural. Poderia se let o texto no sentido de que não foram os milagres em si que fizeram Pedro entender a verdade, foi o fato de que Deus comunicou esse conhecimento a ele por revelação (PR).

18:  Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
 κἀγὼ δέ σοι λέγω ὅτι σὺ εἶ Πέτρος καὶ ἐπὶ ταύτῃ τῇ πέτρᾳ οἰκοδομήσω μου τὴν ἐκκλησίαν καὶ πύλαι ᾅδου οὐ κατισχύσουσιν αὐτῆς

       Novamente, a conjunção δέ parece indicar que aquilo que Cristo está a dizer é uma resposta à confissão de Pedro. Jesus declara: “Tu és Pedro”, talvez isso seja uma resposta ao “Tu és o Cristo”. A KJA traz: “Da mesma maneira Eu te digo que tu és Pedro”. Parece razoável supor que a fala de Cristo é análoga a resposta de Pedro. A expressão seguinte é complexa: “e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”. O que Jesus pretende dizer por “pedra” (ou “rocha” – OL) e “igreja”? Vamos a algumas suposições: “Pedra” (“πέτρᾳ”) parece estar claramente relacionada a “Pedro” (“Πέτρος”). A confissão de Pedro dizia “Tu és Cristo” e acrescentava mais um detalhe sobre a identidade de Jesus “o Filho do Deus Vivo”. Talvez a resposta de Jesus seja análoga “Tu és Pedro, a pedra”. Mas essa designação de Pedro como “pedra” poderia se estender a todos os apóstolos a fim de significar que a Igreja seria edificada sobre a fé apostólica (Efésios 2.20). O fato de Pedro possivelmente ser tomado pelos apóstolos, pode sugerir que ele possuía uma posição de primazia no colégio apostólico.
       Os romanistas apresentam os seguintes motivos para a defesa de Pedro como a pedra: (i) Jesus estaria mudando o nome de Simão para Pedro com o propósito de referir-se a ele como pedra; (ii) Jesus estava retribuindo a resposta de Simão dizendo, agora, quem é Pedro;  (iii) o fato das chaves do Reino serem entregues a Pedro indica ser ele a pedra; (iv) a passagem paralela de Isaías 22.20-25 sugerira que Pedro está sendo constituído como mordomo do Reino de Cristo; (v) Cristo é figurado como o Construtor, não como parte da construção (AC). Charles Hodge observa, no entanto, que não há qualquer evidência na era apostólica para afirmar a primazia de Pedro sobre os apóstolos (TSCH)
      No entanto, não é necessário crer na doutrina romana para considerar que a pedra é Pedro. Leon Morris argumenta que é mais razoável compreender que a Igreja é edificada sobre aquele que recebeu a revelação do Pai. Ele pontua que o livro de Atos sugere uma preeminência de Pedro, mas não uma preeminência absoluta. Frederick Brunner nota que Pedro seria a primeira pedra sobre a qual Cristo começaria a construir Sua Igreja. Isso não dá lugar de primazia absoluta a Pedro, pois é Jesus quem edifica a igreja “cristocentricamente” através dos discípulos. R. T. France observa que a princípio todos os apóstolos foram constituídos como fundamento da Igreja, mas que mais cedo Pedro teve um papel de liderança no seu desenvolvimento (RAM).  
        Outra possibilidade, no entanto, é que a resposta de Jesus esteja conectada a confissão de Pedro assim, o Cristo da confissão seria a Pedra. O texto faria um contraste ou uma espécie de trocadilho “Tu és uma pedra, mas é sobre esta pedra da sua confissão (Cristo), que a Igreja será edificada.” A palavra “Πέτρος” (masculino) significa “Um pedaço de rocha”, enquanto “πέτρᾳ” (feminino) significa “Rocha” (TNM), isso poderia fazer uma possível distinção entre Pedro e a pedra. Neste caso, pode ser que o pronome demonstrativo “esta” exerça um papel fundamental. Ele aparece como um adjetivo vindo antes do substantivo com um artigo entre eles “ταύτῃ τῇ πέτρᾳ” (LNT).
        Lucas Banzoli argumenta que “esta pedra” (v.18) corresponde ao “isto” (v.17), ou seja, à declaração de Pedro (v.16). Ele nota que o pronome demonstrativo “esta”, no grego, não se refere necessariamente ao antecedente mais próximo, mas pode se referir ao antecedente mais distante, como em Atos 7.17-19. Assim, o pronome “ταύτῃ” poderia ser traduzido como “aquela”, de modo que a declaração de Jesus seria: “Sobre aquela pedra edificarei a minha igreja”. Ele pontua que como o pronome é feminino, ele não está se referindo a Pedro. Ele também observa que ao longo das Escrituras hebraicas, Deus é identificado como a única Rocha (1 Samuel 2.2; 22.32; Salmos 18.31), que Paulo identificou Cristo como a Pedra (Romanos 9.32; 1 Coríntios 10.4; Efésios 2.20) e que o próprio Jesus identificou a si mesmo assim (Mateus 21.42; Marcos 12.10). Ele nota que mesmo Pedro entendeu que Cristo era a rocha (Atos 4.11; 1 Pedro 2.4-7).  Outra questão levantada por Banzoli é a omissão do verso 18 nos textos paralelos de Marcos (8.29-30) e Lucas (9.18-21), uma indicação de que a mensagem principal do discurso não era identificar Pedro como o fundamento da igreja. Por fim, ele atenta para a distinção entre Petros (Pedro), pedaço de rocha e Petra (Jesus), massa rochosa (AHNCP).
         No entanto, poder-se-ia contra-argumentar que Jesus não está necessariamente identificando Pedro como “a pedra angular”, mas que essa declaração é feita a Pedro e por extensão aos apóstolos, como o fundamento da igreja (Efésios 2.20). Sobre as questões gramaticais, D. A. Carson observa que, embora a distinção entre pedaço de rocha e massa rochosa exista no grego, bem como a diferença de gênero, elas são atenuadas poeticamente, visando apenas preservar o trocadilho (RAM).
       A declaração de que Cristo edificará a sua Igreja poderia significar simplesmente que a Igreja já existente seria edificada, ou que Cristo estava inaugurando a igreja. Neste último caso, a igreja seria um fenômeno exclusivo do Novo Testamento. No entanto, o termo “ἐκκλησίαν” frequente corresponde a “קָהָל”, a assembléia de Israel no Antigo Testamento e equivaleria, aqui, à assembléia dos cristãos, o Israel espiritual. 
       O trecho seguinte declara: “e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” A conjunção “καὶ” liga esta declaração com a sentença anterior. Aparentemente, o que asseguraria o não prevalecimento das portas do Inferno contra a Igreja seria o fato de ela estar edificada sobre a pedra.
         A palavra “Inferno” (SBB: “Hades”), tem uma gama de possíveis significados: (i) destruição e morte: a ideia poderia ser de que a Igreja nunca seria destruída, pode assinalar a proteção da Igreja diante das perseguições, das tribulações e da morte e a promessa de que a igreja nunca se extinguiria ou se apostataria completamente. Pode ser a promessa de que mesmo que haja perseguições, sempre haverá cristãos em toda a história. (ii) hostes infernais: A palavra “Hades” não parece ter esse sentido em nenhum lugar nas Escrituras, mas pode ser que algumas passagens (embora muito improvavelmente) permitam uma interpretação assim (confira: Lucas 8.31; 2 Pedro 2.4). Neste caso, Satanás e seus anjos não teriam poder contra a Igreja (confira: Mateus 12.29). (iii) Inferno de fogo: “Hades” tem aparentemente esse significado em Lucas 16.23. Assim, a promessa poderia ser de preservar a Igreja do Inferno de fogo, seria a garantia da perseverança dos santos. Mas isso parece estranho, o texto fala das portas do Inferno indo contra a igreja o que sugere um ataque ativo contra ela. A única outra ocorrência de Hades em Mateus está em 11.23 relacionada à ideia de destruição e juízo.
        Algumas traduções vertem Hades por “poderes da morte” (VLF), “morte” (NTLH) ou “inferno” (ARC). A OL diz de maneira enfática: “nem as forças todas do inferno nada poderão fazer contra ela.” Assim, a expressão “portas do Hades” é entendida ou como “poderes da morte” ou “poderes do inferno” dependendo da tradução. A ideia da palavra grega “ᾅδου” é de um lugar invisível em que todos os mortos residem (HWS) é o correspondente do “שְׁאול”, o abismo obscuro em que as almas dos mortos estariam em inatividade e melancolia (TSFM). Como Berkhof observa, porém, a palavra se refere antes à condição ou estado da morte, do que a um lugar (MDC). Mas o que Jesus quer dizer é simples, podemos concordar com David K. Lowery que praticamente não há controvérsias de que Jesus está dizendo que a igreja durará até o Seu retorno, mesmo em face da oposição de Satanás (BR)

19 : Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus.
δώσω σοι τὰς κλεῖδας τῆς βασιλείας τῶν οὐρανῶν, καὶ ὃ ἐὰν δήσῃς ἐπὶ τῆς γῆς ἔσται δεδεμένον ἐν τοῖς οὐρανοῖς, καὶ ὃ ἐὰν λύσῃς ἐπὶ τῆς γῆς ἔσται λελυμένον ἐν τοῖς οὐρανοῖς.

       Ainda se dirigindo a Pedro, Jesus promete lhe entregar as “chaves do reino dos céus”. Caso Pedro seja a pedra sobre a qual a Igreja estaria fundamentada, o que parece ser o caso, pode ser que Jesus estivesse dando “autoridade apostólica” aos discípulos representados em Pedro. Há outros possíveis significados para expressão, pode se referir a autoridade dos ministros para o exercício da disciplina eclesiástica, “as chaves” que abririam simbolicamente espaço para a propagação do Evangelho ao mundo todo.
       O significado de “o que desligares na terra terá sido desligado nos céus” dependerá do sentido da expressão “chaves dos reinos dos céus”, se elas significarem, por exemplo, o exercício da disciplina eclesiástica, pode ser que o texto se refira ao “ligamento” e “desligamento” de membros da Igreja em disciplina. Outras versões usam verbos como “proibir/permitir” (NTLH, TI, VFL), “amarrar/soltar” (TNM) ou “fechar/abrir” (OL). No grego, o verbo “δέω” pode ter o sentido de perdoar (LNT), o que pode indicar a autoridade de exercer a disciplina eclesiástica ou de anunciar o perdão divino. Outro significado possível é o de declarar que algo seja proibido ou ilegal (SC), já “λύω” possui a ideia de libertar algo que foi preso ou retido (HWS), anular uma lei obrigatória, privar de autoridade ou declarar algo legítimo (TGL).
        O tempo verbal “terá sido desligado é interessante e varia entre as versões: “será” (ARC) “é” (TI) “será a coisa amarrada(TNM) “será o que foi” (OL) ou “haverá sido” (KJA). Assim, dependendo do tempo verbal pode ser que (i) a ligação de algo no céu causa a ligação de algo na terra; (ii) a ligação de algo na terra causa a ligação de algo no céu; (iii) a ligação de algo no céu representa a ligação de algo na terra; (iv) a ligação de algo na terra representa a ligação de algo no céu. O grego usa futuro do indicativo + particípio perfeito. O particípio passivo perfeito indicaria a tradução “a coisa já amarrada (TNM), assim, o que é ligado/desligado na terra será (futuro do indicativo) a coisa já ligada/desligada (particípio perfeito) no Céu.
       Franklin Ferreira & Alan Myatt entende a chave como a pregação da palavra (TSFM). Norman Geisler diz que as “chaves” foram usadas para abrir a porta para a Igreja Universal no Pentecostes e que Pedro usou as “chaves” para pregar o evangelho aos gentios. As chaves seriam, assim, o poder dado aos discípulos para proclamar o evangelho e anunciar o perdão de Deus (TSNG). João Calvino entende ligar e desligar como reter e perdoar pecados, de modo que, a metáfora das “chaves” ilustraria que pela doutrina do evangelho os céus são abertos. A ligação dos homens com Deus significa, então, reconciliação, enquanto os que são desligados são os incrédulos (IRC).
       Se a pedra for Pedro, pode-se entender que isso significa que ele seria o primeiro porteiro do reino, isto é, o pioneiro na pregação do evangelho para judeus e gentios, conforme David K. Lowery. O versículo 18 explicaria em que sentido Pedro é a pedra, ele seria o pioneiro na fundação da igreja primitiva (BR).



SIGLAS E FONTES

AC: Arraiz, J. M. Apologistas Católicos: Em Mateus 16,18, a pedra sobre a qual se edificaria a Igreja era Pedro? Disponível em: http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/papado/914-em-mateus-16-18-a-pedra-sobre-a-qual-se-edificaria-a-igreja-era-pedro. Acesso em 28/01/2017.
AHNCP: Lucas Banzoli. A História não contada de Pedro, pp. 71 -88.
ARC: Almeida Revista e Corrigida usada na Stamps, D. C. Bíblia de Estudo Pentecostal. - Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 1995, pp. 1420-1421. 
BM: Márcio Marques. Blog do Marcião: Ressurreição ou Reencarnação. Disponível em: http://marcio-marques.blogspot.com.br/2015/04/ressurreicao-ou-reencarnacao.html. Último acesso em 28/01/2017. Último acesso em 28/01/2017.
BR: David K. Lowery. Bereianos, Teologia e Apologética Reformada: Pedro, a pedra e os católicos. Disponível em:  https://bereianos.blogspot.com.br/2012/11/pedro-pedra-e-os-catolicos.html. Último acesso em 28/01/2017.
CM: Brian P. Stoffregen Exegetical Notes at Cross Marks. Disponível em: http://www.crossmarks.com/brian/matt16x13sp.htm. Último acesso em 28/01/2017.
ESE: kardek, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Araras, IDE, 2008, pp. 44-45.
HWS: Help´s Word studies  -  2011 by Helps Ministries, Inc. Disponível em: http://biblehub.com/greek/3004.htm;  http://biblehub.com/greek/86.htm e http://biblehub.com/greek/3089.htm. Último acesso em  28/01/2017.
IRC: João Calvino. Institutas da Religião Cristã IV.V.3,4, p. 110. Disponível em: http://www.protestantismo.com.br/institutas/joao_calvino_institutas4.pdf. Último acesso em 28/01/2017.
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LNT: Gingrich, F. W. & Danker, F. W. Léxico do Novo Testamento: grego, português. - São Paulo, Vida Nova, 2007, pp 65, 133, 129, 152, 52.
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VFL: Bíblia - Portuguese New Testament: Easy-to-Read Version, Mateus 16. Disponível em: https://www.biblegateway.com/passage/?search=mateus+16&version=VFL. Último acesso em 28/01/2017.
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*Bible Hub: http://biblehub.com/.



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