SOBERANIA E LEIS EM ROUSSEAU
O objetivo deste texto consiste em apresentar a discussão de Jean Jacques Rousseau sobre a Soberania e as Leis especialmente a partir do Livro II do Contrato Social. Na primeira parte, será discutido de modo geral a teoria do autor sobre o contrato social; da segunda à quarta parte serão discutidas as três características da soberania (inalienabilidade, indivisibilidade e infabilidade); na quinta parte é discutido os limites do poder soberano; na sexta o direito de vida e morte; na sétima a lei; na oitava, o objetivo dos sistemas de legislação e; por fim, na nona parte, as divisões das leis.
I. O CONTRATO SOCIAL
O Contrato Social, de Jean-Jacques Rousseau, propõe uma reflexão sobre a origem da sociedade civil e a legitimidade da autoridade política. O ponto de partida do filósofo é o problema de encontrar uma forma de associação que permita ao homem unir-se aos outros sem perder a liberdade natural. O pacto social, nesse sentido, surge como uma necessidade lógica do desenvolvimento humano: o indivíduo, ao perceber que os obstáculos à sua conservação superam suas forças isoladas, vê-se compelido a unir-se aos demais para sobreviver. Essa união, entretanto, só é legítima quando resulta da livre adesão de todos os associados, em condições de igualdade.
A origem do contrato, portanto, está no momento em que o estado de natureza se torna insustentável. O conflito de interesses e a luta pela autopreservação produzem um estado de guerra generalizado. Rousseau, contudo, propõe uma solução distinta: o contrato social busca conciliar o que o direito permite com o que o interesse prescreve, de modo que justiça e utilidade coincidam. A essência do pacto consiste na alienação total de cada indivíduo à comunidade, isto é, na transferência de todos os direitos particulares para o corpo coletivo. Essa condição, sendo igual para todos, impede que alguém tenha motivos para tornar o acordo desvantajoso. É dessa alienação total que nascem a igualdade moral e legítima e a verdadeira liberdade política.
É importante desfazer o mito de que Rousseau acreditava que o homem era bom por natureza (um “bom selvagem”). Rousseau não apoia a imagem do “bom selvagem” como um ser moralmente virtuoso; ele descreve o homem em seu puro estado de natureza como solitário, livre e igual, caracterizado por uma indiferença moral. Nesse estágio pré-social e pré-racional, o homem é “nem bom nem mau”, pois ainda não possui consciência moral. Sua conduta é regida por instintos naturais, voltados à conservação e às necessidades imediatas. A felicidade do homem natural é simples como sua vida, consiste em “não sofrer”, na saúde, liberdade e no necessário, pois ele é um ser autossuficiente.
Nesse estado, o ser humano é guiado por dois princípios anteriores à razão: o amor de si (amour de soi), sentimento natural de autopreservação e bem-estar, e a piedade (pitié), repugnância natural ao sofrimento alheio. A piedade modera o amor de si e assegura a conservação mútua da espécie, ocupando o lugar das leis, costumes e virtudes. No plano ético, Rousseau sustenta a existência de uma lei moral natural, expressa na consciência, princípio inato de justiça e virtude, o “juiz infalível do bem e do mal”. Contudo, essa consciência depende da razão para se desenvolver, pois apenas a razão ensina o homem a conhecer o bem e o mal. Assim, antes da razão, o homem age sem verdadeira moralidade.
Assim, no campo ético, Rousseau defende uma Teoria da Lei Natural condicional, a lei moral está gravada na natureza humana, mas o ser humano só toma consciência dela com o despertar da razão. Já no plano sociopolítico, Rousseau rejeita a ideia jusnaturalista de que essa lei moral natural possa, por si só, fundamentar a moralidade social ou a ordem política. A moralidade social surge apenas com o contrato social, que substitui o instinto pela justiça e torna o homem verdadeiramente livre ao obedecer à vontade geral, expressão do bem comum e princípio vital do Estado. Assim, Rousseau distingue claramente a moralidade inata da moralidade civil.
Importa notar, ainda, que o contrato em Rousseau não é um pacto histórico ou literal. A transição do estado natural para o estado social foi um processo longo, lento e irreversível associado ao surgimento da propriedade privada. Não houve literalmente um pacto em algum momento. No entanto, sendo irreversível não é possível retornar ao estado anterior, especialmente considerando as vantagens da vida em sociedade apesar dos custos. Por isso, dado o mundo que a gente vive, precisamos pensar em como melhor organizar a sociedade.
A sociedade ideal proposta por Rousseau é a República social, entendida não como uma forma específica de governo, mas como todo Estado regido por leis e pela vontade geral. Essa sociedade deve ser de tamanho reduzido, uma cidade, preferencialmente, para que todos os cidadãos se conheçam e participem das decisões políticas. A igualdade, para ele, não consiste na uniformidade de riquezas, mas na ausência de extremos: ninguém deve ser tão rico que possa comprar outro, nem tão pobre que precise se vender.
O Republicanismo Social se baseia na defesa da igualdade substancial. Não significa que todos devem ser iguais no sentido de ganhar o mesmo salário ou ter as mesmas riquezas, mas sim que deve haver justiça na redistribuição da riqueza produzida, igualdade na participação das decisões da cidade e a correção de desigualdades oriundas da acumulação injusta de riquezas. O Estado legítimo, a República, deve, portanto, atuar como guardião da justiça distributiva. Sua função primordial é proteger o pobre contra a tirania do rico e prevenir a extrema desigualdade das fortunas.
II. A SOBERANIA É INALIENÁVEL
Em Rousseau, a soberania é definida como o exercício da vontade geral, isto é, o poder absoluto que o pacto social confere ao corpo político sobre todos os seus membros. Ao instituir o contrato, cada indivíduo se une aos demais e forma um todo moral e coletivo: o povo soberano. Nesse sentido, o soberano não é um rei, príncipe ou governante, mas o próprio povo enquanto corpo coletivo e ativo, cuja função é legislar. O poder legislativo, portanto, constitui o coração do Estado e a essência da soberania.
Antes de Rousseau, os teóricos jusnaturalistas, como Hugo Grotius e Samuel Pufendorf, sustentavam que a soberania, embora originalmente pertencente ao povo, poderia ser alienada, ou seja, transferida, para um governante ou grupo, desde que isso ocorresse mediante o consentimento popular e trouxesse benefícios. Essa era a doutrina do pacto de submissão, segundo a qual o povo renunciava ao exercício direto do poder em troca de segurança ou estabilidade. Rousseau rejeita radicalmente essa concepção, considerando-a uma contradição lógica e moral.
Para ele, a soberania é inalienável, pois deriva da vontade geral, e a vontade, por sua própria natureza, é intransferível e indivisível. O poder pode ser delegado, mas a vontade não pode ser representada. Isso significa que, embora o povo possa designar magistrados para executar as leis ou administrar o governo, ele jamais pode ceder a outrem o direito de legislar em seu nome. Se o povo promete simplesmente obedecer, renunciando à sua soberania, ele se dissolve como corpo político e perde sua qualidade de povo, voltando à condição de súditos sem liberdade.
Assim, Rousseau distingue nitidamente entre governo e soberania. O governo é apenas um comissário ou agente executivo, encarregado de aplicar as leis; já a soberania é o poder legislativo supremo, que só pertence ao conjunto dos cidadãos. Desse modo, os deputados não são representantes do povo, mas comissários temporários, encarregados de executar a vontade geral, sem poder para concluírem nada de forma definitiva. Toda lei que o povo não ratifica diretamente é considerada nula, pois carece de legitimidade.
III. A INDIVISIBILIDADE DA SOBERANIA
A soberania é indivisível, pois decorre diretamente da natureza da vontade geral, que só pode ser una e total. Para Rousseau, assim como a soberania não pode ser alienada, também não pode ser fracionada, uma vez que dividir a vontade geral é destruir sua essência. A vontade, ou é geral, e, portanto, soberana, ou é particular, e, nesse caso, deixa de ser soberania. Não existe meio-termo: toda tentativa de partilha do poder soberano resulta em sua corrupção e dissolução.
A indivisibilidade da soberania fundamenta-se no mesmo princípio que sustenta sua inalienabilidade: a vontade é intransferível e absoluta. Quando o povo, reunido enquanto corpo político, manifesta uma vontade orientada ao bem comum, essa vontade é um ato de soberania, e o resultado é uma lei legítima. Porém, se o que se expressa é a vontade de apenas uma parte do corpo social, ou se o objetivo é o interesse particular de um grupo ou classe, o ato deixa de ser soberano e se torna um simples decreto ou ato de magistratura.
Rousseau critica os políticos e teóricos que acreditam ser possível dividir a soberania em partes confundindo-a com as funções do governo. Essa divisão, segundo ele, é um erro fatal, pois transforma a vontade geral em um conjunto de vontades particulares. A soberania não é uma soma de poderes administrativos, mas a expressão una da vontade coletiva, indivisível em sua natureza e finalidade. Assim, a soberania é única e essencialmente vontade: uma vontade que, ao visar o bem comum, constitui a própria lei.
IV. A INFABILIDADE DA SOBERANIA
Rousseau define a vontade geral como a vontade do corpo moral e coletivo: o soberano enquanto sujeito ativo da soberania. Ela constitui o substrato comum das consciências individuais e é a fonte das leis, expressando o interesse comum ou o bem comum. Seu objetivo é garantir a conservação e o bem-estar do todo e de cada uma das partes que compõem a comunidade política.
Rousseau afirma que a vontade geral é invariavelmente reta e tende sempre à utilidade pública. Nesse sentido, ela não pode errar, pois, sendo a expressão do desejo de aperfeiçoamento e conservação do corpo político, ninguém, ao querer o bem comum, quer o mal para si mesmo. No entanto, isso não significa que o povo, ao tentar exprimir a vontade geral, não possa se enganar.
A vontade geral não deve ser confundida como a vontade da maioria, nem mesmo com a vontade de todos. Para Rousseau, existe uma diferença considerável entre a Vontade Geral e a vontade de todos (volonté de tous), que é a soma das vontades particulares. A Vontade Geral (volonté générale) refere-se unicamente ao interesse comum. Trata-se, portanto, de um cenário ideal: aquilo que todos desejariam em conjunto se estivessem pensando racionalmente no bem comum. A Vontade Geral é garantida pela observância de procedimentos que buscam eliminar a influência do interesse privado no ato de votar, garantir o acesso às informações adequadas e assegurar o procedimento racional.
Segundo o filósofo, a vontade geral, enquanto ideal, é incorruptível, mas o julgamento do povo pode ser corrompido ou desviado de seu verdadeiro fim. Isso ocorre quando falta discernimento à população ou quando ela é influenciada por facções e associações parciais que colocam seus interesses particulares acima do interesse comum. Desse modo, para que esse processo produza uma deliberação justa, é necessário que cada cidadão vote de acordo com sua própria consciência, e não segundo o interesse de grupos ou corporações.
Assim, a vontade do povo pode se enganar, sobretudo quando o Estado permite a existência de associações parciais poderosas que dominam o debate público. O ideal, segundo Rousseau, é que não existam tais facções; porém, caso existam, é preferível que se multipliquem, para que nenhuma delas prevaleça sobre as demais e, assim, suas diferenças se anulem. Desse modo, pode emergir a verdadeira vontade geral, expressão autêntica do bem comum e fundamento legítimo da soberania.
V. DOS LIMITES DO PODER SOBERANO
No pensamento político de Rousseau, o poder soberano possui caráter absoluto apenas no que diz respeito à sua competência legislativa, isto é, ao poder de expressar a vontade geral. Contudo, esse poder encontra limites claros nas convenções gerais e nas leis fundamentais do corpo político. Todo cidadão conserva o direito de dispor da parcela de liberdade natural que não foi transferida por tais convenções, o que impede que a soberania se converta em tirania.
Embora o soberano seja absoluto sobre seus membros, esse absolutismo é político, não despótico. A soberania não é ilimitada, pois deve respeitar as condições do pacto social que lhe deu origem. Rousseau distingue cuidadosamente os direitos do homem, que derivam da natureza e são inalienáveis, dos direitos do cidadão, que surgem da vida em sociedade. Os primeiros incluem as liberdades fundamentais, como a liberdade de ir e vir, de opinião e de pensamento, as quais garantem ao indivíduo um espaço de autonomia inviolável. Tais direitos estabelecem uma zona de proteção contra o arbítrio estatal, delimitando o campo onde a soberania não pode intervir legitimamente.
Além disso, o soberano só pode exigir dos súditos o que for verdadeiramente útil ao bem comum. Nenhuma lei ou pena deve ser imposta sem finalidade pública, pois qualquer medida que não contribua para a conservação e a felicidade do corpo político representa um abuso de poder. A utilidade pública, portanto, é um dos critérios fundamentais de legitimidade da soberania.
A principal limitação do poder soberano, porém, é formal. A vontade geral deve ser sempre geral tanto em seu objeto quanto em sua essência. Isso significa que ela não pode se pronunciar sobre casos particulares, indivíduos ou situações determinadas. Quando a soberania ultrapassa esse limite e se orienta para fins privados ou concretos, deixa de ser vontade geral e degenera em vontade particular, perdendo sua legitimidade.
Desse modo, as funções que tratam de objetos específicos, como as magistraturas, os atos administrativos e os julgamentos judiciais, não pertencem ao âmbito da soberania, mas ao da magistratura ou governo. Assim, Rousseau estabelece uma clara distinção entre o poder legislativo (expressão da vontade geral) e o poder executivo (aplicação particular das leis). O soberano, portanto, não é um poder sem limites, mas uma autoridade limitada pela própria razão do pacto social e pela exigência de que sua vontade seja sempre a expressão impessoal e universal do bem comum.
VI. DO DIREITO DE VIDA E DE MORTE
No pensamento de Rousseau, o direito de vida e de morte do Estado deriva diretamente do pacto social. O contrato que funda a comunidade política tem como finalidade principal a conservação da vida e da segurança de todos os seus membros. Nesse contexto, quando um indivíduo atenta contra o corpo político, violando as leis e, portanto, o próprio pacto que o protege, ele rompe o vínculo que o unia à sociedade e torna-se, nas palavras de Rousseau, um “inimigo público”. Assim, o Estado, em defesa de sua própria existência e do bem comum, adquire o direito de aplicar a pena de morte ao traidor que rompeu o contrato social.
O fundamento desse direito não se baseia em um desejo de vingança, mas na necessidade de autopreservação do corpo político. Rousseau entende que, ao quebrar o pacto, o criminoso abdica de sua condição de cidadão e retorna ao estado de natureza, no qual as relações são regidas pela força. Dessa forma, a execução ou o exílio do culpado não são atos de punição arbitrária, mas atos de guerra contra alguém que se declarou inimigo da pátria. A morte do criminoso, portanto, é vista como um meio de proteger a coletividade e restaurar a ordem violada.
Entretanto, Rousseau impõe limites morais e racionais à aplicação da pena. O direito de vida e de morte não é absoluto, e a sanção deve sempre ser proporcional ao delito cometido. A justiça deve servir ao bem comum, não ao desejo de punição. Por isso, ele condena a prática de punir todos os crimes com a mesma severidade, pois isso apenas estimula os culpados a cometer faltas mais graves para escapar da punição. A proporcionalidade da pena, nesse sentido, é uma exigência da razão e da própria legitimidade do poder soberano.
Dessa forma, Rousseau reserva a pena de morte apenas para os crimes mais graves, como o assassinato, nos quais o indivíduo destrói o fundamento mesmo da convivência social. Para delitos menores, como o roubo, defende penas proporcionais, como a perda de bens ou da liberdade. O objetivo não é a crueldade, mas a manutenção da ordem e da segurança coletiva, princípios sem os quais o pacto social deixaria de cumprir sua função primordial: a proteção da vida e da liberdade de todos os cidadãos.
VII. DA LEI
Para Rousseau, a lei ocupa um lugar central na estrutura do Estado, sendo a expressão mais pura da vontade geral. Embora exista uma justiça universal, proveniente da razão e da própria ordem divina, o ser humano não é capaz de apreendê-la de forma imediata nem de aplicá-la diretamente às relações sociais. Por isso, torna-se necessário instituir convenções e leis positivas, capazes de traduzir essa justiça ideal em normas concretas que unam direitos e deveres, tornando a convivência civil possível.
As leis, portanto, são a declaração pública e solene da vontade geral. Elas não derivam de uma autoridade exterior, como a divina ou a do governante, mas do próprio povo, que é simultaneamente súdito e legislador. Quando o povo legisla, ele o faz sobre si mesmo, e o objeto de sua deliberação é sempre geral, tanto na vontade quanto na matéria. Por isso, a lei é legítima apenas quando visa ao interesse comum e não a privilégios particulares. Seu propósito é garantir a liberdade civil e a igualdade política, assegurando que todos estejam submetidos às mesmas normas que eles próprios criaram.
Rousseau afirma ainda que a obediência à lei que o indivíduo prescreve a si mesmo é a verdadeira liberdade. No estado civil, a liberdade não consiste em fazer o que se quer, mas em agir de acordo com regras que refletem a vontade comum e asseguram o bem de todos. Assim, a lei é o instrumento pelo qual o homem deixa de ser escravo de seus impulsos e se torna livre pela razão e pela cidadania.
Contudo, Rousseau reconhece que a força da lei não depende apenas de seu texto, mas também de elementos imateriais que sustentam o corpo político: os costumes, os usos e, sobretudo, a opinião pública. Ele considera essa dimensão moral e cultural como “a lei mais importante de todas”, aquela que não se grava em mármore nem em bronze, mas nos corações dos cidadãos. Por isso, a sociedade deve cuidar de moldar o espírito cívico e os costumes que garantem a coesão da comunidade.
VIII. OBJETIVO DO SISTEMA DE LEGISLAÇÃO
Para Rousseau, o objetivo supremo de todo sistema de legislação é assegurar a liberdade e a igualdade. Esses dois princípios constituem, para ele, o maior de todos os bens e o fim último da ordem política. Uma legislação justa é, portanto, aquela que organiza a sociedade de modo a preservar a liberdade civil de seus membros e impedir que as desigualdades naturais se transformem em desigualdades morais e políticas.
A liberdade é o fundamento do corpo político. Rousseau entende que toda dependência particular, isto é, toda relação de subordinação entre indivíduos, enfraquece o Estado, retirando-lhe parte de sua força moral e política. A verdadeira liberdade, no entanto, não é a anarquia do desejo individual, mas a liberdade civil, definida pela obediência à vontade geral. O cidadão é livre quando obedece às leis que ele mesmo ajudou a formular, pois, nesse caso, submete-se apenas à razão coletiva e não à vontade arbitrária de outro homem.
A igualdade, por sua vez, é a condição indispensável da liberdade. Sem ela, a sociedade tende a degenerar em tirania e servidão. Rousseau, contudo, não defende uma igualdade absoluta de riqueza ou poder, mas uma igualdade moral e política, fundada na moderação e na reciprocidade. Ele a formula em dois princípios: (i) princípio da legitimidade do poder: o poder deve estar afastado de toda violência e só pode ser exercido em conformidade com as leis e os cargos legítimos; (ii) princípio da moderação das riquezas: nenhum cidadão deve ser tão rico a ponto de poder comprar outro, nem tão pobre a ponto de ser forçado a vender-se.
Essa igualdade moderada exige virtude tanto dos grandes quanto dos pequenos: dos primeiros, a moderação no uso de bens e influência; dos segundos, a moderação do desejo e da cobiça. Rousseau distingue, assim, a igualdade moral e legítima, criada pelo pacto social, da igualdade física e de méritos justos. Nem toda desigualdade é por si mesma injusta. A sociedade civil, quando bem ordenada, transforma as diferenças naturais em equivalência jurídica, tornando todos os cidadãos iguais por convenção e por direito. Nos maus governos, ao contrário, a igualdade é apenas ilusória: serve como fachada para conservar a opressão dos pobres e a usurpação dos ricos.
IX. DIVISÃO DAS LEIS
Para Rousseau, as leis constituem o alicerce da associação civil, sendo as condições pelas quais os indivíduos regulam a vida em sociedade. A lei é a declaração pública e solene da vontade geral sobre assuntos de interesse coletivo. Rousseau distingue quatro espécies de leis, de acordo com as relações que regem na sociedade:
(1) Leis políticas ou fundamentais: regulamentam a relação do todo com o todo, ou seja, a relação do soberano com o Estado. São chamadas políticas porque cada Estado possui uma forma específica de organização, e as leis fundamentais devem ser preservadas pelo povo que as encontrou, garantindo a estabilidade da ordem política.
(2) Leis civis: disciplinam as relações entre os cidadãos e entre os cidadãos e o corpo coletivo (o Estado). No primeiro caso, a lei deve preservar a independência individual e limitar ao mínimo a interferência de outros cidadãos; no segundo, deve garantir a máxima coesão e dependência do Estado. É a força do Estado civil que permite aos indivíduos serem verdadeiramente livres, transformando a obrigação mútua em instrumento de liberdade.
(3) Leis criminais ou penais: regulam a relação do homem com a lei, tratando da sanção por desobediência. Rousseau enfatiza a proporcionalidade das penas, de modo que crimes mais graves, como o assassinato, justifiquem a pena de morte, enquanto delitos menos graves, como o roubo, devam ser punidos com a perda de bens ou liberdade. Essas leis não constituem um tipo separado de lei, mas são o mecanismo de aplicação de todas as demais, garantindo a efetividade do sistema jurídico.
(4) Usos, costumes e opinião: esta quarta espécie é, para Rousseau, a mais importante. Não se grava em mármore nem bronze, mas nos corações dos cidadãos, formando a verdadeira constituição do Estado. Quando as leis formais envelhecem ou se tornam ineficazes, os costumes e a opinião pública reanimam ou substituem a autoridade, preservando o espírito da instituição. É a dimensão moral e cultural da legislação, da qual se ocupa o Legislador de forma discreta e estratégica, moldando hábitos e atitudes que sustentam a coesão social e a legitimidade das leis.

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