PRINCIPIA ETHICA - G. E. MOORE (RESUMO)

 

O que se segue é um resumo do livro Principia Ethica de G. E. Moore. O livro é composto por 6 capítulos, sendo eles: 1. O âmbito da Ética; 2. Ética naturalista; 3. Hedonismo; 4. Ética metafísica; 5. Ética em relação à conduta; 6. Ideal. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. 

 

I. O AMBTO DA ÉTICA 

 

A Ética é a área da filosofia que estuda o bom agir. Ela se divide em três áreas: (i) Metaética:  considera o significado das sentenças morais e a natureza dos fatos morais; (ii) Ética Normativa: lida com as regras e princípios que devem guiar a conduta moral e; (iii) Ética aplicada: trata de problemas éticos práticos específicos. Pode-se considerar quatro teses fundamentais sobre a Ética: 

(1) A peculiaridade da Ética consiste, não em investigar a conduta humana, mas sim as asserções sobre as propriedades das coisas que são denotadas pelo termo "bom"; 

(2) O "bom" é indefinível; 

(3) Pode-se falar do "bom" em dois sentidos: (i) como aquilo que é bom como meio; (ii) como aquilo que é intrinsecamente bom; 

(4) Uma totalidade pode possuir um grau de bem diferente daquele que é obtido pela soma de suas partes. 

Em relação à primeira tese, a de que a Ética investiga o que é bom e não apenas a conduta humana, é importante considerar que a Ética pergunta pelo que é "bom". Não se trata de perguntar como as pessoas usam o termo "bom" na linguagem cotidiana (definição verbal), mas a que objeto ou ideia o termo "bom" apropriadamente se refere. Nessa discussão, é preciso, ainda, ter em mente a questão da lacuna do ser/dever, segundo a qual não é possível derivar reivindicações normativas a partir de premissas puramente descritivas. Esse é um erro cometido, por exemplo, quando alguns utilitaristas tentam deduzir o hedonismo ético (o dever de buscar o prazer geral) do hedonismo psicológico (a tese de que todos buscam o prazer). 

Quanto à segunda tese, a de que o bem é indefinível, com ela se pretende dizer que o "bom" não pode ser definido, assim como não é possível definir o amarelo. "Bom" é uma propriedade não-analisável, indefinível e irredutível. Um argumento a favor dessa tese é o chamado Argumento da Questão Aberta. Uma questão "É um X um Y" é aberta quando X não pode ser definido em termos de Y. "Bom" é uma questão aberta, pois não pode ser definido como outra coisa. Definir o bem em termos de outra coisa que não é o próprio bem é o que se denomina como falácia naturalista, que consiste em reduzir o "bom" a outros fatos ou propriedades não-morais. 

Dois exemplos de posições que cometem a falácia naturalista são: (i) Hedonismo: define bom como prazer. Tal posição enfrenta o problema de que é possível perguntar: "O prazer é bom?" E se alguém responde "prazer é bom" a pessoa estaria a dizer simplesmente que "prazer é prazer"; (ii) Preferencialismo: define "bom" como aquilo que desejamos ou desejamos desejar. Mas ainda é possível perguntar "é bom desejar o que desejamos?". Para não cometer a falácia naturalista devemos entender que os juízos morais fundamentais da ética são juízos sintéticos, que declaram quais coisas e em que grau possuem uma propriedade simples e não-analisável que é o bem. 

Quanto à terceira tese, pode-se falar do "bom" em dois sentidos: (i) bom como meio: consiste em entender que algo é bom como um meio para um fim, que é considerado bom; (ii) bom como de valor intrínseco: algo pode ser bom porque possui como propriedade inerente a si o fato de ser bom. Muitos filósofos confundem essas duas noções. Por exemplo, não basta dizer que uma ação é boa porque ela é um meio apropriado para o prazer, é preciso perguntar "por que buscar o prazer é bom?". 

Por fim, em relação à última tese, ela declara que o bem de um todo pode ser maior do que o bem como soma das partes. Para entender isso, é preciso considerar que uma parte pode estar relacionada ao todo no sentido de: (i) ser causalmente dependente do todo: como é o caso do braço em relação ao corpo; (ii) ser um meio para o todo: é o caso de uma pintura em que suas partes são um meio para a beleza do todo; (iii) ser parte de um todo orgânico: o todo depende das partes para ser o que é e as partes dependem do todo para ser o que são. Essa terceira possibilidade é autocontraditória, porque afirmar que algo é uma parte já implica dizer que ela tem uma natureza distinta do todo. A doutrina de que uma parte não pode ter "qualquer sentido ou significado separada do seu todo" tem de ser totalmente posta de lado.  

Podemos, no entanto, utilizar a noção de todo orgânico no seguinte sentido: o de denotar o fato de que um todo tem um valor intrínseco quantitativamente diferente da soma dos valores das suas partes. Isso ocorre, por exemplo, quando consideramos que uma obra de arte sozinha não tem valor algum se não for contemplada por ninguém, mas a combinação entre arte e consciência cria um todo orgânico de grande valor. 

 

II. ÉTICA NATURALISTA 

 

Pode-se classificar as teorias que buscam definir o que é bom em dois grupos: (i) Ética naturalista: define o bem como um objeto natural, isto é, como um objeto da experiência; (ii) Ética metafísica: define o bem como um objeto que se infere existir em um mundo ou realidade suprassensível. Ambas as teorias cometem a falácia naturalista ao tentar definir o bem como algo que não é o próprio bem. O naturalismo ético acaba também por comprometer a existência da Ética como uma disciplina filosófica, pois acabaria por reduzi-la às ciências naturais. Isso ocorre porque um objeto natural pode ser definido como aquele que pertence ao escopo das ciências naturais e da psicologia. 

Não se pode negar que o bem seja uma propriedade de alguns objetos naturais, o problema está na tese de que o bem em si mesmo seja uma propriedade natural. Isso fica claro se considerarmos que não podemos dizer que todas as coisas naturais são boas, a não ser em virtude de pressupor alguma teoria metafísica. Por outro lado, talvez o naturalista queira dizer que bem significa viver naturalmente, essa noção, no entanto, é vaga. Pode ser que por natural se entenda aquilo que é mais comum, mas nesse caso, por exemplo, a excelência de um Shakespeare ou de um Sócrates teria de ser considerada uma coisa má e anormal. Ainda, alguém pode dizer que viver naturalmente significa viver de acordo com o que é minimamente necessário para a vida, contudo, definir o que é necessário depende de estabelecer um fim que a própria natureza por si não pode determinar. 

Alguns naturalistas podem, entretanto, recorrer à Teoria da Evolução, como sendo aquilo que apontaria em direção para a qual devemos nos desenvolver. É um equívoco, contudo, interpretar a evolução biológica como significando um progresso daquilo que é inferior em direção àquilo que é superior. A Teoria da Evolução é uma teoria de grande valor que mostra as causas que produzem certos efeitos biológicos, mas ela não serve para determinar quais efeitos são bons ou maus. Além disso, a Evolução denota apenas um processo histórico temporário e não temos razão para achar que esse processo persistirá no futuro distante nem que representa o modo como a natureza sempre opera. Hebert Spencer é um exemplo de um proponente de uma Ética evolucionista, embora em alguns trechos ele faça declarações que se aproximam mais do hedonismo. 

 

III. HEDONISMO 

 

De acordo com o hedonismo, nada é bom a não ser o prazer. O hedonismo é a forma principal de naturalismo ético. Entre todos os hedonistas, Henry Sidgwick é o único que parece ter percebido claramente que por “bem” nos referimos a algo não-analisável e ele parece ter sido o único hedonista a enfatizar que, se o hedonismo for verdadeiro, suas reinvindicações para serem verdadeiras precisam repousar apenas na ideia de que dizer que o prazer é o único bem é algo autoevidente e que conhecemos por intuição. É fácil entender por que o hedonismo é atraente, já que é difícil distinguir o fato de que aprovamos algo do fato de que temos prazer nesse algo. Mas se formos mais cuidadosos, perceberemos que aprovar algo e ter prazer em algo são estados mentais diferentes. Quando aprovamos algo estamos fazendo um julgamento de que um determinado objeto possui a propriedade de ser bom, enquanto no prazer isso não está envolvido. 

É importante pontuar que o hedonismo não é só a tese de que o prazer é bom, mas sim de que o prazer é bom como um fim. Podemos encontrar em John Stuart Mill uma concepção de hedonismo, para o qual a felicidade, entendida como prazer, é a única coisa desejável como fim, sendo todas as demais coisas desejadas apenas como meio para elas. No entanto, aqui fica claro que Mill confunde algo ser sempre desejado como fim de algo ser desejável como fim. Dizer que as pessoas sempre desejam como fim o prazer é uma tese que se denomina como hedonismo psicológico, que é diferente do hedonismo ético, segundo o qual só o prazer deve ser desejado como fim. 

É uma falácia passar do hedonismo psicológico para o hedonismo ético. Entretanto, mesmo o hedonismo psicológico é uma tese equivocada. O prazer não tem valor para nós por si só. O prazer só tem valor quando é acompanhado de consciência ou quando buscamos o prazer de uma determinada coisa. Se só o prazer fosse desejado como fim, iríamos preferir viver em uma máquina que estimula nossas áreas de prazer sem que experimentássemos nada além disso. Na verdade, o que desejamos é sempre o prazer de algo, como o prazer de um vinho ou de uma boa leitura. Ademais, o prazer não teria valor se não fosse acompanhado de consciência, o prazer só é desejado por nós na medida em que é consciente, ou seja, não é o prazer por si mesmo que é o fim, mas sim prazer e consciência, mesmo que no mundo real prazer e consciência andem sempre juntos.  

Que o prazer só tem valor na medida em que é acompanhado de consciência, é algo que o próprio Sócrates afirma já no Filebo. Além do mais, mesmo que o prazer tenha um grande valor dentro de um todo orgânico em que ele aparece em conjunto com a consciência, o prazer isolado desse todo orgânico pode não ter valor algum. Precisamos, pois, ao avaliar o valor do prazer, usar o método de pensá-lo isolado do todo para saber se seu valor decorre dele mesmo, a isso denominamos método do isolamento. Podemos nos perguntar: suponha que fossemos conscientes apenas do prazer e de nada mais, nem mesmo de que somos conscientes, seria esse estado de coisas, não importa a quantidade de prazer, algo muito desejável? 

O hedonismo de Mill ainda comete outro erro quando propõe a doutrina da diferença de qualidade dos prazeres, segundo a qual há prazeres mais nobres e menos nobres. Todavia, um critério para distinguir prazeres dessa forma precisaria ser um critério de bom que não é o próprio prazer. Assim como não faz sentido dizer que só cores importam para definir o que é bom e ao mesmo tempo dizer que algumas cores são melhores do que outras, não faz sentido defender o hedonismo e ao mesmo tempo distinguir qualidades de prazer. Por isso, Jeremy Bentham e Henry Sidgwick são mais coerentes por dizerem que para o hedonismo só importa a quantidade de prazer. 

O hedonismo, no entanto, pode ter duas formas: (i) hedonismo utilitarista: considera que o bem consiste na soma total de prazer para todos; (ii) hedonismo egoísta: entende que todos devem buscar o próprio prazer como o fim último. Sidgwick considera que essas duas formas de egoísmo são racionais e que isso apresenta um grande paradoxo para a ética e que ameaça sua unidade. O egoísmo ético, vale dizer, não deve ser confundido com egocentrismo como algo ruim e oposto ao altruísmo, já que pode ser que buscar o próprio prazer como fim envolva ser altruísta. 

 O problema do egoísmo, no entanto, é que ele é inconsistente. A ideia de que todos devem buscar sempre “seu próprio bem” é uma noção confusa, já que “meu próprio bem” pode significar ou que aquilo que se busca é bom ou que o fato de eu possuir tal coisa é bom. No segundo caso, já não se trata mais de hedonismo, pois o bem estaria na minha posse do prazer e não no prazer em si. Por outro lado, se “meu próprio bem” significa que aquilo que se busca é bom, então tal coisa precisa ser absolutamente boa e não boa só para mim.  O que o Egoísmo defende, portanto, é que o prazer de cada ser humano é o único bem, mas isso é uma autocontradição. É difícil entender, pois, como Sidgwick pode achar que o Egoísmo é racional. Não há qualquer paradoxo entre Egoísmo racional e Benevolência racional, porque o Egoísmo não é racional. 

Quanto ao Utilitarismo, o termo surgiu para se opor ao Intuicionismo. Para o Intuicionismo, certos atos são certos ou errados independente das consequências, enquanto para o Utilitarismo, tudo o que importa são as consequências de uma ação. O Utilitarismo, no entanto, acaba por tomar as melhores consequências como consistindo em uma classe limitada de bens, além de tenderem a ver tudo como um mero meio para um fim. O Utilitarismo geralmente envolve o absurdo de que nada importa no presente, já que tudo que importa são as consequências futuras. No entanto, é altamente duvidoso que as ações que produzem o maior bem sejam sempre aquelas que produzem o maior prazer para todos. Muitos estados complexos da mente possuem maior valor do que o prazer que eles contêm.  

 

IV. ÉTICA METAFÍSICA 

 

Estoicos, Spinoza, Kant e muitos hegelianos modernos fundamentam a Ética em algumas proposições metafísicas. Assim, supõe-se que a Ética deva ser baseada na Metafísica e que o Sumo Bem deve ser descrito em termos metafísicos. Para esses autores, o Bem não é algo temporal, são apenas coisas e qualidades boas que podem existir no tempo. Os metafísicos geralmente se opõem aos filósofos empiristas. Enquanto os empiristas defendem que só existem objetos que podem ser percebidos ou que podemos inferir a partir da percepção, metafísicos defendem que há objetos que não estão no tempo nem podem ser objetos de percepção. A Metafísica também pode ser compreendida como um tipo de investigação no qual podemos conhecer, por meio de processos de raciocínio, esses objetos que não são parte da natureza. 

Chamamos de “proposições metafísicas”, aquelas proposições que são sobre a existência de alguma coisa suprassensível, que não pode ser objeto de percepção e que não pode ser inferida dos objetos da percepção. Os objetos não-naturais que a Metafísica diz descrever parecem ser objetos que não existem de fato. Na Ética, os metafísicos descrevem o Supremo Bem em termos de uma realidade suprassensível que não faz parte da natureza. A Ética Metafísica tem o ponto positivo que falta ao naturalismo, isso porque os metafísicos reconhecem que para a bondade perfeita é exigido muito mais do que qualquer quantidade do que existe aqui agora ou do que existirá no futuro. Entretanto, a Ética metafísica também comete a falácia naturalista na medida em que a questão sobre o que é bom acaba sendo definida em termos da questão sobre o que é real. 

Ao identificar o bem com uma realidade suprassensível eterna, a Ética metafísica leva ao absurdo de que nossas ações não podem produzir o bem, já que as consequências de nossas ações são sempre temporais. Para tentar driblar essa dificuldade, o metafísico poderia dizer que, embora o Bem não exista no tempo, manifestações do bem podem existir. Mas isso ou significa que as manifestações do bem são reais e nesse caso eles também são uma realidade verdadeira e o Bem verdadeiro não é só o bem metafísico, ou significa que as manifestações do bem são só aparentes, mas nesse caso não são realmente bem. Pode ser, no entanto, que o metafísico diga que do ponto de vista eterno os bens temporais que produzimos passarão a constituir o Bem na soma total de bens do Universo. Mas nesse caso, o Bem eterno não é perfeito já que precisaria ser completado na totalidade final de todas as coisas. 

A falácia cometida pelos metafísicos consiste em que, ao perceberem que existem verdades que não são sobre coisas existindo aqui e agora, então essas verdades devem se referir a algo que existe em uma realidade suprassensível. Esse é o caso, por exemplo, das verdades matemáticas em relação as quais se comete o erro de achar que porque elas são verdadeiras e não são temporais, objetos matemáticos devem existir de modo suprassensíveis e que é a referência a esses objetos que torna essas sentenças matemáticas verdadeiras. Assim, que se as verdades éticas não são temporais, pensam os metafísicos que para juízos éticos serem verdadeiros eles precisam se referir a um Bem metafísico. 

Esse erro ocorre porque se supõe que a forma básica de proposição é aquela que atribui uma propriedade a um sujeito sob a hipótese de que esse sujeito existe. Assim, se digo “7 é um número primo”, supõe-se que isso é redutível a dizer que há na realidade um objeto 7 que tem a propriedade de ser primo. Assim, é comum a crença de que um juízo é verdadeiro se estabelece uma relação entre duas coisas. Dado isso, verdades éticas foram pensadas como sentenças desse tipo e isso significa que fazer um juízo moral significaria afirmar a existência de uma realidade com a propriedade de ser boa. Isso é um equívoco, porque não importa o que tenhamos provado existir, ainda permaneceria em aberto uma questão diferente da questão da existência, que é a questão sobre se o que existe é bom. 

Ao perceber, no entanto, que juízos éticos são distintos de asserções sobre o que existe, alguns propuseram que sentenças morais seriam semelhantes às leis científicas. Dizer que algo deve ser feito seria estabelecer uma lei moral, que seria análogo ou às leis naturais, as leis jurídicas ou ambas. Tal lei moral carregaria um caráter de universalidade, uma lei que diz que algo é bom quer dizer que esse algo é bom em todos os casos. Assim como uma lei natural não admite exceções, as leis morais também seriam absolutas. Foi por pensar assim que Immanuel Kant defendeu que as regras morais não admitem exceções.  

Além disso, Kant também comete a falácia de supor que se algo é um dever, então esse algo é um comando. Se de um lado a analogia com a lei natural faz Kant pensar que regras morais são absolutas, de outro, a analogia com as leis jurídicas faz com que o filósofo pense em leis morais como algo que foi comandado por uma autoridade, de modo que deveremos morais seriam imperativos. No entanto, diferentes de obrigações legais que são comandadas pelos humanos, a autoridade que comanda as regras morais seria suprassensível e se ela tem o poder de comandar, então ela deveria ser uma Vontade. Assim, investigar o que é o bom e quais nossos deveres consistiria para a Ética metafísica em perguntar pela natureza de uma Vontade metafisicamente real. 

Isso permite entender como os metafísicos pensaram que são os tipos de sentenças que existem. As sentenças que possuem a forma básica de atribuir uma propriedade a um sujeito estariam relacionadas ao que o Intelecto ou a Cognição reconhece como verdade enquanto sentenças morais, aquelas que prescrevem nossos deveres morais, se relacionam com aquilo que a Vontade reconhece como bom. Desse modo, a única diferença entre sentenças sobre a realidade e sentenças sobre o bem, é que uma afirma a relação de um objeto com o Intelecto e a outra a relação desse objeto com a Vontade. Pensa-se resolver, assim, o problema de que a questão sobre o que existe é distinta da questão sobre o que é bom. 

A partir de Kant, tornou-se comum distinguir três atitudes fundamentais da mente em relação à realidade: (i) Cognição: é aquela que descobre quais propriedades o mundo precisa ter para ser verdadeiro; (ii) Vontade e (iii) Sentimento: são aquelas pelas quais descobrimos que propriedades o mundo precisa ter para ser bom ou belo. Essas atitudes capturam, assim, diferentes aspectos de um objeto. No entanto, é falsa a suposição de que para uma coisa ser verdadeira isso significa a mesma coisa que essa coisa ser percebida ou pensada de uma certa maneira. Da mesma maneira, é falso supor que algo é bom porque é tomado como bom por uma atitude da Vontade ou do Sentimento. Há, pois, uma confusão que se faz entre a pergunta “o que é bom?” e a pergunta “o que é pensado como bom?”. 

 

V. ÉTICA EM RELAÇÃO À CONDUTA 

 

Sendo o bem indefinível e não-analisável, todas as sentenças sobre o que é bom ou mau são sintéticas e, como consequência, os princípios fundamentais da Ética precisam ser autoevidentes. Uma proposição é autoevidente se ela é evidente ou verdadeira por si mesma, não sendo uma inferência de alguma outra proposição que não ela mesma. É importante esclarecer que isso não significa dizer que uma proposição autoevidente porque ela parece ser evidente para alguém ou para toda humanidade.  

O fato de que uma proposição parecer verdadeira não pode ser a razão pela qual ela é verdadeira. Se uma proposição fosse verdadeira porque ela parece evidente, então ela não seria autoevidente, porque ela seria evidente, não em razão de si mesma, mas em razão de nossa convicção. Não importa, por exemplo, quão forte seja nossa intuição de que uma dada sentença é verdadeira, intuições não são razões para declarar uma sentença verdadeira. Intuições podem apenas ser uma razão para abraçarmos uma crença como verdadeira, mas não pode justificar a verdade da crença em si.  

No entanto, em Ética precisamos perseguir três passos, o primeiro é dizer o que é o bem (metaética), o segundo é considerar quais são os princípios autoevidentes da Ética (ética normativa) e o terceiro perguntar sobre o que devemos fazer (ética prática). Quando perguntamos o que devemos fazer precisamos pensar sobre as consequências de nossas ações. A questão do dever está subordinada a questão do que é o bem. Nosso dever consiste em adotar a conduta que trará os melhores resultados. Isso envolve fazer generalizações causais sobre o resultado de nossas ações. Nesse sentido, uma lei moral pode ser entendida como uma asserção de que certos tipos de ações terão bons resultados. 

É comum, no entanto, pensar que o que é certo (aquilo que é o nosso dever) e aquilo que é útil (aquilo que produz os melhores resultados) entram em conflito. Isso aparece, por exemplo, naqueles que afirmam que os fins nunca justificam os meios. Todavia, visto que certo significa aquilo que traz os melhores resultados, isso significa que o fim sempre irá justificar os meios. A asserção “eu sou moralmente obrigado a performar esta ação” é idêntica à asserção “esta ação produzirá a maior soma de bem no Universo”. Isso significa que é preciso comparar a ação que pretendemos tomar com as ações alternativas e determinar, entre elas, qual produzirá os melhores resultados. 

Isso significa, consequentemente, que nossas ações não têm valor intrínseco, mas instrumental, no sentido de que são meios para produzir os melhores resultados. Se uma ação tivesse valor intrínseco e absoluto ela seria o único bem, o que é uma contradição, pois não podem todas as ações boas serem o único bem ou o bem absoluto. Nosso dever, portanto, precisa ser definido no sentido de que a ação correta é que, em relação às alternativas, contribuirá para a maior soma de bem no Universo. Isso significa que nenhuma lei moral pode ser autoevidente, como querem os intuicionistas, já que se uma lei é a correta depende de uma avaliação das consequências. 

Uma dificuldade que surge, é que para avaliar se uma ação, entre todas as alternativas, é a que trará os melhores resultados para a soma total de bem do Universo, seria preciso que tivéssemos conhecimento das consequências de nossas ações em um futuro infinito. Nosso conhecimento causal sobre o futuro é incompleto. Todavia, parece suficiente que sejamos capazes de calcular os resultados prováveis de nossas ações em um futuro próximo, já que os efeitos de nossas ações se tornam indiferentes em relação a um futuro muito distante. Podemos ainda estabelecer leis a partir de generalizações em relação àquilo que costuma produzir os melhores resultados. 

Podemos justificar a maioria das regras aceitas pelo senso comum por esse tipo de generalização, como as regras de não mantar, guardar promessas, dizer a verdade etc. Raciocínio similar pode ser usado para justificar regras necessárias para o bem da sociedade, como a castidade e as punições legais. Também se pode usar esse raciocínio para justificar as virtudes. Por virtude entendemos uma disposição permanente de performar certos deveres. Uma virtude é, pois, não algo que tem valor intrínseco, mas algo que é bom como um meio para cumprirmos nossos deveres. 

 

VI. IDEAL 

 

Quando chamamos um estado de coisas Ideal podemos querer dizer três coisas diferentes: (i) o Sumo Bem: o ideal é aquilo que é o Bem absoluto e perfeito, como é o caso da vida de bem-aventurança no céu; (ii) Bem humano: diz respeito ao melhor estado possível de coisas que podemos produzir nesse mundo; (iii) Bem intrínseco: aquilo que é bom em si mesmo no maior grau. Na nossa pergunta pelo ideal é preciso primeiro responder o que é o bem nesse último sentido, porque determinar o Sumo Bem e o Bem humano depende de saber o que é o bem intrínseco em maior grau.  

Ao pensar no valor de algo como bem é preciso levar em conta o princípio das unidades orgânicas, segundo o qual o todo pode ter um valor maior do que aquele que resulta da soma das partes isoladas e que uma parte em um todo pode ter um valor maior do que se não estivesse no todo. A busca pelo Ideal precisa ser limitada pela pesquisa por aquela que, entre todas as unidades totais composta por elementos que conhecemos, é a melhor. 

O melhor Ideal que podemos construir será aquele estado de coisas que contém o maior número de coisas que possui valor positivo e que não contém nenhum mal ou algo indiferente, certificado que a presença de nenhum desses bens ou ausência de coisas más ou indiferentes pareça diminuir o valor do todo. Os filósofos geralmente buscam apenas por aquilo que seria a melhor coisa e acabam negligenciando a questão sobre o valor de unidades orgânicas compostas por múltiplos elementos. No entanto, pensar uma parte isolada todo é um método importante para determinar o valor que essa parte tem por ela mesmo, chamemos a isso de método do isolamento absoluto. Foi esse método que nos permitiu ver que o prazer por si mesmo isolado da consciência tem pouco ou nenhum valor. 

Uma das coisas mais valiosas que podemos imaginar dizem respeito ao estado de consciência que experimentamos ao apreciar objetos belos, sejam artísticos ou naturais. Esse é um caso que mostra como o valor de um todo pode superar ao das partes separadas. A mera existência do que é belo parece não ter nenhum valor ou ter um valor muito pequeno. Algo belo tem, contudo, grande valor na medida em que é objeto de apreciação estética. Podemos entender a apreciação estética como um bem em si mesmo. É possível, no entanto, que pessoas cometam erros estéticos, como apreciar algo que não é realmente belo ou deixar de reconhecer como belo algo que é verdadeiramente belo. Um erro de julgamento estético ocorre quando atribuímos a um objeto qualidades estéticas que ele não possui, já um erro de gosto estético ocorre temos um sentimento de apreciação estética por qualidades que um objeto realmente possui, mas que não são realmente belas. 

Nossas crenças sobre o objeto podem ou não fazer diferença quando julgamos a questão do valor de uma apreciação estética. Quando uma pessoa possui tanto uma cognição quanto emoção apropriadas sobre as qualidades estéticas de um objeto, podemos ter três casos em relação à crença sobre o objeto: (i) uma crença na existência dessas qualidades, que de fato verdadeiramente existem; (ii) uma mera cognição, sem crença, quando é ou verdadeiro ou falso que as qualidades das quais se tem cognição existem (como no caso da imaginação); (iii) uma crença na existência de qualidades belas, quando elas não existem. 

O terceiro caso é um no qual importa se a crença é ou não verdadeira. Por exemplo, podemos ter uma cognição apropriada de quem é Deus e em conjunto emoções apropriadas em relação a ele, mas se nossa crença na existência de Deus for falsa, isso pode importar para o valor desse tipo de apreciação. Podemos pensar o caso da ética como análogo ao da estética. Questões sobre ética geralmente são sobre unidades orgânicas complexas e envolvem ter um juízo correto sobre algo ser bom e ter a emoção apropriada em relação a esse algo. Em alguns casos também a questão da crença pode influenciar no valor da unidade orgânica que está sendo considerada. 

Podemos classificar as unidades orgânicas complexas em: (1) bens simples: são aqueles que não envolvem nada de mal, consiste no amor de coisas belas e de boas pessoas; (2) bens mistos: são unidades boas, mas que envolvem elementos maus; e (3) males: são aquelas unidades que como um todo são ruins. Os bens mistos consistem em (2.1) ódio pelo que é feio; (2.2) ódio pelo amor do mal; (2.3) ódio pelo ódio do bem; (2.4) compaixão pela dor. Os males se subdividem em: (3.1) o amor pelo que é mau ou feio (exemplo: crueldade e lascívia); (3.2) no ódio pelo que é bom ou belo (exemplo: inveja e desacato); (3.3) na consciência de dor. A dor é um caso excepcional, a mera consciência de dor já é um mal. Uma unidade que contenha só dor somada a dor (como a dor provocada por se praticar o mal somada a dor da punição por quem faz esse mal) pode formar uma unidade que é melhor do que a que só tem a dor e, assim, é possível justificar o uso de punições legais que infligem dor. Tal unidade não é boa, mas é menos ruim do que aquela em que só há dor provocada pelo crime, mas sem punição. 

A crença pode se relacionar a esses casos de modos diferentes. Em alguns casos uma crença verdadeira adicionada a um mal, torna o todo pior e em outros a crença não faz diferença. No caso de (3.1), como o da crueldade, a crença sobre se a pessoa que é objeto da crueldade existe é indiferente no sentido de que o sentimento de crueldade continua igualmente ruim; mas se o juízo for falso, como quando admiramos o que é mau acreditando que é algo bom, isso torna a coisa ainda pior; também quando apreciamos o que é mau sabendo que é mal isso é pior do que apreciar o que é mau sem fazer nenhum juízo sobre o valor do objeto. No caso de (3.2), a presença de uma crença verdadeira sobre o valor do objeto comtemplado, isso aumenta o mal; mas um julgamento falso parece diminuir o mal. 

Algumas pessoas usam o princípio da unidade orgânica para responder ao problema do mal, formulando alguma teodiceia que mostre que os males contribuem para aumentar o valor do todo. No entanto, não há razão para duvidar de que, onde um mal é real, o acréscimo desse mal a um todo bom é sempre suficiente para reduzir a soma total de valor para uma quantidade negativa. Não temos, também, nenhuma razão para manter que um mundo ideal seria aquele no qual o vício e o sofrimento precisam existir para que tenhamos a reação apropriada em relação a eles. Não é um bem positivo que o sofrimento precise existir para haver compaixão ou que a perversidade precise existir para que a odiemos. Quando teodiceias apelam para esse tipo de argumento, o apelo deles pode ser válido em princípio no sentido de que esses males são necessários para bens maiores, mas não temos razão para pensar que esse seja o caso em qualquer instância que seja. 


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