ATEÍSMO NEGATIVO - MICHAEL MARTIN (RESUMO)

 

O que se segue é um resumo da Parte 1 do livro Atheism: a Philosophical Justification de Michael Martin, intitulada Negative Atheism. Essa parte é composta por 10 capítulos, sendo eles: 1. A justificação do ateísmo negativo; 2. A falta de significado da linguagem religiosa; 3. O Argumento Ontológico; 4. O Argumento Cosmológico; 5. Argumento Teleológico; 6. O Argumento a partir da Experiência Religiosa; 7. O Argumento dos Milagres; 8. Alguns argumentos evidenciais menos importantes a favor da existência de Deus; 9. Argumentos beneficiais a favor de Deus; 10. Fé e fundacionalismo. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. 

 

I. A JUSTIFICAÇÃO DO ATEÍSMO NEGATIVO: ALGUMAS QUESTÕES PRELIMINARES 

 

Pode-se distinguir o termo ateísmo em dois sentidos. De um lado há o ateísmo negativo que consiste em uma ausência de crença sobre a existência de Deus, já o ateísmo positivo é a afirmação de que Deus não existe. Ao discutir a questão da existência de Deus, alguns como Antony Flew propuseram o que pode ser chamado de presunção do ateísmo. Assim como um réu deve ser considerado inocente até que se prove o contrário, devemos ser ateus até que se prove o contrário. Essa questão envolve uma discussão sobre ética da crença e nesse campo há duas posições principais: (i) evidencialismo (W. K. Clifford): é sempre errado acreditar em algo para o qual não se tem evidência suficiente; (ii) benificialismo (William James): mesmo quando razões epistêmicas são insuficientes, podemos estar justificados a acreditar em algo por razões beneficiais. 

Pode-se entender que não é correto acreditar em algo apenas por razões beneficiais, no entanto, razões beneficiais podem ter um caráter complementar. De um lado, Clifford defende o que pode ser chamado de presunção da primazia das razões epistêmicas: é nosso dever epistêmico basear nossas crenças puramente em razões epistêmicas. Por outro lado, a partir de James podemos defender a presunção da suplementaridade das razões beneficiais: quando a evidências a favor de duas crenças opostas têm o mesmo peso, não é preciso suspender a crença necessariamente, mas pode-se adotar uma delas por razões beneficiais. Por exemplo, uma pessoa que acredita que as evidências contra ou a favor de Deus tem o mesmo peso, pode considerar continuar crendo em Deus por razões psicológicas ou existenciais. 

Os que adotam a presunção da primazia das razões epistêmicas, precisam defender que há uma forte conexão entre razões epistêmicas adequadas e a verdade. No entanto, alguns objetam que isso pode não ser o caso baseados no argumento do demônio mau. De acordo com esse argumento, pode haver um demônio mau que nos engana de tal modo que nossas crenças que entendemos como mais racionais não tenham qualquer relação com a realidade.  

No entanto, podemos considerar alguns pontos sobre esse argumento: (i) se ele estiver correto, não só nossas crenças em Deus seriam irracionais, mas qualquer crença, incluindo a crença de que pode haver um demônio mau; (ii) a ideia de um demônio mau poderia ser afastada caso a crença em Deus fosse justificada, já que um Deus bom não teria como nos enganar; (iii) os argumentos céticos são matéria de controversa e pode não ser aconselhável nos guiarmos por eles; (iv) se nenhuma crença é racionalmente justificada, que boa razão alguém poderia dar para acreditarmos na hipótese do deus mau?; (v) que visão alternativa poderia ser dada então para justificação de crenças? 

 

II. A FALTA DE SIGNIFICADO DA LINGUAGEM RELIGIOSA 

 

No entanto, ao invés de discutir se a crença em Deus é verdadeira ou falsa, podemos questionar se realmente a falar em Deus tem sequer significado cognitivo. Caso não haja sentido na linguagem religiosa, então o ateísmo negativo está justificado. Quanto a linguagem sobre Deus podemos considerar os seguintes pontos: (i) pessoas religiosas falam de Deus como tendo ações, mas como um ser incorpóreo e fora do tempo e do espaço pode agir?; (ii) Hume distinguia juízos sobre ideias (juízos a priori) de juízos sobre fatos (juízos sintéticos), juízos sobre Deus não são meros juízos sobre ideias, no entanto, como Deus não pode ser verificado experimentalmente, também não faz sentido falar que a linguagem sobre Deus envolve juízos sobre fatos, assim, a palavra “Deus” parece não ter significado claro algum. 

Podemos aqui, adotar uma tese defendida pelos positivistas lógicos que é o verificacionismo. Os positivistas lógicos adotaram uma teoria da linguagem que envolve os seguintes pontos: (i) uma sentença possui significado factual se e somente se ela é empiricamente verificável; (ii) uma sentença possui significado formal se e somente se ela é analítica ou autocontraditória; (iii) uma sentença possui significado cognitivo ou literal se e somente se ela possui ou significado formal ou significado factual; (iv) uma sentença possui significado cognitivo ou literal se e somente se ela é ou verdadeira ou falsa. 

Visto que sentenças sobre Deus e outras entidades metafísicas não são consideradas nem verificáveis mesmo em princípio nem são analíticas ou autocontraditórias, elas foram declaradas factualmente sem significado pelos verificacionistas. É importante ter em mente aqui uma distinção entre um juízo incoerente (autocontraditório) e um juízo sem-sentido, que é aquele que não expressa nenhum conteúdo que possa ser verdadeiro ou falso. Embora poucos ainda adotem o verificacionismo, ainda há alguns que tomam seriamente essa posição para pensar a linguagem religiosa. Um desses filósofos é Kai Nielsen, que defendeu o seguinte critério de verificação: 

P1: Para qualquer sentença S, S é factualmente significativa se e somente se há pelo menos alguma sentença observacional O que pode contar a favor ou contra S. 

P2: Para qualquer sentença S1 e para qualquer sentença S2, S1 tem o mesmo significado factual que S2, se e somente se as mesmas sentenças observacionais que contam a favor ou contra S1 conta a favor ou contra S2 reciprocamente e no mesmo grau. 

Richard Swinburne, no entanto, criticou a compreensão verificacionista da linguagem religiosa. Ele primeiro pontuou que não estava considerando o princípio verificacionista forte, segundo o qual o significado de uma sentença factual depende de ela ser conclusivamente confirmada ou desconfirmada. Ao invés disso, ele focou no princípio verificacionista fraco, segundo o qual a verificabilidade de um juízo sintético não precisa ser conclusiva. Swinburne apresenta as seguintes críticas ao verificacionismo: 

(1) Mesmo se o princípio verificacionista for verdadeiro, ele não é muito útil para distinguir juízos factuais de outros, pois não há concordância sobre o que é, em princípio, possível de observação; 

(2) Há juízos que muitos julgam factuais que não podem ser confirmados ou desconfirmados pela observação. Exemplo: “existe um ser que é igual a um homem em seu comportamento, fisiologia e história, mas que não tem pensamentos, sentimentos ou sensações” ou “alguns brinquedos levantam e dançam quando não estão sendo observados, mas quando são observados retornam à posição original sem deixar rastros”. Esses exemplos revelam que alguém pode entender o significado factual de uma sentença mesmo que não possa dizer que observações a confirmariam ou desconformariam. 

Essas críticas, no entanto, não procedem. Em relação à primeira, do fato de não haver concordância sobre o que é passível em princípio de observação em relação a alguns juízos não implica que não se possa apelar à observação em alguns casos a favor do princípio. Não há necessidade de concordância em todos os casos, mesmo que haja casos controversos, o princípio ainda pode ser usado. Quanto à segunda crítica, é importante dizer que uma frase sem significado factual poderia ser entendida simplesmente por seguir um padrão gramatical e que a questão não é só se a sentença pode ser entendida sem referência à observação, mas se ela pode ser verdadeira ou falsa sem referência ao que contaria como evidência observacional a favor ou contra ela. 

Alguns, no entanto, argumentam que a linguagem religiosa pode sim ser verificável. Michael Tooley, por exemplo, defendeu que sentenças teológicas podem ser confirmadas por meio de uma linguagem observacional fenomenalista existencialmente quantificada. Ele defendeu o critério de construtibilidade do significado factual, segundo o qual, uma sentença possui significado cognitivo se e somente se ela se encontra em uma relação de confirmação com sentenças observacionais básicas. Além disso, ele entendia que duas sentenças possuem o mesmo significado factual se e somente se qualquer declaração que confirma uma sentença também confirma a outra no mesmo grau. Ele, ainda, definia uma sentença empírica como sendo uma sentença que pode ser construída a partir de sentenças observacionais por meio de aparatos lógicos; ou que é introduzida em termos de sentenças observacionais básicas por meio de funções de confirmação. 

Desse modo, para Tooley, para qualquer sentença factualmente significativa S, é necessário que seja possível construir ou introduzir alguma sentença empírica E que tem o mesmo grau de confirmação que S. Assim, se a sentença “Deus existe” é factualmente significativa, é necessário que seja possível construir ou introduzir alguma sentença empírica E que tenha o mesmo grau de confirmação empírica que a sentença “Deus existe”. Para ele, isso seria impossível se assumirmos uma linguagem puramente fisicalista. No entanto, se considerarmos uma linguagem observacional fenomenalista existencialmente quantificada, o princípio verificacionista pode ser cumprido. Isto é, a experiência que é levada em conta é a própria experiênia fenomenalista que uma pessoa tem com o divino. No entanto, como uma experiência temporalmente localizada poderia confirmar a existência de um Deus atemporal e não-espacial? Ademais descrever uma experiência religiosa em termos teológicos já teria que pressupor que termos religiosos possuem significado cognitivo. 

Uma segunda proposta de como a linguagem religiosa pode ser verificada foi defendida por John Hick. Ele defendeu uma verificação escatológica, segundo a qual sentenças religiosas podem ser confirmadas por experiências pós-morte. Ele entendia que experiências de pós-morte poderiam confirmar o teísmo cristão, mas não o falsear. O tipo de experiência pós-morte que segundo ele poderia confirmar o teísmo cristão teria lugar no que ele chamou de mundo ressurreto para seres ressurretos. Seria um mundo que é espacial, mas não no sentido do espaço físico. Esses seres ressurretos teriam memórias de sua vida física e poderiam perceber que estão em uma espécie de espaço não-físico. 

Nesse mundo pós-morte, duas experiências iriam confirmar o teísmo cristão. Primeiro, uma experiência do cumprimento do que Deus prometeu por meio da revelação cristã e segundo uma comunicação com Deus tal qual ele revelou a si mesmo na pessoa de Cristo. No entanto, o verificacionismo ecatológico de Hick enfrenta sérios problemas: (i) qual o sentido de falar de um espaço não-físico?; (ii) a própria ideia de que no pós-morte experienciaremos um cumprimento dos propósitos de Deus já pressupõe que a linguagem sobre Deus possui significado cognitivo; (iii) qual experiência poderia confirmar que a pessoa que se apresenta como Cristo no pós-morte é mesmo idêntico ao Jesus Cristo do teísmo cristão? 

Além disso, de acordo com Gregory Kavka, a tese de Hick de que experiências pós-morte não podem falsear ou desconfirmar o teísmo cristão é falsa. Por exemplo, poderia ser o caso de que alguém chegasse no pós-morte e encontrasse um mundo dominado por Satanás e por Hitler e descobrisse que o Cristianismo foi uma religião inventada por Satanás para enganar as pessoas. Essa objeção de Kavka não é boa e se fosse verdadeira confirmaria que a linguagem sobre Deus é ao menos em parte verificável. Já vivemos hoje em um mundo que poderia ser considerado dominado por Satanás e em que Hitler teve poder para governar e ainda assim os cristãos não deixaram de acreditar no teísmo cristão. 

Uma terceira posição de como a linguagem religiosa poderia ser verificada foi proposta por Ian Crombie. Ele argumenta que há certas crenças factuais que são fundamentais para o Cristianismo. Ele entende que a nossa linguagem sobre Deus é como parábolas que não devem ser tomadas como literalmente verdadeiras. Por exemplo, se dizemos que “Deus é amor”, isso deve ser tomado como uma analogia e que o valor comunicativo dessa sentença é derivado dessa analogia. No entanto, a própria possibilidade de que essas analogias ou parábolas possam ter significado já pressupõe que a linguagem sobre Deus possui significado cognitivo.  

Podemos concluir, portanto, que a sentença “Deus existe” não é verificável e, portanto, carece de significado cognitivo. Isso justifica o ateísmo negativo, mas não o positivo, já que a sentença “Deus não existe” também não possui significado cognitivo pelo mesmo princípio. Mas vamos conceder a possibilidade de que o verificacionismo esteja errado, nesse caso o ateu negativo pode ainda ter uma carta na manga: ele pode analisar se os argumentos a favor da existência de Deus realmente funcionam. 

 

III. O ARGUMENTO ONTOLÓGICO 

 

O argumento ontológico consiste na tentativa de provar a existência de Deus simplesmente por analisar o conceito de Deus, sendo um argumento a priori. A versão mais famosa do argumento foi proposta por Santo Anselmo. Anselmo definia Deus como o Maior Ser Concebível e usava um reductio ad absurdum, ao considerar que dizer que o Maior Ser Concebível não existe seria uma contradição. Pois um ser que não existe, existe só no entendimento, enquanto um ser que existe na realidade, existe tanto no entendimento quanto na realidade. Assim, um ser que existe tanto no entendimento como na realidade é maior que aquele que existe só na realidade. Se o Maior Ser Concebível existisse só no entendimento, seria possível conceber um maior que ele, a saber, aquele que existe também na realidade. 

O argumento de Anselmo depende do pressuposto de que um ente é maior se ele existe na realidade do que se ele é apenas um objeto mental. Kant questionou esse pressuposto ao considerar que a existência não é uma propriedade. No entanto, mesmo se a existência for uma propriedade, ainda seria preciso provar que essa propriedade torna algo melhor ou mais perfeito. Alguém também poderia usar o mesmo argumento para defender um ser absolutamente mau dizendo que um ser mal que existe é pior do que um ser mal que não existe. Gualino também objetou o argumento de Anselmo mostrando que por ele também seria possível provar a existência de uma ilha perfeita ao que Anselmo, de modo insuficiente, respondeu que o argumento só pode ser aplicado a Deus. 

John Mackie também considera que mesmo se a existência for uma propriedade e mesmo que ela torne algo melhor, o argumento ainda não funciona. Isso porque Anselmo pressupõe que o ateu concebe um ser não existente do qual nada maior pode ser concebido. Na realidade, o que o ateu concebe é um ser do qual nada maior pode ser concebido. O ateu não inclui a não-existência no conceito concebido, ainda que ele entenda que o conceito não possui aplicação no mundo real. 

Uma outra versão do argumento ontológico foi proposta por Norman Malcolm, e é a seguinte: 

(1) Se Deus não existe, sua existência é logicamente impossível. 

(2) Se Deus existe, sua existência é logicamente necessária. 

(3) Assim, ou a existência de Deus é logicamente impossível ou a existência de Deus é logicamente necessária. 

(4) Se a existência de Deus é logicamente impossível, o conceito de Deus é contraditório. 

(5) O conceito de Deus não é contraditório 

(6) Portanto, a existência de Deus é logicamente necessária. 

 

Existem diversos argumentos que buscam mostrar que o conceito de Deus é contraditório. Além disso, esse mesmo argumento poderia provar a existência de um ser maximamente mal necessário. Além disso, se por “logicamente necessário” e “logicamente impossível” o argumento se refere a proposições, o argumento não funciona. 

Outra versão do argumento ontológico é a versão modal esquematizada por Charles Hartshorne: 

(1) Se há um ser perfeito, é necessário que haja um ser perfeito (princípio de Anselmo) 

(2) Há necessariamente um ser perfeito ou não há necessariamente um ser perfeito. 

(3) Se não há necessariamente um ser perfeito então necessariamente não há necessariamente um ser perfeito. (Postulado de Becker) 

(4) Ou há necessariamente um ser perfeito ou necessariamente não há necessariamente um ser perfeito. 

(5) Se necessariamente não há necessariamente um ser perfeito então necessariamente não há um ser perfeito. 

(6) Necessariamente há um ser perfeito ou necessariamente não há um ser perfeito. 

(7) Não é necessário que não haja um ser perfeito (postulado intuitivo) 

(8) Logo, necessariamente há um ser perfeito. 

(9) Se necessariamente há um ser perfeito então há um ser perfeito, 

(10) Portanto, um ser perfeito existe. 

 

O argumento é válido, no entanto, suas premissas são questionáveis. O argumento presume que o conceito de Deus é coerente. Além disso, é questionável se a ideia de necessidade lógica de uma proposição deva ser determinada pela existência ou não existência de algo. Por exemplo, uma tautologia é necessária mesmo se seu conceito não se refira a algo que exista. Além disso, o mesmo argumento poderia ser usado para provar a existência de um ser absolutamente mal necessário. 

Carl Kording, por sua vez, apresentou uma versão deôntica do argumento ontológico: 

(1) Deus deve existir. 

(2) Se Deus deve existir, é possível que Deus exista. 

(3) Logo, é possível que Deus exista. 

(4) Se é possível que Deus exista, é necessário que Deus exista. 

(5) Logo, Deus necessariamente existe. 

 

Esse argumento enfrenta os mesmos problemas que os anteriores, com ele seria possível demonstrar que uma ilha perfeita necessária e que um ser maximamente mau existem. 

Por fim, podemos considerar uma versão do argumento ontológico proposta por Alvin Plantinga: 

 

(1) Há um mundo possível onde a máxima grandeza é exemplificada. 

(1a) Há algum mundo possível onde há um ser que é maximamente grande. 

(2) Necessariamente, um ser maximamente grande é, por definição, maximamente excelente em todo mundo possível, 

(3) Necessariamente, um ser que é maximamente excelente em todo mundo possível é, por definição, onisciente, onipotente e moralmente perfeito em todo mundo possível. 

(4) Portanto, há no nosso mundo e em todo mundo um ser que é onisciente, onipotente e moralmente perfeito. 

 

Pode-se se questionar se o sistema de lógica modal que Plantinga usa nesse argumento (o sistema S5) é apropriado. Além disso, poderia ser argumentar que atributos como onisciência, onipotência e perfeição moral formam um conjunto de propriedades incoerentes. Além disso, o mesmo argumento funcionaria para provar a existência de um unicórnio especial que tem a propriedade de existir em todo mundo possível. 

 

IV. O ARGUMENTO COSMOLÓGICO 

 

Em sua forma simples, o argumento cosmológico é o seguinte: (1) Tudo que conhecemos tem uma causa; (2) No entanto, não pode haver um regresso infinito de causas; (3) Logo, deve existir uma causa primeira (Deus). O argumento, no entanto, teria de provar que essa causa é Deus. Ademais, poderia se argumentar que pode haver sim um regresso infinito. Ainda que alguns digam que é autoevidente que não pode haver um regresso infinito, precisamos lembrar que coisas que no passado pareciam autoevidentes, como o direito divino dos reis ou a terra ser o centro do Universo, se mostraram falsas com o tempo. Além disso, embora não tenhamos experiência de nenhuma série causal infinita, nós conhecemos séries infinitas, como os números naturais. 

Tomás de Aquino ofereceu três formulações do argumento ontológico nas três primeiras vias. As duas primeiras causas assumem que não pode haver um regresso infinito na série de causas eficientes, o que já consideramos ser questionável. Além do mais, a causa primeira pode não ser Deus. Aquino, no entanto, também apresenta uma terceira via: 

(1) Cada coisa existente é capaz de não existir. 

(2) O que é verdadeiro de cada coisa é verdadeiro de todas as coisas (a totalidade). 

(3) Portanto, tudo poderia deixar de existir. 

(4) Se tudo poderia deixar de existir, então isso já ocorreu. 

(5) Portanto, todas as coisas deixaram de existir. 

(6) Se todas as coisas já deixaram de existir e não pode haver algo que surgiu do nada, então nada existe agora. 

(7) Não pode haver algo que vem à existência do nada. 

(8) Portanto, nada existe agora. 

(9) Mas algo existe agora. 

(10) Portanto, é falso que tudo que existe é capaz de não existir. 

(11) Portanto, deve haver algo que não é capaz de não existir. 

(12) Todo ser necessário precisa ter uma causa de sua necessidade fora de si mesmo ou ser necessário por si mesmo. 

(13) Não pode haver uma série de seres que tem a causa de sua necessidade fora deles mesmos. 

(14) Portanto, há um ser necessário que não tem a causa de sua necessidade fora de si mesmo e que é a causa da necessidade de outros seres. 

(15) Portanto, Deus existe. 

 

Esse argumento enfrenta problemas. Primeiro, mesmo que haja um ser necessário isso não significa que ele seja Deus, pois o Universo pode, ele mesmo, ser necessário. Esse argumento também comete a falácia da composição, não é porque cada ser é capaz de não existir, que a totalidade de todos os seres é capaz de não existir. Também não faz sentido supor que só porque um ser é capaz de não existir, de fato tem que ter havido um tempo em que ele não existia. Além disso, se Aquino acredita em criação do nada, então nada impede que algo surja de modo espontâneo do nada e mesmo algumas teorias cosmológicas da física parecem dizer, dependendo da interpretação, que é possível que algo surja do nada. 

William Lane Craig, por sua vez, apresentou a seguinte versão contemporânea do argumento cosmológico (kalam): (1) Tudo que começa a existir tem uma causa; (2) O Universo começou a existir; (3) Logo, o Universo tem uma causa. Para Craig, a principal premissa é a (2), isto é, que o Universo teve um início. Ele considera que o Universo não pode ter um passado infinito porque a noção de um infinito real é paradoxal e também porque não se pode formar uma série infinita por adição sucessiva.  

Ele também acredita que a Teoria do Big Bang e a Segunda Lei da Termodinâmica (entropia) dão suporte à tese de que o Universo começou a existir. Craig também conclui que a causa do Universo precisa ser um ser pessoal com base no princípio da determinação, segundo o qual se dois estados de coisas eram igualmente possíveis, mas só um deles se realizou, então a causa desse estado é um agente livre. Só um agente livre e pessoal poderia escolher criar o Universo em um momento e não em outro. 

Mesmo que a causa do Universo tivesse de ser pessoal, isso não prova que ela seja Deus, poderia inclusive ser mais de uma pessoa. Além disso, nem sempre a causa precisa ser maior que o que foi criado conforme mostra nossa experiência. Ademais, nada garante que se o Universo foi criado, ele foi criado do nada. Craig também falha em mostrar que haja algo inconsistente ou mesmo nomologicamente absurdo na ideia de infinito real. Quanto à ideia de adição sucessiva, pode-se argumentar que um infinito real pode sim ser construído por meio de adição sucessiva se a adição sucessiva não teve um começo. Também é importante considerar que a evidência científica não prova que o Universo teve um início absoluto. Ainda não temos uma resposta científica clara do que existia antes do Big Bang. No entanto, mesmo que o Universo tenha um começo, esse começo pode não ser causado. 

Richard Swinburne, por sua vez, propôs um argumento cosmológico indutivo. Ele considera que considerando o que conhecemos, uma causa pessoal para o Universo complexo é mais provável indutivamente que uma causa científica, No entanto, o argumento deveria levar em conta qual a probabilidade de Deus ter criado um Universo complexo ao invés de um mais simples, também é preciso considerar se o próprio conceito de Deus é um conceito consistente. Além disso, é a priori mais improvável que haja um ser sobrenatural do que não exista ser sobrenatural nenhum.  

Bruce Reichenbach, por sua vez, propôs o seguinte argumento cosmológico: 

(1) Um ser contingente existe. 

a. Esse ser contingente é causado ou (i) por si mesmo ou (ii) por outro. 

b. se ele é causado por si mesmo, ele teria de preceder a si mesmo na existência, o que é impossível. 

(2) Portanto, este ser contingente (ii) é causado por outro, isto é, ele depende de outro ser para sua existência. 

(3) Aquilo que causa, isto é, fornece razão suficiente para a existência de qualquer ser contingente precisa ser ou (iii) outro ser contingente ou (iv) um ser não-contingente (necessário) 

(4) Portanto, o que causa, isto é, fornece razão suficiente para a existência de qualquer ser contingente precisa ser ou (v) uma série infinita de seres contingentes ou (vi) um ser necessário. 

(5) Uma série infinita de seres contingentes (v) é incapaz de fornecer uma razão suficiente para a existência de qualquer ser. 

(6) Portanto, um ser necessário existe. 

Um problema desse argumento é que ele assume que um ser contingente precisa ser causado, quando pode ser o caso que seres contingentes simplesmente ocorrem sem causa. Assim, o argumento pressupõe o que precisa ser provado, isto é, que todos os seres contingentes precisam ter uma causa. Esse argumento também depende de noções metafísicas ligadas às ideias de essência, ser, existência, acidentes, que são noções controversas. Podemos talvez ver a noção de causalidade, não como um princípio metafísico, mas como um princípio investigativo útil de ser seguido. Podemos perguntar, ainda, por que não poderia existir uma pluralidade de seres necessários? Além disso, pode ser que esse ser necessário não seja Deus ou seja o Universo como uma totalidade. O argumento comete também uma falácia de composição, ao supor que a totalidade de uma série de seres contingentes e como um todo contingente. 

 

V. ARGUMENTO TELEOLÓGICO 

 

O argumento teleológico também é conhecido como argumento do design, e embora tratado a parte, não há uma distinção clara entre ele e o argumento cosmológico. Frederick Tennant argumenta que há seis tipos de adaptação na natureza que não podem ser explicadas por um mecanismo cego: 

(1) A inteligibilidade do mundo para a mente humana: o mundo e a mente humana estão de tal modo relacionados que o mundo é inteligível para a nossa mente. 

(2) A adaptação de organismos vivos aos seus ambientes: embora tal adaptação possa ser explicada por meio da Evolução, a Evolução, ela mesma, requer uma explicação. 

(3) Os modos pelos quais o mundo inorgânico é condutivo com a emergência e manutenção da vida humana e animal: o Universo é feito de matéria inorgânica e ainda assim produziu vida. 

(4) A beleza da natureza: a beleza da natureza é parte da inteligibilidade do mundo. 

(5) Os modos pelos quais o mundo é condutivo com o desenvolvimento moral dos seres humanos:  todo o processo da natureza pode ser considerado um instrumento para o desenvolvimento de criaturas morais e inteligentes. 

(6) O progresso geral do processo evolucionário: quando consideramos todos os aspectos da natureza em conjunto eles indicam um propósito cósmico que faz uso da natureza para o desenvolvimento dos seres humanos. 

Esse argumento, entretanto, enfrenta problemas. Primeiro que mesmo que haja uma teleologia cósmica isso não prova que seja o Deus teísta que está por trás dela, poderia ser uma espécie de arquiteto cósmico ou mesmo vários deuses. Além disso, as adaptações citadas no argumento falham em serem de fato tão impressionantes, elas poderiam ser resultadas do acaso e caso haja bilhões de universos com bilhões de planetas cada um, não seria tão surpreendente que um deles abrigasse a vida. 

Uma outra versão do argumento teleológico foi proposta por George Schlesinger, para ele, um princípio básico do método científico é:quando uma dada parte de evidência E é mais provável sobre uma hipótese H do que sobre H’, então E conforma H mais do que H . Ele argumenta, a partir disso, que a hipótese teísta é mais bem confirmada que a naturalista, as leis da natureza governando o universo e as suas condições iniciais são tais que permite com que criaturas capazes de responder ao divino existam. É importante observar que o princípio proposto por Schlesinger é equivocado, porque o que importa não é comparar duas hipóteses em relação a uma dada parte de evidência, mas sim as evidências totais disponíveis. Além disso, o argumento pressupõe não só que Deus tenha de existir, mas que tenha de haver um Deus que deseja que suas criaturas respondam a ele e que tem poder para realizar isso. 

Richard Swinbirne, por sua vez, também possui uma versão do argumento teleológico. Ele primeiro distingue dois tipos de argumento indutivo: (i) Indutivo-C: uma hipótese H é mais provável sobre a base de certa evidência E em conjunto com a evidência de fundo K do que só sobre K; (ii) Indutivo-P: uma hipótese H é mais provável do que não-H sobre a base de E e K. Swinburne também distingue entre dois tipos de regularidade: (i) regularidade de co-presença: consiste em uma ordem espacial, como a dos livros dispostos em ordem alfabética em uma biblioteca; (ii) regularidade de sucessão: consiste em uma ordem temporal, como o comportamento dos corpos de acordo com a lei da gravidade. 

Swinburne considera que embora teístas tenham usualmente baseado seus argumentos na ordem espacial, é menos arriscado basear o argumento teleológico na ordem temporal. A ordem temporal é encontrada através do Universo pois ela é exibida em todas as leis que governam processos naturais. A partir do fato E da ordem temporal do universo, Swinburne constrói um argumento indutivo-C de que nenhuma explicação científica somente é suficiente para explicar essa ordem temporal, sendo preciso recorrer a uma causa pessoal como explicação. Esse argumento ignora diversas possibilidades. Por exemplo, não sabemos se é todo o Universo ou só uma pequena região que conhecemos que exibe uma ordem, ou se algumas exibem e outras não. Além disso, um cálculo de probabilidades deveria levar em conta as razões que Deus pode ter ou não ter para criar um Universo com ordem temporal como o nosso. Além de ser preciso considerar hipóteses de outros seres que não sejam Deus ou mesmo do politeísmo. Tudo isso mostra que não é tão simples dizer que Deus seja a explicação mais provável da ordem temporal que observamos. 

Por fim, Richard Taylor propôs um argumento teleológico baseado no fato de que nós supomos que nossos sentidos de algum modo nos contam, pelo menos às vezes, o que é verdade. Taylor argumenta que não faz sentido argumentar que nossos sentidos e faculdades cognitivas nos fornecem conhecimento verdadeiro sobre o mundo e ao mesmo tempo defender que eles têm uma origem natural e sem propósito. É importante considerar, entretanto, que a capacidade de ter conhecimento verdadeiro pode ter tido um valor de sobrevivência para os organismos e que há tentativas recentes de desenvolver uma epistemologia naturalizada. 

 

VI. O ARGUMENTO A PARTIR DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA 

 

A experiência religiosa consiste em uma experiência na qual uma pessoa experimenta a presença imediata de alguma entidade sobrenatural. Swinburne classifica quatro tipos de experiência religiosa: 

(1) Tipo 1: consiste em experienciar um objeto ordinário e público como um ser sobrenatural (exemplo: experienciar uma pomba como sendo o Espírito Santo); 

(2) Tipo 2: consiste em experienciar algum ser sobrenatural que é um objeto público e usar o vocabulário ordinário para descrever essa experiência (exemplo: experienciar um anjo que outros na mesma situação podem ver também); 

(3) Tipo 3: consiste em experienciar algum ser sobrenatural que não é um objeto público e usar o vocabulário ordinário para expressar essa experiência (exemplo: experienciar um anjo que só você pode ver); 

(4) Tipo 4: experiências com algo sobrenatural que não podem ser descritas por meio do vocabulário ordinário (exemplo: experiências místicas indescritíveis, que só podem ser expressas em linguagem negativa e paradoxal); 

(5) Tipo 5: experiência com o sobrenatural que não envolve qualquer sensação (exemplo: estar consciente de que um anjo está presente sem vê-lo ou senti-lo). 

Pode-se formular o argumento da experiência religiosa a favor da existência de Deus do seguinte modo: 

(1) Sob certas condições C1, crenças religiosas do tipo K1, isto é, crenças geradas por experiência religiosa, são mais prováveis de serem verdadeiras; 

(2) As condições C1 são obtidas; 

(3) Minha crença religiosa de que Deus existe é do tipo K1; 

(4) Portanto, minha crença religiosa de que Deus existe é provavelmente verdadeira. 

Em relação a esse argumento, pode-se considerar duas hipóteses: (i) hipótese da causa externa: As crenças geradas por experiências religiosas e que são prováveis de serem verdadeiras, são causadas por uma realidade externa à pessoa que está tendo a experiência; (ii) hipótese psicológica: A experiência religiosa de uma pessoa é resultado de operações de sua própria mente, sendo similar a uma alucinação ou delírio. Uma boa razão para preferir a hipótese psicológica, é que experiências religiosas são semelhantes àquelas induzidas por drogas, álcool ou transtornos mentais na medida em que tanto essas experiências psicológicas quanto religiosas não possuem uniformidade, coerência e plausibilidade. Além disso, mesmo que uma experiência religiosa pudesse indicar a existência de um ser sobrenatural, ela não seria suficiente para provar que esse ser é Deus. 

Alguns argumentam, no entanto, que experiências místicas (tipo 4) possuem uma certa coerência e similaridade, de modo que seriam diferentes de experiências psicológicas sem coerência e uniformidade. O argumento a partir de experiências místicas é o seguinte: 

(1) Todas as experiências místicas são basicamente as mesmas; 

(2) Esta similaridade é mais bem explicada pela hipótese da causa externa do que pela hipótese psicológica. 

(3) A versão mais adequada da hipótese da causa externa é a de que Deus é a causa da experiência mística; 

(4) Portanto, experiências místicas fornecem suporte indutivo de que Deus é a causa das experiências místicas. 

Walter Stance distinguia dois tipos de experiência místicas: (i) extrovertida: encontra o Uno no mundo externo; (ii) introvertida: encontra o Uno pela introspecção.  As duas experiências possuem em comum as seguintes características: 1. Senso de realidade ou objetividade; 2. Bem-aventurança, paz etc.; 3. Experiência do sagrado ou divino; 4. Paradoxicalidade; 5. Inefabilidade. A experiência mística extrovertida possui, no entanto, as seguintes características próprias: 1. A Visão Unificada: todas as coisas são um; 2. A apreensão mais concreta do Uno enquanto intersubjetividade ou vida em todas as coisas. Já a experiência mística introvertida possui as seguintes características próprias: 1. A Unidade da Consciência: o Uno ou o Vazio enquanto pura consciência; 2. Não-espacialidade e não-temporalidade. 

Steven Katz mantém, ao contrário, que, embora todos os místicos reivindiquem que eles experienciam um senso de realidade objetiva, o que eles significam diferem radicalmente de contexto para contexto. No entanto, ainda que fosse verdade que experiências místicas são similares, é possível explicar essa similaridade em termos da hipótese psicológica, como mostrar que elas se originam de uma repressão sexual ou que elas se assemelham a experiências psicodélicas. Além disso, não há como determinar que a causa comum das experiências místicas seja Deus e não outra coisa, como o Tao ou o nirvana. 

Richard Swinburne, por sua vez, defende o chamado Princípio da Credulidade: Se parece epistemicamente a um sujeito S que x está precisamente, então provavelmente x está presente”. Por “parecer epistemicamente, Swinburne quer dizer que o sujeito S está inclinado a acreditar no que aparece a S na base de sua experiência sensória presente. No entanto, o autor entende que esse princípio tem sua aplicação limitada por quatro coisas: (i) experiências que ocorrem sob condições que no passado se mostraram não-confiáveis; (ii) circunstâncias em que uma percepção similar se mostra falsa; (iii) há forte evidência de que o objeto experienciado não existe; (iv) o aparecimento de x pode ser abordado de outras formas. 

No entanto, se há um princípio da credulidade, poderíamos questionar se não existe também um Princípio Negativo da Credulidade: “Se parece epistemicamente a um sujeito S que x está ausente, então provavelmente x está ausente”. Nesse caso, experiências de ausência de Deus poderiam ser consideradas base para crer que Deus provavelmente não existe.  

O próprio Princípio da Credulidade, no entanto, pode ser questionado. Gary Gutting oferece como contraexemplo um caso de uma pessoa que vê de modo claro e distinto sua tia falecida recentemente sentada em uma cadeira em uma situação em que os quatro limitadores propostos por Swinburne estão ausentes. Ele considera que nesse caso, não se está justificado em acreditar que de fato a tia estava lá, pois seria preciso acrescentar mais uma condição: “uma experiência X fornece forte evidência para a existência de X apenas quando essa experiência é suplementada por uma experiência adicional corroboradora”. O fato de que experiências religiosas geralmente são conflitantes pode ser citado contra a tese de que elas são corroboradas entre si. Além disso, o princípio proposto por Swinburne poderia levar a uma espécie de mera credulidade. 

 

VII. O ARGUMENTO DOS MILAGRES 

 

O argumento dos milagres a favor da existência de Deus procede como se segue:  

(1) Milagres, por definição, só podem ser explicados por meio de uma entidade sobrenatural; 

(2) A explicação sobrenatural mais plausível para a existência de milagres é que eles foram causados por Deus; 

(3) Portanto, Deus provavelmente existe. 

Pode-se definir milagre como um evento produzido pelo exercício de um poder sobrenatural. Por sua vez, um poder sobrenatural pode ser entendido como um que é marcadamente superior àqueles poderes possuídos por humanos. Milagres não precisam necessariamente violar leis da natureza, poderia ser o caso de se poder falar de leis causais naturais mais amplas que as leis da física e que governassem poderes sobrenaturais. Além disso, nada a priori impede que milagres não possam ser repetíveis. Swinburne considera que a hipótese teísta explica melhor a existência de milagres do que a hipótese naturalismo. Ele, no entanto, parece erroneamente supor que o único rival do teísmo é o naturalismo. Podem existir poderes sobrenaturais que não são Deus. 

David Hume possui um argumento contra a existência de milagres segundo a qual não é sábio crer em milagres. Seu argumento não é de que milagres são impossíveis, mas sim que não é possível haver evidências fortes a favor deles. O que dá suporte a hipótese de um milagre são testemunhos, que são sujeitos a erros enquanto há sempre muito mais evidências acumuladas a favor de que algo ocorre de acordo com as leis naturais. Esse argumento, no entanto, é falho. Primeiro, porque nosso conhecimento das leis naturais também é, em grande parte, baseado no testemunho de outros. Além disso, Hume parece assumir que milagres são a priori não repetíveis, no entanto nada impede que um milagre possa se repetir várias vezes e com isso se possa ter evidências acumuladas de sua ocorrência. 

No entanto, embora o argumento de Hume não nos dê uma boa base para afastar a priori a possibilidade de evidências fortes a favor de um milagre, os defensores da ocorrência de um milagre enfrentam três obstáculos a posteriori: (1) um evento que parece um milagre pode ser explicado pelo progresso científico futuro quando mais leis governando a natureza poderão ser descobertas; (2) um evento pode parecer incompatível com as leis da natureza sem o ser realmente; (3) um evento que parece um milagre pode não ter uma causa. 

Hume, no entanto, oferece outro argumento segundo o qual um milagre que é evidência a favor de uma religião é tal que sua ocorrência seria contrária a qualquer religião oposta à primeira. Uma segunda forma de entender esse argumento seria, no entanto, de que a evidência de milagres em uma religião destrói a credibilidade da evidência de milagres de outra religião. Estes argumentos, no entanto, estão equivocados. Um mesmo milagre pode ser usado de base para dar suporte a mais de uma religião e a existência de sobrenatural em uma religião pode dar suporte para que poderes sobrenaturais atuem também em outras religiões. No entanto, como um milagre pode tornar uma religião mais provável do que se ele não tivesse ocorrido, milagres poderiam ser usados para dar maior suporte a uma dada religião. 

Um exemplo de um evento considerado fortemente atestado como um milagre são os milagres de Lourdes. No entanto, visto que mesmo a atestação desses milagres enfrenta problemas, isso revela o quanto alegações de milagres são suspeitas. Considere, por exemplo, o caso do comitê de cientistas que avalia provas do milagre de Lourdes. É importante considerar que esse comitê: (1) vai além dos limites da competência científica ao ignorar que tais eventos possam encontrar explicações naturais futuras com a descoberta de novas leis naturais; (2) o comitê não tem capacidade de dar uma palavra final de que o milagre foi causado por Deus, já que ele poderia não ter causa alguma ou ter sido causado por algum outro poder sobrenatural; (3) os médicos do comitê podem ter falhado na aplicação de algum procedimento, tendo ignorado, por exemplo, o fato de que algum sintoma tenha tido origem psicológica ou casos de doenças que podem passar por remissão espontânea. 

 

VIII. ALGUNS ARGUMENTOS EVIDENCIAIS MENOS IMPORTANTES A FAVOR DE DEUS 

 

Podemos considerar alguns argumentos evidenciais menos importantes. Primeiro, consideremos o Argumento do Consenso Comum. Há três versões desse argumento, a primeira defende que a crença em Deus é inata e instintiva; a segunda de que temos um anseio natural por Deus e o terceiro de que a crença quase universal de Deus é resultado do uso da razão. No entanto, não há qualquer evidência de que a crença em Deus ou um anseio pelo divino seja inata e mesmo se fosse, eles poderiam ter uma origem evolucionária.  

Outro argumento é o Argumento Moral. Segundo ele: (1) Se a moralidade é objetiva e absoluta, então Deus existe; (2) A moralidade é objetiva e absoluta; (3) Portanto, Deus existe. É importante considerar, contra esse argumento, que tem havido várias tentativas de fornecer uma fundamentação naturalista para a objetividade da Ética. Além disso, há teorias morais subjetivistas e que não necessariamente levam a um anarquismo moral e que poderiam contrapor à ideia de que a Ética precise ser objetiva. 

Há, ainda, o Argumento a partir da Recompensa. Segundo ele, pessoas que acreditam em Deus são mais felizes que aqueles que não acreditam. No entanto, não há evidências de que isso seja verdade e mesmo se for, pode haver explicações naturalistas para esse fato. Outro argumento, o Argumento a partir da Justiça considera que, visto que neste mundo, os justos por vezes sofrem e os injustos por vezes prosperam, deve haver uma vida para além desta em que a balança da justiça e restaurada. Esse argumento se baseia no princípio da justiça cósmica, que é um princípio controverso. No entanto, mesmo se esse princípio for verdadeiro, ele poderia ser resultado da operação de uma lei como a lei do karma ou de seres sobrenaturais que não Deus. 

Outro argumento é o Argumento da Escritura. De acordo com alguns as Escrituras são confiáveis e visto que elas alegam revelar Deus, é razoável concluir que Deus existe. No entanto, não é verdade que os principais livros sagrados alegam ser a revelação de Deus e livros sagrados de diferentes religiões entram em conflito entre si. Além disso, mesmo quando se considera o livro sagrado de uma religião específica, como o caso da Bíblia,nele contradições e inconsistência. 

Há, ainda, o Argumento a partir da Consciência, segundo o qual o naturalismo, especialmente o materialismo, falha em explicar o fenômeno da mente e que isso seria uma evidência indireta a favor do teísmo. Richard Swinburne, por exemplo, argumenta que é impossível reduzir eventos e propriedades mentais a eventos e propriedades físicas. Esse argumento tem problemas, já que ele supõe que o materialista precisa fornecer uma explicação científica detalhada de todo fenômeno mental. Além disso, o teísta teria de explicar justamente por que a consciência só encontrada em organismos que possuem um sistema neural elaborado. 

Existe, também, o chamado Argumento da Providência, segundo o qual as características do nosso mundo sugerem que ele é um lugar providencial. No entanto, a existência do mal e do sofrimento no mundo apresenta desafios a esse argumento. Por fim, alguns propõem o chamado Argumento da Evidência Cumulativa, o teísmo explica melhor fatos cosmológicos, religiosos, morais e pessoais. No entanto, é importante considerar, conforme observa Gary Gutting que o naturalismo é mais simples que o teísmo já que postula menos entidades. De acordo com ele, naturalismo e teísmo são iguais em escopo, mas o naturalismo é superior em acuracidade e simplicidade. 

 

IX. ARGUMENTOS BENEFICIAIS A FAVOR DE DEUS 

 

De acordo com argumentos beneficiais, devemos acreditar em Deus por razões práticas. Uma forma desse argumento é a Aposta de Pascal. Essa aposta nos pede para supor que se há a possibilidade de que exista um Deus que pune no inferno eterno aqueles que não creem nele e recompensa com a vida eterna aqueles que nele acreditam, o risco assumido em não se crer em Deus é alto, enquanto o que se perde crendo em Deus caso se esteja errado não é nada. Pode-se considerar três objeções a esse argumento: (i) a aposta de Pascal é direcionada apenas a pessoas que tenham um tipo de visão bem definida de quem seria Deus; (ii) crer em Deus pode trazer custos (como ter que frequentar uma religião ou ter de seguir certos costumes morais), e não crer em Deus pode trazer benefícios, como ter uma compreensão maior de nossa responsabilidade e não ter crenças infantis; (iii) os riscos calculados precisariam levar em conta outras possibilidades, como de haver um Ser sobrenatural que na verdade pune quem crê em Deus, para cada ser sobrenatural se pode imaginar um oposto que pune o que o outro recompensa.    

Uma segunda forma de argumento beneficial foi proposta por William James, que defende que sob certas condições, se o intelecto não pode se decidir sobre algum assunto, nós temos o direito de acreditar em uma hipótese sobre a base de razões não intelectuais. James define hipótese como qualquer coisa que pode ser proposta como uma crença. Por sua vez, o autor denomina como opção viva, uma escolha entre hipóteses ambas das quais apelam a u indivíduo como possibilidade reais, e opção morta como uma escolha que não envolve duas hipóteses apelativas. James também distingue entre opção forçada, que ocorre quando não há outra alternativa a não ser escolher uma hipótese ou outra, e opção evitável, quando se pode optar por não escolher nenhuma das hipóteses. Além disso, ele fala de opção momentânea, que ocorre quando a oportunidade é punica, as apostas envolvidas são insignificantes ou a escolha e irreversível; já uma escolha que não é momentânea é denominada pelo autor como opção trivial. 

Para James, quando uma opção é real, forçada e momentânea, e a decisão não pode por sua natureza ser decidida sobre bases intelectuais, ela deve ser influenciada por nossa natureza passional. Este é o caso da escolha pela hipótese religiosa, que é genuína e traz benefícios atuais. Essa posição, no entanto, enfrenta problemas. Primeiro, a definição de opção viva parece ser subjetiva e relativa, já que se refere ao que parece, a uma pessoa, ser uma possibilidade real. Além disso, James não é claro e é vago ao dizer no que consiste a hipótese religiosa. Além disso, se pode questionar se os supostos benefícios da crença em Deus de fato são preferíveis, não temos como dizer com certeza que religiosos são mais felizes que ateus e países mais seculares no mundo hoje são mais desenvolvidos e possuem maiores qualidade de vida do que países religiosos. 

 

X. FÉ E FUNDACIONALISMO  

 

De acordo com Tomás de Aquino, as verdades religiosas podem ser divididas entre aquelas de razão e as de fé. De acordo com essa visão, a é: (i) intelectual: capaz de ser articulada pela linguagem; (ii) opaca: incapaz de ser demonstrada pela razão; (iii) racional: há boas razões para crer que Deus revelou verdades de fé; (iv) livre: não se é forçado a crer; (v) graciosa: a fé é um dom de Deus. Para Aquino, embora algumas doutrinas cristãs sejam artigos de fé, a proposição de que Deus revelou um certo artigo de fé pode ser demonstrada racionalmente. Essa visão é problemática, pois mesmo assumindo a existência de Deus não há boas razões para dizer que a Bíblia é a revelação de Deus e estudos acadêmicos colocam em dúvida muito dos eventos históricos narrados pela Bíblia. 

No entanto, diferente de Aquino, alguns filósofos não entendem fé como algo racional. Søren Kierkegaard entendia fé como um comprometimento total e passional com Deus, que resulta de um ato da vontade e que não envolve dúvida. De acordo com Robert Merrihew Adams, Kierkegaard baseia sua visão em três argumentos: (i) argumento da aproximação: visto que a historiografia só pode nos dar resultados aproximados, a investigação histórica não é adequada para fé; (ii) argumento da revisão futura: visto que toda investigação racional reconhece a possibilidade de revisão futura, nenhuma fé religiosa autêntica pode se basear nela; (iii) argumento da paixão: um traço essencial da fé é que ela envolva um comprometimento passional e isso só é possível quando há improbabilidade objetiva. O problema da visão de Kierkegaard é que ela se baseia no fanatismo e na irracionalidade e é perigoso é perigoso ser guiado por uma fé passional.  

Ludiwig Wittgenstein e seus seguidores influenciaram uma outa concepção imortante da natureza da fé religiosa. De acordo com o fideísmo wittgensteiniano, o discurso religioso está integrado a uma forma de vida ou jogo de linguagem que possui suas próprias regras. O problema dessa visão seria que se cada forma de vida tem suas próprias regras, nenhuma estaria sujeita a uma crítica externa e isso tem consequências inaceitáveis, seria como argumentar que não se pode criticar o nazismo porque ele é uma forma de vida com suas próprias regras internas. Alguns autores, como J. S. Clegg defendem, por sua vez, que a linguagem religiosa expressa estados da mente e não é um discurso passível de ser considerado verdadeiro ou falso. No entanto, pelo menos algumas crenças religiosas parecem poder ser avaliadas em termos de valor de verdade e podem ser criticadas como falsas e irracionais. 

Há pessoas que argumentam que seria possível para um ateu ter fé em Deus. Louis Pojman defende que a que a fé religiosa pode ser baseada na esperança e uma pessoa que não crê em Deus pode ter esperança que Deus exista e ter fé nele. Ter fé em Deus, nesse sentido, não necessariamente significa acreditar que Deus existe, mas pode significar apenas estar aberto à possibilidade de que ele existe e de viver como se ele existisse. No entanto, é importante considerar, que o ateu, nesse caso, deveria admitir a possibilidade de Deus existir, mas um ateu pode entender que o conceito de Deus é inconsistente e que não é possível que ele exista. Além disso, não é possível crer em Deus em abstrato, alguém que age como se Deus existisse teria já de escolher por uma determinada visão específica de Deus de uma dada tradição religiosa. 

Por fim, podemos considerar uma forma de fundacionalismo proposta por Alvin Plantinga. Plantinga criticava o chamado fundacionalismo clássico, posição segundo a qual uma proposição é propriamente básica se e somente se ela é autoevidente ou incorrigível. Contra isso, Plantinga defende que crenças fundamentais ou básicas podem ser passíveis de revisão. Ele argumenta, no entanto, que temos uma tendência natural de acreditar em Deus e que dado circunstâncias apropriadas, a crença em Deus é propriamente básica. Pode-se, no entanto, questionar tanto se temos de fato uma tendência natural a crer em Deus quanto se o fundacionalismo é uma boa maneira de compreender a natureza da justificação do conhecimento. 


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