TEORIAS ÉTICAS - DEREK PARFIT (RESUMO)


 

O que se segue é um resumo da Parte 3 do livro On What Matters de Derek Parfit, intitulada Teorias (Theories). Essa parte é composta por 4 capítulos, sendo eles: 1. Leis Universais; 2. E se todos fizessem isso?; 3. Imparcialidade; 4. Contratualismo; 5. Consequencialismo. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.

 

I. LEIS UNIVERSAIS

 

De acordo com Kant, o fato de que nossos atos são certos ou errados dependem de nossas máximas, que são nossas diretrizes ou objetivos subjacentes. Segundo a versão de Kant da Fórmula da Lei Universal, que pode ser denominada como Fórmula da Impossibilidade: é errado agir conforme qualquer máxima que não poderia ser uma lei universal. Para alguns intérpretes, Kant quer dizer com isso que é errado agir de acordo com qualquer máxima que não poderíamos todos aceitar, no sentido de decidir agir conforme ela. Se essa interpretação estivesse correta, a fórmula de Kant seria problemática, pois poderíamos imaginar mundos em que todos aceitam máximas ruins.

Outros intérpretes sugerem que Kant quer dizer que é errado agir de acordo com alguma máxima que seria impossível para todo mundo agir conforme ela. Essa interpretação também é problemática, pois há muitas máximas boas conforme as quais alguns não podem agir por não terem a oportunidade ou habilidade, por exemplo, alguns pais não podem cuidar de seus filhos por estarem presos ou doentes, mas isso não significa que cuidar de crianças seja errado.

Para contornar esse problema, alguns intérpretes propõem que Kant quer dizer que é errado agir em conformidade com alguma máxima se seria impossível para todo mundo que poderia agir com sucesso de acordo com ela, no sentido de que eles iriam atingir seus objetivos. Essa interpretação, entretanto, ainda é problemática. Há máximas como “dê mais dinheiro do que a média das pessoas para a caridade” que nem todos podem agir com sucesso de acordo com elas, mas que podem ser boas ou permissíveis. Não temos razões para pensar que, se não poderíamos com sucesso agir de acordo com algumas máximas, seria errado para qualquer um agir de acordo com ela.

O próprio Kant, no entanto, aplica sua fórmula de um modo diferente da proposta por seus intérpretes. Quando Kant usa sua fórmula, o que ele realmente quer dizer é: é errado agir em conformidade com qualquer máxima para a qual seja verdadeira que, se todos aceitassem e agissem de acordo com essa máxima ou se todos acreditassem que é permissível agir de acordo com ela, isso tornaria impossível para qualquer um agir com sucesso de acordo com ela. Essa fórmula falha, no entanto, em condenar muitos atos que são claramente errados, como matar, coagir, mentir, roubar ou ferir alguém por autointeresse. Isso ocorre por que ninguém age de acordo com a máxima “sempre mate” ou “sempre minta”, mas sim de acordo com “minta quando isso me beneficia”. Se esse tipo de máxima fosse universalmente aceito, não iria produzir um mundo em que tais atos nunca têm sucesso

A fórmula de Kant também pode ser interpretada de modo a significar em parte que é errado agir de acordo com qualquer máxima para a qual se é verdade que se todos acreditassem que esses atos fossem permissíveis, isso tornaria impossível para que tais atos tenham sucesso. Essa interpretação da fórmula, no entanto, condena ações claramente corretas. Por exemplo, se todos mentissem isso tornaria impossível que as pessoas pudessem confiar no que as outras dizem, a partir disso alguém poderia concluir que sempre é errado mentir. Mas há casos em que é correto mentir, como no caso de isso ser necessário para salvar a vida de alguém.

O’Neil, no entanto, reinterpreta essa versão de um modo mais fraco para significar que é errado agir de acordo com qualquer máxima que se algumas pessoas agissem com sucesso conforme ela isso iria evitar com que outras pessoas de agissem com sucesso de acordo com ela. Essa fórmula condena o engano e a coerção. No entanto, essa fórmula condena o engano e a coerção pelo motivo errado. O que torna o engano e a coerção errados não é o fato de que as pessoas, ao agirem assim, evitam com que outras pessoas possam com sucesso fazer o mesmo.

Por outro lado, a fórmula de Kant também significa em parte que é errado agir de acordo com qualquer máxima que se fosse universalmente aceita e todos agissem de acordo com ela, isso tornaria impossível para qualquer um agir com sucesso de acordo com ela. Essa versão também é problemática, pois condena ações baseadas em máximas boas do tipo “dê generosamente aos pobres”. Se todos fizessem isso não haveria mais pobres e isso tornaria impossível para alguém agir de acordo com elas, logo, essa versão implicaria que é errado dar generosamente aos pobres.

Consideradas as diferentes versões da Fórmula da Impossibilidade, pode-se concluir que nenhuma delas contém uma ideia boa. Não há qualquer sentido útil segundo o qual possamos defender que é errado agir de acordo com máximas que não poderiam ser leis universais.

Uma outra forma, também proposta por Kant, de colocar a Fórmula da Lei Universal é melhor e consiste em dizer que é errado agir de acordo com máximas que não poderíamos querer que sejam leis universais. Por querer, Kant geralmente quer dizer querer racionalmente, no sentido daquilo que escolhemos quando respondemos às nossas razões aparentes para agir.

Algumas vezes, ao aplicar sua fórmula, Kant questiona se podemos querer que nossa máxima seja uma lei da natureza. Assim, há uma versão da fórmula de Kant que pode ser denominada como Fórmula da Lei da Natureza, segundo a qual é errado para nós agir de acordo com alguma máxima a menos que possamos racionalmente querer que seja verdade que todos aceitem essa máxima e ajam de acordo com ela. Por todos, entende-se todos que podem agir de acordo com essa máxima. Em outros contextos,  Kant apela para o que pode ser chamado de Fórmula da Permissibilidade, segundo a qual é errado para nós agir de acordo com alguma máxima a menos que possamos racionalmente querer que seja verdade que é moralmente permissível a todos agirem de acordo com essa máxima.

Kant também apela para a Fórmula da Crença Moral, segundo a qual é errado para nós agir de acordo com uma máxima a menos que possamos racionalmente querer que seja verdade que todos acreditem que tais atos são moralmente permissíveis. Há, no entanto, algumas crenças para as quais não devemos apelar. Não devemos apelar para nossas crenças deônticas, que são nossas crenças sobre quais atos são errados. Também não devemos apelar para razões deônticas, que são aquelas fornecidas pelo fato de um ato ser errado, Isso porque a fórmula não informaria nada de novo se apelarmos para essas crenças e razões. Assim, para utilizar a fórmula é preciso aplicar a Restrição de Crenças Deônticas, segundo a qual, ao perguntar se podemos racionalmente querer que todos acreditem que algum ato é errado, não devemos apelar para as nossas crenças sobre quais atos são errados.

Há um segundo tipo de crenças que também não devemos apelar. Muitos atos beneficiam um agente de formas que impõe um grande peso sobre os outros. Alguns defendem que tais atos são irracionais porque deveríamos valorizar o bem-estar de todos igualmente. Isso também deve ser ignorado ao aplicar a fórmula da natureza, porque ao pensar em quais máximas as pessoas podem acreditar devemos supor que essas máximas são racionais.

Assim, o fato de que uma ação é errada depende da máxima do agente. Uma máxima é uma máxima universal quando todos agem de acordo com essa máxima sempre que podem e acreditam que tais atos são permissíveis. Essa formulação, no entanto, faria a fórmula de Kant não condenar máximas sobre ações raras que são claramente erradas. Por exemplo, alguém poderia agir de acordo com a máxima: “sempre que puder roube a carteira de uma mulher vestida de branco comendo morangos enquanto lê a última página da Ética de Spinoza”. Como essa é uma situação rara, se essa máxima fosse universal não faria diferença e a fórmula de Kant permitiria atos com base nessa máxima, que são errados. Esse argumento pode ser chamado de Objeção da Raridade.

O apelo de Kant à máxima do agente também gera outras dificuldades. Por exemplo, considere a Máxima Egoísta: faça sempre o que for melhor para mim. Essa máxima não poderia ser universal sem gerar problemas o que significaria que para qualquer um que age de acordo com ela, sua ação é errada. Mas isso faria com que qualquer ato que visasse benefício próprio fosse errado como, por exemplo, pagar as próprias contas ou tomar um remédio.

A fórmula de Kant, no entanto, funciona para máximas que são sempre boas, como “evite o sofrimento sem propósito”, ou para máximas que são sempre ruins, como “torture pessoas por diversão”. No entanto, ela cria problemas quando o que está envolvido são máximas mistas. Uma máxima é mista se, caso ajamos de acordo com ela, alguns atos serão errados, mas outros serão permissíveis ou mesmo moralmente requeridos. Ao argumento de que a fórmula de Kant falha no caso de máximas mistas, como a máxima egoísta, dá-se o nome de Objeção das Máximas Mistas.

A fórmula de Kant pode funcionar melhor, no entanto, se for revisada. De acordo com a Segunda Versão da Lei da Natureza: agimos errado a menos que o que estamos fazendo seja algo que poderíamos ter feito enquanto agimos de acordo com uma máxima que poderíamos racionalmente querer que todos agissem de acordo com ela. Essa fórmula evita a objeção das máximas mistas, mas não evita a objeção da raridade, o que requer mais uma revisão. De acordo com a Terceira Versão da Lei da Natureza: agimos errado a menos que estejamos fazendo algo que poderíamos racionalmente querer que todos façam, em circunstâncias similares, caso possam.

A Fórmula da Crença Moral também precisa de revisões. De acordo com a Segunda Versão da Fórmula da Crença Moral: agimos errado a menos que possamos racionalmente querer que seja verdade que todos acreditem que tais atos são moralmente permissíveis. Essa fórmula evita tanto a objeção das máximas mistas quanto da raridade. Quando aplicamos essa fórmula para os atos de um agente é preciso que descrevamos sua ação de modo moralmente relevante. É preciso considerar, pois, os fatos relevantes envolvidos na ação. Em muitos casos, para fazer essa descrição é importante distinguir o que alguém faz intencionalmente, que são os objetivos imediatos da pessoa, e o que a pessoa intenta fazer, que são os efeitos que ela acredita que seu ato produzirá. Quando descrevemos os atos das pessoas geralmente estamos descrevendo o que a pessoa está intencionalmente fazendo.

Às vezes a máxima de um agente não nos dá uma descrição relevante das ações e quando pessoas agem geralmente não o fazem seguindo uma máxima, a isso denominamos de ações sem máximas. Para cobrir tais ações, a fórmula de Kant pode ser revisada de modo que não utilize o conceito de máxima enquanto uma diretriz para a ação. Ao invés, pode-se falar de princípios, no sentido de um dever ou lei moral. Assim, de acordo com a Terceira Versão da Fórmula da Crença Moral: agimos errado a menos que possamos racionalmente querer que seja verdade que todos aceitem algum princípio moral que permite tais atos.

 

II. E SE TODOS FIZESSEM ISSO?

 

A fórmula de Kant funciona melhor quando ela é aplicada a máximas ou atos para os quais três coisas são verdadeiras: (i) seria possível para muitas pessoas agirem de acordo com essa máxima ou desse modo; (ii) independente do número de pessoas que agem dessa forma, os efeitos de cada ato serão similares; (iii) os efeitos serão grosso modo igualmente distribuídos entre diferentes pessoas. De acordo com o Dilema Cada-Todos: se cada pessoa ao invés de nenhuma fazer o que seria em certo modo melhor, todos em conjunto estariam fazendo o que seria do mesmo modo pior.

Um grande grupo de Dilemas Cada-Todos é o caso de dilemas de autobenefício, que também são chamados de dilemas do prisioneiro, que ocorre quando cada pessoa beneficia a si mesma, mas se todos fazerem o mesmo isso seria pior para todos. Por exemplo, o chamado dilema do contribuidor ocorre quando um bem público beneficia a todos na sociedade, mesmo quem não contribui. Essa pessoa que não contribui beneficia a si mesma por receber um bem público sem lhe custar nada, mas se todos agirem assim, isso seria pior para todo mundo. Outro exemplo é o dilema do pescador, se cada pescador usa uma rede gigante para pegar peixes, ele beneficia a si mesmo, mas se todos fizerem isso, o número de peixes irá declinar. Esses dilemas também possuem aplicações em casos em que queremos beneficiar aqueles que são próximos a nós, como familiares e amigos, que podem ser chamadas de pessoas relacionadas.

Considerando esses dilemas, a fórmula de Kant enfrenta algumas dificuldades. Há ações que se todos fizessem seriam ruins, mas que se poucos agirem assim seria neutro ou benéfico e a fórmula de Kant condenaria esses atos que em alguns casos poderiam ser corretos ou permissíveis, um exemplo é a máxima “não tenha filhos para dedicar sua vida à filosofia”. Em um mundo imaginário em que todos seguissem essa máxima, isso seria ruim, mas no mundo real tão ação não é errada. Como esse problema de tais atos serem errados aparece quando um certo número de pessoas acima de um limite os praticas, esse problema pode ser denominado como Objeção do Limite. Essa objeção é similar a das máximas mistas, que em alguns contextos podem ser boas e em outros ruins, portanto pode-se contornar essa objeção utilizando-se da Terceira Versão da Lei da Natureza.

Um outro problema pode ser considerado a partir da Objeção do Mundo Ideal, segundo a qual a fórmula de Kant erroneamente requer que ajamos de determinado modo mesmo quando, porque as pessoas não agem dessa maneira, nossos atos fariam as coisas serem muito ruins e sem nenhuma boa razão. É o caso por exemplo da máxima “Nunca use violência” que em um mundo ideal em que todos a seguem ela seria boa, mas no mundo real em que nem todos a seguem, segui-la sempre, criaria prolemas.

Para contornar esse problema, pode-se recorrer a máximas condicionais, em que se deve agir de acordo com elas a depender dos efeitos de nossos atos, como “não use violência a não ser quando outras pessoas usam violência”. Mas nesse caso, tais máximas iriam requerer pouca coisa. Assim de acordo com a Nova Objeção do Mundo Ideal, segundo a qual uma vez que poucas pessoas falharam em fazer o que todos poderíamos racionalmente querer que todos fizessem, a fórmula de Kant deixa de implicar que tais atos são errados.

Os mesmos problemas são enfrentados por algumas outras teorias éticas. Por exemplo, de acordo com o Consequencialismo de Regras, todos devem seguir as regras que se forem seguidas por todos tornariam as coisas melhores. Geralmente se objeta que isso requereria que seguíssemos tais regras ideais mesmo quando elas tivessem efeitos desastrosos. Essa objeção pode ser contornada acrescentando que tais regras devem ser seguidas a menos que outras pessoas não a sigam. Objeções similares também podem ser levantadas no caso de teorias morais contratualistas.

Para lidar com essas objeções, a fórmula de Kant pode ser mais uma vez revisada. Assim, de acordo com a Quarta Versão da Lei da Natureza: é errado para nós agir de acordo com alguma máxima a menos que possamos racionalmente querer que seja verdade que essa máxima seja seguida por todos e por certo outro número de pessoas ao invés de nenhuma.

O número de pessoas pode ser considerado como relativo à proporção a partir da qual os efeitos bons de tais ações cessariam dando lugar a efeitos ruins. O Consequencialismo de Regras também pode ser revisado para contornar a nova objeção do mundo ideal. Assim, pode-se considerar a Segunda Fórmula do Consequencialismo de Regra: todos devem seguir as regras que se forem seguidas por certo número de pessoas ao invés de nenhuma tornaria as coisas melhores.

 

III. IMPARCIALIDADE

 

De acordo com a Regra de Ouro: devemos tratar os outros assim como queremos que eles nos tratem. Kant discorda dessa regra pois entende que ela não implica que temos deveres de beneficiar os outros, pois alguém pode concordar que os outros não devem beneficiá-lo se ele não precisar beneficiar outros. Essa objeção não procede, pois, a fórmula pode ser entendida considerando o que podemos racionalmente escolher. Assim, de acordo com a Segunda Versão da Regra de Ouro: devemos tratar os outros de formas que racionalmente gostaríamos de ser tratados por eles.

A fórmula também pode ser compreendida de modo a levar em conta que a pessoa deve imaginar como o outro quer ser tratado considerando que a pessoa está em uma posição similar. Assim, de acordo com a Terceira Versão da Regra de Ouro: devemos tratar outos apenas de formas que racionalmente gostaríamos de sermos tratados, se nós estivéssemos na posição dessas outras pessoas e fôssemos de modo relevante como elas.

Kant levanta outra objeção contra a Regra de Ouro. Ele diz que um criminoso pode em um tribunal dizer ao juiz que não deve ser punido porque o juiz se estivesse no lugar ele não gostaria de ser punido. Assim, Kant interpreta a Regra de Ouro de acordo com se ela significasse o que pode ser denominado como Quarta Versão da Regra de Ouro: devemos tratar cada outra pessoa como racionalmente gostaríamos de sermos tratados, caso estivéssemos na mesma posição dessas pessoas e se fôssemos de modo relevante como elas. Kant está correto em rejeitar essa versão, mas a Regra de Ouro deveria ser tomada segundo o que pode ser tomado como Quinta Versão da Regra de Ouro: nós devemos tratar outras pessoas como racionalmente gostaríamos de sermos tratados se estivéssemos nas posições de todas essas pessoas e fôssemos de modo relevante como elas. No entanto, essa versão é difícil de ser aplicada porque é difícil imaginar como é estar ao mesmo tempo na posição de várias pessoas.

A Regra de Ouro também enfrenta problemas caso nos diga apenas como devemos tratar outras pessoas, nesse caso ela não inclui deveres que temos conosco mesmos. Nesse caso, ela implicaria coisas absurdas, como o fato de que deveríamos fazer o bem aos outros em coisas menores mesmo que isso custasse nossa própria vida. Para contornar essa objeção, a fórmula pode ser revisada. Assim, de acordo com a Sexta Versão da Regra de Ouro: devemos tratar todos como racionalmente gostaríamos de sermos tratados se estivéssemos na posição de todas as pessoas e fôssemos de modo relevante como elas. Por todos, se inclui todas as pessoas afetadas pelo ato, o que em muitos casos inclui nós mesmos.

Tanto a fórmula de Kant quando a Regra de Ouro possuem pontos similares, como considerarem o que as pessoas podem racionalmente querer, quanto pontos de diferenças - enquanto a fórmula de Kant pergunta “e se todos agissem assim?” a Regra de Ouro questiona “e se me tratassem assim?”. As duas fórmulas se assemelham a uma terceira fórmula, que pode ser denominada como Fórmula do Observador Ideal, que consiste em imaginar um caso similar na qual todas as pessoas envolvidas nos são desconhecidas. A Regra de Ouro é teoricamente inferior tanto ao Princípio do Consentimento de Kant quanto à Fórmula do Observador Ideal, mas para propósito prático ela pode ser mais útil que elas.

As fórmulas de Kant enfrentam outras objeções em relação à imparcialidade. De acordo com a Objeção da Raridade, segundo a qual algumas pessoas podem racionalmente querer que seja verdade que todos ajam como elas desde que esses atos sejam muito raros para ter efeitos sobre elas. Há a Objeção do Alto Risco, que ocorre quando a fórmula de Kant falha quando o ato errado de um agente dá a ele um benefício que é usualmente grande, como no caso de alguém agir de acordo com uma máxima egoísta que justifique, por exemplo, roubar um antídoto para salvar a própria vida com a consequência de que o dono original do antídoto morrerá.

Outro problema consiste na Objeção da Não-Reversibilidade. Em muitos casos, se agimos errado, podemos beneficiar a nós mesmos de uma forma que cause um grande custo para os outros. Pode ser o caso que se todos fizessem isso com outros, isso não iria ser feito contra nós. Poderíamos querer que todos agissem assim porque nos beneficiaríamos com esse ato e as consequências dos atos dos outros não se voltariam contra nós. Esse é o caso, por exemplo, de um branco racista que exclui negros de seu hotel e que se todos fizessem isso, isso não o prejudicaria. Assim, a fórmula de Kant falha em condenar muitos atos que são errados e, se esse for o caso, ela não pode servir como o princípio supremo da moralidade.

Há, no entanto, outras interpretações da fórmula de Kant que buscam evitar esse problema. De acordo com a Interpretação de Nagel, a Fórmula da Lei Universal de Kant pode ser interpretada como uma Versão Inflada da Regra de Ouro, segundo a qual ao considerar se poderíamos querer que seja verdade que todos ajam de acordo com nossa máxima, precisamos imaginar que estaremos nas posições de todas essas pessoas. Já de acordo com a Interpretação de John Rawls, baseada na ideia de Véu da Ignorância, Kant quer que imaginemos o que poderíamos racionalmente querer sem saber qual posição ocuparemos na sociedade, isto é, imaginando que não sabemos se seremos ricos ou pobres, homens ou mulheres, brancos ou negros etc. Uma terceira proposta consiste na Interpretação de T.C. Williams, que se baseia na ideia do Observador Imparcial, Kant teria querido dizer que devemos nos imaginar do ponto de vista de um observador imparcial ao julgarmos nossas máximas. No entanto, nada do que Kant diz sugere que ele adota essas interpretações.

Há, no entanto, uma quarta alternativa que é a Interpretação de Scalon, para ele, Kant quer que perguntemos o que todos poderiam racionalmente querer que fosse uma máxima universal. Kant não adota essa ideia, no entanto ela é a melhor interpretação no sentido de nos permitir revisar a fórmula de Kant. Assim, de acordo com a Quarta Versão da Fórmula da Crença Moral: é errado para nós agir de acordo com alguma máxima a menos que todos possam racionalmente querer que seja verdade que todos acreditem que tais atos são moralmente permissíveis. A fórmula de Kant, contudo, ainda precisa ser revisada de modo que ela se aplique, não à máxima do agente, mas a uma descrição moralmente relevante do que a pessoa está fazendo. Assim, de acordo com a Quinta Versão da Fórmula da Crença Moral: é errado agir de uma forma a menos que todos possam racionalmente querer que seja verdade que todos acreditem que tais atos são moralmente permissíveis.

Com revisões similares, pode-se também postular a Quinta Versão da Lei da Natureza: é errado agir de uma forma a menos que todos possam racionalmente querer que seja verdade que todos ajam dessa forma, em circunstâncias similares, caso eles possam. Considerando que quando as pessoas acreditam que algum tio de ato é moralmente permissível, elas aceitam algum princípio que permite esse ato, essa versão da fórmula pode se tornar a Fórmula dos Princípios Universalmente Desejáveis: um ato é errado a menos que tais atos sejam permitidos por algum princípio cuja aceitação universal todos poderiam racionalmente querer.

Se apelamos para princípios que todos podem racionalmente escolher que sejam os princípios que todos aceitam, essa visão é uma forma de Contratualismo. Assim, de acordo com a Fórmula Contratualista Kantiana: todos devem seguir os princípios cuja aceitação universal todos poderiam racionalmente querer. Essa fórmula pode ser o que Kant denomina como o princípio supremo da moralidade.

 

IV. CONTRATUALISMO


De acordo com a Fórmula do Acordo Racional: todos devem seguir os princípios com cuja aceitação universal todos poderiam concordar. De acordo com a versão dessa fórmula defendida por John Rawls, ou seja, segundo a Fórmula de Rawls: todos devem seguir os princípios com cuja aceitação universal seria racional em termos autointeressados para todos concordar, se todos tiverem chegado a esse acordo sem conhecer qualquer fato particular sobre eles mesmos e suas circunstâncias. Deveríamos esperar que essa fórmula apoiasse o Utilitarismo, pois o que as pessoas chegariam em acordo no véu da ignorância poderia ser a maior felicidade de todos. No entanto, Rawls entende que sua fórmula é uma alternativa ao Utilitarismo.

Rawls rejeita o que pode ser chamado de Fórmula da Chance Igual, segundo a qual deveríamos considerar que temos igual chance de estar na posição de qualquer pessoa. Para Rawls não podemos assumir isso porque no véu de ignorância também desconhecemos as probabilidades da posição que podemos estar. Para Rawls, como não temos ideia das probabilidades, nós devemos assumir a pior chance e tentar escolher os princípios que fariam as pessoas nas piores posições terem a melhor condição possível. Chamamos isso de Argumento da Maximização, segundo o qual devemos maximizar o menor nível de bem-estar.

Já de acordo com a versão de Kant da fórmula do acordo racional, isto é, de acordo com a Fórmula Kantiana: todos devem seguir os princípios que todos poderiam racionalmente escolher, se cada pessoa supusesse que todos aceitariam os princípios que ele ou ela mesma escolhe. A fórmula kantiana é mais plausível do a fórmula de Rawls, a fórmula de Rawls supõe um acordo em que pode faltar informações relevantes enquanto a fórmula kantiana considera o que as pessoas podem racionalmente escolher estando bem informadas.

Uma outra versão do Contratualismo é a Fórmula de Scalon: todos devem seguir os princípios que ninguém poderia racionalmente rejeitar, isto é, um ato é errado apenas quando tal ato é proibido por algum princípio que ninguém poderia racionalmente rejeitar ou quando algum princípio permitindo tal ato poderia ser racionalmente rejeitado por pelo menos uma pessoa. Ao lidar com essa fórmula podemos considerar dois princípios conflitantes. De acordo com o Princípio dos Meios Prejudiciais: é errado impor um sério prejuízo sobre alguém como um meio de beneficiar outra pessoa. Em contraste, o Princípio do Maior Dano diz que: é permitido para nós impor um grande dano sobre alguém se essa é a única forma em que um outro alguém pode ser salvo de algum dano maior.

É possível considerar, por exemplo, dois tipos de situações: (1) quando salvamos uma vida por matar outro alguém:  como quando um médico salva a vida de cinco pessoas transplantando órgãos de uma pessoa saudável que irá morrer por causa disso; (2) quando salvamos uma vida e isso tem o efeito colateral de matar outro alguém: como quando desviamos a rota de um bonde e ele mata cinco ao invés de um. Muitos concordariam que é correto fazer (2) e errado fazer (1) quando discutimos a fórmula de Scalon e o princípio de danos que causamos, uma boa teoria deve ser capaz de distinguir esses dois tipos de caso, mas a fórmula de Scalon não faz essa distinção, ou os dois atos seriam permissíveis ou os dois atos seriam ambos errados.

É preciso considerar ainda ao aplicar tais fórmulas, a Restrição de Crenças Deônticas. Ao aplicar tais fórmulas não devemos recorrer a nossas crenças sobre quais atos são errados. Isso não é apenas porque isso tornaria essas fórmulas inúteis. Alguns consideram que aqui está envolvida uma distinção entre teorias metaéticas, isto é, teorias sobre a natureza e justificação de crenças morais. De acordo com o Intuicionismo, há certas verdades independentes sobre quais atos são errados e sobre quais fatos nos dão razões para agir. Essas verdades são independentes no sentido de que não são criadas ou construídas por nós. Já de acordo com o Construtivismo, não há tais verdades independentes, o que é certo ou errado depende inteiramente de princípios que seriam racionais para nós escolhermos. Contratualistas construtivistas defendem que não devemos apelar para nossas intuições morais porque elas são ilusórias ou culturalmente condicionadas. Devemos rejeitar essa visão cética sobre nossas intuições morais.

Se Kantianos e Contratualistas aceitam que nosso raciocínio moral deve apelar para essas crenças intuitivas, eles devem defender a Restrição de Crenças Deônticas. É preciso, para essa defesa, que se tenha em mente que quando alguma propriedade de um ato torna esse ato errado não é num sentido causal. O fato de um ato ser errado é dado por propriedades não-causais que tornam atos errados. Se somos Contratualistas Kantianos, não devemos assumir que nossa forma descreve as únicas propriedades ou fatos que tornam um ato errado. Há outras propriedades que tornam um ato errado que podem até serem mais importantes. Ao invés disso, essa fórmula descreve propriedades de alto-nível que tornam atos errados, isto é, propriedades ou fatos sob os quais todas outras tais propriedades podem ser subsumidas ou colocadas em conjunto. O Contratualismo de Scalon também pode aceitar isso.

Se Contratualistas aceitam isso, eles podem defender a Restrição de Crenças Deônticas sem rejeitar nossas intuições morais como inúteis. Nessas versões do Contratualismo, é apenas enquanto estamos perguntando o que as fórmulas contratualistas implicam que não devemos apelar para nossas crenças sobre o caráter de erro dos atos que estamos considerando. No entanto, nós podemos apelar para essas crenças em um estágio posterior quando estamos decidindo se devemos aceitar essas fórmulas.

 

V. CONSEQUENCIALISMO

 

Para algumas teorias, os fatos sobre a bondade dos resultados de nossas ações é um elemento fundamental. De acordo com o Consequencialismo: se nossos atos são errados ou certos depende somente dos fatos sobre como seria melhor para as coisas serem. Segundo uma versão do Consequencialismo denominada Utilitarismo: as coisas se saem melhor quando elas se dão de modo que beneficiaria no todo o maior número de pessoas por dar a elas a soma maior total de benefícios menos prejuízos.

Todos os consequencialistas apelam para o chamado Critério Consequencialista, isto é, o critério sobre o que faria as coisas serem melhores. De acordo com o Consequencialismo Direto, o critério consequencialista deve ser aplicado diretamente a tudo, não apenas para atos, mas também para emoções, crenças, desejos, bem-estar humano, meio ambiente e qualquer coisa que possa tornar as coisas piores ou melhores. Quando essas pessoas aplicam esse critério para atos, isso é denominado como Consequencialismo de Atos. Já segundo o Consequencialismo Indireto, o critério consequencialista deve ser aplicado diretamente sobre algumas coisas, mas apenas indiretamente a outras.

Pode-se considerar três formas de Consequencialismo Indireto. De acordo com o Consequencialismo de Regras, o critério consequencialista deve ser aplicado diretamente a regras ou princípios, mas apenas indiretamente a atos. Já, segundo o Consequencialismo de Motivações, os atos melhores ou corretos são aqueles feitos pelas pessoas com as melhores motivações.Alguns consequencialistas podem aplicar esse critério diretamente a máximas, mas apenas indiretamente a atos. Essas máximas são chamadas de máximas otimizantes, no sentido de que se todos agirem de acordo com elas, as coisas iriam se tornar as melhores em sentido imparcial. De acordo com o Consequencialismo de Máximas: todos devem agir somente de acordo com máximas otimizantes.

Pode-se considerar o que pode ser denominado de Argumento Kantiano a Favor do Consequencialismo. Este argumento procede da seguinte forma:

1.Todos devem seguir os princípios cuja aceitação universal todos poderiam racionalmente querer ou escolher;

2.Os princípios otimizantes, aqueles cuja aceitação universal fariam as coisas irem melhores, são aqueles que temos as maiores razões para escolher.

3. Logo, todos devem seguir esses princípios.

Esse argumento mostra que a fórmula kantiana implica o Consequencialismo de Regras. Esse argumento também depende da ideia de que ninguém tem razões imparciais conflitantes que sejam maiores do que as razões para escolher princípios otimizantes. Ao considerar isso, é importante considerar a implicação de alguns princípios. Para alguns, os princípípios otimizantes implicam o Prinípio dos Números: quando podemos salvar apenas um entre dois grupos de pessoas, que são todos estranhos a nós e são em outros aspectos relevantes muito similares, devemos salvar o grupo que contém o número maior de pessoas. Já segundo um princípio conflitante, chamado Princípio da Proximidade: quando dois grupos estão em perigo e podemos salvar apenas um, devemos salvar o que está mais perto de nós.

Em uma perspectiva imparcial, pessoas tem mais razões para escolher o Princípio dos Números. No entanto se sou eu que estou em perigo de vida e a pessoa que pode me salvar está mais perto de mim do que de um grupo de maior de pessoas, parece que posso ter razões para querer que tal pessoa siga o Princípio da Proximidade ao invés do Princípio dos Números. De acordo com o Egoísmo Racional: nós sempre temos maior razão para fazer o que quer que faria as coisas irem melhores para nós mesmos. Se o Egoísmo Racional estiver correto, então essas razões entrariam em conflito com as máximas otimizantes e as superariam. Assim, o argumento kantiano a favor do Consequencialismo de Regras fracassaria. Essa visão, no entanto, é problemática. De acordo com a visão extremamente oposta, chamada de Imparcialismo Racional: nós sempre temos maior razão para fazer o que quer torne as coisas imparcialmente melhores.  Nessa visão, teríamos o dever racional de sacrificar nossa própria vida se isso fosse necessário para salvar a vida de muitos estranhos. Essa visão, no entanto, também é problemática.

Uma terceira alternativa a essas duas visões extremas, pode ser denominada como Visão Objetiva Ampla Baseada no Valor, segundo a qual quando entre duas possibilidades de ação, uma faria as coisas se saírem imparcialmente melhor e a outra faria as coisas se saírem melhores para nós mesmos ou pessoas relacionadas a nós, nós geralmente temos razões suficientes para adotar qualquer uma das duas ações. Assim, seria permissível dar prioridade para nós mesmos, mas não necessário. Essa é a melhor visão sobre o assunto e significa que nessas situações, a pessoa pode ainda racionalmente escolher agir de acordo com o Princípio otimizante dos Números, o que torna o argumento kantiano a favor do Consequencialismo de Regras válido. A fórmula kantiana revisada implica, pois, o Consequencialismo de Regras.

É possível combinar, assim, três princípios que em conjunto formam um importante princípio ético:

(1) Fórmula Contratualista kantiana: “Todos devem seguir os princípios cuja aceitação universal todos poderiam querer.”

(2) Fórmula de Scalon: “Todos devem seguir os princípios que ninguém poderia razoavelmente rejeitar”

(3) Regra Consequencialista: “Todos deve seguir os princípios cuja aceitação universal faria as coisas se saírem melhores”.

Somando esses três, têm-se o que pode ser chamado de Princípio Tríplice: “Uma ação é errada somente quando não é permitida por algum princípio que promove o que é melhor e desejável universalmente e que não pode ser razoavelmente rejeitado”.


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