INTRODUÇÃO GERAL À FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO - TEXTO DE BREDE KRISTENSEN (TRADUÇÃO)

 

A Fenomenologia da Religião é a abordagem sistemática da História da Religião. Ou seja, sua tarefa é classificar e agrupar os dados numerosos e amplamente divergentes de tal forma que se possa obter uma visão geral de seu conteúdo religioso e dos valores religiosos neles contidos. Essa visão geral não é uma História da Religião condensada, mas um levantamento sistemático dos dados. As diferentes religiões apresentam uma rica variedade de fatos. Os atos rituais e princípios doutrinários dentro de cada religião separada de fato exibem uma certa semelhança; eles carregam a marca dessa religião em particular, mas as religiões diferem em caráter umas das outras. As correspondências são apenas parciais. A História da Religião leva apenas em consideração o particular; a visão geral que ela dá, que chamamos de História geral da religião, não é sistemática ou comparativa. É essa visão sistemática que a Fenomenologia da Religião busca fornecer.

 

Ao invés de "Fenomenologia da Religião", poderíamos usar o nome mais antigo e familiar, "Religião Comparada", se o uso não tivesse dado ao último termo um significado pouco adequado para a busca científica dessa disciplina. O termo "Religião Comparada", que está em uso desde cerca de 1880, sempre significou uma comparação de religiões com o propósito de determinar seu valor. Durante o século XIX, muitas religiões sobre as quais antes havia pouco conhecimento tornaram-se muito mais conhecidas através da descoberta e estudo dos documentos originais. Esse foi especialmente o caso das religiões antigas, como o Zoroastrismo e as antigas religiões indianas, egípcias e babilônicas, mas também é o caso das chamadas religiões primitivas, que não possuem nenhum documento escrito. Quando assim se obteve um quadro geral, um quadro que abrange um amplo e variado terreno da vida religiosa da humanidade, a primeira questão que despertou o interesse geral foi esta: qual é o valor relativo dessas religiões? Comparando-as umas com as outras, deveria ser possível determinar o grau de desenvolvimento de cada religião, determinar quais religiões foram menores e quais eram maiores. E o mais importante, se questionava se a abordagem comparativa não poderia demonstrar claramente a superioridade do Cristianismo. Assim, a tarefa mais importante da comparação era dar uma visão geral dos diferentes graus de desenvolvimento religioso e indicar o lugar de cada religião nessa linha de desenvolvimento. Na mente da maioria das pessoas, "Religião Comparada" ainda continua a ter esse significado. Terei mais a dizer sobre isso mais tarde, mas agora gostaria de passar imediatamente a mencionar, além desse primeiro tipo de comparação, um segundo, completamente diferente do primeiro e mais bem caracterizado pelo nome "fenomenologia". É este segundo método de comparação que aplicaremos em nosso estudo. 

A Fenomenologia não busca comparar as religiões umas com as outras como grandes unidades, mas retira de seu cenário histórico os fatos e fenômenos semelhantes que encontra em diferentes religiões, reúne-os e estuda-os em grupos. Os dados correspondentes, por vezes quase idênticos, levam-nos quase automaticamente ao estudo comparativo. O objetivo de tal estudo é conhecer o pensamento, ideia ou necessidade religiosa que fundamenta o conjunto de dados correspondentes. Seu propósito não é determinar se seu valor religioso é maior ou menor. É verdade que se busca determinar seu valor religioso, mas em outro sentido, trata-se do valor que as religiões possuem para os próprios crentes, e esse valor nunca foi relativo, mas sempre absoluto. A consideração comparativa dos dados correspondentes muitas vezes fornece uma visão mais profunda e precisa do que a consideração de cada dado por si só, pois considerados como um grupo, os dados lançam luz uns sobre os outros. A fenomenologia tenta obter uma visão global das ideias e motivos que são de importância decisiva em toda a História da Religião. 

Os dados correspondentes em diferentes religiões são muito numerosos. Fenômenos completamente únicos raramente ocorrem. Aqui está um exemplo. Os sacrifícios ocorrem em quase todas as religiões, embora de formas diferentes. Isso não pode ser acidental. Como explicar esse fato? Os atos de sacrifício evidentemente decorrem de uma necessidade religiosa de natureza muito universal. Como devemos nos familiarizar com essa necessidade? Em qualquer religião, talvez apenas uma concepção particular de sacrifício seja expressa. Queremos saber mais: que necessidade religiosa levou os homens, em todos os tempos e lugares, a apresentar oferendas aos deuses? Para aprender isso, devemos estudar a categoria "sacrifícios" nas várias religiões; devemos prestar atenção ao que nas ações e concepções dos vários povos é comum à ideia básica de sacrifício. Ora, determinar o que é comum não é tão simples. Certamente não deve ser buscado nos traços exteriores que são comuns, em como os sacerdotes se vestem e como os ritos são divididos entre eles. É o significado comum dos atos sacrificais que é importante, e é ele que devemos tentar entender. 

Como chegamos a ver qual é o significado religioso de um sacrifício? Dos inúmeros dados, nem todos dão indicações igualmente claras. Às vezes, a ideia religiosa é indicada com bastante precisão pelos textos que a acompanham ou por outros detalhes que tornam claro seu significado religioso. A esses dados temos que dar atenção especial. Não é importante em qual religião os encontramos. Devemos então tentar ver se eles não esclarecem outros casos em que o significado religioso vem à luz com menos clareza. Assim, os dados de uma religião podem lançar luz sobre os dados de outra, porque o significado da primeira é mais claro do que o da segunda. A opinião atual sustenta que devemos conceber os sacrifícios como presentes aos deuses semelhantes aos presentes oferecidos aos príncipes como evidência de respeito e homenagem, presentes que às vezes atendem a necessidades reais. Mas será que essa concepção está correta? Eu acho que não. É difícil dar uma resposta com base em dados de uma religião em particular. Devemos ter uma visão geral baseada em observações coletadas de tantas religiões quanto possível para que possamos alcançar a certeza. Portanto, devemos compará-los entre si, e essa é a pesquisa realizada em Fenomenologia; considerar os fenômenos, não apenas em seu contexto histórico, mas também em sua conexão ideal. Chamamos esse tipo de estudo de "fenomenológico", porque ele se preocupa com o tratamento sistemático dos fenômenos. A Fenomenologia é uma ciência sistemática, não apenas uma disciplina histórica que considera a religião grega, romana ou egípcia por si só. O problema é determinar o que é o sacrifício em si, não apenas o que é sacrifício grego, romano ou hebreu. É claro que a Fenomenologia, dessa forma, dá uma contribuição importante para uma compreensão melhor e mais profunda dos dados históricos separados. 

Tomemos, por exemplo, um fenômeno religioso tão característico como a oração. Em cada religião ela tem uma forma diferente e um caráter diferente, mas não existe uma religião única que nos informe completamente sobre a necessidade religiosa que levou à prática da oração. Estamos familiarizados com a "oração mágica", muitas vezes ligada a ritos sagrados (sacrifícios, por exemplo) que se destinam a garantir a eficácia da oração ou pelo menos a fortalecer o poder convincente da oração. Mas além deste primeiro tipo há a "oração espiritual" que significa render-se à vontade de Deus e extrair poder espiritual dessa rendição. Mas em ambos os casos falamos de "oração". Já a tarefa da Fenomenologia da Religião consiste em responder à questão do que devemos entender pelo conceito de "oração" e o que é comum às suas várias formas. 

Aqui está outro exemplo. A "purificação ritual" é uma prática que ocorre na maioria das religiões. Qual é o seu significado religioso? Somente com base no estudo comparativo dos dados correspondentes é possível verificar se a purificação tem o efeito positivo de fortalecer o purificado, ou se tem o objetivo negativo de lavar as manchas espirituais. 

Outra instância é a do oráculo. Que significado religioso tem sido atribuído ao oráculo? Um caso particular, como o do Oráculo de Delfos, não nos dá informações suficientes. O significado era autoevidente para os crentes, mas apenas por essa razão eles muitas vezes não se demoram nele e, portanto, nos deixam incertos. A eles poderiam ser suficientes sugestões, imediatamente compreensíveis para eles, mas não suficientemente claras para nós. Temos que nos esforçar muito para tentar entender o que era evidente para eles, pois, por nossa própria experiência religiosa, ou não estamos familiarizados com oráculos, sacrifícios, purificações e sacramentos em tudo, ou estamos familiarizados apenas de forma incompleta. Nossa principal ajuda para aprender a entendê-los é o método comparativo de estudo. "Sacrifício", "purificação" e similares são termos universais comuns a todas as religiões; é com base em um conhecimento bastante completo de sua aplicação que eles devem ser entendidos. 

Ainda outro exemplo é o conceito grego e romano de realeza. É claro por certos atos rituais que nessas nações não apenas o rei era o sumo sacerdote, mas também era concebido como um personagem divino. O que isso significava? Que capacidades lhe foram atribuídas? Que posição este homem-deus ocupava entre eles? Tem-se pensado que "dios" (divino) não deve ser tomado literalmente. Homero usa o termo, não apenas para deuses e príncipes, mas também para outros homens eminentes. Acredita-se que o uso do termo tenha surgido simplesmente de um respeito extravagantemente grande pelo líder do povo. Ou o termo é explicado como sobrevivência de circunstâncias primitivas anteriores ao alvorecer da história. 

É, de fato, impossível aprofundar esta questão com base nos materiais literários vagos e escassos dos gregos e romanos: é difícil encontrar uma explicação religiosa. A noção nos parece estranha e "primitiva"; ou seja, não a entendemos. No entanto, entre outras nações da Antiguidade, a noção da divindade do rei não é apenas um fato, mas um fato sobre o qual estamos bem informados. Não podemos ficar em dúvida sobre o significado religioso dessa noção entre os egípcios e entre alguns povos semitas, especialmente os babilônios. Deus aparece na terra como homem (o Rei) para conduzir o povo no caminho da vida, da vida duradoura. Ele está à frente de suas instituições sociais e políticas, que são as estruturas vagamente determinadas da vida da nação. As guerras são as guerras do deus com seus inimigos; tratados com outras pessoas são acordos divinos, concluídos não no mundo perceptível, finito, mas no infinito, outro mundo corporificado na ordem orgânica do cosmos, na ordem divina do universo. O rei que lidera o povo atualiza a vida duradoura de seu povo; isto é, a ressurreição continuamente repetida dessa vida. É ele que realiza para o povo a vitória sobre a morte, que é responsável pela fertilidade do solo e por triunfar sobre os inimigos externos que ameaçam a destruição. Portanto, ele é repetidamente identificado com o deus da morte e ressurreição; e assim ele representa entre os gregos e romanos Dionísio, Júpiter ou Jano. A abordagem comparativa nos permite compreender a sacralidade da realeza entre gregos e romanos. Os escassos dados, que por si só não são facilmente compreensíveis, ganham um significado, na verdade um significado muito profundo. A sociedade grega e romana também se baseava no mesmo fundamento religioso que é claramente distinguível entre outros povos. Certeza ou clareza indubitáveis não podem ser obtidas e, de fato, nunca podem ser alcançadas quando estamos buscando compreensão, mas podemos chegar à maior probabilidade atingível. 

A ordem divina do mundo é outro assunto sobre o qual existe um conjunto de dados relacionados; como essa ideia foi concebida nas várias religiões? Tornou-se claro que certas formas definidas de adoração da natureza aparecem em um grande número de religiões, embora sempre em formas diferentes. A adoração da terra (como deus ou deusa) ocorre em muitas religiões. Que ideia religiosa está na base disso e que valores religiosos ela representa? Além disso, o que significava a sacralidade do fogo, da água e, assim por diante, para os adeptos de tantas religiões? E que elaboração particular da ideia encontramos nos casos particulares de adoração do fogo ou adoração da água? A resposta não é exatamente a mesma em todas as regiões, e nenhuma resposta é completa. Somente após análise comparativa somos capazes de penetrar nos pensamentos mais profundos e determinar mais ou menos exatamente o significado ou valor religioso de cada forma separada de culto. 

O estudo comparativo é, em muitos casos, uma ajuda bastante necessária para a compreensão de ideias religiosas do outro, mas certamente não é um meio ideal. Cada religião deve ser entendida de seu próprio ponto de vista, pois é assim que é entendida por seus próprios adeptos. O resultado da pesquisa comparativa, e de todo tipo de pesquisa histórica, também não é o ideal; somente o conhecimento aproximado é possível. Estejamos completamente conscientes da validade limitada da pesquisa histórica. Essa limitação é imposta pelo próprio sujeito; ou seja, pelo caráter absoluto de toda fé. Cada crente vê sua própria religião como uma realidade única, autônoma e absoluta. Trata-se de valor absoluto e, portanto, incomparável. Isso é verdade não apenas para o cristão, mas vale do mesmo modo para o adepto de uma religião não-cristã. E é verdade não só para cada religião concebida como um todo, mas também para cada parte e para cada elemento particular da crença religiosa. Não só o "Cristianismo" ou qualquer outra religião particular é única, autônoma e incomparável; mas o mesmo se aplica a cada crença e cada rito sagrado. A crença de que Hades é o doador de toda a vida e a prática sagrada por meio da qual essa crença é realizada no ritual da religião de mistérios são verdades absolutas para os crentes. Mas o historiador não pode compreender o caráter absoluto dos dados religiosos da mesma forma que o crente o compreende. O ponto de vista do historiador é outro. Há uma distância entre ele e o objeto de pesquisa, ele não consegue se identificar com esse objeto do mesmo modo que o crente. Não podemos nos tornar maometanos quando tentamos entender o Islã e, se pudéssemos, nosso estudo estaria no fim: nós mesmos deveríamos experimentar diretamente a realidade. O historiador procura compreender, e é capaz de fazê-lo de maneira aproximada, mas nem tanto. Por meio da empatia, ele tenta reviver em sua própria experiência o que é "estranho", e disso, também, ele só pode se aproximar. Essa re-experiência imaginativa de uma situação estranha para nós é uma forma de representação, e não a própria realidade, pois essa sempre se afirma com autoridade soberana. Podemos até assumir tal posição de fora em relação à nossa própria herança espiritual: podemos formar uma imagem mais ou menos clara de nosso próprio caráter nacional, e muitas vezes o fazemos. Mas então sempre sentimos as deficiências de nossa própria formulação; a representação é sempre outra coisa diferente da realidade. A natureza "existencial" do dado religioso nunca é revelado pela pesquisa. Ela não pode ser definida. Aqui vemos o limite para a validade da pesquisa histórica. Mas reconhecer um limite de validade não é negar o valor dessa pesquisa. 

Para entender dados particulares (históricos), devemos frequentemente (e talvez sempre) fazer uso das generalizações que são resultados de pesquisas comparativas. A sacralidade dos reis gregos e romanos deve ser vista à luz do antigo conceito de realeza; sacrifícios particulares à luz da essência religiosa do sacrifício. Agora é verdade que a antiga concepção de realeza ou a essência religiosa do sacrifício é um conceito e não uma realidade histórica (apenas as aplicações particulares são realidade), mas não podemos prescindir desses conceitos. Na pesquisa histórica, eles são virtualmente considerados como realidades: em grande medida, eles dão direção à pesquisa e levam ao resultado satisfatório da compreensão dos dados. O limite de validade dos resultados científicos, consequência do uso de tais realidades fictícias, não é um fenômeno exclusivo da ciência histórica. Tais realidades fictícias e formulações gerais são assumidas em todas as ciências, mesmo nas ciências naturais, onde são formuladas como "leis naturais". A pesquisa sempre antecipa a essência dos fenômenos, e essa essência é, no entanto, o objetivo de todo esforço científico. 

A relação entre história e fenomenologia torna-se assim clara. Uma pressupõe a presença da outra. A maneira de trabalhar da fenomenologia (o agrupamento de dados característicos) e sua tarefa (a ilustração da disposição religiosa do ser humano) fazem dela uma disciplina sistemática. Mas se devemos agrupar os fenômenos segundo características que correspondam tanto quanto possível aos elementos essenciais e típicos da religião, como determinar quais dados tipicamente ilustram a disposição religiosa dos homens e como determinar quais são os elementos essenciais da religião? Essa questão não pode ser respondida com base nos próprios fenômenos, embora isso tenha sido tentado de fato. Há uma noção popular de que aquilo que todas as religiões têm em comum seria o núcleo da religião. Se deixarmos de lado tudo o que é específico de uma religião particular, o que nos resta são as ideias, sentimentos e práticas comuns, e elas expressam o que é essencialmente religioso. Esse é um método que parece tão simples que chega a ser quase mecânico, mas é impraticável. Há muitos elementos que aparecem em todas as religiões. Elementos não-essenciais e sem importância também ocorrem em grande número. Por outro lado, nenhum de todos os fatos observados ocorre em todas as religiões. Nem mesmo encontramos o conhecido trio de "Deus, alma e imortalidade" em todos os lugares. Quando consideramos a ideia "Deus", mesmo ignorando o fato de que ela esteja ausente no budismo, devemos concluir que não há nenhuma ideia particular de divindade que seja aplicável em todos os lugares. E se abandonarmos as formas dadas de ideias particulares de divindade para encontrar o que é comum por trás delas, ficaremos então com conceitos vazios. O elemento comum que encontramos dessa forma é tão vago e fugaz que não dá nenhuma orientação na pesquisa da Fenomenologia. Pode-se dizer com a mesma verdade que todos os dados religiosos, vistos mais profundamente, são mantidos em comum. Se prestarmos atenção ao seu significado religioso, eles provarão não ser estranhos para nós, e certamente não para outros crentes. Considere, por exemplo, os muitos deuses da natureza, como Osíris, Deméter e Atena. Assim que aprendemos a compreender sua essência, o elemento estranho desaparece e eles correspondem a sentimentos e percepções que ecoam em nós mesmos. Só por isso podemos entender o que é estranho. Este é o caso de todas as ideias e práticas religiosas assim que as compreendemos em seu verdadeiro significado. Visto mais profundamente, portanto, tudo é mantido em comum. Nada e tudo. É claro que seguindo este caminho não aprendemos a conhecer a essência da religião. 

A Fenomenologia da Religião e a História da Religião também se mantêm nessa mesma relação mútua. Naturalmente a História fornece o material para a pesquisa da Fenomenologia, mas o inverso também é verdade. 

Assim, vemos que os conceitos e princípios antecipados são usados em todos os campos da ciência geral da religião: história, tipologia e filosofia. Estamos continuamente antecipando os resultados de pesquisas posteriores. Isso tipifica o caráter e a "autoridade" de cada uma das três subdivisões da ciência da religião. Nenhuma das três é independente; o valor e a precisão dos resultados de cada uma delas dependem do valor e da precisão dos resultados das demais. O lugar que a pesquisa da Fenomenologia ocupa entre a História e a Filosofia torna-a extraordinariamente interessante e importante. O particular e o universal se interpenetram repetidamente; a Fenomenologia é ao mesmo tempo História sistemática da Religião e Filosofia da Religião aplicada. 

É evidente que, na determinação filosófica da essência da religião, utilizamos dados que estão fora do território da filosofia, fora do nosso conhecimento. Fazemos uso de nossa própria experiência religiosa para compreender a experiência dos outros. Nunca seríamos capazes de descrever a essência da religião se não soubéssemos por experiência própria o que é religião (digo, qual é a essência da religião!). Essa experiência impõe-se a si mesma sobre nós na pesquisa puramente histórica. Isso já foi demonstrado pela relação mútua das três áreas de estudo. Uma estrutura racional e sistemática na ciência da religião é impossível. Repetidamente, uma certa dose de intuição é indispensável. Certamente não estamos diante de uma ciência comparada da religião (história-fenomenologia-filosofia) sistematicamente construída como uma unidade lógica. O puramente lógico e racional não indica que caminho devemos seguir porque na Fenomenologia trabalhamos constantemente com presunções e antecipações. Mas é exatamente isso que torna nosso trabalho importante. É um estudo que não ocorre fora de nossa personalidade. E o inverso também é verdade: o estudo exerce uma influência sobre a nossa personalidade. Isso dá um caráter pessoal e valor à pesquisa nas áreas que mencionamos. Faz-se um apelo ao nosso sentimento pelos assuntos que queremos compreender, sentimento que nos dá segurança ao nosso "toque". Há um apelo à simpatia indefinível que devemos ter por dados religiosos que às vezes nos parecem tão estranhos. Mas essa simpatia é impensável sem um conhecimento íntimo dos fatos históricos - portanto, novamente uma interação, desta vez entre sentimento e conhecimento factual. Não é verdade que nosso estudo seja uma atividade teórica com a qual nossa vida prática não esteja implicada. Simplesmente não há dúvida de que crescemos durante nosso trabalho científico; quando a religião é o tema do nosso trabalho, crescemos religiosamente. Ao dizer isso, indicamos o mais alto significado de nossa tarefa científica. Acreditamos que trabalhamos objetiva e cientificamente, mas o trabalho frutífero, sem dúvida, se dá pela iluminação de um Espírito que se estende acima e além do nosso espírito. Vamos simplesmente chamá-lo de intuição - então pelo menos ninguém vai nos contradizer! 

Agora devemos fazer algumas observações sobre o método que a Fenomenologia aplica. A fenomenologia tem por objetivo entrar o mais possível em contato e compreender os dados religiosos extremamente variados e divergentes, valendo-se de métodos comparativos. Permitam-me agora contrastar com esse objetivo a concepção popular da tarefa da "Religião Comparada" à qual me apeguei no início. De acordo com essa concepção, é preciso determinar o valor relativo dos dados e fornecer o padrão por meio do qual podemos distinguir entre as formas inferiores e superiores na vida religiosa da humanidade. Essa comparação é elaborada sistematicamente em uma interpretação evolucionária da história da religião. Essa interpretação foi tida em alta conta no final do século passado, tanto nos círculos acadêmicos quanto em outros lugares. Atualmente, no entanto, praticamente desapareceu entre os estudiosos, mas ainda persiste entre grandes setores do público que possuem interesse histórico e religioso. É realmente popular e, portanto, não podemos deixá-lo fora de nossa consideração. Seremos bem aconselhados a considerá-la cuidadosamente tanto em seus pontos fortes quanto em suas fraquezas. A convicção de base é esta, que a história da humanidade teve apenas nós mesmos como seu objetivo, e depois de terrivelmente grandes dores gerou nossa civilização, como resultado de tudo o que a precedeu. A história tem um significado: segue uma linha contínua desde o primitivo, passando pelo desenvolvido, até o mais elevado. Tanto na religião quanto no resto de nossa cultura, estamos no ápice da pirâmide histórica. Isso é claramente demonstrado, segundo a visão evolucionária, pela análise comparativa dos tipos históricos de religião. Tal análise leva a uma interpretação evolucionária da história da religião. 

Há dois tipos de teoria evolucionária: histórica e idealista. De acordo com o evolucionismo histórico, os resultados alcançados em cada período histórico são transmitidos para a geração seguinte e, então, desenvolvidos. Os valores nunca desaparecem; eles são sempre assumidos pelas gerações sucessivas. Há um contato histórico entre todos os períodos da cultura. Essa era a teoria de Cornelis Tiele, e muitos concordavam com ele. Já de acordo com o evolucionismo idealista, a ideia de humanidade e da essência da religião tem existência própria. Ela se realiza por meio de fenômenos históricos, mesmo por aqueles além das relações históricas observáveis. Ela se distancia cada vez mais da realidade subdesenvolvida que se reveste de formas primitivas e vem à luz em plena clareza na mais alta civilização e nas mais altas religiões. Esse evolucionismo idealista inclui (entre outras visões) a concepção hegeliana de desenvolvimento; a história da religião é entendida como o autodesenvolvimento dialético da Ideia de religião. 

Do ponto de vista filosófico, deve-se reconhecer um ponto a respeito desse tipo evolucionário de pesquisa comparativa. É tarefa da Filosofia da Religião descrever a essência da religião determinando a relação da religião com outras realidades espirituais - os fatores intelectuais, morais e estéticos em nossa vida espiritual - e assim chegar a uma definição da natureza distinta da religião. Claro, quando a essência é descrita, o elemento não essencial nos fenômenos religiosos também tem o direito de ser mostrado. Esse é o direito indiscutível da Filosofia da Religião. Algumas formas religiosas, algumas formulações de crenças e alguns ritos sagrados provam então expressar esse elemento essencial melhor do que outros. Formas superiores e inferiores são assim distinguidas e apontadas na história. E a religião é vista como em sua essência uma força viva, que se mantém mesmo quando confrontada com tendências desprezíveis e circunstâncias obstrutivas. Tal concepção de religião leva automaticamente à noção de crescimento, um desenvolvimento da religião no curso da história. Em bases filosóficas, tanto o evolucionismo histórico quanto o idealista podem ser defendidos. O método filosófico é dedutivo; ao discernir como os fenômenos se desenvolvem a partir da essência, os dados históricos são compreendidos. 

Deve-se reconhecer, além disso, que a essência da religião é um conceito que não só o filósofo, mas também o historiador e o estudioso da Fenomenologia não podem negligenciar. O estudioso deve ser capaz de separar o essencialmente religioso do não essencial em todos os fenômenos históricos que são o objeto de sua pesquisa. Para chegar às conclusões corretas, ele deve ter um sentimento pela religião, uma consciência do que é a religião, e essa consciência é precisamente o que a Filosofia da Religião tenta formular. Muitos historiadores carecem gravemente desse "sentimento". Mas o inverso é igualmente verdadeiro: o filósofo que deseja descrever o elemento essencial deve trabalhar com dados históricos. Ele não os evoca por pura dedução. Ele não pode decidir que determinado dado deve ter existido. A história e a filosofia devem trabalhar juntas; isto é, um não pode impor a lei a outra. Cada uma é igualmente autônoma em seu próprio território. 

Mas a autonomia é negada se um padrão particular de desenvolvimento, o padrão evolucionário, for imposto à história. A História da Religião e a Fenomenologia não têm por objeto a formulação de nossa concepção da essência dos dados religiosos. Essa é a tarefa do filósofo. Devem, ao contrário, investigar que valor religioso os crentes (gregos, babilônios, egípcios, etc.) atribuíam à sua fé, o que a religião significava para eles. É a religião deles que queremos entender, e não a nossa, e, portanto, não estamos preocupados aqui com a essência da religião, pois ela é necessariamente expressa para nós em nossa própria religião. 

Os conceitos de "formas primitivas" e "formas altamente desenvolvidas" de religião, são, portanto, fatais para a pesquisa histórica. As ideias religiosas e os ritos sagrados são rebaixados a uma série de valores relativos, quando na realidade funcionaram como valores absolutos. Devemos entender os outros como indivíduos autônomos e espirituais; não devemos deixar que nossa avaliação seja determinada pelo grau de concordância ou diferença entre eles e nós mesmos. Para o historiador, apenas uma avaliação é possível: "os crentes estavam completamente certos". Somente depois de compreendermos isso podemos entender essas pessoas e sua religião. 

Isso não implica, é claro, que toda tendência religiosa passageira encontrada na história possa reivindicar tal avaliação. É claro que surgem repetidas vezes pontos de vista insignificantes ou superficiais, de tão pouco valor que dificilmente merecem nossa atenção ou respeito. Como um pode ser separado do outro? Isso não é um grande problema. Aquilo que é insignificante sempre prova não ter existência duradoura na história. Por causa de seu pequeno valor, esses fenômenos têm apenas uma existência breve. No que diz respeito às religiões antigas, a maioria dos dados desse tipo desapareceu sem nos deixar vestígios, ou pelo menos não são mais visíveis por causa de sua distância de nós. O fenômeno religioso, que chama a atenção do historiador e do fenomenólogo, no entanto, consiste nas formulações de crenças e práticas de culto que duraram séculos e às vezes milhares de anos. Elas provaram ser capazes de resistir à passagem de inúmeras gerações, porque expressaram com precisão a consciência religiosa de um povo inteiro. Isso é verdade para as formas muito antigas de adoração da natureza e dos seres espirituais (as duas não podem ser separadas nitidamente) que sobreviveram, mesmo em nosso próprio tempo. É também o caso das imagens míticas nas quais a fé é formulada e das práticas e usos sagrados, como as inúmeras formas de sacrifícios, adivinhações, etc. A existência duradoura de todos esses dados religiosos comprova seu valor religioso: eles foram experienciados como valores essenciais da vida, e é exatamente isso o que foram. As impressionantes civilizações dos povos antigos foram fundadas sobre eles. Isso não pode ser dito dos movimentos passageiros e fenômenos temporários. Assim como indivíduos insignificantes não podem atrair a mesma atenção que personalidades notáveis, ideias transitórias não podem reivindicar o mesmo interesse que convicções que provaram seu poder interior. Ao estudar as religiões antigas, a grande distância no tempo (entre elas e nós mesmos) oferece esta vantagem: inúmeras flutuações passageiras sem dúvida desapareceram de vista, e as principais linhas que indicam o que é duradouro e valioso ficam muito mais claramente em foco. Aquilo que foi cuidadosamente ponderado e aprovado por gerações e foi capaz de servir de base à vida provou seu valor interior. E podemos entender isso apenas no mesmo sentido em que os crentes o entenderam - que esse valor é o valor absoluto da vida. 

O ponto de vista evolucionário é, portanto, um ponto de vista a-histórico. Esse ponto de vista é incrivelmente popular porque um sentimento pela história é também incrivelmente raro. Para a maioria das pessoas é uma tarefa difícil fazer justiça ao ponto de vista dos outros quando as questões espirituais da vida estão em jogo. Na pesquisa histórica, confrontamos os dados religiosos como observadores; a maioria das pessoas acha essa atitude difícil de alcançar, e assim se coloca diretamente no fluxo da vida e adota apenas aquelas ideias que se ajustam às realidades da vida prática. Quando isso é feito, uma condenação do outro ponto de vista com base no nosso é inevitável. Do ponto de vista prático, essas pessoas estão certas, pois na prática mostramos nossa desaprovação do que é estranho ao não o adotá-lo nós mesmos. Do ponto de vista teórico, no entanto, tais pessoas estão erradas. 

 

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Fonte: KRISTENSEN, W. Brede. A. Phenomenology of Religion. In: General Introduction. In: The Meaning of Religionlectures in the Phenomenology of ReligionSpringer-Science+Business Media, B.Y. 1960, pp.1-15. 



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