FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO (RESUMO)
O que se segue é um resumo do
livro “Fenomenologia do Espírito” do filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich
Hegel. O resumo segue, em geral, a estrutura do livro se dividindo em Introdução,
A Consciência, A Consciência-de-si, a Razão, o Espírito e o Saber Absoluto. É importante colocar que este
resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem
paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor
original.
INTRODUÇÃO
A Filosofia
antes de abordar a coisa em si, isto é, a verdade, precisa tratar da questão do
conhecimento. O conhecimento é o meio pelo qual se contempla ou se domina o
absoluto (a verdade). O conhecimento deve ser distinguido do próprio absoluto.
Nós não
temos acessos à verdade como ela é em si mesma. Nosso conhecimento
"sobre" a verdade (a verdade "para nós") é distinto
da verdade "em si". A consciência não tem acesso ao "Em
si", mas somente ao objeto como ele é "para ela".
O conhecimento
é um conhecimento da aparência ou "fenômeno", ele se mostra ou
se apresenta como conhecimento ainda não realizado em sua verdade. Esse
conhecimento fenomenal embora ainda não se mostre como verdade, apresenta-se
como parte do percurso do Espírito rumo ao saber verdadeiro. O
percurso do saber rumo ao seu fim está de tal forma determinado que nada
pode impedi-lo. Este fim consiste no saber encontrar a si mesmo numa correspondência entre
conceito e objeto.
No entanto, quando
se trata de investigar a "consciência", a coisa em
si ou a essência está em nós mesmos. A consciência é consciência do objeto,
mas, na medida em que a consciência investiga a si mesma, é também
consciência-de-si-mesma.
Quando a consciência percebe que
o que considerava como "Em si" é na verdade o objeto "para
ela", ela se volta novamente ao objeto a fim de adequar seu conhecimento a
ele, no entanto, o objeto já não é mais o mesmo. Esse objeto vem-a-ser,
portanto, numa "reversão da consciência". Esse movimento
dialético no qual surge o novo objeto verdadeiro à consciência é o que chamamos
de "experiência". Assim, o objeto deixa de ser Em-si para dar lugar ao ser-para-ela-desse-Em-si, sendo
que esse segundo objeto contém a 'nadidade' (o "aniquilamento") do primeiro. Sendo
assim, esse ser-para-ela-desse-Em-si é o verdadeiro, no
sentido de que é ele que é o objeto da consciência.
A CONSCIÊNCIA
I. A CERTEZA SENSÍVEL
O primeiro
conhecimento é o conhecimento do imediato, isto é, o saber da essência.
Esse saber se dá como receptividade. Esse conhecimento, por
ser o mais imediato, se mostra o mais verdadeiro, por isso é designado como
certeza sensível.
A certeza
sensível, no entanto, inclui não só o puro ser do objeto, mas também o exemplo dessa
essência. A essência é o Em si imediato e o exemplo é aquilo que é por meio do
Outro, isto é, aquilo que se dá de forma medida pelo Eu.
No entanto, essa certeza só
contém o objeto como puro "Isto" e nessa certeza a consciência encontra-se apenas como
puro "Este". O "Isto" pode ser tomado
como aqui e agora. A consciência tenta apegar-se
ao aqui e agora como momentos imediatos que tem diante de si. A consciência é
apenas este Eu aqui, um este puro, vazio e singular, que sabe apenas que algo é.
Assim, a consciência
se atém à relação imediata com o objeto, ou seja, com o singular daquilo que
ela visa. A verdade passa a ser situada em um presente
imediato, que o Eu afirma ser conhecedor e capaz de indicar. Esse
indicar é um movimento que contém três momentos:
(1) A consciência afirma o "agora" como
verdadeiro, mas como ela consegue indicar apenas o que não está mais presente,
ela o indica então como o-que-já-foi.
(2) A consciência assume, então, que a verdade é
o-que-já-não-é.
(3) No entanto, não querendo negar o imediato, a
consciência afirma que o agora é.
Assim, há uma
impossibilidade de apreensão sensível do singular, uma incapacidade de capitar
o singular. A consciência ao experimentar o singular tenta traduzi-lo, busca
enunciá-lo. No entanto, o puramente sensível e singular não pode ser dito pela
linguagem, a linguagem é capaz de expressar somente o que é universal, de modo
que o singular fica excluído dela. A linguagem, então, surge para superar o
visado singular e convertê-lo em universal.
II. A PERCEPÇÃO
Com a superação da
certeza sensível, a consciência alcança a percepção, agora o objeto passa a ser
tomado, não como singular, mas como universal. Na percepção o objeto é
apreendido como coisa-de-muitas-propriedades.
O processo da
percepção se dá como um "suprassumir", que é
tanto um "negar" como um "conservar". É uma negação porque
o isto é posto como não-isto, como um nada de um conteúdo determinado, mas o
nada-disto ainda conserva sua imediatez, mas uma imediatez universal. Esse universal
abstrato pode ser chamado de coisidade em geral. A coisa inclui tanto um aspecto positivo no sentido de
ser uma universalidade de muitas propriedades, mas também negativo, no sentindo
de exclusão das propriedades opostas.
Constituída a coisa
da percepção, a consciência tem somente de captá-la e de proceder como pura
apreensão. A percepção impõe à consciência a tarefa de unificar as múltiplas
propriedades da coisa, “fazer com que na coisa coincidam o Uno". As coisas
da percepção sofrem de uma contradição entre sua unidade e diversidade. Isto é,
entre ser-um e ser-muitos. Nesse processo contraditório, a percepção acaba caindo
em abstrações vazias. Com isso a consciência se dá conta de um que de inverdade.
III. FORÇA E ENTENDIMENTO
A percepção apresentou o problema da unidade e da
multiplicidade. O objeto se apresenta num primeiro momento como um
universal de muitas matérias e em um segundo momento como o uno em si
refletido.
Assim, o objeto aparece
como um subsistir de matérias independentes em que o universal
se apresenta como uma multiplicidade de diferentes universais. No entanto,
devido à unidade, essas diferentes matérias se interpenetram. As diferenças
postas como independentes passam imediatamente à unidade. Esse movimento de ir
e vir da universalidade e multiplicidade é o que chamamos de força. A
força é a exteriorização da unidade na multiplicidade. A força
seria aquilo que é universal e incondicional no conceito.
Assim, o entendimento buscará compreender os
objetos a partir da noção de “força”. A força se exterioriza (se
realiza, atua) como fenômeno. O fenômeno é o ser da força
desenvolvido. O fenômeno é um aparecer que surge para desaparecer, sendo assim,
aquilo que imediatamente é em si mesmo um não-ser, um ser que se ausenta.
Diante do “nada” desse mundo fenomenal, desse ser que desaparece, o
entendimento postula um além onde as coisas permanecem, o mundo
suprassensível.
No entanto, este
mundo suprassensível é vazio por ser o puramente indeterminado. Para que haja
algo nesse vazio total, que também se denomina sagrado, a consciência
busca preenchê-lo, ao menos com devaneios: fenômenos que a própria
consciência para si produz.
O que permite que
esse mundo seja um mundo de “permanências” seria uma normatividade que reinaria
por traz de tudo. O mundo suprassensível passa a ser concebido como
um tranquilo reino de leis que existe além do mundo percebido. O mundo
suprassensível leva ao o conceito absoluto ou a infinitude simples
ou universal. Quando a infinitude - como aquilo que ela é - finalmente é o
objeto para a consciência, então a consciência é consciência-de-si.
A CONSCIÊNCIA - DE -
SI
IV. A
VERDADE DA CERTEZA DE SI MESMO
Nas seções anteriores, a verdade foi considerada como algo que é outra coisa
que não é a consciência. O objeto se apresenta, assim, como um Outro: a “essência” da certeza sensível,
a “coisa” da percepção e a
“força” do entendimento.
No caso da consciência de si, no entanto, a consciência é para si mesma o
verdadeiro. Assim, com a consciência-de-si entramos, pois, na terra pátria
da verdade.
O movimento de autoconhecimento envolve três momentos, o primeiro do “ser-em-si” , o segundo
do “ser-fora-de-si" ou “ser-outro” e o terceiro de “retorno-a-si”. Assim,
a consciência-de-si é o retorno a partir do ser-Outro.
A consciência-de-si é desejo, isto é, a consciência se
constitui não apenas como uma relação de conhecimento, mas como uma relação de
desejo e satisfação. A consciência-de-si só encontra a satisfação do seu desejo
em outra consciência-de-si. O desejo é o que movimenta a consciência de si em
seu percurso espiritual, pelo desejo a consciência sai de si indo ao encontro
do outro.
A -
INDEPENDÊNCIA E DEPENDÊNCIA DA CONSCIÊNCIA DE SI: DOMINAÇÃO E ESCRAVIDÃO
A consciência-de-si só é na medida em que se coloca
para um Outro e como uma Outra. Para a consciência-de-si, há uma outra
consciência-de-si, ou seja, ela veio para fora de si. Assim, a relação com
outra consciência-de-si é uma condição necessária para a existência da
consciência-de-si. No entanto, a consciência acaba por ver a si mesma nesse
Outro e nesse sentido, após sair de si mesma, a consciência retorna a si.
. Assim
a apresentação de si tende à morte do Outro e inclui um arriscar da própria
vida. Isso faz surgir uma luta de vida e morte entre as consciências. Só
mediante esse arriscar a vida é que a consciência pode conquistar a liberdade.
A partir disso surgem dois momentos que podem ser representados pela figura do
senhor e do escravo. O senhor é aquele que teve coragem
de arriscar a própria vida enquanto o escravo é aquele que
teve medo de arriscá-la tornando-se uma mera coisa. O senhor
representa a consciência independente para a qual o ser-para-si é
a essência e o escravo, a dependência, para
o qual a essência é ser-para-outro.
No entanto, essa dominação sofre uma inversão. A consciência escrava graças ao
seu trabalho torna-se consciência independente, colocando o senhor em posição
contrária. O escravo se torna senhor das coisas porque as produz e o senhor
perde a independência, pois não sabendo trabalhar, passa a depender do escravo.
B -
LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA-DE-SI: ESTOICISMO: CEPTICISMO E A CONSCIÊNCIA INFELIZ
Uma vez suprassumida dialética senhor-escravo, a consciência-de-si
experimenta-se como liberdade que pensa conceitualmente. No pensar, Eu sou
livre; porque não estou em um Outro, mas pura e simplesmente fico em mim mesmo,
e o objeto, que para mim é a essência, é meu ser-para-mim, em unidade indivisa;
e meu movimento em conceitos é um movimento em mim mesmo.
Essa liberdade surgiu como manifestação consciente na
História do Espírito na forma do Estoicismo. O princípio do
Estoicismo é que a consciência é essência pensante e que uma coisa só tem
essencialidade, ou só é verdadeira e boa para ela, à medida que a consciência
aí se comporta como essência pensante. Assim a consciência de si
livre se eleva acima da confusão da vida e conserva e alcança
para si a impassibilidade (ataraxia). Assim, o Estoicismo se apresenta como afastamento do mundo.
No entanto, a liberdade só se realiza de forma mais radical
no Ceticismo, pois ele se coloca como uma negação (aniquilamento) do
mundo. O ceticismo é a realização do que o estoicismo era somente o
conceito – e a experiência efetiva do que é a liberdade do pensamento, o pensamento torna-se pensar que aniquila o ser do
mundo.
Mas negando tudo, o Ceticismo esvazia a
Consciência-de-si, levando-a à autocontradição e à cisão de si consigo
mesma. É uma consciência dupla que ao mesmo tempo que nega o mundo,
se vê obrigada a viver como se o mundo existisse, estando presa ao mundo. A
Consciência-de-si como cindida e envolvida inteiramente na contradição
apresenta-se como Consciência Infeliz.
Quando a consciência cética se torna Consciência infeliz,
ela descobre a nulidade de sua vida particular, contingente e mutável que se
opõe, pela reflexão, a uma outra consciência de uma certeza de si imutável e
simples. A consciência, nesse sentido, torna-se consciência de seu próprio
nada.
A consciência busca se livrar desse aprisionamento na
nulidade buscando uma ascensão rumo ao Imutável. O Imutável vai primeiro ser visto como oposto a toda
singularidade no Deus distante do Judaísmo. Em um segundo momento, o Imutável passa a ter nele a singularidade
na figura do Cristo encarnado e, por fim, no terceiro Imutável, a consciência encontra a si mesma como este
singular no imutável e vem-a-ser Espírito.
A partir disso, a consciência
busca alcançar o ser-um do
singular com o Imutável em um movimento
tríplice, primeiro como pura consciência através do
sentimento como fervor devoto, em segundo lugar como
consciência pratica e desejante que busca unificar-se como essência singular
através do trabalho que é santificação e em um terceiro momento
como consciência de seu ser-para-si através do sacrifício de si pelas vias
do ascetismo e da culpabilidade. Essa culpabilidade gera um agir miserável
e infeliz.
A RAZÃO
V. CERTEZA E VERDADE DA RAZÃO
Para a consciência
infeliz o ser-em-si é o Além dela mesma.
Agora, nessa nova etapa, a consciência assume a certeza de ser, na sua
singularidade, toda a realidade. Assim enuncia o Idealismo, o
conceito de razão. A razão é a certeza de ser toda a realidade, isto é, a
certeza de que o que aparece como outro tem a mesma estrutura da
consciência-de-si. No entanto, a razão efetiva sendo, de início, só a certeza
de ser toda a realidade, está consciente nesse conceito de não ser ainda,
enquanto certeza, enquanto
Eu, a realidade em verdade.
A. A RAZÃO
OBSERVADORA
A consciência observa o mundo real como mundo que
é racional. A consciência dessa observação visa e diz que
não pretende experimentar-se a si mesma, mas, pelo contrário,
a essência das coisas como coisas, no entanto, a razão é
igualmente essência das coisas e da consciência mesma.
Agora consideraremos o agir da razão observadora nos momentos de seu
movimento; como ela apreende a natureza, o espírito e, enfim, a relação de
ambos em forma de ser sensível:
a. A Observação da Natureza: Em sua observação
da natureza, a razão classifica e formula leis, mas ao invés de
captar a essência das coisas, ela transforma as coisas em conceitos. No entanto, no estudo
da natureza, a razão não consegue se encontrar de forma satisfatória e,
então passa a observar a consciência humana, esperando aí encontrar-se.
b.
A observação da consciência-de-si em sua pureza
e em referência à efetividade exterior: leis lógicas e leis psicológicas: A
observação se volta para a própria consciência-de-si,
buscando compreender as leis lógicas que regem o pensamento.
Em seguida observa as faculdades do psiquismo humano, propondo leis psicológicas.
A consciência busca compreender a relação
entre a consciência de si e o mundo. Mas ao verificar que não há lei que
exprima a relação entre a consciência-de-si e o mundo, a observação passa para
a individualidade enquanto totalidade concreta, consciência-de-si e corpo.
c.
Observação da consciência-de-si em sua
efetividade imediata: fisiognomia e frenologia: Pela fisiogomia, busca-se conhecer o interior com base na aparência
exterior do indivíduo e a frenologia busca determinar a individualidade com base
no formato do crânio. Assim, A consciência-de-si encontra a si como coisa, como osso.
A
consciência-de-si encontra a coisa como a si, e a si como coisa, quer dizer: é
para ela que essa consciência é em si efetividade objetiva. Não é mais a
certeza imediata de ser toda a realidade.
B. A RAZÃO ATIVA
A razão que antes observava coisas,
passa a considerar sua própria atividade espiritual. Trata-se do “reino da
eticidade”, a razão demonstra sua efetividade e unidade principalmente através
da vida ética que se dá no interior de uma comunidade na vida de um povo. Aqui
se pode apresentar três figuras morais no trajeto da consciência:
a. O prazer e a necessidade: aqui se tem o
Hedonismo, o agir em nome do prazer. Sobre isso, é importante considerar que o
agir em nome do prazer não é um agir que se aquieta no gozo, o prazer está no
movimento de passagem de um objeto a outro.
b. A lei do coração e o delírio da presunção:
aqui se tem o Sentimentalismo, a moral passa a ser vista relacionada à
particularidade dos sentimentos individuais. Assim, essa figura enfrenta a
dificuldade de fornecer uma lei universal que é a lei de todos os corações.
c. A virtude e o curso do mundo: aqui se
tem a recuperação do discurso da virtude natural, segundo o qual a individualidade
deve ser sacrificada em nome da virtude. A consciência acredita ter, através da
negação de si, o acesso a uma perspectiva universalmente fundamentada.
C. A
INDIVIDUALIDADE QUE É PARA SI REAL EM SI E PARA SI MESMA
Agora a consciência chega, na sua experiência,
ao conceito de razão dado no início: ser na certeza de si mesma toda realidade.
A consciência sai de si não para um outro, mas para si mesma. Aqui se pode apresentar
outras três figuras:
a. A Coisa mesma: O sujeito já está desde
sempre inserido em uma pratica, o agir já está presente antes da consciência
assumir um projeto. Da ação resulta uma obra,
no entanto, a consciência se retira de sua obra e a significação da obra é
resultado da interferência de outras consciências, assim a obra desaparece para
dar lugar a uma série de interpretações contraditórias. No entanto, essa
multiplicidade de interpretações podem ser compreendidas como manifestações da coisa mesma. A coisa mesma é o que supera
todos momentos passageiros da obra, se encontrando em todos os momentos e
transcendendo a todos eles. A consciência capaz de se relacionar com a coisa
mesma chama-se consciência honesta. Haja o que houver, a
consciência honesta vai sempre implementar e atingir a Coisa mesma, já que é o
predicado de todos esses momentos como este gênero universal. A Coisa mesma é
uma essência cujo ser é o agir do indivíduo singular e de todos os indivíduos e
cujo agir é imediatamente para outros, ou uma Coisa e que só é Coisa como agir
de todos e de cada um. É a essência que é essência de todas as essências, a
essência espiritual.
b. A razão legisladora: A consciência ética
julga saber imediatamente sem necessidade de justificação o que é certo, o que
deve ser feito, no entanto, essas supostas leis éticas universais são, na verdade,
leis contingentes.
c. A razão examinando as leis: A razão desiste,
pois, de fazer leis, e se contenta em examiná-las. Passa-se a entender que é válido
como lei aquilo que não contradiz a si mesmo.
O
ESPÍRITO
A razão é espírito quando a certeza de
ser toda a realidade se eleva à verdade. A substância consciente de si mesma é
um espírito que é um mundo. O espírito é a vida ética de um povo.
A. O ESPÍRITO VERDADEIRO: A ETICIDADE
a. O mundo ético. A lei humana e a lei
divina, o homem e a mulher: O mundo ético envolve a lei humana que diz respeito à comunidade e a lei divina que diz respeito à família. A lei humana corresponde às
leis da vida social e política de um povo; a lei divina à família que é uma
comunidade natural. A família se apresenta como ser ético imediato. A lei
divina envolve três tipos de relações familiares: a relação marido e mulher, a
relação entre pais e filhos e a relação entre irmãos e irmãs. A lei humana
procede da divina, o irmão homem é
enviado à comunidade, enquanto a irmã mulher
se torna a dona da casa, a guardiã da lei divina.
b. A ação
ética. O saber humano e o divino, a culpa e o destino: A tranquilidade do
mundo ético é rompida pela ação que
se dá como culpa e delito. A essência ética insiste em seu direito em se dar em
duas leis, ao agir a consciência se decide por uma delas, a ação, portanto,
comete o delito e tem a culpa de assumir somente um dos lados. Inocente,
portanto, é só o não-agir, como o ser de uma pedra.
c. O Estado de Direito: O Estado de Direito é o advento do pessoal
no sentido jurídico, a dissolução da eticidade da pólis, a alienação do Espírito que perdeu sua essência numa universalidade
abstrata.
B. O ESPÍRITO ALIENADO DE SI
MESMO: A CULTURA
O
mundo espiritual é o mundo da cultura e da alienação. Aqui, o Todo (e cada
momento singular) repousa numa realidade alienada de si mesma. Há uma primeira
alienação no reino da efetividade (a
consciência não reconhece mais a efetividade exterior do mundo como seu próprio
trabalho) e uma nova alienação no mundo
da fé (A fé cria um mundo suprassensível, que é essencialmente outro em
relação à consciência-de-si) e no mundo da pura intelecção do Iluminismo (no qual a pura inteligência
se opõe a fé considerando-a uma superstição). Em seguida, temos a Revolução Francesa na qual a luta por uma
liberdade absoluta resultou em um reino de terror.
Como o reino do mundo efetivo passa ao
reino da fé e da inteligência, assim também a liberdade absoluta passa de sua
efetividade que a si mesma se destrói, para uma outra terra do espírito
consciente-de-si; e ali ela tem o valor de verdadeiro. No pensamento do
verdadeiro, o Espírito se reconforta, na medida em que o espírito é pensamento, e pensamento permanece; e sabe que esse ser,
encerrado na consciência-de-si, é a essência perfeita e completa. Surgiu a nova
figura do espírito moral.
C. O ESPÍRITO CERTO DE SI MESMO: A MORALIDADE
A consciência-de-si sabe o dever
como a essência absoluta. Só está ligada pelo dever, e essa substância é sua
própria consciência pura, para a qual o dever não pode assumir a forma de algo
estranho. Aqui a consciência encontra-se identificada com seu objeto. A partir
daqui, forma-se uma cosmovisão moral
que é constituída pelo conjunto de postulados da razão prática, mas que são postulados
contraditórios. São três os postulados da consciência moral:
(1) A consciência
moral cumpre o dever, mas vê a natureza como indiferente quanto a proporcionar-lhe
felicidade.
(2) A natureza
não é externa ao Si, mas diz respeito aos impulsos naturais que parecem opostos
ao dever.
(3) A moral
está fundamentada em uma Essência Sagrada da qual a consciência espera poder
conseguir a felicidade se cumprir seus deveres. Assim o dever moral passa a ser
visto fora da consciência em outra Essência.
Assim a cosmovisão moral se apresenta de
forma contraditória. A contradição da cosmovisão moral é de que há uma
consciência moral, e de que não há; ou de que a vigência do dever está além da
consciência, e inversamente, que só nela tem lugar, - essa contradição se
condensa na representação de que a consciência não-moral vale por consciência
moral, seu saber e querer contingentes são aceitos como ponderáveis, e a felicidade
é concedida à consciência por uma graça.
Dada essas contradições o espírito abandona
a cosmovisão moral e passa à boa consciência.
A boa consciência é o espírito moral concreto em que o dever é dado na certeza
imediata de si memo. É uma consciência judicante, a “bela alma”, que prefere criticar e julgar o mundo, do que
propriamente transformar o mundo mediante sua ação. Assim, quando se passa à ação,
o mal e a hipocrisia são inevitáveis. A consciência atuante é julgada pela consciência
universal que só com muito custo lhe concede o perdão.
A
RELIGIÃO
A religião é a consciência de si do
espírito, é um conhecimento do espírito pelo espírito, mas ainda não é o saber
absoluto, pois tal conhecimento ainda se dá no âmbito da representação. A forma
suprema da religião é a religião revelada, nela o Espírito se apresenta em sua essência
na figura do Cristo como Deus encarnado. Na figura do Deus-Homem o espírito
finito se reconcilia com o espírito infinito.
Em seu movimento de vir-a-ser, a
religião passa por estágios que apresentam sua figura sob diferentes
perspectivas pelas quais o Espírito, em sua vivência religiosa, determina sua
essência:
(1) Religião Natural: A religião natural é
a religião da natureza, nela a essência divina é para a consciência um ser
imediato, uma coisa objetiva. A consciência, neste momento, diviniza objetos
naturais: a luz, as plantas, os animais, etc.
(2) Religião da
Arte: A essência divina deixa de ser representada por objetos naturais e
passa a ser representada por formas do “si” individual. O divino passa a tomar a
forma do indivíduo humano. As figuras divinas passam a ser representadas na obra
de arte pelas estátuas.
(3) Religião Revelada: A essência divina se
torna efetivamente Si, pela Encarnação. Deus é assim revelado aqui como ele é:
ele é aí assim como ele é em si; ele é aí espírito. Deus é o espírito, e esse
saber é o saber da religião revelada. A religião revelada apresenta três momentos:
a substancia pura (Pai), a consciência de si singular (Filho na existência individual)
e a consciência de si universal (o Espírito na comunidade religiosa).
O SABER ABSOLUTO
O saber absoluto é o espírito que se
sabe como espírito. O saber absoluto recapitula e reúne todos os movimentos e
figuras anteriores, que na verdade são as etapas do vir-a-ser. Tem por seu
caminho a recordação dos espíritos como são neles mesmos. A História é a marcha
do Espírito no tempo, um vir-a-ser, um movimento lento e um suceder-se de
espíritos, um ao outro e cuja meta final é o saber absoluto. Desse modo, se
forma, o reino-dos-espíritos, que constitui uma sucessão na qual um espírito
sucedeu a um outro, e cada um assumiu de seu antecessor o reino do mundo.
Sua conservação, segundo o lado de seu ser-aí
livre que se manifesta na forma da contingência, é a História; mas segundo o lado de sua organização conceitual, é a ciência do saber que-se-manifesta. Os dois
lados conjuntamente - a História conceituada - formam a recordação do espírito
absoluto, a verdade e a certeza de seu trono, sem o qual o espírito seria a
solidão sem vida.
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