FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO (RESUMO)




       O que se segue é um resumo do livro “Fenomenologia do Espírito” do filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel. O resumo segue, em geral, a estrutura do livro se dividindo em Introdução, A Consciência, A Consciência-de-si, a Razão, o Espírito e o Saber Absoluto. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.


INTRODUÇÃO 

       A Filosofia antes de abordar a coisa em si, isto é, a verdade, precisa tratar da questão do conhecimento. O conhecimento é o meio pelo qual se contempla ou se domina o absoluto (a verdade). O conhecimento deve ser distinguido do próprio absoluto. 
       Nós não temos acessos à verdade como ela é em si mesma. Nosso conhecimento "sobre" a verdade (a verdade "para nós") é distinto da verdade "em si". A consciência não tem acesso ao "Em si", mas somente ao objeto como ele é "para ela". 
        O conhecimento é um conhecimento da aparência ou "fenômeno", ele se mostra ou se apresenta como conhecimento ainda não realizado em sua verdade. Esse conhecimento fenomenal embora ainda não se mostre como verdade, apresenta-se como parte do percurso do Espírito rumo ao saber verdadeiro. O percurso do saber rumo ao seu fim está de tal forma determinado que nada pode impedi-lo. Este fim consiste no saber encontrar a si mesmo numa correspondência entre conceito e objeto. 
       No entanto, quando se trata de investigar a "consciência", a coisa em si ou a essência está em nós mesmos. A consciência é consciência do objeto, mas, na medida em que a consciência investiga a si mesma, é também consciência-de-si-mesma. 
     Quando a consciência percebe que o que considerava como "Em si" é na verdade o objeto "para ela", ela se volta novamente ao objeto a fim de adequar seu conhecimento a ele, no entanto, o objeto já não é mais o mesmo. Esse objeto vem-a-ser, portanto, numa "reversão da consciência". Esse movimento dialético no qual surge o novo objeto verdadeiro à consciência é o que chamamos de "experiência". Assim, o objeto deixa de ser Em-si para dar lugar ao ser-para-ela-desse-Em-si, sendo que esse segundo objeto contém a 'nadidade' (o "aniquilamento") do primeiro. Sendo assim, esse ser-para-ela-desse-Em-si é o verdadeiro, no sentido de que é ele que é o objeto da consciência.  

A CONSCIÊNCIA  
I. A CERTEZA SENSÍVEL 

       O primeiro conhecimento é o conhecimento do imediato, isto é, o saber da essência. Esse saber se dá como receptividade. Esse conhecimento, por ser o mais imediato, se mostra o mais verdadeiro, por isso é designado como certeza sensível. 
        A certeza sensível, no entanto, inclui não só o puro ser do objeto, mas também o exemplo dessa essência. A essência é o Em si imediato e o exemplo é aquilo que é por meio do Outro, isto é, aquilo que se dá de forma medida pelo Eu. 
     No entanto, essa certeza só contém o objeto como puro "Isto" e nessa certeza a consciência encontra-se apenas como puro "Este". O "Isto" pode ser tomado como aqui agora. A consciência tenta apegar-se ao aqui e agora como momentos imediatos que tem diante de si. A consciência é apenas este Eu aqui, um este puro, vazio e singular, que sabe apenas que algo é.  
       Assim, a consciência se atém à relação imediata com o objeto, ou seja, com o singular daquilo que ela visa. A verdade passa a ser situada em um presente imediato, que o Eu afirma ser conhecedor e capaz de indicar. Esse indicar é um movimento que contém três momentos:  
(1) A consciência afirma o "agora" como verdadeiro, mas como ela consegue indicar apenas o que não está mais presente, ela o indica então como o-que-já-foi. 
(2) A consciência assume, então, que a verdade é o-que-já-não-é. 
(3) No entanto, não querendo negar o imediato, a consciência afirma que o agora é. 
       Assim, há uma impossibilidade de apreensão sensível do singular, uma incapacidade de capitar o singular. A consciência ao experimentar o singular tenta traduzi-lo, busca enunciá-lo. No entanto, o puramente sensível e singular não pode ser dito pela linguagem, a linguagem é capaz de expressar somente o que é universal, de modo que o singular fica excluído dela. A linguagem, então, surge para superar o visado singular e convertê-lo em universal.  

II. A PERCEPÇÃO 

       Com a superação da certeza sensível, a consciência alcança a percepção, agora o objeto passa a ser tomado, não como singular, mas como universal. Na percepção o objeto é apreendido como coisa-de-muitas-propriedades. 
       O processo da percepção se dá como um "suprassumir", que é tanto um "negar" como um "conservar". É uma negação porque o isto é posto como não-isto, como um nada de um conteúdo determinado, mas o nada-disto ainda conserva sua imediatez,  mas uma imediatez universal. Esse universal abstrato pode ser chamado de coisidade em geral. A coisa inclui tanto um aspecto positivo no sentido de ser uma universalidade de muitas propriedades, mas também negativo, no sentindo de exclusão das propriedades opostas.  
       Constituída a coisa da percepção, a consciência tem somente de captá-la e de proceder como pura apreensão. A percepção impõe à consciência a tarefa de unificar as múltiplas propriedades da coisa, “fazer com que na coisa coincidam o Uno". As coisas da percepção sofrem de uma contradição entre sua unidade e diversidade. Isto é, entre ser-um e ser-muitos. Nesse processo contraditório, a percepção acaba caindo em abstrações vazias. Com isso a consciência se dá conta de um que de inverdade. 

III. FORÇA E ENTENDIMENTO 

       A percepção apresentou o problema da unidade e da multiplicidade. O objeto se apresenta num primeiro momento como um universal de muitas matérias e em um segundo momento como o uno em si refletido. 
       Assim, o objeto aparece como um subsistir de matérias independentes em que o universal se apresenta como uma multiplicidade de diferentes universais. No entanto, devido à unidade, essas diferentes matérias se interpenetram. As diferenças postas como independentes passam imediatamente à unidade. Esse movimento de ir e vir da universalidade e multiplicidade é o que chamamos de força.  A força é a exteriorização da unidade na multiplicidade. A força seria aquilo que é universal e incondicional no conceito. 
       Assim, o entendimento buscará compreender os objetos a partir da noção de “força”. A força se exterioriza (se realiza, atua) como fenômeno. O fenômeno é o ser da força desenvolvido. O fenômeno é um aparecer que surge para desaparecer, sendo assim, aquilo que imediatamente é em si mesmo um não-ser, um ser que se ausenta. Diante do “nada” desse mundo fenomenal, desse ser que desaparece, o entendimento postula um além onde as coisas permanecem, o mundo suprassensível.  
       No entanto, este mundo suprassensível é vazio por ser o puramente indeterminado. Para que haja algo nesse vazio total, que também se denomina sagrado, a consciência busca preenchê-lo, ao menos com devaneios: fenômenos que a própria consciência para si produz.  
       O que permite que esse mundo seja um mundo de “permanências” seria uma normatividade que reinaria por traz de tudo. O mundo suprassensível passa a ser concebido como um tranquilo reino de leis que existe além do mundo percebido. O mundo suprassensível leva ao o conceito absoluto ou a infinitude simples ou universal. Quando a infinitude - como aquilo que ela é - finalmente é o objeto para a consciência, então a consciência é consciência-de-si.

A CONSCIÊNCIA - DE - SI 

IV. A VERDADE DA CERTEZA DE SI MESMO 

       Nas seções anteriores, a verdade foi considerada como algo que é outra coisa que não é a consciência. O objeto se apresenta, assim, como um Outro: a “essência” da certeza sensível, a “coisa” da percepção e a “força” do entendimento. No caso da consciência de si, no entanto, a consciência é para si mesma o verdadeiro. Assim, com a consciência-de-si entramos, pois, na terra pátria da verdade. 
       O movimento de autoconhecimento envolve três momentos, o primeiro do “ser-em-si” , o segundo do “ser-fora-de-si" ou “ser-outro” e o terceiro de “retorno-a-si”Assim, a consciência-de-si é o retorno a partir do ser-Outro.  
       A consciência-de-si é desejo, isto é, a consciência se constitui não apenas como uma relação de conhecimento, mas como uma relação de desejo e satisfação. A consciência-de-si só encontra a satisfação do seu desejo em outra consciência-de-si. O desejo é o que movimenta a consciência de si em seu percurso espiritual, pelo desejo a consciência sai de si indo ao encontro do outro.  
A - INDEPENDÊNCIA E DEPENDÊNCIA DA CONSCIÊNCIA DE SI: DOMINAÇÃO E ESCRAVIDÃO 
       A consciência-de-si só é na medida em que se coloca para um Outro e como uma Outra. Para a consciência-de-si, há uma outra consciência-de-si, ou seja, ela veio para fora de si. Assim, a relação com outra consciência-de-si é uma condição necessária para a existência da consciência-de-si. No entanto, a consciência acaba por ver a si mesma nesse Outro e nesse sentido, após sair de si mesma, a consciência retorna a si.  
       . Assim a apresentação de si tende à morte do Outro e inclui um arriscar da própria vida. Isso faz surgir uma luta de vida e morte entre as consciências. Só mediante esse arriscar a vida é que a consciência pode conquistar a liberdade.  
       A partir disso surgem dois momentos que podem ser representados pela figura do senhor e do escravo. O senhor é aquele que teve coragem de arriscar a própria vida enquanto o escravo é aquele que teve medo de arriscá-la tornando-se uma mera coisa. O senhor representa a consciência independente para a qual o ser-para-si é a essência e o escravo, a dependência, para o qual a essência é ser-para-outro 
       No entanto, essa dominação sofre uma inversão. A consciência escrava graças ao seu trabalho torna-se consciência independente, colocando o senhor em posição contrária. O escravo se torna senhor das coisas porque as produz e o senhor perde a independência, pois não sabendo trabalhar, passa a depender do escravo. 
B - LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA-DE-SI: ESTOICISMO: CEPTICISMO E A CONSCIÊNCIA INFELIZ 
       Uma vez suprassumida dialética senhor-escravo, a consciência-de-si experimenta-se como liberdade que pensa conceitualmente. No pensar, Eu sou livre; porque não estou em um Outro, mas pura e simplesmente fico em mim mesmo, e o objeto, que para mim é a essência, é meu ser-para-mim, em unidade indivisa; e meu movimento em conceitos é um movimento em mim mesmo. 
       Essa liberdade surgiu como manifestação consciente na História do Espírito na forma do Estoicismo. O princípio do Estoicismo é que a consciência é essência pensante e que uma coisa só tem essencialidade, ou só é verdadeira e boa para ela, à medida que a consciência aí se comporta como essência pensante.  Assim a consciência de si livre se eleva acima da confusão da vida e conserva e alcança para si a impassibilidade (ataraxia). Assim, o Estoicismo se apresenta como afastamento do mundo. 
       No entanto, a liberdade só se realiza de forma mais radical no Ceticismo, pois ele se coloca como uma negação (aniquilamento) do mundo.  O ceticismo é a realização do que o estoicismo era somente o conceito – e a experiência efetiva do que é a liberdade do pensamento, o pensamento torna-se pensar que aniquila o ser do mundo.   
        Mas negando tudo, o Ceticismo esvazia a Consciência-de-si, levando-a à autocontradição e à cisão de si consigo mesma. É uma consciência dupla que ao mesmo tempo que nega o mundo, se vê obrigada a viver como se o mundo existisse, estando presa ao mundo. A Consciência-de-si como cindida e envolvida inteiramente na contradição apresenta-se como Consciência Infeliz.  
       Quando a consciência cética se torna Consciência infeliz, ela descobre a nulidade de sua vida particular, contingente e mutável que se opõe, pela reflexão, a uma outra consciência de uma certeza de si imutável e simples. A consciência, nesse sentido, torna-se consciência de seu próprio nada. 
        A consciência busca se livrar desse aprisionamento na nulidade buscando uma ascensão rumo ao Imutável. O Imutável vai primeiro ser visto como oposto a toda singularidade no Deus distante do Judaísmo. Em um segundo momento, o Imutável passa a ter nele a singularidade na figura do Cristo encarnado e, por fim, no terceiro Imutável, a consciência encontra a si mesma como este singular no imutável e vem-a-ser Espírito.  
        A partir disso, a consciência busca alcançar ser-um do singular com o Imutável em um movimento tríplice, primeiro como pura consciência através do sentimento como fervor devoto, em segundo lugar como consciência pratica e desejante que busca unificar-se como essência singular através do trabalho que é santificação e em um terceiro momento como consciência de seu ser-para-si através do sacrifício de si pelas vias do ascetismo e da culpabilidade. Essa culpabilidade gera um agir miserável e infeliz. 

A RAZÃO 

V. CERTEZA E VERDADE DA RAZÃO 

        Para a consciência infeliz o ser-em-si é o Além dela mesma. Agora, nessa nova etapa, a consciência assume a certeza de ser, na sua singularidade, toda a realidade. Assim enuncia o Idealismo, o conceito de razão. A razão é a certeza de ser toda a realidade, isto é, a certeza de que o que aparece como outro tem a mesma estrutura da consciência-de-si. No entanto, a razão efetiva sendo, de início, só a certeza de ser toda a realidade, está consciente nesse conceito de não ser ainda, enquanto certeza, enquanto Eu, a realidade em verdade. 
A. A RAZÃO OBSERVADORA 
       A consciência observa o mundo real como mundo que é racional. A consciência dessa observação visa e diz que não pretende experimentar-se a si mesma, mas, pelo contrário, a essência das coisas como coisas, no entanto, a razão é igualmente essência das coisas e da consciência mesma. Agora consideraremos o agir da razão observadora nos momentos de seu movimento; como ela apreende a natureza, o espírito e, enfim, a relação de ambos em forma de ser sensível: 
a. A Observação da Natureza: Em sua observação da natureza, a razão classifica e formula leis, mas ao invés de captar a essência das coisas, ela transforma as coisas em conceitos. No entanto, no estudo da natureza, a razão não consegue se encontrar de forma satisfatória e, então passa a observar a consciência humana, esperando aí encontrar-se.
b. A observação da consciência-de-si em sua pureza e em referência à efetividade exterior: leis lógicas e leis psicológicas: A observação se volta para a própria consciência-de-si, buscando compreender as leis lógicas que regem o pensamento. Em seguida observa as faculdades do psiquismo humano, propondo leis psicológicas. A consciência busca compreender a relação entre a consciência de si e o mundo. Mas ao verificar que não há lei que exprima a relação entre a consciência-de-si e o mundo, a observação passa para a individualidade enquanto totalidade concreta, consciência-de-si e corpo.
c. Observação da consciência-de-si em sua efetividade imediata: fisiognomia e frenologia: Pela fisiogomia, busca-se conhecer o interior com base na aparência exterior do indivíduo e a frenologia busca determinar a individualidade com base no formato do crânio. Assim, A consciência-de-si encontra a si como coisa, como osso.
      A consciência-de-si encontra a coisa como a si, e a si como coisa, quer dizer: é para ela que essa consciência é em si efetividade objetiva. Não é mais a certeza imediata de ser toda a realidade.
B. A RAZÃO ATIVA 
       A razão que antes observava coisas, passa a considerar sua própria atividade espiritual. Trata-se do “reino da eticidade”, a razão demonstra sua efetividade e unidade principalmente através da vida ética que se dá no interior de uma comunidade na vida de um povo. Aqui se pode apresentar três figuras morais no trajeto da consciência:
a. O prazer e a necessidade: aqui se tem o Hedonismo, o agir em nome do prazer. Sobre isso, é importante considerar que o agir em nome do prazer não é um agir que se aquieta no gozo, o prazer está no movimento de passagem de um objeto a outro.
b. A lei do coração e o delírio da presunção: aqui se tem o Sentimentalismo, a moral passa a ser vista relacionada à particularidade dos sentimentos individuais. Assim, essa figura enfrenta a dificuldade de fornecer uma lei universal que é a lei de todos os corações.
c. A virtude e o curso do mundo: aqui se tem a recuperação do discurso da virtude natural, segundo o qual a individualidade deve ser sacrificada em nome da virtude. A consciência acredita ter, através da negação de si, o acesso a uma perspectiva universalmente fundamentada.
C. A INDIVIDUALIDADE QUE É PARA SI REAL EM SI E PARA SI MESMA
        Agora a consciência chega, na sua experiência, ao conceito de razão dado no início: ser na certeza de si mesma toda realidade. A consciência sai de si não para um outro, mas para si mesma. Aqui se pode apresentar outras três figuras:
a. A Coisa mesma: O sujeito já está desde sempre inserido em uma pratica, o agir já está presente antes da consciência assumir um projeto. Da ação resulta uma obra, no entanto, a consciência se retira de sua obra e a significação da obra é resultado da interferência de outras consciências, assim a obra desaparece para dar lugar a uma série de interpretações contraditórias. No entanto, essa multiplicidade de interpretações podem ser compreendidas como manifestações da coisa mesma. A coisa mesma é o que supera todos momentos passageiros da obra, se encontrando em todos os momentos e transcendendo a todos eles. A consciência capaz de se relacionar com a coisa mesma chama-se consciência honesta. Haja o que houver, a consciência honesta vai sempre implementar e atingir a Coisa mesma, já que é o predicado de todos esses momentos como este gênero universal. A Coisa mesma é uma essência cujo ser é o agir do indivíduo singular e de todos os indivíduos e cujo agir é imediatamente para outros, ou uma Coisa e que só é Coisa como agir de todos e de cada um. É a essência que é essência de todas as essências, a essência espiritual.
b. A razão legisladora: A consciência ética julga saber imediatamente sem necessidade de justificação o que é certo, o que deve ser feito, no entanto, essas supostas leis éticas universais são, na verdade, leis contingentes.
c. A razão examinando as leis: A razão desiste, pois, de fazer leis, e se contenta em examiná-las. Passa-se a entender que é válido como lei aquilo que não contradiz a si mesmo.

O ESPÍRITO

       A razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade se eleva à verdade. A substância consciente de si mesma é um espírito que é um mundo. O espírito é a vida ética de um povo. 
A. O ESPÍRITO VERDADEIRO: A ETICIDADE
a. O mundo ético. A lei humana e a lei divina, o homem e a mulher: O mundo ético envolve a lei humana que diz respeito à comunidade e a lei divina que diz respeito à família. A lei humana corresponde às leis da vida social e política de um povo; a lei divina à família que é uma comunidade natural. A família se apresenta como ser ético imediato. A lei divina envolve três tipos de relações familiares: a relação marido e mulher, a relação entre pais e filhos e a relação entre irmãos e irmãs. A lei humana procede da divina, o irmão homem é enviado à comunidade, enquanto a irmã mulher se torna a dona da casa, a guardiã da lei divina.
b.  A ação ética. O saber humano e o divino, a culpa e o destino: A tranquilidade do mundo ético é rompida pela ação que se dá como culpa e delito. A essência ética insiste em seu direito em se dar em duas leis, ao agir a consciência se decide por uma delas, a ação, portanto, comete o delito e tem a culpa de assumir somente um dos lados. Inocente, portanto, é só o não-agir, como o ser de uma pedra.
c. O Estado de Direito:  O Estado de Direito é o advento do pessoal no sentido jurídico, a dissolução da eticidade da pólis, a alienação do Espírito que perdeu sua essência numa universalidade abstrata.
B. O ESPÍRITO ALIENADO DE SI MESMO: A CULTURA
        O mundo espiritual é o mundo da cultura e da alienação. Aqui, o Todo (e cada momento singular) repousa numa realidade alienada de si mesma. Há uma primeira alienação no reino da efetividade (a consciência não reconhece mais a efetividade exterior do mundo como seu próprio trabalho) e uma nova alienação no mundo da fé (A fé cria um mundo suprassensível, que é essencialmente outro em relação à consciência-de-si) e no mundo da pura intelecção do Iluminismo (no qual a pura inteligência se opõe a fé considerando-a uma superstição). Em seguida, temos a Revolução Francesa na qual a luta por uma liberdade absoluta resultou em um reino de terror.
       Como o reino do mundo efetivo passa ao reino da fé e da inteligência, assim também a liberdade absoluta passa de sua efetividade que a si mesma se destrói, para uma outra terra do espírito consciente-de-si; e ali ela tem o valor de verdadeiro. No pensamento do verdadeiro, o Espírito se reconforta, na medida em que o espírito é pensamento, e pensamento permanece; e sabe que esse ser, encerrado na consciência-de-si, é a essência perfeita e completa. Surgiu a nova figura do espírito moral.
C. O ESPÍRITO CERTO DE SI MESMO: A MORALIDADE
         A consciência-de-si sabe o dever como a essência absoluta. Só está ligada pelo dever, e essa substância é sua própria consciência pura, para a qual o dever não pode assumir a forma de algo estranho. Aqui a consciência encontra-se identificada com seu objeto. A partir daqui, forma-se uma cosmovisão moral que é constituída pelo conjunto de postulados da razão prática, mas que são postulados contraditórios. São três os postulados da consciência moral:
(1) A consciência moral cumpre o dever, mas vê a natureza como indiferente quanto a proporcionar-lhe felicidade.
(2) A natureza não é externa ao Si, mas diz respeito aos impulsos naturais que parecem opostos ao dever.
(3) A moral está fundamentada em uma Essência Sagrada da qual a consciência espera poder conseguir a felicidade se cumprir seus deveres. Assim o dever moral passa a ser visto fora da consciência em outra Essência.
      Assim a cosmovisão moral se apresenta de forma contraditória. A contradição da cosmovisão moral é de que há uma consciência moral, e de que não há; ou de que a vigência do dever está além da consciência, e inversamente, que só nela tem lugar, - essa contradição se condensa na representação de que a consciência não-moral vale por consciência moral, seu saber e querer contingentes são aceitos como ponderáveis, e a felicidade é concedida à consciência por uma graça.
       Dada essas contradições o espírito abandona a cosmovisão moral e passa à boa consciência. A boa consciência é o espírito moral concreto em que o dever é dado na certeza imediata de si memo. É uma consciência judicante, a “bela alma”, que prefere criticar e julgar o mundo, do que propriamente transformar o mundo mediante sua ação. Assim, quando se passa à ação, o mal e a hipocrisia são inevitáveis. A consciência atuante é julgada pela consciência universal que só com muito custo lhe concede o perdão.

A RELIGIÃO

       A religião é a consciência de si do espírito, é um conhecimento do espírito pelo espírito, mas ainda não é o saber absoluto, pois tal conhecimento ainda se dá no âmbito da representação. A forma suprema da religião é a religião revelada, nela o Espírito se apresenta em sua essência na figura do Cristo como Deus encarnado. Na figura do Deus-Homem o espírito finito se reconcilia com o espírito infinito.
       Em seu movimento de vir-a-ser, a religião passa por estágios que apresentam sua figura sob diferentes perspectivas pelas quais o Espírito, em sua vivência religiosa, determina sua essência:
(1) Religião Natural: A religião natural é a religião da natureza, nela a essência divina é para a consciência um ser imediato, uma coisa objetiva. A consciência, neste momento, diviniza objetos naturais: a luz, as plantas, os animais, etc.
(2) Religião da Arte: A essência divina deixa de ser representada por objetos naturais e passa a ser representada por formas do “si” individual. O divino passa a tomar a forma do indivíduo humano. As figuras divinas passam a ser representadas na obra de arte pelas estátuas.
(3) Religião Revelada: A essência divina se torna efetivamente Si, pela Encarnação. Deus é assim revelado aqui como ele é: ele é aí assim como ele é em si; ele é aí espírito. Deus é o espírito, e esse saber é o saber da religião revelada. A religião revelada apresenta três momentos: a substancia pura (Pai), a consciência de si singular (Filho na existência individual) e a consciência de si universal (o Espírito na comunidade religiosa).

O SABER ABSOLUTO

       O saber absoluto é o espírito que se sabe como espírito. O saber absoluto recapitula e reúne todos os movimentos e figuras anteriores, que na verdade são as etapas do vir-a-ser. Tem por seu caminho a recordação dos espíritos como são neles mesmos. A História é a marcha do Espírito no tempo, um vir-a-ser, um movimento lento e um suceder-se de espíritos, um ao outro e cuja meta final é o saber absoluto. Desse modo, se forma, o reino-dos-espíritos, que constitui uma sucessão na qual um espírito sucedeu a um outro, e cada um assumiu de seu antecessor o reino do mundo.
       Sua conservação, segundo o lado de seu ser-aí livre que se manifesta na forma da contingência, é a História; mas segundo o lado de sua organização conceitual, é a ciência do saber que-se-manifesta. Os dois lados conjuntamente - a História conceituada - formam a recordação do espírito absoluto, a verdade e a certeza de seu trono, sem o qual o espírito seria a solidão sem vida.




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